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Aspectos jurídicos da reprodução humana assistida em face do meio ambiente ecologicamente equilibrado

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01/11/2002 às 00:00
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04. Aspectos Psicológicos:

O desenvolvimento dos progressos técnicos e científicos determinadores de um novo domínio da reprodução humana levou psiquiatras e psicólogos a se interrogarem sobre os perigos e desafios que constitui o preço desta liberação frente à tradicional postura ética e religiosa da humanidade, bem como frente ao "pânico moral" (10) que ela suscita.

As novas técnica, desenvolvidas nos últimos anos, representam uma verdadeira revolução, na medida em que permitem, a procriação sem relação sexual, ao inverso da contracepção que permite a sexualidade sem procriação; a fecundação e o início do desenvolvimento do ser humano, fora do corpo da mulher, no laboratório; a possibilidade de transferir um embrião no útero de uma outra mulher que não forneceu o óvulo, e assim por diante.

A mera consideração destas novas possibilidades, ainda não esgotadas e, provavelmente, geradoras de novas técnicas e recursos, nos revela a extensão do problema, especialmente no terreno psicológico. A reprodução humana assistida tem se desenvolvido num contexto geral pleno de contradições. Ela provoca posições que alimentam um constante debate conflitual.

Tal estado de coisas é necessário, pois é a partir deste contexto contraditório que surgirão as soluções mais adequadas à controvertida matéria. Como se posiciona SÉRGIO FERRAZ (11) ao analisar a questão das manipulações biológicas, sob a ótica constitucional, "estamos a lidar com questões que, praticamente na sua totalidade, se revelam despidas, entre nós, de trato normativo infraconstitcional. Em nossa opinião não há qualquer inconveniência que assim seja: por uma parte, a doutrina jurídica a respeito, ainda é extremamente parca e incipiente (...) ademais, parece inexistir, sobre tudo isso, um mínimo de consenso social, que pudesse comportar soluções legislativas."

A reprodução humana assistida suscita um debate conflitual porque a entrada de um novo ser na vida e comunidade humanas deixa de ser natural, deixa de ser da ordem "dada" e ingressa na ordem do "feito"; torna-se um ato de vontade materializado, não mais na união corporal de dois seres, mas em técnicas, alheias ao controle do casal. Tal alteração na ordem natural dos acontecimentos provoca interrogações essenciais sobre o sentido e o valor de tais poderes, gerando na psiquê humana, uma série de conflitos.

Se a inseminação artificial homóloga não cria maiores problemas de ordem psicológica, já que a matéria manipulada é originária do marido e da mulher a inseminação heteróloga, com doador de esperma, estranho ao casal, é traumatizante e paradoxal, na medida em que permite o estabelecimento de uma aparente conformidade às normas sociais e individuais da filiação, independente da notória transgressão dessas normas.

As particularidades do contexto psicológico ligado a este modo de concepção - culpabilidade vinculada à transgressão - designam sem dificuldades, para muitos, a criança concebida por este modo ´alternativo´, como uma criança de alto risco, no seu desenvolvimento afetivo.

O desejo de filiação, portanto, é inato à natureza humana. Desde a infância até a velhice o homem espera perpetuar sua espécie através dos filhos. "O fantasma mais profundo da criança, qualquer que seja seu sexo é obter o poder de ter um filho, isto é, de possuir o poder do casal e, em todo caso, da mãe. Trata-se, pois, nem tanto de ter uma criança real, mas o de possuir o poder de gerá-la e, então, de se identificar à mãe na plenitude do seu absoluto." (12)

Em se tratando de meninas, as identificações com a mãe se desenvolvem através do brinquedo de bonecas. Quanto aos meninos, através do papel de pai. As identificações, pois, de ambos os sexos ocorrem na primeira infância.

Na puberdade, as mudanças físicas do corpo e a liberação das pulsões sexuais confrontam novamente o adolescente com a criança em potencial que ele poderia ter. o desejo consciente de ter e criar um filho surge na fase adulta e, de forma intensa, nos casais.

Se juntarmos a estes aspectos as imposições de ordem social e familiar pode-se bem avaliar no que implica, para o casal, a descoberta de uma esterilidade. A situação psicológica torna-se difícil pelo isolamento no qual é colocado o casal.

A esterilidade masculina atinge diretamente o homem naquilo que ele tem de mais profundo e provoca importantes repercussões psicológicas. Na mulher, a esterilidade também provoca reações psicológicas. As reações das pessoas que nos cercam, igualmente pesam sobre o casal.

O que ocorre é uma reação de reprovação em cadeia. Limitada, inicialmente, a uma pessoa, passa a atingir o casal, e daí, passa ao grupo familiar, envolvendo, num estágio derradeiro, a sociedade inteira.

Em uma sociedade como a nossa, extremamente centrada nas noções de virilidade e do papel reprodutor, a descoberta da esterilidade masculina provoca enorme desordem psíquica.

Conforme DIDIER DAVID, "A esterilidade fere como a morte, esta atinge à vida do corpo, aquela à vida através da descendência. Ela rompe a cadeia do tempo que nos vincula àqueles que nos precederam e àqueles que nos sucederão; é a ruptura da cadeia que nos transcende e nos liga à imortalidade. O homem estéril é um excluído, o tempo lhe está contado, a morte que o espera está sempre presente, a vida se abre sobre o nada. Sua rapidez, sua brutalidade, sua enormidade levam o homem, quase sempre, a negá-la, num primeiro momento." (13)

A esterilidade não coloca em cheque só a organização psíquica do indivíduo, mas atinge também o casal. Se a esterilidade é difícil de viver individualmente para o homem solteiro, ela é ainda mais ofensiva para o homem casado, que sofre em não poder dar a sua mulher a realização da gravidez e a alegria de ter um filho. Com efeito, a esterilidade priva-a de três sensações insubstituíveis: a gravidez, a criança e o estado de mãe.

A esterilidade se apresenta para o casal, para suas famílias e para a sociedade circundante, como uma doença, sempre grave e diversa na sua evolução; ora lenta, ora aguda, frequentemente irregular (14), conduzindo a uma cura com reforço do casal, ou bem, com sequelas, quando não, à ruptura. recorrendo à inseminação artificial heterológa ou a outros tratamentos de infertilidade, o casal passa a enfrentar e viver conflitos narcísicos e neuróticos potencializando fatores de vulnerabilidade, como também recursos para enfrentar os desafios da descoberta.

Dois caminhos se abrem para atingir o desejo de ter filhos: ou bem o casal recorre à adoção ou bem, à inseminação. Os dois são válidos, embora com cargas emotivas diversas e, certamente, efeitos pessoais totalmente distintos. Não há como se anular a validade do recurso à inseminação alegando, pura e simplesmente, que na inseminação há vaidade, ou que ao invés de se investir na inseminação, dever-se-ia fomentar a adoção, resolvendo, indiretamente, o problema social do menor abandonado.

Tais argumentos são totalmente impertinentes, visto que a questão do menor abandonado é um problema estatal, portanto público, enquanto o desejo de ter filhos através da inseminação artificial é uma questão pessoal, de ordem privada, de foro íntimo.

O Estado brasileiro tem incentivado com todo vigor o instituto da adoção com vistas a solucionar e tentar reduzir o número excessivo de menores abandonados. Ou seja, na impossibilidade de resolver o problema desloca-o à esfera privada, procurando liberar-se de uma questão crucial que permanece, eminentemente, pública.

Como bem asseverado por EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE (15), "não há egoísmo nenhum em querer ter seu próprio filho. Além disso, o ato de amor, apontado por alguns psicanalistas, quanto à adoção, ocorre igualmente - e, talvez, até em dose maior - nas inseminações artificiais, onde o casal renuncia integralmente sua privacidade no ato de procriação e aceita a participação de um terceiro estranho.


Aspectos Éticos:

Por mais que se discuta a questão da técnica médica, não podemos nos furtar das questões éticas e morais. O tema é carregado dessas questões, uma vez que o procedimento artificial induz a extensa utilização e manipulação de embriões, trazendo a possibilidade num futuro muito próximo da eugenia da prole e por consequência da espécie humana (16).

Portanto, antes de abordarmos particularmente os aspectos éticos da reprodução humana assisitida (17), cumpre destacar o que vem a ser ética (18) em sua concepção primordial. Ethos (com a letra eta) significa a morada do homem, o seu abrigo. E daí se deriva um uso metafórico que dá ao vocábulo o sentido de costumes, vistos estes como morada racional da vida humana. É fundamental não confundirmos ethos (costume racionalmente discutido) com hexis, que é puro hábito automatizado.

Entendamos, então, a ética como a discussão racional do ethos, que ultrapassa o nível prático-moral (individualizante) em direção ao nível teórico-ético (socializante e universalizante). Os temas fundamentais da ética são os da liberdade, da vontade e da responsabilidade.

É obvio que somos condicionados por valores da sócio-cultura. No entanto, embora condicionados, seguimos responsáveis pela qualidade da vida humana, individual e coletivamente. Já dizia Kant que o conceito mais originário da ética é o de respeito, desde que não se carregue esta última palavra com sentidos piegas.

O século XX tem contado de qualquer forma, com uma espécie de remanescentes que nunca abriram mão da dignidade e da qualidade do viver. Muito embora tenha sido um tempo de grandes conturbações, não existem só negatividades em nosso século.

Afinal a década de 1960 deu à luz a Ecologia, inicialmente interessada em investigações e denúncias relativas ao ecossistema - uma Ecologia Ambiental. Já na década de 1970, mais para o seu fim, chegou-se à Ecologia Social, interessada nos traumatismos e poluições do relacionamento institucional e pessoal. Registrava-se aí um avanço. Mas avanço maior surge no final da década de 1980 e início da presente, quando se principia a tratar da Ecologia Mental.

Contudo, devido ao mau uso da mídia, em particular da propaganda abusiva, por meio de videocassetes propagadores do caos ecológico, bem como à invasão no meio humano de valores do industrialismo (como o conceito de "produto descartável" que invadiu as relações interpessoais), temos cada vez mais urgência de estações de tratamento do lixo mental, vislumbrando-se aí, sérios avanços na direção de uma sociedade mais consciente de si (19).

No que tange à questão ética da reprodução humana assistida, cumpre fazer a seguinte reflexão: pode-se e deve-se desenvolver tudo que é científica e tecnicamente possível, em matéria de experiências sobre o homem, de utilização do corpo humano e da procriação?

A moral e o direito positivo estão suficientemente aptos a enfrentar estas novas questões? Ou as novas técnicas estão a exigir novas regras capazes não só de contornar os problemas daí decorrentes, como também estabelecer limites de aplicação dos novos conhecimentos?

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Nas sociedades modernas, a esterilidade gera uma série de tratamentos terapêuticos. Como não se trata de uma doença, a opinião pública tem se questionado se ela merece um tratamento adequado, ou se, no atual estágio de evolução científica, deve-se recusar os progressos da pesquisa e limitar progressivamente seu avanço.

Provocar um nascimento através destas novas técnicas é um ato que suscita interrogação de ordem ética e, para responder estas interrogações, uma reflexão ética foi empreendida em numerosos países.

Depois do nascimento de Louise Brown, em 1978, na Inglaterra, os países industrializados reagiram institucionalmente, cada um a seu modo: os Estados Unidos, através de comissões nacionais do Governo; a Grã-Bretanha, através da constituição da comissão Warnock (20) que entregou seu relatório ao governo, em 1984; a Suécia, através da organização de grupos especializados (comissões sobre genética, sobre inseminação artificial, etc.); a França, pela criação - em 1983 - do Comitê Consultivo Nacional de Ética para as Ciências da Vida e da Saúde. O nascimento de Louise Brown representava um progresso considerável: a técnica, longamente explorada, abria novos horizontes à terapêutica da esterilidade e à ciência da embriologia.

Realmente, as procriações artificiais pertubaram nossas representações tradicionais dos modos de concepção e das estruturas de parentesco. A fecundação in vitro criou uma situação especialíssima na história da maternidade: pela primeira vez na história da humanidade, o começo da vida humana se encontra dissociado do corpo da mulher geradora.

E, em nossa reflexão, essa é a questão primordial que se deve debater, posto que a decisão de ter filhos, competência até então exclusiva do casal, passou, com o advento das técnicas já mencionadas, a estar dissociado da capacidade decisória do casal, visto que passou a ser conduzido a seu termo pela associação de um embrião estranho ou de um esperma alheio. Terceiros intervém: doadores de esperma e de óvulos, mulher que se presta à gestação do embrião, médicos e intermediários que, por razões diferentes, intervém neste nascimento, desde a concepção.

Portanto, no caso da fecundação in vitro, criou-se uma situação totalmente inédita para a qual não existe nenhuma legislação, ou quando muito, legislações previstas para circunstâncias diferentes. (21) Novas leis são necessárias para tratar tanto as novas técnicas que remediam a esterilidade e suas consequências, quanto os progressos da pesquisa no setor da embriologia.

Até recentemente era impossível separar o embrião do corpo da mulher. Entretanto, desde a Antigüidade, filósofos e teólogos se interrogam sobre este ser humano em formação. O direito romano e nosso direito civil atual lhe reconhecem uma certa personalidade, desde a concepção, sob a condição que se trate de uma criança nascida viva e viável. (22)

Os problemas éticos e jurídicos motivados pela utilização do embrião humano variam quer se trate de embrião vivo quer se trate de embrião morto. A origem dos mesmos é, nos dois casos, diferente: no primeiro caso, o embrião vivo é proveniente de uma fecundação in vitro; no segundo caso, o embrião pode ser resultado tanto de uma fecundação in vitro, quanto de uma interrupção voluntária ou espontânea da gravidez.

O termo embrião é aqui empregado englobando todas as etapas do desenvolvimento do zigoto, desde a fecundação do óvulo até o estágio fetal que ocorre na oitava semana de gravidez. (23) A palavra feto é empregada após esta fase, quando todos os principais órgãos estão formados.

Muito embora a matéria seja extremamente fértil do ponto de vista técnico-científico, gerando série infindável de discussões concernentes ao posicionamento ético inclusive relativo à questão do embrião excedente que é conservado por meio de congelamento (24), passaremos a discutir os aspectos jurídicos da reprodução humana assistida em face da constituição federal e do meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida.

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Sobre o autor
Ecio Perin Junior

Head of the Business Reorganization Team; Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar, Advogados e Consultores Legais; Doutor e Mestre em Direito Comercial pela PUC/SP; Especialista em Direito Empresarial pela Università degli Studi di Bologna; Presidente e sócio fundador do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial – IBRADEMP; Membro Efetivo da Comissão de Fiscalização e Defesa do Exercício da Advocacia da OAB/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PERIN JUNIOR, Ecio. Aspectos jurídicos da reprodução humana assistida em face do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3510. Acesso em: 22 nov. 2024.

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