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Responsabilidade civil no novo Código Civil.

Violação de direito e dano puramente moral

Leia nesta página:

É oportuno lembrar que não se coloca em dúvida o conhecimento e a capacidade daqueles que laboraram para realizar o Novo Código Civil. Pelo contrário, o presente texto tem somente o interesse de sugerir e, eventualmente, suprimir dúvidas por meio da promoção de trocas de idéias.

Sendo assim, buscando clarear o espírito do atual estágio da evolução social e, conseqüentemente, do direito, relembra-se a lição do Desembargador Milton dos Santos Martins, proferida na Ap. Cível n.º 38.677 – 2ª Câmara Cível – Porto Alegre – j. 29/10/81:

"Sempre atribuímos mais valores às coisas materiais do que às coisas pessoais e de espírito. Não se indenizam as ofensas pessoais, espirituais, e se indenizam os danos materiais. Quer dizer, uma bicicleta, um automóvel, tem mais valor do que a honra e a boa fama do cidadão. Não se mediria a dor, esta não tem preço, indigno até cobrar. (...) Tem-se de começar a colocar no ápice de tudo não o patrimônio, mas os direitos fundamentais à vida, a integridade física, à honra, à boa fama, à privacidade, direitos impostergáveis da pessoa. O direito é feito para a pessoa. Não se concebe que se queira discutir ainda hoje se indenizável ou não o chamado ‘dano moral’!" (Glaci de Oliveira Pinto Vargas – Reparação do Dano Moral – Controvérsias e Perspectivas – Editora Síntese – 1.º Edição – 1996 – fls. 05).

No Código Civil em vigor, de 1916, pelo confronto dos artigos 76, 159, 948 e 1.518, dúvidas não pode haver no sentido de ser indenizável tanto a violação do direito como o dano puramente moral:

Art. 76. Para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse econômico ou moral.

Parágrafo único. O interesse moral só autoriza a ação quando toque diretamente ao autor, ou à sua família.

Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.

A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553.

Art. 948. Nas indenizações por fato ilícito prevalecerá o valor mais favorável ao lesado.

Art. 1.518. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeito à reparação do dano causado, e, se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação.

A teor dos citados artigos, qual seria, então, o dano reparável? O Professor João Casillo, posiciona-se com clareza:

"O Código indica como dano reparável, isto é, indenizável, aquele decorrente de prejuízo causado ou direito violado. Pretendesse o legislador vincular a noção de dano apenas às hipóteses onde houvesse prejuízo no sentido de diminuição patrimonial, não teria incluído a expressão violar direito. Bastaria dizer que aquele que causasse prejuízo ficaria obrigado a repará-lo.

(...) O direito à indenização nasce quando seja causado o prejuízo ou simplesmente violado o direito. (...)

Basta a violação, a ofensa ao direito, para que a proteção jurídica referente à reparação imediatamente nasça, independentemente de outra cogitação." (Dano à Pessoa e sua Indenização – 2ª edição, revista e ampliada – 1994 – Editora Revista dos Tribunais – fls. 52 e 53).

Por estas razões, atualmente, dúvidas acerca da possibilidade da indenização do dano moral ou da violação de direito, a teor da lei, não poderiam existir. Esta, aliás, é a posição predominante nos Tribunais Pátrios. Entretanto, a nível de ilustração, ao que tudo indica, no que se refere a indenização do dano moral, observe-se que a questão não é assim tão pacífica:

"NOTÍCIAS

Contrato de gaveta’ não dá direito a reparação de danos

Data: 25/09/2002p

Autor: Assessoria de Imprensa

(...)

Indústria

Outro pedido de indenização julgado na mesma Câmara, e provido à unanimidade de votos, refere-se a um grupo de treze funcionários do Município de Dois Vizinhos que tiveram sua situação financeira divulgada através de listagem fornecida pelo Banestado. Segundo o relator, desembargador Octávio Valeixo, a relação com os nomes e valores recebidos foi entregue a um candidato às eleições municipais e utilizado em comício político, violando a privacidade garantida constitucionalmente. Os integrantes da Câmara discordaram quanto ao valor indenizatório, que foi reduzido pelo Desembargador Sydney Zappa sob a alegação da existência de uma indústria de indenizações. Rebatendo esta posição, Valeixo observou que não haveria uma indústria de dano moral se não existisse a matéria-prima, a violação, o ilícito penal." www.tj.pr.gov.br

(http://celepar6.pr.gov.br:2080/tj/noticias.n.../a7f2d576184d9c9703256c3f0072cf28?OpenDocumen)

No julgamento citado, ao que tudo indica, questionava-se sobre a valoração de um dano moral tido como ilícito penal. Aliás, teoricamente, esta espécie de dano moral encontra-se tarifada no texto da lei em vigor, desde que não se prove o prejuízo material:

Código Civil / 1916

Art. 1.547. A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido.

Parágrafo único. Se este não puder provar prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva (art. 1.550).

Entretanto, devido ao possível fortalecimento da discussão em torno do dever de indenizar ou não a violação de direito e o dano puramente moral, especialmente a partir da entrada em vigor do novo Código Civil, justifica-se a preocupação com a atual redação dos dispositivos legais que tratam destes temas no contexto do novo Código Civil (Lei 10.406, de 10 de Janeiro de 2002).

Observe-se:

Novo Código Civil

Título III Dos Atos Ilícitos

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Título IX Da Responsabilidade Civil

Capítulo I Da obrigação de Indenizar

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.

Capítulo II – Da Indenização

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.

Pergunta-se:

1) Qual a conduta incluída no ato ilícito?

Como resposta, evitando a repetição, as condutas previstas nos arts. 186 e 187 do novo Código Civil, incluindo, na síntese do interesse:

A ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência que (...) violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral.

2) Qual o ato ilícito indenizável?

A teor da letra fria da lei, como regra geral:

Só o ato ilícito que causar dano a outrem.

3) Qual o dano indenizável?

Qualquer dano, inclusive o exclusivamente moral, ou seja, sem repercussão econômica, mesmo que proveniente de "violação de direito".

4) O ato ilícito que "simplesmente" violar direito será indenizado?

A teor dos citados dispositivos legais, não.

Por esta opinião, entende-se que se o ato ilícito praticado "simplesmente" violar direito de outrem, sem causar-lhe dano, não haverá o dever reparatório (indenizatório) em virtude da supressão da expressão "violar direito de outrem" do art. 927.

Se porventura esta opinião for válida, em tese, poderia ocorrer um verdadeiro caos civil. Por exemplo: Há um automóvel devidamente estacionado na rua. Um cidadão, querendo impressionar uma moça, entra no automóvel e, partindo com o mesmo, encontra-se com a moça levando-a para passear. Terminado o passeio, deixa a moça em sua residência e estaciona o carro no local de onde o havia retirado, sem provocar qualquer dano no mesmo, inclusive deixando cheio o tanque de combustível do veículo. Civilmente, a teor do novo Código Civil, qual seria a responsabilidade deste cidadão perante o legítimo proprietário do veículo que sequer o conhecia? Pelos citados artigos da lei, penso que neste caso não haveria que se falar em responsabilidade civil, mesmo tendo havido um ato ilícito derivado de violação do direito de propriedade (e disponibilidade) do referido automóvel.

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5) É possível imaginar que pela citada hipótese, de simples violação de direito, não haveria dano mesmo que puramente moral?

Parece que sim; seria um fato ilícito não indenizável. Não houve qualquer prejuízo material no veículo que foi devolvido em iguais condições, no mesmo local de onde havia sido retirado, mesmo antes que o dono sentisse sua falta. Aliás, este só veio tomar conhecimento da retirada indevida do seu veículo na semana seguinte por intermédio de conversas com amigos.

Assim, buscando afastar eventual incompreensão do direito e decisões causadoras de inúmeros prejuízos à coletividade em geral, a nível de opinião, por justificada precaução, o artigo 927 do novo Código Civil mereceria nova redação, mais completa, para incluir a expressão "ou violar direito de outrem":

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano ou violar direito de outrem, fica obrigado a repará-lo.

A razão da sugestão encontra respaldo na segurança que os indivíduos e a sociedade devem resguardar no trato das suas relações contribuindo para efetivação da tão almejada paz social.

Mesmo que esta opinião não esteja correta, acertos e desacertos não são raros, inclusive, pelos membros do Poder Judiciário. Prevendo estas reais possibilidades, cabe, então, ao Estado diminuir as chances dos erros (e injustiças) de interpretação e aplicação do direito ditando normas objetivas e mais claras possíveis que poderão ou não incidir, de acordo com o desejo do Estado e das condutas humanas e fatos futuros. Válidas são as palavras magistralmente citadas pelo Professor Humberto Theodoro Júnior, dispondo sobre tema diverso:

"O aprimoramento dos sistemas jurídicos do Estado Democrático de Direito, embora repila a jurisdição como fria operação de reproduzir a literalidade da lei abstrata, não convive, também com uma justiça do tipo salomônico, inspirada apenas na sabedoria, no equilíbrio e nas qualidades individuais do julgador. Se isto pode funcionar na maestria de um juiz de extremada sensibilidade, apresenta-se, todavia, como sério risco de arbitrariedade e insegurança diante do comum dos julgadores. Daí a inclinação dos ordenamentos contemporâneos por ‘uma técnica de aplicação do direito que se vincula a elementos não-subjetivos, a uma estrutura normativa que possibilita aos membros da sociedade, que vão a Juízo, contarem com a mesma segurança, no processo, quer estejam perante um juiz dotado de inteligência, cultura e sensibilidade invulgares, quer estejam diante de um juiz que não tenha sido agraciado com os mesmos predicados" (Prática Jurídica – Ano I – N.º 6 – 30 de setembro de 2002 – Editora Consulex – fls. 53).

Conclui-se, pelos motivos expostos, que o artigo 927 do novo Código Civil merece nova redação para afastar, contextualmente, o perigo de equívocos e injustiças oriundas da sua atual redação.

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Sobre o autor
Hélder Gonçalves Dias Rodrigues

advogado em Ibaiti (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Hélder Gonçalves Dias. Responsabilidade civil no novo Código Civil.: Violação de direito e dano puramente moral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3526. Acesso em: 5 nov. 2024.

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