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Uma leitura sobre o conceito de consumidor no Brasil e na Espanha

Leia nesta página:

Comparação jurídica sobre a figura do consumidor e tratamento dado pela doutrina pátria e espanhola, através de um estudo de direito comparado.

O termo consumidor possui várias acepções, não apenas jurídica, mas econômica e política. Devido a seu vasto campo conceitual, a delimitação do consumidor como sujeito de direito originou inúmeras teorias e estudos no Brasil, na Espanha e em todo o mundo, sendo de grande valor a tarefa dos juristas e filósofos do direito na busca do estabelecimento de limites ao conceito de consumidor.

De acordo com os dicionários Aurélio e Houaiss de língua portuguesa, consumidor é pessoa que compra para uso próprio gêneros ou mercadorias. Para os economistas, o consumidor é um sujeito de mercado que adquire bens ou utiliza serviços com a finalidade de destiná-los a satisfação de suas necessidades pessoais ou familiares.

Malgrado estejam corretos esses conceitos, há uma preocupação maior dos juristas ao conceituar a figura do consumidor, pois ele é visto como o principal agente da vida econômica, pois para ele é voltado o esforço da produção, sendo a ele que se vendem produtos e serviços e que se busca seduzir com publicidade. Enfim, é o consumidor quem paga a conta da produção e é dele que vem o lucro do produtor.

Sua influência pode ser vislumbrada nos dois extremos da estrutura econômica, seja no ponto final da cadeia de produção, na qual ele adquire, consome e utiliza os produtos e serviços oferecidos, julgando-os e até mesmo selecionando-os.

Além disso, na outra ponta, a da produção, o consumidor ainda pode fazer-se ouvir, tanto pela sua reação negativa a um determinado produto, quanto pela manifestação de uma necessidade de consumo específica.

Há que se levar em consideração também que existem vários tipos de consumidores, sendo estes ricos e pobres, informados e desinformados, crianças, adultos e idosos, consumidores indefesos e capazes de se defenderem. Nesse sentido, Guido Alpa propugna que o consumidor deve ter um tratamento individualizado, que atenda as suas particularidades e interesses específicos, e não como uma determinada classe existente em uma sociedade.[1]

Para o Direito, o referido termo abarca vários sentidos, teorias e entendimentos doutrinários e jurisprudenciais. Nessa senda, não há um conceito jurídico-científico claro e único de consumidor, ainda que inexista qualquer relação entre os conceitos oriundos das suas varias fontes, em todas elas subjaz o mesmo tipo de adquirente ou usuário de bens e serviços que se tem a finalidade de proteger.

Um dos idealizadores do anteprojeto do Código de Proteção e defesa do Consumidor, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin aduz que na seara jurídica, a visão puramente técnica de consumidor, arraigada ao conceito econômico não é inteiramente aceita pelo direito, visto que as considerações politicas podem ampliar ou restringir este conceito, que após ser remodelado pela doutrina e jurisprudência, poderá ter um efeito diverso do pretendido inicialmente pelo legislador.[2]

Logo, a problemática que consiste em determinar a noção hodierna de consumidor está vinculada aos avanços experimentados pela corrente de proteção dos consumidores, que nas últimas décadas, cada vez mais ampliou o leque de pessoas consideradas carecedoras de uma proteção especial no tocante às relações de consumo.

Por conseguinte, aduz Carlos Lasarte Álvarez que em termos gerais, podem-se distinguir duas noções diferentes de consumidor, sendo uma concreta, calcada fundamentalmente nas pessoas que adquirem bens ou serviços para uso privado e uma noção ampla ou abstrata, que inclui todos os cidadãos como pessoas que aspiram ter uma melhor qualidade de vida.[3]

E o aludido jurista ainda complementa:

En realidad las nociones abstractas y concretas no son, pues, categorías homogéneas, puesto que las primeras constituyen el instrumento de que sirve el legislador para hacerse uma idea de la realidade que pretende regular y de los objetivos perseguidos mediante la acción legislativa; en tanto que las segundas, como se comprobará, constituyen el instrumento técnico mediante el que se acota el ámbito de aplicación de las normas promulgadas o proyectadas.[4]

Depreende-se, portanto, que a noção concreta é a que permite o exercício pleno e individual dos direitos do consumidor, sendo esta baseada em um critério subjetivo, é utilizada tanto pelo legislador espanhol como o da União Europeia para o desenvolvimento dos textos legais.

No Brasil, o conceito legal de consumidor está expressamente enunciado no art. 2º da Lei 8.078/1990, que dispõe que “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Portanto, observando-se o teor desse dispositivo, o consumidor pode ser tanto uma pessoa física como jurídica, sem qualquer distinção.

A legislação espanhola, por sua vez, aboliu a identificação de consumidor como destinatário final na relação de consumo, baseando-se em um critério subjetivo que tem apenas como elemento normativo a não reintrodução do produto ou serviço no mercado pelo adquirente ou utilizando-o de algum modo no processo de elaboração ou comercialização, de acordo com o expresso no art. 3º do Real Decreto Legislativo 1/2007, de 16 de novembro:

Art. 3º. Concepto general de consumidor y de usuário. – A efectos de esta norma y sin perjuicio de lo dispuesto expresamente en sus libros III y IV, son consumidores o usuarios las personas físicas que actúen con un propósito ajeno a su actividad comercial, empresarial, oficio o profesíon. Son tambíen consumidores a efectos de esta norma las personas jurídicas y las entidades sin personalidad jurídica que actúen sin ánimo de lucro enun ámbito ajeno a una actividad comercial o empresarial.

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Entretanto, tal conceito é reiteradamente objeto de críticas pela doutrina espanhola, no sentido de que mesmo sendo breve e conciso, é excessivamente restritivo, visto que também exclui da condição de consumidor toda pessoa, que durante a relação de consumo, exerça qualquer atividade de natureza profissional ou empresarial. Como bem aponta Ángel Acedo Penco, a proteção legal do consumidor vem se justificando pela desigualdade entre as partes, sobretudo desde o ponto de vista econômico e técnico ao conhecimento de mercado.[5]

A respeito da pessoa jurídica consumidora no Brasil, outras são as perplexidades levantadas, porém foi acertada a escolha do legislador em incluir a pessoa jurídica como sujeito de direito na relação de consumo, conforme a lição de José Geraldo Brito Filomeno:

Prevaleceu, entretanto, como de resto em algumas legislações alienígenas inspiradas na nossa, a inclusão das pessoas jurídicas igualmente como consumidores de produtos e serviços, embora com a ressalva de que assim são entendidas aquelas como destinatárias finais dos produtos e serviços que adquirem, e não como insumos necessários ao desempenho de sua atividade lucrativa.[6]

Nessa senda, também defende a inclusão da pessoa jurídica como consumidora Júlio Moraes Oliveira, através da teoria do finalismo mitigado, que tem por escopo a relativização da vulnerabilidade no tratamento do consumidor-empresário, que de acordo com o referido jurista, o consumidor pode ser tanto um empresário individual quanto uma sociedade empresária, mas tal fato não generaliza a aplicação do Código de Defesa do Consumidor de maneira livre e irrestrita, devendo a análise ser feita sobre a figura do próprio consumidor, de acordo com o caso concreto.[7]

O referido jurista ainda destaca que além das espécies tradicionais de vulnerabilidade consolidadas pela doutrina e jurisprudência, outros elementos como a dependência do produto, o monopólio da produção, a natureza adesiva do contrato ou a extrema necessidade de obtenção de um bem ou serviço podem configurar tal definição.

Sendo assim, uma vez presentes os elementos da relação de consumo, é irrelevante a discussão sobre o enquadramento da pessoa ao conceito, visto que a vulnerabilidade do consumidor é elemento essencial da relação de consumo. O fato de a pessoa jurídica ser economicamente forte ou não acaba sendo dispensável, pois tal comprovação confunde hipossuficiência com vulnerabilidade.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça entende que existe a possibilidade de se mitigar a vulnerabilidade da pessoa jurídica, afastando a interpretação do Código de Defesa do Consumidor:

Processo Civil e consumidor. (...). Relação de consumo. Caracterização. Destinação final fática e econômica do produto ou serviço. Atividade empresarial. Mitigação da regra. Vulnerabilidade da pessoa jurídica. Presunção relativa. (...). Ao encampar a pessoa jurídica no conceito de consumidor, a intenção do legislador foi conferir proteção à empresa nas hipóteses em que, participando de uma relação jurídica na qualidade de consumidora, sua condição ordinária de fornecedora não lhe proporcione uma posição de igualdade frente à parte contrária. Em outras palavras, a pessoa jurídica deve contar com o mesmo grau de vulnerabilidade que qualquer pessoa comum se encontraria ao celebrar aquele negócio, de sorte a manter o desequilíbrio da relação de consumo. A paridade de armas entre a empresa-fornecedora e a empresa-consumidora afasta a presunção de fragilidade desta. Tal consideração se mostra de extrema relevância, pois uma mesma pessoa jurídica, enquanto consumidora, pode se mostrar vulnerável em determinadas relações de consumo e em outras não. (STJ – RMS 27.512/BA – Terceira Turma. Rel. Min. Fátima Nancy Andrighi – Dj. 20.08.2009).

Para cabo e fecho, para a legislação brasileira, o principal indicativo da condição de consumidor é o fato que ele deve ser o destinatário final do produto ou serviço, ao passo que de acordo com a legislação espanhola, considera-se consumidor qualquer pessoa que atue com um propósito alheio a sua atividade comercial ou empresarial, devendo assim fazer o uso do bem ou serviço adquirido.


Notas

[1] ALPA, Guido. Diritto privato dei consumi. – Bologna: II Mollno, 1986. p. 23.

[2] BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. O conceito jurídico de consumidor. In: RT 628. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p. 74.

[3] ÁLVAREZ, Carlos Lasarte. Manual sobre protección de consumidores y usuários. 5. ed. – Madrid: Dykinson, 2013. p. 53.

[4]ÁLVAREZ, Carlos Lasarte. Manual sobre protección de consumidores y usuários. 5. ed. – Madrid: Dykinson, 2013. p. 53.

[5] PENCO, Ángel Acedo. Derecho de consumo. Análisis jurídico-privado de la ley general para la defensa de los consumidores de 2007. – Madrid: Dykinson, 2012. p. 31.

[6] FILOMENO, José Geraldo Brito. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 32.

[7] OLIVEIRA, Júlio Moraes. Consumidor-empresário. A defesa do finalismo mitigado. – Belo Horizonte: Arraes, 2012. p. 103.

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Sobre o autor
Roberto Alves de Oliveira Filho

Mestrando em Direito Civil pela Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho - FCHS UNESP Franca (2015). Pós-graduando lato sensu em Direito Civil pela Universidade de São Paulo - FDRP USP (2015). Especialista em Direito Contratual pela Universidade Pontifícia de Salamanca (2014). Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Franca (2013). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON). Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA FILHO, Roberto Alves. Uma leitura sobre o conceito de consumidor no Brasil e na Espanha. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4639, 14 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35273. Acesso em: 2 nov. 2024.

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