O agravo de instrumento como recurso cabível contra decisão que resolve impugnação à assistência judiciária gratuita

09/01/2015 às 15:22
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O presente artigo tem a intenção de trazer à baila a discussão sobre qual seria o recurso cabível sobre a decisão que acolhe ou rejeita o pedido de impugnação à assistência judiciária gratuita.

O presente artigo tem a intenção de trazer à baila a discussão sobre qual seria o recurso cabível sobre a decisão que acolhe ou rejeita o pedido de impugnação à assistência judiciária gratuita.

Pois bem, a Lei nº 1.060/50, de 05 de fevereiro de 1950, que estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, em seu originário artigo 17 estabelecia que “Caberá recurso de agravo de instrumento das decisões proferidas em conseqüência de aplicação desta Lei, salvo quando a decisão for denegatória da assistência, caso em que o agravo será de petição”.

Do aludido dispositivo legal extrai-se que, quando entrou em vigor a lei de assistência judiciária gratuita, o recurso cabível contra a decisão que rejeitava a impugnação, deferindo a assistência, era o de Agravo de Instrumento, contudo se a decisão acolhesse a impugnação, denegando a assistência, seria cabível o recurso de Agravo de Petição.

Nesse ponto, comporta esclarecer que o recurso de Agravo de Petição não existe no ordenamento processual vigente, contudo, em 1950, quando entrou em vigência a lei de assistência judiciária graciosa, o processo era regido pelo Decreto-Lei nº 1.608/1939, que estabelecia a interposição do Agravo de Petição, quando não fosse o caso expresso de Agravo de Instrumento, com processamento nos próprios autos principais (artigo 846[1], Decreto-Lei nº 1.608/1939), sendo intimado o agravado para apresentar contrarrazões em 48 horas, com a consequente conclusão dos autos ao juízo que proferiu a decisão guerreada, com o escopo de que a mantivesse ou a reformasse em 48 horas (artigo 847[2], Decreto-Lei nº 1.608/1939).

Outrossim, no caso de manutenção da decisão vergastada os autos eram remetidos para a instância superior (artigo 848[3], § ú, Decreto-Lei nº 1.608/1939), com a formação do instrumento (artigo 850[4], Decreto-Lei nº 1.608/1939).

Destarte, eram decisões passíveis de agravo por petição nos próprios autos, além daquelas que acolhessem a impugnação de justiça gratuita, denegando a assistência, por exemplo: as que julgassem improcedentes as exceções de litispendência e coisa julgada, que não admitissem a prova requerida ou cerceassem, de qualquer forma, a defesa do interessado, que concedessem, na pendência da lide, medidas preventivas (artigo 851, Decreto-Lei nº 1.608/1939).

Em suma, quando da entrada em vigência da Lei nº 1.060/50, a decisão que acolhesse a impugnação à assistência judiciária gratuita era a agravável por petição ou caso a rejeitasse seria cabível agravo por instrumento.

Todavia, a Lei nº 6.014 de 27 de dezembro de 1973, - com o intuito de adaptar a Lei nº 1.060/50 (lei de assistência judiciária aos necessitados) à Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (que instituiu o Código de Processo Civil, vigente por enquanto vigente) – alterou o artigo 17 da Lei nº 1.060/50 (lei de assistência judiciária aos necessitados) que passava a viger com a seguinte redação: “Caberá apelação das decisões proferidas em consequência da aplicação desta lei; a apelação será recebida somente no efeito devolutivo quando a sentença conceder o pedido”.

Sob esse prisma, o artigo 17 da Lei nº 1.060/50 foi radicalmente alterado, haja vista que da decisão que acolhesse ou rejeitasse a impugnação, não mais caberia agravo, em suas duas formas (instrumento ou por petição), mas sim Recurso de Apelação, que será recebido tão somente no efeito devolutivo, ou seja, não suspendendo a decisão, quando a sentença conceder o pedido.

Com efeito, nota-se que o artigo 17 da Lei nº 1.060/50, de início adotava uma sistemática recursal compatível com o Decreto-Lei nº 1.608/1939 (antigo Código de Processo Civil), ou seja, optava pelo agravo, contudo com a entrada em vigência da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (atual Código de Processo Civil), em razão da lei alteradora (Lei nº 6.014 de 27 de dezembro de 1973) passou a optar pela apelação.

Portanto, da sua entrada em vigência até os dias atuais o Código de Processo Civil (Lei nº 5.869/73) foi fortemente alterado, contudo, a lei de concessão de assistência judiciária gratuita não mais foi adaptada, tornando-se incompatível com o ordenamento processual hodierno.

Destarte, com a entrada em vigência Lei nº 9.439 /95, que deu nova roupagem ao recurso de Agravo de Instrumento, - posteriormente alterada pela Lei nº 11.187/05 - estabeleceu-se que das decisões interlocutória séria cabível o referido recurso, sendo mantido o entendimento de que decisão interlocutória, nos termos do artigo 162, § 2º, do Código de Processo Civil, seria “o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente”.

Acresce-se que o artigo 513 do vigente Código de Processo Civil estabelece que da sentença caberá apelação, em que pese o referido artigo não tenha sido alterado, o sentido de sentença, contido no art. 162, § 1º, do CPC, foi modificado pela Lei nº 11.232/05, o que inexoravelmente mudou a interpretação do dispositivo em tela.

Nessa senda, antes da Lei nº 11.232/05, sentença era o ato pelo qual o juiz colocava termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa, porém, após a vigência da aludida lei alteradora sentença passou a ser o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos artigos. 267 e 269, do Código de Processo Civil.

Nesse diapasão, há que se ponderar tratar-se de norma antiga, que não mais se coaduna com a sistemática recursal introduzida pela atual legislação processual. Conforme estabelecem os arts. 162, § 2º e 522 do CPC, das decisões interlocutórias, que não põem fim ao processo, cabem agravo.

Nesse esteira, Nelson Nery e Rosa Maria Nery[5], em comentário ao art. 522 do Código de Processo Civil, afirmam que:

Segundo o sistema recursal do CPC, decisão interlocutória é o pronunciamento do juiz que, não colocando fim ao processo, resolve questão incidente ou provoca algum gravame à parte ou interessado (CPC 162 § 2º). Ainda que decida questão de mérito, se a decisão não colocar fim ao processo é interlocutória, impugnável pelo recurso de agravo, como por exemplo, ocorre quando o juiz pronuncia a prescrição relativamente a um dos litisconsortes passivos, prosseguindo o processo contra os demais. O conteúdo do ato é irrelevante para qualificá-lo, importando somente a finalidade do mesmo ato: se extingue o processo é sentença; se não extingue o processo é decisão interlocutória.

Em que pese a lei que instituiu a assistência judiciária gratuita tenha expressado que cabe apelação nas decisões ali proferidas (art. 17, da Lei nº 1.060 /50), com o advento da Lei nº 9.139 /95, que deu nova roupagem ao recurso de agravo e em face ao princípio de que a lei nova derroga a lei anterior que trata do mesmo tema, de se ter como pertinente a interposição do recurso de agravo de instrumento na espécie.

Em outras palavras, apesar da norma em referência, é de se ver que a atual sistemática processual imprimida aos agravos, pela pontual reforma de nosso estatuto processual civil imposto pela Lei nº 9.139/95 alberga a interposição de agravo de instrumento na hipótese vertente. Isto porque se trata de decisão interlocutória, que não põe fim à demanda, mas meramente decide questão incidente, quanto aos benefícios da assistência judiciária gratuita.

Poder-se-ia argumentar a violação à norma específica. Contudo, uma das regras basilares de ordenamento jurídico pátrio é de que toda lei nova, que, de alguma forma, modifique a anterior, em sendo da mesma hierarquia, revoga a lei anterior.

Ademais, não se conduz então a decisão judicial como sentença, por não implicar qualquer causa dos artigos. 267 e 269, do Código de Processo Civil.

Por óbvio, a discussão a despeito da concessão de gratuidade de justiça é incidental, vez que não subsiste sem que haja um processo principal. Logo, a decisão que resolve questão incidental (Impugnação à Justiça Gratuita), no curso do processo principal é agravável, a teor do artigo 162, § 2º, do CPC cumulado com o artigo 522, do CPC:

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Acresce-se que não há diferença alguma de objeto recursal entre o indeferimento da assistência judiciária nos próprios autos da ação com o indeferimento da assistência judiciária pelo acolhimento da impugnação, em decisão judicial, cuja apelação contraria a vontade da lei, se aceita. Reclama-se sim o recurso de agravo, por ser a decisão singular atacada de interlocutória, reafirmando-se ainda que nenhum pressuposto legal apareça para se admitir como sentença. Nesse sentido, aliás, já há louváveis decisões judiciais:

PROCESSUAL CIVIL RECURSO CABÍVEL À DECISÃO EM INCIDENTE DE IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA AGRAVO DE INSTRUMENTO ADMISSIBILIDADE.

Apesar de na lei que instituiu a assistência judiciária gratuita haver expressa referência a que cabe apelação nas decisões ali proferidas (art. 17, da Lei nº 1.060 /50), com o advento da Lei nº 9.439 /95, que deu nova roupagem ao recurso de agravo e em face ao princípio de que a lei nova derroga a lei anterior que trata do mesmo tema, de se ter como pertinente a interposição do recurso de agravo de instrumento na espécie.

 (Agravo de Instrumento nº 0297113-87.2011.8.26.0000, 31ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Des. Rel. Paulo Airosa, j. 20/12/2011).

Com efeito, o agravo de instrumento, reitera-se, é o recurso adequado, certo e legítimo, por força de lei, em atacar a decisão que acolhe a impugnação da assistência judiciária. É tanto verdade que as doutrina e as jurisprudências lídimas, eloquentes, concisas, saudáveis e inconfundíveis ainda põem dúvidas sobre a utilização da apelação como o recurso certo, legítimo, legal e constitucional, para no caso de admissão do indeferimento ou deferimento da impugnação da assistência judiciária.

O julgador mais cauteloso e justo, por dúvida da constitucionalidade do artigo 17 da Lei 1.060/50, acolhe sempre o emprego do princípio da fungibilidade para a concretização de uma justiça íntegra, justa e eficaz, no sucesso inarredável da parte com razão, geralmente o autor contra as lesões de direitos dos poderosos na Justiça, para não causar prejuízos e danos irreparáveis, por erro legislativo da aprovação da lei inconstitucional. Não arranjar o julgador qualquer meio antijurídico de não receber o recurso, como tem acontecido, por reafirmação de lei inconstitucional, formando uma jurisprudência vergonhosa, de erros crassos e grosseiros.

Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça já admitiu a fungibilidade de Recurso de Agravo de Instrumento com o Recurso de Apelação, senão veja-se:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO CABÍVEL. APELAÇÃO. ERRO GROSSEIRO. NÃO OCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. APLICAÇÃO.

1. Ainda que interposto agravo de instrumento e não apelação, recurso cabível contra a sentença que decide os embargos à execução de título judicial contra a Fazenda Pública, tem aplicação o princípio da fungibilidade recursal. Precedentes.

2. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no AgRg no REsp: 1106060 RS 2008/0253409-5, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 06/10/2009, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/10/2009)

Portanto, dúvidas não há que o correto recurso seja o Agravo de Instrumento, ainda que não aceito pela jurisprudência, pois a doutrina não pode se acomodar, tampouco se calar diante de decisões equivocadas de nossos Tribunais.


[1] Art. 846. Salvo os casos expressos de agravo de instrumento, admitir-se-á agravo de petição, que se processará nos próprios autos, das decisões que impliquem a terminação do processo principal, sem lhe resolverem o mérito.

[2] Art. 847. Interposto o agravo de petição, na forma do artigo 844, ns. I e II, dar-se-á logo ciência ao agravado, para que, dentro em quarenta e oito (48) horas, apresente em cartório a contraminuta. Findo esse prazo, serão os autos conclusos ao juiz, que responder', dentro em quarenta e oito (48) horas, mantendo ou reformando a decisão.

[3] Art. 848. Si a contraminuta do agravo for instruída com documentos novos, o juiz ouvirá o agravante dentro em quarenta e oito (48) horas.

Parágrafo único. Se o juiz não reformar a decisão, o escrivão remeterá os autos, dentro de vinte e quatro (24) horas, à superior instância; si a reformar, observar-se-á o disposto no art. 845, parágrafo 7º.

[4] Art. 850. Se o juiz indeferir o agravo de petição, ou lhe negar seguimento, o agravante poderá requerer ao escrivão, nas quarenta e oito (48) horas seguintes, que promova a formação do instrumento, observado o disposto nos arts. 844 e 845 e seus parágrafos.

[5] Código de Processo Civil Comentado, ed. Revista dos Tribunais, 6ª ed., 2002.

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Sobre o autor
Gabriel Barreira Bressan

Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Possui graduação pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor de Processo Civil na Faculdade de Direito da Universidade Santo Amaro - UNISA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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