A não correção da tabela do imposto de renda pessoa física segundo os índices de inflação e a afronta aos direitos dos contribuintes

12/01/2015 às 22:13
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A tabela do imposto de renda é estabelecida com o escopo de delinear os parâmetros de incidência do respectivo tributo, devendo preservar o mínimo existencial segundo a capacidade contributiva. O artigo pretende analisar, de forma ampla, os seus aspectos.

ÍNDICE

INTRODUÇÃO.............................................................................................................3;

OS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS DO IMPOSTO DE RENDA E PROVENTOS DE QUALQUER NATUREZA E OS PRINCÍPIOS DA UNIVERSALIDADE, PROGRESSIVIDADE E GENERALIDADE.....................4;

BREVES COMENTÁRIOS SOBRE O FENÔMENO ECONÔMICO INFLAÇÃO E SUAS REPERCUSSÕES.........................................................................................7;

A ATUAL CORREÇÃO DA TABELA DO IMPOSTO DE RENDA E OS ÍNDICES DE INFLAÇÃO.........................................................................................10;

DA INFRAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DE PROTEÇÃO AOS CONTRIBUINTES.....................................................................................................12;

CONCLUSÃO.............................................................................................................15;

BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................16.

INTRODUÇÃO

As ciências econômica e jurídica adotaram caminhos paralelos, no entanto, pontos de convergência e repercussões aproximam essas ciências humanas, razão pela qual estão sendo abordados temas que envolvem ambas de forma progressivamente usual.

Sob este enfoque, apresenta-se atual o tema proposto, em especial, em razão da recente caducidade da Medida Provisória nº. 644/2014, extinta em 29 de agosto do ano em curso, que veiculava o índice de correção da tabela do imposto de renda para o exercício de 2015, bem como, em virtude da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade – ADI 5096, proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil, em que aborda a inconstitucionalidade deste índice de correção.

Nesse cenário, abordaremos o fenômeno econômico inflação, cuja expressão vem do latim inflatio, de inflare (empantufar, encher), assim se designa a emissão desordenada de papel-meda sem qualquer cobertura, seja metálica ou fundada sem títulos de crédito, que representem uma riqueza de valor idêntico aos títulos emitidos, com a intenção de aumentar artificialmente a soma de notas em circulação. A inflação produz o encarecimento da vida, estabelecendo perturbações na ordem econômica, que, por vezes, a pode levar a situações ruinosas. Conforme apontou o lexicógrafo De Plácido e Silva, em seu essencial Vocabulário Jurídico.

Será estudada a estrutura do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, no panorama constitucional e legal, bem como, os pressupostos para a confirmação do conceito de renda para fins de incidência tributária.

Em seguida, cumpre observar a forma de atualização dos valores aplicados na tabela progressiva do imposto de renda, bem como, o índice adotado para sua implementação, traçando um comparativo com a inflação apurada nos últimos cinco anos.

Finalmente, cumpre verificar a constitucionalidade da fórmula empregada na correção da tabela do imposto de renda, seus reflexos e a sua eventual afronta aos direitos e garantias constitucionais dos contribuintes.

  1. OS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS DO IMPOSTO DE RENDA E PROVENTOS DE QUALQUER NATUREZA E OS PRINCÍPIOS DA UNIVERSALIDADE, PROGRESSIVIDADE E GENERALIDADE.

O conceito de renda estabelece seus pressupostos na Constituição da República de 1988, insculpidos, mais precisamente, no artigo 153, inciso III, onde os elementos que compõe a capacidade tributária ativa estabelecem os parâmetros macros da exação tributária, conforme dispõe o Prof. Paulo de Barros Carvalho (2009, p. 665):

Podemos dar por consente que, em todas as imposições tributárias, os alicerces da figura impositiva estarão plantados na Constituição da República, de onde se irradiam preceitos pelo corpo da legislação complementar e da legislação ordinária, crescendo em intensidade a expedição de regras em escalões de menor hierarquia.

Assim, vislumbra-se que a definição de renda, ainda segundo o doutrinador apontado acima, fora construída através da previsão em Lei Complementar, precisamente, no art. 43 e 44 do Código Tributário Nacional[1] - CTN, porém com arrimo em disposição expressa contida na Constituição Federal, donde provêm seus pressupostos, verificável no art. 153, III.

Nessa esteira, cumpre anotar a previsão da Lei nº. 5.172/66, in verbis:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

 I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

A enunciação constante no dispositivo legal acima, urge pela definição de seus signos, a fim de compreendermos o alcance da norma jurídica. Posto isto, seguindo a “teoria do acréscimo patrimonial”, exposta por CARVALHO (2009, p. 671), a “renda seria todo ingresso líquido, em bens materiais, imateriais ou serviços avaliáveis em dinheiro, periódico, transitório ou acidental, de caráter oneroso ou gratuito, que importe um incremento líquido do patrimônio de determinado indivíduo, em certo período de tempo”.

Desta feita, a lei complementar e os demais regramentos infra legais devem respeitar o conceito de renda, conforme a delimitação semântica do termo, sedimentada em pressupostos constitucionais, dos quais podem ser auferidos os seguintes conteúdos, conforme leciona José Artur Lima Gonçalves: “(i) saldo positivo resultante do (ii) confronto entre (ii.a) certas entradas e (ii.b) certas saídas, ocorridas ao longo de um dado (iii) período” (GONÇALVES, 1997, p. 179).

Cumpre destacar que, apesar de o tributo ser comumente denominado de “imposto sobre a renda”, ele também o é sobre “proventos de qualquer natureza”, os quais, por exclusão, nos termos do Código Tributário Nacional[2], são “(...) os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior” (art. 43, II, do CTN), ou seja, acréscimos patrimoniais não compreendidos pelo conceito de renda.

Elucidativo, o mestre Ives Gandra da Silva Martins (2011, p. 477), aponta que “[...] as doações teriam natureza jurídica de proventos e não de renda, na medida em que não decorreriam de fruto do trabalho, do capital ou da conjunção de ambos”.

No mais, o acréscimo patrimonial definido acima, para fins de incidência do tributo em vértice deve ocorrer somente quando há sua disponibilidade econômica ou jurídica, nos termos do Regulamento do Imposto de Renda (RIR) – Decreto n. 3000, de 26 de março de 1999 –, in verbis:

“Art. 2º As pessoas físicas domiciliadas ou residentes no Brasil, titulares de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza, inclusive rendimentos e ganhos de capital, são contribuintes do imposto de renda, sem distinção da nacionalidade, sexo, idade, estado civil ou profissão (Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964, art. 1º, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 43, e Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991, art. 4º).”

Depreende-se do dispositivo legal colacionado acima, a enunciação da obrigação, com os contornos da regra matriz de incidência tributária, destacando-se o critério pessoal quanto à sujeição passiva, assim como o complemento do verbo “auferir” que compõe a materialidade da hipótese, qual seja, a renda.

Quanto aos princípios que norteiam a tributação pelo Imposto de Renda, a Constituição da República de 1988 é clara ao dispor em seu art. 153, §2, inciso I, que o imposto sobre a renda “será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei”. Posto isto, importante tecer as seguintes considerações:

Inicialmente, em conformidade com o princípio da universalidade, PACHECO esclarece que a tributação do imposto deve recair sobre todas as rendas e proventos, seja sobre aquelas auferidas dentro do território nacional, como a obtida além dos limites deste, incorporando a sistemática de tributação da renda mundial – worldwide income taxation.

Esta possibilidade gera a chamada base global do imposto sobre a renda, pela qual a renda obtida por qualquer pessoa física ou jurídica, independente do lugar de sua produção, fica sujeita à incidência do imposto, desde que o Brasil exercite sua soberania em tal lugar. Ademais, fica vedado a segregação da renda obtida para sua tributação através de critérios distintos, ou seja, o IR não é seletivo.

Quanto ao princípio da generalidade, determina-se a aplicação do imposto sobre todos os indivíduos. Esclarece PEIXOTO[3] que este princípio seria desdobramento do princípio da igualdade sobre o imposto de renda, de forma simples e coesa traduz que “o IR deve incidir e ser cobrado, tanto quanto possível, de todas as pessoas, ou seja encontrando-se nesta no critério pessoal da Regra Matriz Incidência Tributária, naturalmente que respeitado o princípio da capacidade contributiva”.

Com relação ao princípio da progressividade, as alíquotas aplicadas serão majoradas em conformidade com a renda passível de tributação, ou seja, quanto maior a base de cálculo, entendido como aumento patrimonial, maior será a alíquota.

Mister observar a lição de Paulo Ayres Barreto (2001, p. 53) segundo o qual “Para que se verifique o pleno atendimento ao princípio da progressividade, todo acréscimo patrimonial deverá ser considerado, aplicando-se a esse aumento, uma única vez, alíquotas progressivas. Vale dizer, quanto maior for o aumento do patrimônio maior deverá ser a alíquota aplicável. Não há como observar o princípio se a aplicação de alíquotas progressivas ocorrer sobre parcelas de renda (e não sobre a renda total).

Pelo exposto, fica clara a influencia destes princípios no processo de conformação do conceito e consequentemente da regra-matriz do imposto sobre a renda, haja vista que este tributo, descreve em seu antecedente o critério material “auferir renda e proventos de qualquer natureza”, devendo estabelecer que: i) todo o patrimônio do contribuinte seja considerado; ii) todo o acréscimo patrimonial verificado (a renda auferida) esteja submetida ao mesmo tratamento e iii) o imposto dê-se de forma progressiva, sendo maior a alíquota aplicável quanto mais significante for a base tributável.

  1. BREVES COMENTÁRIOS SOBRE O FENÔMENO ECONÔMICO INFLAÇÃO E SUAS REPERCUSSÕES.

Inicialmente, esclareço que não iremos abordar, de forma aprofundada, os aspectos econômicos que circundam a inflação, como suas causas, seus desdobramentos na economia doméstica e internacional, reflexos no crescimento econômico do país, entre outros pormenores que não ouso adentrar, uma vez que não detenho a capacidade cognitiva própria dos estudiosos da ciência econômica.

No entanto, tentarei, com base nestes, esclarecer de forma simples as circunstâncias gerais que levam a economia a encarar este fenômeno, destacando as consequências que este provoca na capacidade financeira da população.

De acordo com o lexicógrafo DE PLÁCIDO E SILVA (2007, p. 738/739) a palavra inflação vem:

Do latim inflatio, de inflare (empantufar, encher), assim se designa a emissão desordenada de papel-meda sem qualquer cobertura, seja metálica ou fundada sem títulos de crédito, que representem uma riqueza de valor idêntico aos títulos emitidos, com a intenção de aumentar artificialmente a soma de notas em circulação.

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Acrescenta o mesmo autor que “A inflação produz o encarecimento da vida, estabelecendo perturbações na ordem econômica, que, por vezes, a pode levar a situações ruinosas”.

De forma didática e atual, o economista Pedro Rossi[4] apresenta que “A taxa de inflação é o aumento no nível de preços. Ou seja, é a média do crescimento dos preços de um conjunto de bens e serviços em um determinado período”.

Acrescenta Alexandre Schwartsman[5] que

Inflação é o aumento geral e persistente dos preços. Estas duas características são cruciais. Se apenas uns poucos preços aumentam, enquanto os demais permanecem estáveis, não há como caracterizar um processo inflacionário, ainda que o índice de preços mostre valores positivos.

Da mesma forma, se há um aumento de todos os preços num dado mês, por exemplo, por conta da imposição de algum tributo, mas estabilidade em seguida, também não temos como caracterizar inflação; esta tem que ser generalizada e persistente.

Novamente, descreve Rossi[6], que a inflação é mensurada

[...] com base em índices, como o IPCA, que ponderam os bens e serviços mais importantes para a população e medem o crescimento desses preços.  Repare que a cesta de bens considerada pelo índice de inflação pode não ser aquela que você costuma consumir, portanto a ‘sua’ inflação pode ser maior ou menor do que aquela medida pelos índices oficiais.

Para o economista supra citado, a inflação pode ter uma causa monetária (impressão de dinheiro pelo governo), pode ter causas psicológicas (agentes ajustam o preço porque acham que outro também vai ajustar) e pode ter uma causa real (um desajuste entre a oferta e a demanda por bens e serviços).

Ministra o professor da Escola de Economia da FGV-SP, Emerson Marçal[7], que a “inflação pode ser medida através da coleta dos preços de diversos itens, tais como bens finais ao consumidor".

Ocorre que, para o nosso estudo devemos averiguar qual o impacto deste fenômeno na composição da renda do contribuinte, e a relação de pertinência com a tabela de sujeição do IR. Desta feita, devemos compreender os efeitos da inflação e como ela prejudica o setor econômico, e, em especial, a população assalariada.

Valendo-me do ensinamento de Heron do Carmo[8], podemos compreender que a inflação gera como consequência o aumento de preços num cenário de incertezas provocando repercussões aos consumidores, uma vez que os preços sobem, no entanto o patamar salarial permanece o mesmo ou não acompanha tais reajustes, razão pela qual o poder de compra é reduzido.  O efeito inflacionário igualmente possui o condão de criar ineficiência, ao prejudicar a tomada de decisão, pois, torna-se um fator de risco à economia, investimentos e crédito.

Para conter este cenário, cumpre identificar incialmente os fatores que geram o aumento de preços e adotar a conduta para desacelerar e finalmente extinguir a inflação. Para Rossi[9], “são várias ferramentas, a taxa de juros é uma delas, mas não é a única. No longo prazo, o melhor remédio para inflação é a expansão da capacidade produtiva, que aumenta a oferta de produtos e reduz os preços dos mesmos”.

A breve exposição retratada linhas acima cumpre o papel de apresentar os contornos gerais sobre a inflação. Não temos por finalidade pormenorizar suas origens, causas e efeitos, tampouco, a sistemática de combate.

Serve, portanto, para, reconhece-la como fenômeno econômico, e relacionar seus efeitos na definição de renda para efeitos tributários, fazendo um paralelo com o mínimo existencial e a capacidade contributiva.

  1. A ATUAL CORREÇÃO DA TABELA DO IMPOSTO DE RENDA E OS ÍNDICES DE INFLAÇÃO.

A tabela do imposto de renda deve ser instituída com base nos macros princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia, além daqueles próprios do imposto sobre a renda, como princípio da capacidade contributiva e da progressividade. Em síntese, almeja-se com a medida escalonar o imposto de renda mediante a aplicação de alíquotas crescentes segundo a capacidade contributiva do sujeito passivo, aferida conforme a renda percebida mensalmente pelas pessoas físicas.

A atual tabela progressiva do imposto de renda foi estabelecida através da Lei nº. 11.482/2007, a qual introduziu como índice de correção anual, até o vigente ano de 2014, o índice de 4,5% (quatro e meio por cento) sobre os valores indicados na tabela, sob a pecha de ser o índice da meta de inflação adotada pelo atual governo.

Atualmente, podemos considerar 05 (cinco) faixas de tributação, sendo a primeira o limite de isenção[10] (alíquota zero), seguido da aplicação de alíquota de 7,5% (sete e meio por cento), por conseguinte, temos a faixa de tributação pela aplicação de 15% (quinze por cento), em seguida, 22,5% (vinte e dois e meio por cento), e finalmente, a mais alta alíquota, no patamar de 27,5% (vinte e sete e meio por cento).

Para facilitar a visualização da base de cálculo e alíquota, vejamos a tabela destacada na Lei retro mencionada:

Tabela Progressiva Mensal 

Base de Cálculo (R$)

Alíquota (%)

Parcela a Deduzir do IR (R$)

Até 1.787,77

-

-

De 1.787,78 até 2.679,29

7,5

134,08

De 2.679,30 até 3.572,43

15

335,03

De 3.572,44 até 4.463,81

22,5

602,96

Acima de 4.463,81

27,5

826,15

Ocorre que, os valores praticados nos últimos anos para estabelecer as faixas de tributação do imposto de renda não refletem a capacidade contributiva do sujeito passivo da obrigação tributária. A circunstância pode ser aferida ao cotejarmos os índices de inflação destes períodos e aquele aplicado pelo Executivo para correção da tabela.

Com o escopo de ilustrar a redução da capacidade financeira do contribuinte, vejamos os índices inflacionários dos últimos cinco anos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE[11]:

ÍNDICE INFLAÇÃO[12]

ANO

2014

2013

2012

2011

2010

2009

IPCA % (IBGE)

6,33

5,76

5,69

6,50

5,91

4,31

INPC % (IBGE)

6,18

5,43

6,03

6,08

6,47

4,11

Pelo exposto, não resta dúvida a perda monetária que sofreram os contribuintes nos últimos cinco anos. Ao avaliarmos os índices acima, verificamos que, em apenas uma ocasião, no ano de 2009, o índice de correção da tabela do imposto de renda esteve dentro da margem da meta de inflação estabelecida na Lei, qual seja, os 4,5% (quatro e meio por cento). Nos anos seguintes, a inflação sobrepôs-se aos 4,5%.

Desta forma, se o índice de correção da tabela do imposto de renda não corresponde à realidade econômica do País, aqueles que antes estavam cobertos pela isenção ou em faixas de tributação com alíquotas menos gravosas, passarão a integrar a obrigação tributária, cujo objeto será o pagamento do imposto de renda, sobre os frutos do seu trabalho, capital, ou conjunção de ambos, além dos proventos de qualquer natureza, nos termos do Código Tributário Nacional.

Nessa medida, o contribuinte será duplamente apenado, inicialmente em virtude da perda da capacidade financeira de seus ganhos pela inflação, em segundo plano, em razão da inclusão destes valores na base de cálculo do IR, quando deveriam ser isentos (tributados sob alíquota zero), ou colocados sob uma faixa de tributação com alíquota inferior.

Posto isto, vejamos a realidade acima relatada sob o prisma dos princípios constitucionais de proteção do contribuinte.

  1. DA INFRAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DE PROTEÇÃO AOS CONTRIBUINTES.

O limite de isenção estabelecido na lei, tem como primado a adoção de uma renda que, supostamente, possa garantir ao contribuinte a satisfação de suas necessidades básicas, tais quais dispostas na Constituição da República, no artigo 6º, como: a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, entre outros.

O objetivo é garantir, minimamente, melhores condições de vida na prevalência da dignidade da pessoa humana, fim que deve ser perseguido como política de Estado, e não de Governo, pois, trata-se de um dos fundamentos da República Brasileira, a luz do artigo 1º, inciso III da Constituição.

Portanto, o piso de isenção e as alíquotas de tributação fixadas para incidência do tributo em mote, pretendem preservar a renda destinada ao mínimo existencial do contribuinte e sua família. Quanto ao mínimo existencial, mostra-se precisa a lição de Alexsander Roberto Alves Valadão (2008, p. 295), in litteris

Para o estabelecimento de alguns parâmetros sobre o mínimo existencial, quando aplicado sobre impostos que incidem sobre a renda, podemos afirmar que o legislador, aqui, tem campo fértil para precisar exatamente a capacidade contributiva da pessoa e, por conseguinte, também a esfera ou porção de renda que deve ser protegida pelo mínimo material. Isso porque o imposto sobre a renda é um imposto pessoal por excelência, já que leva em conta, na sua determinação, variadas características específicas do contribuinte, que permitem, sobretudo, que ele seja mais preciso na determinação do grau de capacidade para contribuir da pessoa.

Prossegue a narrativa VALADÃO (2008, p. 296), ao tratar sobre a proteção a esta porção de riqueza indispensável à manutenção das necessidades básicas do contribuinte, ao ressaltar que, in verbis:

Logo, conquanto se possa afirmar que a dedução da base de cálculo seja o instrumento mais adequado, tecnicamente, para implementar a proteção existencial do imposto sobre a renda, dada a premissa da incapacidade contributiva, da qual partimos, e que a função confirmatória da base de cálculo, em relação à hipótese tributária, impõe que sua hipótese deva contemplar apenas a dimensão daquilo que seja tributável, implicando a dimensão econômica retratada na sua base de cálculo, não seria aporético, contudo, afirmar que a determinação de alíquota zero, como também as parcelas a deduzir do imposto apurado, ou mesmo a previsão de faixas de não sujeição, são inequívocas maneiras de se proteger o mínimo vital, daí porque entendermos, e nesse ponto reside a questão fundamental e de implicação prática, que esses mecanismos não representam meras isenções ou benesses, ou mesmo favores do legislador, mas efetiva proteção existencial, que exsurge de uma atenta leitura do texto constitucional.

Robustecendo o pensamento descrito linhas acima, RICARDO LOBO TORRES[13], considerado por VALADÃO o doutrinador que manifestou uma “teoria sobre o mínimo existencial”, tece, com bastante cunho histórico, a repercussão do mínimo existencial, e sua roupagem nas fases de estruturação do Estado:

No Estado de Polícia – fase final do patrimonialismo – modifica-se o enfoque da questão da pobreza: procura-se aliviar a tributação dos pobres e transferir para o Estado a sua proteção. Critica-se a proporcionalidade e se inicia, com o cameralismo, a defesa da progressividade da tributação, limitada, porém, pela imunidade do mínimo existencial, retirando-se do campo de incidência fiscal, aquelas pessoas que não possuem riqueza mínima para o seu sustento, de que é exemplo a legislação de D. Maria, de 17.12.1789, que alivia a sujeição fiscal dos pobres (...) No Estado Fiscal de Direito modifica-se substancialmente o tratamento dado à questão da pobreza, estruturando-se juridicamente a imunidade do mínimo existencial e a assistência social aos pobres, atendido, no Brasil, com a secularização dos dízimos eclesiásticos. A tributação passa a se fazer com fundamento no princípio da capacidade contributiva e no seu subprincípio da progressividade, que ingressam nas Constituições da França e do Brasil, entre outras, o que implica a proibição da incidência sobre a parcela mínima necessária à existência humana digna, que, estando aquém da capacidade econômica e constituindo reserva da liberdade, limita o poder fiscal do Estado (sic). (Grifos nossos).

Assim, o mínimo existencial é viés do princípio da capacidade contributiva do sujeito passivo, o qual exige a preservação de porção da renda destinada a subsidiar as necessidades básicas da pessoa humana. Para tanto, serve a tabela do imposto de renda na medida em que fixa qual o patamar mínimo e as etapas das alíquotas de tributação.

Todavia, este mínimo existencial está sendo maculado através da imposição tributária sob os atuais valores da tabela do imposto de renda, pois, tal qual observado anteriormente os valores indicados na tabela não correspondem a real desvalorização da moeda pela inflação, haja vista que o Estado tributa o que deveria estar isento, ou sob alíquota mais favorável ao contribuinte.

Noutro norte, a prática inconstitucional adotada, fere o princípio da vedação ao confisco, cuja garantia e proteção está delineada na Constituição Federal de 1988, no artigo 150, inciso IV. Nesse sentido, vejamos a lição de KLAUS TIPKE e DOUGLAS YAMASHITA[14] (2002, p. 67):

[...] segundo TIPKE, a capacidade contributiva  termina, de todo modo, onde começa o confisco, que leva à destruição da capacidade contributiva, ou se, de acordo com Rothmann, ‘e da análise da capacidade económica que resultará a determinação do limite que separa a tributação legítima do confisco inconstitucional’, e se o art. 150, IV, da Constituição Federal/1988 veda ‘à União, Estados, Distrito Federal e Municípios (...) utilizar tributo e não apenas imposto com efeito de confisco (...)’, logo, é impossível negarmos a eficácia negativa do princípio da capacidade contributiva para todos os tributos, inclusive contribuições sociais, contribuições de melhoria e taxas.

Desta feita, a não correção da tabela do imposto de renda segundo os índices reais de apuração da correção monetária pela inflação fere os direitos constitucionais dos contribuintes e suas garantias, haja vista que não há a preservação do mínimo existencial, para manutenção da dignidade da pessoa humana, segundo os limites da capacidade contributiva, circunstância que, consequentemente, traduz no confisco da renda essencial à sobrevivência do cidadão.

  1. CONCLUSÃO

Ao fim deste breve relato, embora ciente do não esgotamento da discussão principal e daquelas que circundam o presente tema, podemos apreender algumas conclusões:

  1. O conceito de renda possui seu arquétipo constitucionalmente traçado, devendo as leis infraconstitucionais atende-lo, sob pena de desfigurar o tributo em vértice. Adotamos, com melhor didática o conceito apresentado por GONÇALVES (1997), para quem renda seria: “(i) saldo positivo resultante do (ii) confronto entre (ii.a) certas entradas e (ii.b) certas saídas, ocorridas ao longo de um dado (iii) período. Ademais, verificamos que a renda somente pode ser tributada quando há sua disponibilidade econômica ou jurídica ao contribuinte.
  2. Por conseguinte, podemos compreender o fenômeno da inflação como sendo o aumento generalizado e persistente de preços, que cria receio ao mercado, limita o acesso ao crédito, prejudica a tomada de decisões e, sobretudo, traz a redução da capacidade financeira dos assalariados.
  3. Foi apresentada a tabela do imposto de renda, suas alíquotas, faixas de tributação e a forma de correção adotada pelo governo, como sendo uma meta presumida para controle da inflação. Traçamos um comparativo através de índices reais que servem para medir a inflação e constatamos a defasagem monetária dos valores aplicados na tabela, acumulados nos últimos 05 (cinco) anos.
  4. Diante das análises, mostramos o panorama econômico e jurídico que circunda a correção da tabela do imposto de renda, cuja atual sistemática fere direitos e garantias constitucionais dos contribuintes, como a dignidade da pessoa humana, a vedação do confisco, o princípio da progressividade do imposto de renda, a capacidade contributiva e o mínimo existencial.

Diante do exposto, verifica-se que a sistemática de correção da tabela do imposto de renda necessita, de forma urgente, inclusive em virtude da não regulamentação desta para o exercício de 2015, por uma nova fórmula de restabelecimento de suas faixas de tributação, uma vez que a atualmente empregada mostra-se inconstitucional, ferindo os princípios de proteção e garantia dos contribuintes.

BIBLIOGRAFIA

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PACHECO, Ângela Maria da Mota. Ficções tributárias, identificação e controle. São Paulo: Noeses, 2006.

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TORRES, Ricardo Lobo. Os Direitos Humanos e a Tributação : imunidades e isonomia. 2. ed. Rio de Janeiro : Renovar, 1989. (Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, vol III).

VALADÃO, Alexsander Roberto Alves. O MÍNIMO EXISTENCIAL E AS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS. Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de doutor. Curso de Pós-graduação em Direito. Setor de Ciências Jurídicas. Universidade Federal do Paraná. Orientador professor doutor José Roberto Vieira. (2008, Curitiba). Disponível em: http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/handle/1884/18288/Alexsander%20Roberto%20Alves%20Valadao%20(tese).pdf?sequence=1

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Lei nº. 5.172/66 - Código Tributário Nacional.

Regulamento do Imposto de Renda (RIR) – Decreto n. 3000, de 26 de março de 1999.

Pedro Rossi. Disponível em: http://g1.globo.com/economia/inflacao-como-e-medida/platb/


[1] Lei nº. 5.172/66.

[2] Lei nº. 5.172/66.

[3] PEIXOTO, Marcelo Magalhães. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2000-jan-24/principios_fundamentais

[4] Pedro Rossi, faz parte do Instituto de Economia da UNICAMP. Disponível em: http://g1.globo.com/economia/inflacao-como-e-medida/platb/

[5] Alexandre Schwartsman é sócio diretor da Schwartsman & Associados e ex Diretor do Banco Central. Disponível em: http://g1.globo.com/economia/inflacao-o-que-e/platb

[6] Idem nota 3.

[7] Emerson Marçal é professor da Escola de Economia da FGV-SP. Disponível em: http://g1.globo.com/economia/inflacao-como-e-medida/platb/

[8] Heron do Carmo é professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (Universidade de São Paulo) e Corecon-SP. Disponível em: http://g1.globo.com/economia/inflacao-como-e-medida/platb/

[9] Idem nota 3.

[10] Trataremos a isenção e alíquota zero como medidas similares e consequências idênticas, motivo pelo qual utilizaremos as expressões como sinônimas.

[11] Disponível em: http://www.furb.br/ips/ip/IndicesDiversos.html

[12] Índices percentuais referentes ao acumulado, respectivamente, nos últimos 12 (doze) meses.

[13] RICARDO LOBO TORRES, Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia

(Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário), p. 139.

[14] KLAUS TIPKE e DOUGLAS YAMASHITA, Justiça Fiscal e Princípio da Capacidade Contributiva.

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