O princípio da motivação impõe à Administração Pública a obrigatoriedade de fundamentar o ato praticado, bem como o dever de indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinaram a decisão do ato nos termos do art. 2º, §único, VII, da Lei n. 9.784/99.
Celso Antônio Bandeira de Mello dispõe:
Dito princípio implica para a Administração o dever de justificar seus atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação lógica entre os eventos e situações que deu por existentes e a providencia tomada, nos casos em que este último aclaramento seja necessário para aferir-se a consonância da conduta administrativa com a lei que lhe serviu de arrimo.
Tal princípio encontra-se expresso na Constituição Federal de 1988, prevendo a exigência de motivação apenas para as decisões administrativas dos Tribunais e do Ministério Público.
Contudo, o principio da motivação não deve ser interpretado restritivamente ao que dispõe a Constituição Federal já que lei infraconstitucional regulamenta de forma ampla que os atos administrativos (todos) deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos tal como dispõe o art. 50 da Lei n. 9.784/99.
Ademais, a motivação também se encontra implicitamente na Constituição Federal, no art. 1º, II, que indica a cidadania como um dos fundamentos da República; no §único do art. 1º, que dispõe que todo poder emana do povo; e no art. 5º, XXXV, que assegura o direito à apreciação judicial nos casos de ameaça ou lesão de direito. Então, nada mais oportuno que o interessado tenha o direito de saber o porquê, o motivo, os fundamentos, que justificam os atos praticados pelo administrador até mesmo para que lhe seja assegurado o princípio do contraditório e da ampla defesa.
Assim, os atos passíveis de motivação não são apenas os atos emanados pela Administração dos Tribunais e do Ministério Público, mas todos os atos administrativos.
A controvérsia doutrinária cinge-se sobre o alcance da motivação no que concerne aos atos vinculados e aos atos discricionários.
Corrente minoritária defende a posição de que a motivação apenas é obrigatória quando a lei impõe que os atos sejam motivados.
José dos Santos Carvalho Filho sustenta que “só se poderá considerar a motivação obrigatória se houver norma legal expressa nesse sentido”.
Porém, tal afirmação não é sólida, pois se os atos vinculados que já se encontram regulamentados por lei devem ser motivados, quanto mais os atos discricionários que são aqueles em que a Administração Pública age não porque a lei determina, mas porque a prática do ato é conveniente e oportuna, liame este por demais subjetivo para que se dispensasse a motivação do ato.
Além disso, existem atos vinculados passíveis de dispensa de motivação como aqueles em que a mera regulamentação da lei impõe sua aplicação sem necessidade de qualquer interferência subjetiva da Administração.
Em se tratando de atos vinculados, Oswaldo Aranha Bandeira Mello tem o entendimento de que o que importa é haver ocorrido o motivo perante o qual o comportamento era obrigatório, não sendo obrigatória a imediata motivação do ato, mas que seja necessária sua posterior demonstração de maneira objetiva.
Nesse sentido também se posiciona o Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - EXONERAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO EFETIVO EM ESTÁGIO PROBATÓRIO - MOTIVO DE CONTENÇÃO DE DESPESA DE PESSOAL - MOTIVAÇÃO EXTEMPORÂNEA - ATO VINCULADO - VÍCIO SANÁVEL - DIREITO À AMPLA DEFESA VIOLADO - SEGURANÇA CONCEDIDA EM SEDE DE RECURSO ORDINÁRIO - AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Quando se trata de ato administrativo vinculado, a ausência de motivação é vício que pode ser convalidado, com a motivação posterior à prática do ato. 2. A exoneração de servidor público efetivo, em estágio probatório, independe de processo administrativo, sendo imprescindível, destarte, o exercício do direito à ampla defesa, como espécie de procedimento sumário. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg no RMS: 16546 SP 2003/0098855-8, Relator: Ministro PAULO MEDINA, Data de Julgamento: 27/10/2005, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 20.02.2006 p. 361).
Quanto ao ato discricionário, Celso Antônio Bandeira de Mello compreende que excepcionalmente o ato se convalida com a motivação ulterior quando o motivo extemporaneamente alegado preexistia; quando o motivo era idôneo para justificar o ato e; quando tal motivo foi a razão determinante para a prática do ato.
Entretanto, a convalidação do ato com a motivação ulterior fere o principio da eficiência, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, pois acarretaria a procrastinação de defesa por parte do interessado lesado com o ato administrativo, podendo, inclusive, razoar a decisão com base em fundamentos outros que não o que posteriormente venha a ser alegado, causando, consequentemente, lesão a direito do administrado.
Desta maneira, nem de forma excepcional o ato discricionário se convalida com a motivação, pois ao praticar o ato, a Administração deve motivar o ato automaticamente, mesmo que tal motivação fosse apenas com base nos três fatores acima citados sob pena de causa de invalidação do ato.
A situação a seguir exposta configura uma das hipóteses excepcionais elencadas por Celso Antonio Bandeira de Mello quanto à convalidação do ato discricionário com a motivação ulterior.
RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. MULTA. INMETRO. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DO ATO QUE FIXOU O VALOR DA MULTA. QUESTÃO DE DIREITO E NÃO DE FATO. INTELIGÊNCIA DO ART. 9o... § 1o. DA LEI 9.933/99. INDISPENSABILIDADE DE MOTIVAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO QUE FIXA SANÇÃO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO PARA RESTABELECER A SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU, QUE, RECONHECENDO A AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DO ATO, REDUZIU O VALOR DA MULTA PARA O MÍNIMO LEGAL. 1. A controvérsia posta nos autos é diversa daquela discutida no recurso representativo de controvérsia REsp. 1.102.578/MG, da relatoria da eminente Ministra ELIANA CALMON, uma vez que não se discute, sequer implicitamente, a legalidade das normas expedidas pelo CONMETRO e INMETRO. 2. A tese sustentada no Recurso Especial diz respeito à necessidade de motivação do ato que impõe sanção administrativa; não se discute o poder da Administração de aplicar sanções, a legalidade das normas expedidas pelo órgão fiscalizador, ou, simplesmente, a razoabilidade e proporcionalidade do valor arbitrado, mas a necessidade de o órgão administrativo, ao impor a penalidade que entende devida, motivar adequadamente seu ato, com a explicitação dos fatores considerados para a gradação da pena, tal como determinado pelo art. 9o., § 1o. da Lei 9.933/99, questão de direito e não de fato. 3. Tenho defendido com rigor a necessidade e mesmo a imperatividade de motivação adequada de qualquer ato administrativo e principalmente do ato sancionador. É, sem dúvida, postulado que advém de uma interpretação ampla do texto Constitucional, como desdobramento do princípio do contraditório, porquanto a discricionariedade do Administrador encontra limite no devido processo legal, estando previsto, ainda, na Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo. 4. O Tribunal a quo entendeu que a menção ao motivo pelo qual o recorrente estava sendo apenado - ausência de selo de identificação em 12 reatores eletrônicos - era suficiente para a escolha aleatória do valor da multa, dentro dos valores possíveis (à época entre R$ 100,00 e R$ 50.000,00), confundindo motivo (infringência da norma) com motivação (apresentação dos fundamentos jurídicos que justificam a escolha da reprimenda imposta), olvidando-se, ainda, de que a própria Lei 9.933/99 informa os critérios a serem utilizados para a gradação da pena (art. 9o., § 1o. e incisos), quais sejam: (a) gravidade da infração, (b) vantagem auferida pelo infrator, (c) a condição econômica do infrator e seus antecedentes, (d) prejuízo causado ao consumidor; e (e) repercussão social da infração. 5. É dever do órgão fiscalizador/sancionador indicar claramente quais os parâmetros utilizados para o arbitramento da multa, sob pena de cercear o direito do administrado ao recurso cabível, bem como o controle judicial da legalidade da sanção imposta; com efeito, sem a necessária individualização das circunstâncias favoráveis ou desfavoráveis à empresa em razão da infração cometida, não há como perceber se o valor da multa é ou não proporcional; veja-se que, no caso, concreto, a multa foi arbitrada em valor próximo do máximo admitido pela norma legal. 6. Tal circunstância não passou despercebida pelo Julgador singular, que anotou, com propriedade, a falta de motivação do ato administrativo de fixação da pena de multa, reduzindo-a ao mínimo legal. 7. Recurso Especial conhecido e provido para restabelecer a sentença. (STJ - REsp: 1457255 PR 2014/0011793-4, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 07/08/2014, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/08/2014)
Observa-se que o ato objeto da decisão supracitada é sancionador. Ato este que se configura em virtude de motivo preexiste, qual seja, ausência de selo de identificação em 12 reatores eletrônicos e cuja razão determina a prática do ato. E, mesmo frente à adequação das hipóteses elencadas pelo ilustre doutrinador, o Superior Tribunal de Justiça acertadamente defendeu pela imperatividade de motivação adequada do ato, com argumento de que a discricionariedade do Administrador encontra limite no devido processo legal.
José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.111.
Mazza, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 4ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2014, p. 116-119.
Mello, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello. Princípios Gerais de Direito Administrativo. 3ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010, p. 537-539.
Mello, Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. 31ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p.115-116; 404-408.