A prescrição intercorrente da habilitação do espólio ou dos herdeiros em processos judiciais.

12/01/2015 às 21:33

Resumo:


  • A morte de uma das partes em um processo judicial resulta na suspensão automática do processo e na substituição pela parte falecida pelo seu espólio ou sucessores, invalidando atos processuais subsequentes.

  • Não há prazo legal estabelecido para a habilitação de herdeiros ou espólio no processo, o que tem levado a entendimentos divergentes sobre a prescrição intercorrente.

  • O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que a suspensão do processo pela morte da parte também suspende o prazo prescricional, enquanto outras visões sugerem limites para evitar a perpetuação indefinida do processo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente artigo propõe discutir qual o prazo para a realização da habilitação do espólio ou dos herdeiros, em processos judiciais, no caso de morte de uma das partes, notadamente do autor.

O presente artigo propõe discutir qual o prazo para a realização da habilitação do espólio ou dos herdeiros, em processos judiciais, no caso de morte de uma das partes, notadamente do autor.

Indubitável que em havendo a morte de uma das partes haverá a “substituição pelo seu espólio ou pelos sucessores”, com a suspensão do processo, a teor dos artigos 43 e 265, I, do Código de Processo Civil.                    

Deste modo, em não havendo a suspensão imediata do processo, para a regularização processual, por ausência de comunicação ao juiz, tem-se que todos os atos processuais praticados são nulos, haja vista o comando legal dos artigos citados acima, acrescido ao fato de que em havendo a morte da parte, de imediato, extingue-se o mandato (art. 682, inciso II, c/c 692 do Código Civil de 2002), nesse sentido é o entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça de São Paulo[1]:

LOCAÇÃO DE IMÓVEIS - DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO C/C COBRANÇA - EXECUÇÃO - MORTE DO EXEQUENTE - SUSPENSÃO DO PROCESSO - EFEITO "EX TUNC" - EXTINÇÃO DO MANDATO - INVALIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS POSTERIORES. A morte de uma das partes suspende o processo, ainda que o fato não seja comunicado ao Juiz da causa, invalidando os atos processuais praticados posteriormente.

Com efeito, tal fato ocorre porque a suspensão do processo é automática, ou seja, em havendo a morte de uma das partes, de plano, o processo deve ser suspenso, sem a realização de qualquer ato processual, na precisa lição de Cândido Rangel Dinamarco[2]:

A suspensão é também automática, não dependendo de qualquer ato da parte ou do juiz, quando for efeito de algum ato muito objetivo que torne absolutamente impossível o prosseguimento do processo. Isso acontece sempre que faleça uma das partes ou seu representante legal ou o defensor único, ou que algum desses sujeitos venha a perder a capacidade (art. 265, inc. II). Não sendo lícita a realização de qualquer ato em processo onde falte uma das partes, ou em que uma esteja desprovida da defesa técnica que só o advogado pode oferecer, tudo que no processo acontecer a partir de um desses fatos será irremediavelmente ineficaz. Ainda que tarde a chegar a noticia do fato ao juiz, ou que se demore ele a pronunciar-se a respeito, os atos serão ineficazes a partir do fato e não o pronunciamento judicial - o qual, nessas hipóteses, lança seus efeitos ao passado (ex tunc)".

Nesse sentido, também há entendimento jurisprudencial [3]:

PROCESSUAL CIVIL - EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA - REEXAME DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO

RECURSO ESPECIAL - IMPOSSIBILIDADE - FALECIMENTO DA PARTE - SUSPENSÃO IMEDIATA DO PROCESSO - CPC, ART. 265 - ATOS PRATICADOS ANTES DA DECISÃO JUDICIAL - NULIDADE - PRECEDENTES.

- (...)

- O falecimento de qualquer das partes suspende o processo no exato momento em que se deu, invalidando os atos processuais até então praticados.

- O despacho judicial que determina a suspensão  do feito é preponderante declaratório, produzindo, por conseqüência, efeitos 'ex tunc'.

- Embargos de divergência improvidos"

Portanto, sobre a necessidade de suspensão imediata do processo não há maiores controvérsias, doutrina e jurisprudência comungam de mesmo entendimento, contudo, questão tormentosa é a despeito de qual o prazo para a suspensão do processo? Há prescrição intercorrente?

Na prática, se o falecimento é do Réu, o Autor prosseguirá no processo buscando a integração do polo passivo, por meio da intimação do espólio ou dos sucessores, todavia, se o falecimento é do Autor a questão se tornará um pouco mais complexa, posto que o Réu não tem interesse na intimação dos herdeiros para realizarem a substituição processual, posto que pretende o arquivamento do processo por falta de impulso.

Nesse ponto, o Superior Tribunal de Justiça[4] firmou entendimento de que a suspensão do processo por morte da parte autora suspenderia também o curso do prazo prescricional da pretensão, isto porque, não haveria previsão legal de prazo para a habilitação dos sucessores, in verbis:

PROCESSUAL CIVIL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. FALECIMENTO DA PARTE EXEQUENTE. SUSPENSÃO DO PROCESSO. HABILITAÇÃO DOS SUCESSORES. ART. 265, I, DO CPC. INEXISTÊNCIA DE PRAZO LEGAL. CONSEQUENTE INAPLICABILIDADE DE PRAZO MÁXIMO DE SUSPENSÃO DO LAPSO PRESCRICIONAL. PRECEDENTES DO STJ.

1. Trata-se de pretensão recursal no sentido de que a prescrição intercorrente da execução ocorreu no caso, pois não há falar em suspensão eterna do prazo de habilitação dos sucessores em razão do óbito do exequente.

2. O STJ sedimentou compreensão no sentido de que a suspensão do processo por óbito da parte exequente suspende também o curso do prazo prescricional da pretensão executiva, observando-se que, por não existir previsão legal de prazo para a habilitação dos sucessores, não se pode presumir lapso máximo para a suspensão. Nesse sentido: AgRg no AREsp 523.598/RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 15.8.2014; AgRg no AREsp 282.834/CE, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 22.4.2014; AgRg no AREsp 387.111/PE, Rel. Ministro Ari Pargendler, Primeira Turma, DJe 22/11/2013).

 3. Recurso Especial não provido.

Com referida decisão o STJ transformou em absoluto o direito de habilitar-se nos autos processuais a qualquer tempo, sem prazo de prescrição, criando um fato jurídico desacompanhado de um prazo razoável para sua realização, fazendo com que o mesmo se perpetue no tempo eternamente.

Em que pese a legislação não fixe prazo, expressamente, para a suspensão do processo no aguardo da habilitação dos herdeiros, não se pode concluir que o processo ficará indefinidamente à espera da iniciativa dos herdeiros.

Como é cediço a prescrição é instituto que visa à punição do autor que deixou de promover as diligências indispensáveis ao andamento do feito. Com efeito, a suspensão do processo prevista não implica na suspensão da prescrição intercorrente, pois não se compatibiliza com a segurança jurídica prorrogar a suspensão do processo pela morte das partes até o momento em que os seus herdeiros houverem por bem se habilitar.

De outro lado, forçoso se reconhecer que a prescrição é matéria de direito civil, tendo como fato gerador a morte da pessoa que litigava em juízo, desta feita, o fato do herdeiro ou sucessor desconhecer o litígio não é motivo para suspender o prazo prescricional, que, automaticamente, é acionado com o fator morte.

Portanto, não é a suspensão processual, prevista no Código de Processo Civil, ante a ocorrência do falecimento da parte, que deve ser entendida como suspensão do prazo prescricional para a habilitação, isto porque a lei processual civil determina apenas a suspensão do processo, não podendo, por ser norma processual, suspender prazo estipulado por norma material ou reger situação nesta fixada.

Em outras palavras, referida posição do STJ não parece ser a mais adequada não há que se cogitar ausência de prazo para a habilitação, não pode o julgador criar imprescritibilidade, quando essa não constar expressamente da lei, por óbvio, criada pelo legislador, no ambiente propício e democrático, até para se prestigiar a segurança jurídica, aliás, há decisão do 5º Tribunal Regional Federal[5] nesse sentido:

Processual Civil. Agravo de instrumento atacando decisão que afasta a prescrição, em execução de sentença, ante o caso que revela a morte de um dos autores em 15 de maio de 1996 e o pedido de habilitação de herdeiro em 20 de outubro de 2010. Ocorrência de prescrição.

 1. A prescrição é matéria de direito civil, tendo início com a morte da pessoa que, no caso, litiga em juízo. O fato de o herdeiro ou sucessor desconhecer o litígio não é motivo para suspender o prazo prescricional, que, automaticamente, é acionado com o fator morte. Por outro lado, não é a suspensão processual, prevista no Código de Processo Civil, ante a ocorrência do falecimento da parte, cf. art. 265, parágrafo 1º., que deve ser entendida como suspensão do prazo prescricional de cinco anos para a habilitação, porque a lei processual civil determina apenas a suspensão do processo em si, não podendo, por ser norma adjetiva, suspender prazo estipulado por norma substantiva ou reger situação nesta fixada.

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2. Se o herdeiro ou sucessor passa quatorze anos da morte do pai para se habilitar, a prescrição já atingiu sua pretensão antes mesmo do início da execução da sentença, não havendo mais remédio para manter seu perseguido direito vivo e eficaz.

3. É certo que, numerosa corrente, inclusive no Superior Tribunal de Justiça, entende de forma diferente, proclamando o absurdo de considerar que, nestes casos, não há prescrição, como se fosse possível fixar um fato despojado de um prazo prescricional, e, como se a lei substantiva tivesse assim estabelecido.

4. Provimento do agravo de instrumento.

Ainda, na omissão da lei não poderia o judiciário interpretar pela imprescritibilidade, melhor análise seria feia de acordo com o artigo 4o da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro que dispõe “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Logo, valendo-se da analogia, o Código de Processo Civil tem solução para o referido caso, isto porque, estabelece, em seu artigo 267, III, que o processo será extinto, sem resolução do mérito, “quando, por não promover os atos e diligências que lhe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias”, ou seja, após intimar os herdeiros pessoalmente, nos termos do § 1º, do artigo supracitado, em não havendo regularização em 48 (quarenta e oito) horas, o juiz estará autorizado a arquivar os autos, ocasião em que o prazo prescricional passará a fluir.

Nesse diapasão, não pode o Judiciário se escusar a buscar os herdeiros, posto que dispõe dos meios de pesquisa necessário para tanto, como pesquisas de Infojud, Bacenjud, Renajud ou sistema Siel, isto porque, presume-se que o juiz saiba quais são os herdeiros do de cujus por constar certidão de óbito nos autos.

Por outro lado, o juiz poderá adotar o entendimento de que não há pressupostos de desenvolvimento válido e regular do processo, extinguindo o processo, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, IV, c/c § 3º, do Código de Processo Civil, contudo, nesse caso, por uma interpretação sistemática do código, deve ser obedecido o prazo de um ano da inércia das partes, previsto no inciso II, do dispositivo em comento.

Em último caso, deve-se apelar pra regra do artigo 205, do Código Civil, que versa sobre prescrição, desta feita, caso não entenda haver prazo prescricional, como admite o STJ, deveria adotar dez anos, como regra geral.

Não se pode olvidar que a prescrição é forma de realizar a pacificação social, visando a estabilidade jurídica, deste modo, o réu não pode aguardar eternamente pela habilitação dos herdeiros ou espólio.

Com efeito, a questão é controvertida, não se tem um posicionamento firme da doutrina, por outro lado, o STJ firmou entendimento de que não há prazo para a habilitação do espólio ou dos herdeiros, contudo, não aparenta ser esse entendimento o mais correto, pois não pode o judiciário criar a imprescritibilidade de um ato processual, criando instabilidade na relação processual a eternizando.


[1] Agravo de Instrumento n° 1139614- 0/9, 35ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Des. Rel. Mendes Gomes Data do julgamento: 28/04/2008.

[2] Instituições de Direito Processual Civil, Vol. III. Malheiros. 2001, p. 152.

[3] EREsp  270.191/SP, STJ, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 20.09.04.

[4] STJ - REsp: 1475399 PE 2014/0208052-7, Relator: Ministro Herman Benjamin, Data de Julgamento: 14/10/2014, T2 - Segunda Turma, Data de Publicação: DJe 28/11/2014.

[5] TRF-5 - AG: 33879020134050000, Relator: Desembargador Federal Vladimir Carvalho, Data de Julgamento: 24/09/2013, Segunda Turma, Data de Publicação: 03/10/2013

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Sobre o autor
Gabriel Barreira Bressan

Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Possui graduação pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor de Processo Civil na Faculdade de Direito da Universidade Santo Amaro - UNISA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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