1. INTRODUÇÃO
Neste artigo será abordado o crédito-prêmio do IPI, estímulo fiscal às exportações brasileiras, cujo termo final de vigência consiste num dos grandes embates jurídicos que a União vem travando nos tribunais pátrios.
Para se ter uma idéia da importância que este tema tem para a União – em especial para o Órgão que a representa judicialmente nas causas de natureza tributária, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – no "Anexo de Riscos Fiscais" da Lei de Diretrizes Orçamentárias – 2003, ao se analisar os principais riscos a que as contas públicas estão sujeitas, as ações que envolvem o crédito-prêmio do IPI são citadas como uma das fontes de riscos de dívida, na categoria de passivos contingentes, isto é, "dívidas cuja existência depende de fatores imprevisíveis".
As ações judiciais acerca do crédito-prêmio do IPI, invariavelmente, envolvem valores que chegam a dezenas de milhões de reais. Há ações cujos valores estão na casa das centenas de milhões de reais.
Inicialmente far-se-á uma análise histórica do crédito-prêmio, expondo-se os instrumentos normativos que o disciplinaram.
Todavia, o objetivo principal concentrar-se-á no termo final de vigência do crédito-prêmio do IPI, que tanta preocupação tem causado às autoridades governamentais brasileiras. Para tanto, serão expostos e comparados os dois posicionamentos existentes sobre essa matéria.
2. O CRÉDITO-PRÊMIO DO IPI E O SEU TERMO FINAL
2.1 – ANÁLISE HISTÓRICA
O crédito-prêmio do IPI consistiu num incentivo fiscal às exportações, instituído pela União em 1.969, mediante a edição do Decreto-lei nº 491.
Com esse objetivo de estimular as exportações, o Decreto-lei nº 491/69, no seu art. 1º, dispunha que as empresas fabricantes e exportadoras de produtos manufaturados gozariam de um crédito tributário advindo das vendas desses produtos para o exterior. Era o crédito-prêmio do IPI.
Tal benefício era usufruído deduzindo-o do valor do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidente sobre operações no mercado interno. Se após tal dedução ainda restassem créditos, os mesmos poderiam ser compensados com os demais impostos federais devidos.
Portanto, o contexto em que surge o crédito-prêmio do IPI, no final da década de 60, é o da implementação do desenvolvimento econômico nacional, o qual imprescindiria de uma política de estímulo às exportações.
Entretanto, tal como nos dias de hoje com a Organização Mundial do Comércio (OMC), a pressão do Gatt foi decisiva para que o mesmo fosse sendo extinto gradualmente.
Em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo (1995), o Deputado Federal e ex-Ministro Antônio Kandir, assim expôs essa situação:
Formava o núcleo dessa política [de promoção das exportações] um vasto e generoso esquema de subsídios e incentivos fiscais (crédito-prêmio de ICM e IPI, isenções no IRPJ etc.) e subsídios creditícios (tipicamente financiamentos sem incidência de correção monetária).
[...]
Externamente, os limites dessa política começaram a se explicitar à medida que, amparadas em normas do Gatt, cresciam as pressões internacionais contra o subsídio oferecido às exportações brasileiras (o aumento da participação de certos produtos manufaturados do Brasil em mercados importantes fez crescer o número de contenciosos e a imposição de sobretaxas).
A mesma conclusão do Deputado Kandir pode ser encontrada no Relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) chamado "As políticas industrial e de comércio exterior no Brasil: rumos e indefinições"(BONELLI, VEIGA e BRITO, 1997, p.1), onde está dito que "pressões do Gatt e de alguns parceiros comerciais do Brasil" foram responsáveis pela gradual desativação da política de incentivos à exportação, da qual o crédito-prêmio do IPI era um dos principais elementos.
Assim, dez anos após a instituição do crédito-prêmio do IPI, a União edita o Decreto-Lei nº 1.658, de 24 de janeiro de 1979, a fim de extinguí-lo de forma gradual.
No art. 1º do Decreto-lei nº 1.658/79 prevê-se a redução gradual do crédito-prêmio do IPI "até sua total extinção em 30 de junho de 1983".
Posteriormente, foi editado o Decreto-lei nº 1.722, de 3 de dezembro de 1979, o qual, no seu art. 3º, deu nova redação ao § 2º do art. 1º do Decreto-lei nº 1.658/79, onde se encontrava a disposição de que o crédito-prêmio do IPI seria extinto em 30 de junho de 1983.
Eis a redação desse art. 3º do Decreto-lei nº 1.722/79:
Art. 3º. O parágrafo 2º do artigo 1º do Decreto-lei nº 1.658, de 24 de janeiro de 1979, passa a vigorar com a seguinte redação:
"§ 2º O estímulo será reduzido de vinte por cento em 1980, vinte por cento em 1981, vinte por cento em 1982 e de dez por cento até 30 de junho de 1983, de acordo com ato do Ministro de Estado da Fazenda."
Vale lembrar que por força do Decreto-lei nº 1.658/79, o crédito-prêmio do IPI já havia sido reduzido em 30% no ano de 1979. Acresçam-se os 70% constantes do texto transcrito acima e ter-se-á em 30 de junho de 1983 os 100% de redução, ou seja, a extinção do crédito-prêmio.
Portanto, o Decreto-lei nº 1.722/79 não alterou o termo final do crédito-prêmio do IPI, o qual continuou sendo a data de 30 de junho de 1983.
Se o Poder Executivo não tivesse mais legislado sobre a matéria, nenhuma controvérsia teria advindo, já que, de acordo com o Decreto-lei nº 1.658/79 e o Decreto-lei nº 1.722/79, é incontestável que o crédito-prêmio se extinguiria em 30 de junho de 1983.
Os problemas surgiram com a legislação posterior.
Primeiro entrou em vigor o Decreto-lei nº 1.724, de 7 de dezembro de 1979, que nos seus dois únicos artigos tratou apenas de delegar ao Ministro de Estado da Fazenda a competência de reduzir, aumentar ou extinguir o crédito-prêmio do IPI. Observe-se que ele nada disse acerca do prazo final de vigência do benefício.
Dois anos após, em 16 de dezembro de 1981, foi editado o Decreto-lei nº 1.894, que, repetindo a delegação contida no Decreto-lei nº 1.724/79, estendeu o crédito-prêmio do IPI às empresas exclusivamente exportadoras, tendo em vista que, de acordo com o Decreto-lei nº 491/69, somente as empresas que fabricassem e exportassem produtos manufaturados teriam direito ao benefício.
Também o Decreto-lei nº 1.894/81 não dispôs sobre o termo final do crédito-prêmio do IPI. A exemplo do Decreto-lei nº 1.724/79, apenas foram revogadas as disposições em contrário, como manda a boa técnica legislativa.
Com base nesses dois últimos Decretos-lei, várias portarias ministeriais foram expedidas, dispondo sobre o benefício fiscal em comento. Duas delas, as Portarias Ministeriais nºs 252/82 e 176/84, tentaram prorrogá-lo para além do termo final em 30 de junho de 1983. Ambas estendiam o crédito-prêmio até 1º de maio de 1985.
De fato, em decorrência dessas duas Portarias Ministeriais, as empresas exportadoras de produtos manufaturados puderam usufruir do crédito-prêmio do IPI até 1º de maio de 1985.
Ocorre que essas empresas exportadoras, ou os escritórios de advocacia por elas contratados, entenderam que seria possível requerer da União a continuidade do crédito-prêmio do IPI, mesmo depois de 1º de maio de 1985. Formularam a tese de que a delegação de poderes ao Ministro de Estado da Fazenda, contida no Decreto-lei nº 1.724/79 e no Decreto-lei nº 1.894/81, para reduzir, aumentar ou extinguir o estímulo fiscal, seria inconstitucional, já que contrariaria o parágrafo único do art. 6º da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969, o qual vedava aos Poderes da União a delegação de atribuições, tal qual feito pelos Decretos-leis referidos. [1]
E, em verdade, os tribunais brasileiros entenderam que tal delegação contrariava a Constituição pretérita, de modo que o Decreto-lei nº 1.724/79 deveria ser totalmente afastado do mundo jurídico, enquanto que o dispositivo que tratava da delegação no Decreto-lei nº 1.894/81 (art. 3º, inc.I) também deveria ter o mesmo destino.
Por fim o Supremo Tribunal Federal encerrou a discussão. No julgamento do RE nº 186.623/RS, realizado em 26 de novembro de 2001, considerou que a delegação de poderes ao Ministro de Estado da Fazenda para extinguir o crédito-prêmio do IPI contrariava a Constituição de 1967 (EC nº 1/69).
Surgiu então a questão fulcral deste estudo. Com a declaração de inconstitucionalidade do Decreto-lei nº 1.724/79 e do inc. I do art. 3º do Decreto-lei nº 1.894/81, até quando as empresas poderiam gozar do benefício fiscal instituído pelo Decreto-lei nº 491/69?
As empresas exportadoras entendem que, como o crédito-prêmio do IPI teria ficado sem prazo de extinção, ele poderia ser usufruído até 5 de outubro de 1990, de acordo com o §1º do art. 41 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição de 1988.
Já para outros, com a declaração de inconstitucionalidade da delegação de poderes dos Decretos-lei nºs 1.724/79 e 1.894/81, por uma questão lógica, dever-se-ia aplicar os Decretos-lei nºs 1.658/79 e 1.722/79, que fixaram o termo final em 30 de junho de 1983.
Da comparação dessas duas teses é que se buscará uma conclusão sobre o termo final de vigência do crédito-prêmio do IPI.
2.2 – O TERMO FINAL EM 05 DE OUTUBRO DE 1990
Como se expôs, o entendimento das empresas é o de que com a declaração de inconstitucionalidade da delegação de poderes ao Ministro de Estado da Fazenda, a data de 1º de maio de 1985 não pode ser mais admitida como termo final do crédito-prêmio do IPI, já que as Portarias Ministeriais que a fixaram, promanavam de normas inconstitucionais (Decreto-lei nº 1.724/79 e Decreto-lei nº 1.894/81).
Assim, a sua vigência teria se estendido até 5 de outubro de 1990. E isso porque o § 1º do art. 41 do ADCT da Constituição de 1988 determina a revogação, dois anos após a data da sua promulgação, dos incentivos não confirmados por lei. [2]
Por essa tese, caso o constituinte de 1988 não tivesse redigido esse dispositivo, o crédito-prêmio do IPI ainda estaria em vigor, pois nenhuma lei (em sentido material) tê-lo-ia revogado.
Quanto aos Decretos-leis nºs 1.658/79 e 1.722/79, que fixaram o prazo final do benefício em 30 de junho de 1983, os partidários dessa tese entendem que eles não seriam aplicáveis. Argumentam que o Decreto-lei nº 1.894/81, ao referir-se ao Decreto-lei nº 491/69 teria restaurado o crédito-prêmio do IPI sem definição de prazo. Também dizem, embora esse argumento não fique muito claro, que com a declaração de inconstitucionalidade do Decreto-lei nº 1.724/79, ficaram sem efeito os Decretos-leis nºs 1.658/79 e 1.722/79, aos quais aquele teria se reportado.
Essa tese tem recebido acolhida no Tribunal Regional Federal da 1ª Região – atualmente nas suas duas turmas tributárias (3ª e 4ª Turmas) – bem como no Superior Tribunal de Justiça, como se vê no seguinte julgado:
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. CRÉDITO-PRÊMIO. IPI. DECRETOS-LEIS NºS 491/69, 1.724/79, 1.722/79, 1.658/79 E 1.894/81. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR.
1. Agravo Regimental contra decisão que deu provimento ao recurso especial ofertado pela agravada.
2. Acórdão a quo que considerou que o crédito-prêmio do IPI, previsto no Decreto-Lei nº 491/69, extinguiu-se em junho de 1983, por força do Decreto-lei nº 1.658/79.
3. Declarada a inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 1.724/79, conseqüentemente ficaram sem efeito os Decretos-Leis nºs 1.722/79 e 1.658/79, aos quais o primeiro diploma se referia.
4. É aplicável o Decreto-Lei nº 491/69, expressamente mencionado no Decreto-Lei nº 1894/81, que restaurou o benefício do crédito-prêmio do IPI, sem definição de prazo.
5. Precedentes das 1ª e 2ª Turmas e da 1ª Seção desta Corte Superior.
6. Agravo regimental improvido.
(STJ, AGRESP 329.254/RS, Primeira Turma, rel. Min. José Delgado, DJ 18/02/2002, p. 264).
Disse o i. Relator, Ministro José Delgado, no seu voto:
A abordagem do tema pelo acórdão recorrido ressalta a problemática das alterações introduzidas pela legislação no trato do instituto do crédito-prêmio. O inconstitucional Decreto-Lei nº 1.724/79 revogara expressamente o Decreto-Lei nº 1.658/79, que mesmo revigorado com a declaração de incompatibilidade do primeiro com a Lei Maior não teve seus efeitos operantes, posto que, em seguida, foi editada a Lei nº 1.894/81.
Na ótica do douto Colegiado ‘a quo’, este último ato legislativo restaurou, sem definir prazo, o referido benefício fiscal, aplicando as disposições contidas no Decreto original de nº 491/69. Ou seja, a declaração de inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 1.724/79 pelo Plenário do extinto Tribunal Federal de Recursos permitiu a incidência do Decreto-Lei nº 491/69, ao passo que a extinção do benefício prevista para 30.6.83 pelo Decreto-Lei nº 1.658/79 teve sua incidência frustrada pelo advento do Decreto-Lei nº 1.894/81, que disciplina a matéria de forma inteiramente diversa do diploma legal anterior.
[...]
Tendo sido a situação disciplinada de forma diferente pelo Decreto-Lei nº 1.894/81, antes de implementado o termo ‘ad quem’ para a extinção do incentivo, como disposto no Decreto-Lei nº 1.658/79, é patente a vontade do legislador de perpetuar o benefício em prol do estímulo às exportações, e, neste ponto, não se mostra razoável a negativa de vigência apontada pela petição recursal.
Portanto, resumidamente, os defensores dessa tese entendem que os Decretos-lei nºs 1.658/79 e 1.722/79 são inaplicáveis, porquanto o Decreto-lei nº 1.894/81, ao se referir ao Decreto-lei nº 491/69, não estabeleceu nenhum termo final de vigência do crédito-prêmio do IPI, de modo que aqueles Decretos-leis teriam sido revogados tacitamente por este (o Decreto-lei nº 1.894/81).
2.3 – O TERMO FINAL EM 30 DE JUNHO DE 1983
Há, todavia, aqueles que entendem que os Decretos-lei nºs 1.658/79 e 1.722/79 não foram revogados, expressa ou tacitamente, e que, portanto, o crédito-prêmio do IPI findou-se em 30 de junho de 1983.
Afirmam que, declarada a inconstitucionalidade da delegação de poderes ao Ministro de Estado da Fazenda, de fato o dia 1º de maio de 1985 deixa de ser o termo final do crédito-prêmio do IPI. Mas que nenhum texto legal teria revogado os Decretos-lei nºs 1.658/79 e 1.722/79, e que, conseqüentemente, o termo final seria o dia 30 de junho de 1983.
A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região esposou esse entendimento em vários julgados, mas atualmente se rendeu à tese oposta.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região sempre sufragou esse entendimento, enquanto o Tribunal Regional Federal da 5ª Região tem julgados favoráveis a essa tese.
Pode-se citar como exemplares dessa posição, os seguintes acórdãos do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e do Tribunal Regional Federal da 5ª Região:
TRIBUTÁRIO. IPI. CRÉDITO-PRÊMIO. TERMO FINAL. VIGÊNCIA. BENEFÍCIO. LEI. INEXISTÊNCIA.
1. A inconstitucionalidade das Portarias, editadas com base na delegação prevista nos Decretos-leis nºs 1.724/79 e 1894/81, não levou a alteração da data limite do crédito-prêmio instituído pelo Decreto-Lei nº 491/69.
2. Na hipótese, os fatos geradores, consoante os documentos trazidos com a petição inicial, ocorreram em 1984. Inexiste qualquer verba a ser restituída, eis que ausente norma legal autorizativa da fruição do benefício.
3. Nenhum dos textos legais, editados após o Decreto-lei nº 1.658/79, disciplinou acerca da data da extinção do crédito-prêmio previsto no Decreto-Lei nº 491/69, pelo que, se manteve, para todos os efeitos, a data de 30.06. 83 como termo final de vigência do benefício em tela.
(TRF – 4ª Região, AC nº 96.04.22981-8/RS, 2ª Turma, rel. Juiz Hermes Siedler da Conceição Júnior, DJ2, nº 206, 27.10.99, p. 641).
TRIBUTÁRIO. CRÉDITO-PRÊMIO DO IPI ÀS EXPORTAÇÕES CRIADO PELO DECRETO-LEI Nº 491/69. SUA EXTINÇÃO EM 30.06.83 PELO DECRETO-LEI Nº 1.658/79.
- O subsídio conhecido como ‘crédito-prêmio do IPI’ criado pelo Decreto-Lei 491/69, extinguiu-se em 30.06.83 por força de tabela de extinção gradual estabelecida no Decreto-Lei 1.658/79. A posterior revogação deste pelo Decreto-lei 1.724/79 não repristinou o Decreto-Lei 491/69 nem aboliu o direito adquirido pelos exportadores de usufruírem do subsídio na forma estabelecida pelo diploma revogado, por tratar-se o mesmo de incentivo a prazo certo e, portanto, de natureza contratual.
- A menção feita ao Decreto-lei 491/69 pelo Decreto-Lei 1.894/81 teve o objetivo de estender às ‘trading companies’ o mesmo incentivo em extinção que era concedido às ‘exporting factories’ por norma legal não vigente porém ainda eficaz, mas não de restaurar-lhe a vigência.
- Impossibilidade de usufruírem dos subsídios do ‘crédito-prêmio do IPI’ as exportações feitas posteriormente a 30.06.83.
- Apelação improvida.
(TRF – 5ª R., AC nº 124959/CE, 1ª T., rel. Juiz Castro Meira, DJ 29.11.98).
Assim, de acordo com essa segunda posição, o crédito-prêmio do IPI foi extinto em 30 de junho de 1983, por força dos Decretos-lei nºs 1.658/79 e 1.722/79, os quais não foram revogados pelo Decreto-lei nº 1.894/81.
2.4 – O CONFRONTO DESSAS POSIÇÕES
A solução da questão aqui posta deve ser dada sob o ângulo exclusivamente jurídico. Considerações de outra ordem devem ser desprezadas. [3]
Nesse sentido, as normas da Lei de Introdução ao Código Civil são fundamentais para se chegar a uma conclusão.
Primeiramente, deve-se deixar bem claro que nenhum instrumento normativo revogou expressamente o Decreto-lei nº 1.658/79 e o Decreto-lei nº 1.722/79.
Cabe então perquirir se algum o teria feito de forma implícita.
Se a resposta for negativa, então o crédito-prêmio do IPI é devido somente até 30 de junho de 1983.
É fato que os Decretos-lei nºs 1.658/79 e 1.722/79 estabeleceram como prazo final de vigência do crédito-prêmio a data de 30 de junho de 1983. Isso ninguém contesta.
Também é fato que os Decretos-lei nºs 1.724/79 e 1.894/81 não fixaram nenhuma data diferente a essa, e tampouco revogaram expressamente aqueles Decretos-lei.
Teriam, então, feito a revogação dos mesmos de forma implícita?
A resposta a essa pergunta é taxativamente não.
Quando da entrada em vigor dos Decretos-lei nº 1.724/79 e 1.894/81 o termo final do crédito-prêmio era 30 de junho de 1983. Como eles não fixaram data diversa, deve-se entender que a delegação neles contida para extinguir ou reduzir o benefício limitava-se ao citado prazo.
O Poder Executivo não poderia ter avançado sobre esse prazo, como fez com as Portarias Ministeriais nºs 252/82 e 176/84 – que fixaram o termo final em 1º de maio de 1985 - as quais, por esse motivo são ilegais, pois contrariaram o prazo estabelecido nos Decretos-lei nºs 1.658/79 e 1.722/79.
Portanto, tais Portarias, além de não poderem ser aplicadas em face da inconstitucionalidade da delegação de poderes ao Ministro de Estado da Fazenda, são também ilegais.
Ao contrário do que afirmam as empresas e os membros do Poder Judiciário defensores da primeira tese, não há nada nos Decretos-lei nºs 1.724/79 e 1.894/81 que autorize a assertiva de que tais normas são incompatíveis com o termo final fixado em 30 de junho de 1983.
O argumento, de que ao Decreto-lei nº 1.894/81 fazer referência ao Decreto-lei nº 491/69 sem dispor sobre prazo final, aquele teria estendido o benefício indefinidamente, não subsiste, pois é contrário às regras de aplicação do direito.
O Decreto-lei nº 1.894/81 nada mais fez do que estender às empresas unicamente exportadoras (trading companies), o estímulo fiscal criado pelo Decreto-lei nº 491/69, que antes somente poderia ser usufruído pelas empresas fabricantes e exportadoras de produtos manufaturados (exporting factories).
A referência ao Decreto-lei nº 491/69 feita pelo Decreto-lei nº 1.894/81 teve esse único escopo, o de ampliar o crédito-prêmio do IPI (instituído por aquela norma) às empresas exportadoras.
É dificílimo compreender como desse ponto, pode-se chegar à conclusão de que o crédito-prêmio havia sido recriado sem definição de prazo. Ou seja, de que o termo final em 30 de junho de 1983 havia sido revogado tacitamente pelo Decreto-lei nº 1.894/81.
Como se disse, tal posição contraria a Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei nº 4.657/42), que no § 1º do seu art. 1º dispõe que "a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior".
Ora, os Decretos-lei nº 1.658/79 e 1.722/79 não foram expressamente revogados, bem como os Decretos-lei nº 1.724/79 e 1.894/81 não regularam inteiramente a matéria, ou com aquelas normas são incompatíveis.
Não são incompatíveis porque não fixaram prazo diverso daquele anterior (30/06/1983), sendo que a delegação neles contida somente poderia ser exercida dentro desse prazo.
Tampouco regularam inteiramente a matéria. O Decreto-lei nº 1.724/79 restringiu-se à delegação de poderes ao Ministro de Estado da Fazenda, enquanto o Decreto-lei nº 1.894/81 apenas estendeu o benefício às empresas exportadoras. Tais disposições jamais podem ser concebidas como regulando toda a matéria.
Portanto, os Decretos-lei nºs 1.724/79 e 1.894/81 enquadram-se no § 2º do citado art. 2º, que dispõe que "a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior".
Esses Decretos-leis são disposições especiais – permitindo a delegação e estendendo o benefício a outro segmento da economia – que, portanto, não revogaram tacitamente o prazo final do crédito-prêmio do IPI.
A esse respeito, ensina Carlos Maximiliano (1996, p. 358):
Pode ser promulgada nova lei, sobre o mesmo assunto, sem ficar tacitamente ab-rogada a anterior: ou a última restringe apenas o campo de aplicação da antiga; ou, ao contrário, dilata-o, estende-o a casos novos.. .
Tal ensinamento deve ser aplicado ao presente caso. O Decreto-lei nº 1.894/81 apenas e tão somente estendeu o benefício do crédito-prêmio a um outro segmento não previsto no Decreto-lei nº 491/69, qual seja o das empresas exportadoras que não fossem fabricantes (trading companies), adotando todo o regime então vigente, inclusive, como é óbvio, o prazo de extinção (30.06.83).
Arremata Carlos Maximiliano (1996, p. 358):
Em suma: a incompatibilidade implícita, entre duas expressões de direito não se presume; na dúvida, se considerará uma norma conciliável com a outra. O jurisconsulto Paulo ensinara que – as leis posteriores se ligam às anteriores, se lhes não são contrárias; e esta última circunstância precisa ser provada com argumentos sólidos.. .
Os argumentos sólidos reclamados pelo jurista gaúcho não existem. Pelo contrário, são de uma fragilidade a toda prova.
Entretanto, ainda que se considerasse que a delegação de poderes ao Ministro de Estado da Fazenda para reduzir ou extinguir o crédito-prêmio do IPI tivesse revogado tacitamente o termo final em 30 de junho de 1983, o que se admite somente por amor ao debate, com a declaração de inconstitucionalidade do Decreto-lei nº 1.724/79 e do Decreto-lei nº 1.894/81 (art. 3º, inc. I), o Decreto-lei nº 1.658/79 e o Decreto-lei nº 1.722/79 teriam sido restaurados (não repristinados), pois é inconcebível que normas declaradas inconstitucionais possam revogar outras normas.
3. CONCLUSÃO
Acerca do termo final de vigência do crédito-prêmio do IPI, conclui-se que:
A) Os Decretos-lei nº 1.658/79 e 1.722/79 fixaram-no em 30 de junho de 1983.
B) Os Decretos-lei nº 1.724/79 e 1.894/81 não revogaram o prazo fixado, pois não dispuseram sobre o termo final do estímulo fiscal.
C) O Decreto-lei nº 1.724/79 dispôs apenas sobre a delegação de poderes ao Ministro de Estado da Fazenda para aumentar, reduzir ou extinguir o crédito-prêmio, dentro do prazo fixado (30/06/1983).
D) O Decreto-lei nº 1.894/81, além de conter idêntica delegação, apenas estendeu o benefício instituído pelo Decreto-lei nº 491/69 para as trading companies, já que antes ele somente se destinava às exporting factories.
E) Com a declaração de inconstitucionalidade da delegação de poderes, as Portarias Ministeriais 252/82 e 176/84, que fixavam o prazo final em 1º de maio de 1985, deixaram de ter validade. De qualquer forma elas eram ilegais, eis que contrariavam os Decretos-lei nºs 1.658/79 e 1.722/79, normas hierarquicamente superiores.
F) Ainda que se considerasse que os Decretos-lei nº 1.724/79 e 1.894/81 tivessem revogado tacitamente os Decretos-lei nº 1.658/79 e 1.722/79, com a declaração de inconstitucionalidade daqueles, estes estariam em vigor.
Por tudo isso, pode-se afirmar com segurança que o termo final do crédito-prêmio do IPI é o fixado no Decreto-lei nº 1.658/79 e no Decreto-lei nº 1.722/79 – 30 de junho de 1983 – os quais estão em vigor, eis que não foram revogados por qualquer diploma legal e muito menos foram declarados inconstitucionais.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BONELLI, Regis; VEIGA, Pedro da Motta; BRITO, Adriana Fernandes de. As políticas industrial e de comércio exterior no Brasil: rumos e indefinições. Rio de Janeiro: nov. 1997. 77 p. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/pub/td/td0527.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2002.
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Anexo de riscos fiscais: lei de diretrizes orçamentárias – 2003. Brasília: 15 abr. 2002. Disponível em: <http://www.planejamento.gov.br/orcamento/conteudo/noticias/ldo_2003_anexo_riscos.htm>. Acesso em: 15 jun. 2002.
CARVALHO, Augusto Moreira. A situação pede uma política industrial coerente. [200-]. Disponível em: <http://www.sedep.com.br/informativo_sedep/artigos/artigo120.htm>. Acesso em: 15 jun. 2002.
KANDIR, Antônio. Informar melhor para exportar mais. Folha de São Paulo, São Paulo, 30 jul. 95. Disponível em: <http://www.kandir.com.br/artigos/fsp95_26.htm.>. Acesso em: 15 jun. 2002.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1996, 426 p.
Notas
1. Art. 6º. São Poderes da União, independentes e harmônicos, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Parágrafo único. Salvo as exceções previstas nesta Constituição, é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições; quem for investido na função de um deles não poderá exercer a de outro.
2. Art. 41... .
§ 1º Considerar-se-ão revogados após dois anos, a partir da data da promulgação da Constituição, os incentivos que não forem confirmados por lei.
3. Como a opinião exarada no artigo "A Situação pede uma política industrial coerente" do advogado Augusto Moreira de Carvalho, que deseja que o Sr. Presidente da República determine "aos órgãos que controla que concordem com o crédito-prêmio do IPI, que é um incentivo à exportação, que segundo ele, é uma prioridade para o país, ao invés de contestá-lo nas Corte". Esquece o ilustre Autor, que tanto o Presidente como os Procuradores da Fazenda Nacional têm um compromisso com a legalidade, com o respeito às leis que regem as relações jurídicas, as quais não podem ser desprezadas por conveniências de outra ordem.