4. OS CÓDIGOS MODERNOS
A Idade Moderna voltou as suas vistas para a codificação especialmente nos dois últimos séculos, envolvendo os países da Europa e da América, com exceção da Inglaterra e dos Estados Unidos.
Depois do surgimento dos Códigos modernos a atuação dos homens do direito foi atraída definitivamente para o fenômeno da codificação.
Surgem dois grandes monumentos da ciência do direito privado europeu: o Código de Napoleão e o Código Civil Alemão.
Dessas codificações surgiu o que se convencionou chamar de sistema continental ou sistema do direito codificado, que se caracteriza por considerar a lei como fonte principal do direito, sendo subsidiárias as demais fontes.
Em oposição a esse sistema, está o sistema da Common Law, também denominado sistema anglo-americano, em que o precedente judicial é a fonte principal do direito.
No âmbito nacional podemos citar o Código Civil Brasileiro, o Código Penal, os Códigos de Processo Civil e Penal entre outros.
4.1. O CÓDIGO CIVIL FRANCÊS
O Código Civil Francês de 1804 (Código de Napoleão) foi o primeiro grande triunfo do movimento de codificação. Antes do Código Civil, a França vivenciava um pluralismo político e um fracionamento do seu direito. Para casos idênticos, o direito francês podia apresentar diferentes formas de solução e disciplina, conforme a regra aplicada que variava segundo o ordenamento jurídico predominante nas diversas regiões francesas. Essa situação de pluralismo jurídico tinha por conseqüência um estado de incerteza e insegurança jurídica, que se manifestava tanto no aspecto da impossibilidade de conhecimento da norma jurídica como na indeterminação de qual regra aplicar ao caso concreto e do agente que deveria aplicá-la. Com o tempo, surgiu a necessidade de um sistema fechado, de uma unificação do direito francês como meio de garantir a segurança jurídica.
Até o início da Revolução Francesa em 1789, não havia na França um direito unificado. A Assembléia Nacional Constituinte acordou, em 1790, a confecção de um Código Civil único para todo o reino, de caráter simples e claro, de forma a ser compreendido por todos.
Em matéria civil, foram sucessivamente redigidos vários projetos. Um primeiro projeto foi submetido à Convenção em Agosto de 1793, compreendendo 719 artigos. Esse projeto foi considerado muito longo e não suficientemente revolucionário. Um novo projeto foi elaborado na época da hegemonia dos Montanheses, contando com 197 artigos e limitando-se a compilar os preceitos a partir dos quais cada um pudesse encontrar as suas regras de conduta na vida civil. A convenção achou o projeto muito curto e revolucionário. Em 1796, o projeto de 1104 artigos foi apresentado, sendo negado pelo Conselho dos Quinhentos.
Em 1799, Jacque Minot submete ao Primeiro Cônsul um novo projeto que, incompleto, não obteve sucesso. Um decreto dos Cônsules, de 12 de Agosto de 1800, criou uma comissão de governo composta por quatro jurisconsultos de renome, encarregada de submeter aos Cônsules uma série de projetos de leis civis. Tendo cada membro redigido uma parte dos textos, ao final de quatro meses o projeto estava pronto, sendo seguidamente discutido em comissão. O projeto foi submetido ao Conselho de Estado que o remodelou e dividiu-o em 36 partes. Os projetos do Conselho de Estado foram submetidos ao Tribunato, sendo mal acolhidos por razões essencialmente de oposição política.
Foi Napoleão que, modificando os membros do Tribunato, eliminando todos que lhe eram hostis, fez com que em um só ano, de Março de 1803 à Março de 1084 fossem discutidos e aprovadas 36 leis, que foram promulgadas em um único corpo, em 21 de Março de 1804, recebendo o título de "Código Civil dos Franceses" e, em 1807, o de "Código de Napoleão", sendo constituído de 2281 artigos.
Compreende um título preliminar e três livros: o primeiro sobre as "pessoas", o segundo sobre os "bens e as diferentes modificações da propriedade", e o terceiro sobre os "diversos modos pelos quais se adquire a propriedade". Nesse último, que cobre mais de dois terços de sua superfície ( do artigo 1522 até o 1778), estão regulados os mais diversos institutos: os regimes matrimoniais, as obrigações, as doações e testamentos, as garantias reais e outros.
Hoje, está mutilado por numerosas alterações, mas conserva a estrutura original. Por ocasião do seu centenário, juristas franceses, manifestaram a necessidade de reformá-lo, acentuando seu desajustamento à realidade dos novos tempos e, há alguns anos, comissões de especialistas dedicam-se à elaboração de novo código, em substituição à obra napoleônica.
O Código Francês procurou harmonizar o Direito Romano com o direito público costumeiro, em essência rendia homenagem à doutrina dos direitos do homem, colocava o indivíduo frente ao Estado em posição superior e sancionava a autonomia do direito privado em relação com o direito público. Seu espírito reflete a mentalidade individualista da época. Foi considerado o Código da Burguesia, por ter atendido aos interesses e aspirações desta classe, não se redigiu no propósito de ser lei de privilégios, ao contrário, a intenção foi elaborar um código impessoal, expressão eterna das coisas, para ser aplicado sem distinção de classe, e sem limite de tempo.
Funda-se nos princípios individualistas da liberdade contratual, na propriedade como direito absoluto, e na responsabilidade civil fundada na culpa provada pelo lesado. Inspirou o antigo Código Civil Italiano, bem como o Espanhol, o Português, o Belga, o Holandês, o Romeno, o antigo Código Civil Egípcio e os de Quebec e de Louisiana.
4.2. O CÓDIGO CIVIL ALEMÃO
Desde o início de sua história, vigia na Alemanha um direito consuetudinário originário de costumes e decisões judiciais sentenciados pela autoridade existente e ratificadas pela comunidade.
Na Idade Média, a criação do Império Carolíngeo, conduziu a busca de um direito unitário através do Direito Romano que passou a vigorar como uma espécie de direito internacional privado subsidiário.
Com o desmembramento do Império Carolíngeo a Alemanha tornou-se um "Império Federalista", onde os Estados possuíam completa autonomia que impôs com o tempo a necessidade de uma unidade política e jurídica.
Até o início do século XVI, a Alemanha conviveu com a aplicação da ciência européia do direito comum. Nesse século surgiu a Escola Pandectista, que introduziu a doutrina do "usus modernus pandectarum", oferecendo à Alemanha uma essência jurídica própria.
Até o século XIX foram realizadas várias tentativas de codificação, todas sem sucesso face à carência de unidade legislativa.
Coube à pandectística deste mesmo século a missão da unidade política nacional. Garantindo a unidade da dogmática jurídica, ela antecipou a unidade jurídica do Código Civil.
O triunfo da idéia codificadora não está apenas ligado ao fenômeno de um Estado unificado, mas também a certos pressupostos sociais e econômicos como os movimentos da burguesia liberal que entendiam o Código Civil como subordinado aos princípios da liberdade de propriedade e da liberdade contratual.
Com a edificação do Império Alemão, o direito civil foi declarado como matéria federal, através da Lei Imperial de 20 de Dezembro de 1873, fato que veio a tornar possível a organização de um Código Civil Nacional.
Em 1881 foi nomeada uma primeira comissão de um projeto ao Código Civil. A referida comissão, aprontou o "Primeiro Projeto", este, foi alvo de severas críticas.
Nova comissão foi nomeada. Essa segunda comissão publicou o "Segundo Projeto" que aperfeiçoou na forma e no fundo. Foi sancionado em 1896, com algumas modificações, entrando em vigor em 1º de Janeiro de 1900.
O Código Civil Alemão sofreu influência do Direito Romano e das instituições jurídicas alemãs, caracterizando-se pelo tecnicismo e rigor dogmático, quer na ordenação sistemática, quer na terminologia; renúncia quase total à casuística, bem como pela compatibilização de sua abstração com o espírito prático.
O Código consta de 2385 parágrafos e divide-se em uma Parte Geral, subdividida em dois livros, que compreendem o direito das pessoas, dos bens e os negócios jurídicos e uma Parte Especial, distribuído em quatro livros: direito das obrigações, direitos reais, direito de família e direito hereditário.
Esse código se caracterizou por sua perfeição técnica na expressão do modelo social adotada na época de sua promulgação, a refletir o panorama sócio-econômico nos traços decisivos de sua textura. Saudado com entusiasmo era, entretanto, como observou Wieacker "o filho tardio do liberalismo clássico, fruto da ciência Pandectísta". Já ao nascer se apresentava antiquado e distanciado da realidade jurídica do sistema que estabelecera, dirigindo-se ao burguês endinheirado, ao pequeno industrial, ao camponês e consagrando os ideais da sociedade burguesa.
O alto grau de abstração dos seus parágrafos (artigos) e a rede de cláusulas gerais "concebidas com inteligente precisão" asseguraram a abertura permanente do sistema às exigências mutáveis do comércio jurídico e permitiram o ingresso de novos fatores no ordenamento.
Sobreviveu, inclusive, ao período nacional-socialista, quando esteve ameaçado de ser substituído pelo Código do Povo, que pretendia ser a consolidação de todas as regulamentações especiais, de todo o direito civil desfrutado pelo povo. Alterado por leis que o mutilaram deixou de ser a "regulamentação omnicompreensiva" do direito privado, passando a ser uma Lei Especial, se bem que a mais importante de todas.
O Código Civil Alemão foi concebido na época como o mais progressivo, passando a ser adotado como fonte de inspiração para os países que ainda não haviam elaborado o seu código civil tirando, assim, a exclusividade até então mantido pelo Código de Napoleão.
4.3. O CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
Ao contrário da maioria dos Códigos Latino - Americanos editados anteriormente à 1900, o Direito Civil Brasileiro foi imune à influência do Código de Napoleão. Esse fato deve-se à herança de um centralismo jurídico imposto mediante as Ordenações do Reino, que vigoraram por cerca de quatro séculos no Brasil, centralismo esse que mantêm-se até hoje como conseqüência da estrutura político-social do país e de conveniências econômicas.
4.3.1. A LEGISLAÇÃO DA METRÓPOLE E DA COLÔNIA
Os portugueses com suas naus (grandes embarcações) e suas armas, só puderam transportar para o Brasil a sua organização jurídica adaptando-a ao novo meio social em que deveria viger, pois toda norma jurídica supõe condições sociais possibilitadoras de sua aplicação, para as quais se destina. Tivemos, assim, legislação comum a Portugal e ao Brasil (colônias) e legislação especial ao Brasil.
4.3.2. ORDENAÇÕES
A ordem jurídica portuguesa encontrava-se nas Ordenações do Reino, que compreendiam, primeiro, as Ordenações Afonsinas, depois, as Ordenações Manuelinas e, ao tempo da dominação espanhola, as Ordenações Filipinas.
Essas Ordenações, isto é, o sistema jurídico português teoricamente eram aplicáveis no Brasil, pois na colônia reinava a legislação da Metrópole. Entretanto, por falta de condições de aplicação, muitos preceitos e normas do direito português eram inaplicáveis aqui e outros necessitavam de adaptação para o serem. Surgiu, então, legislação especial adaptadora do direito da Metrópole à Colônia, bem como legislação local ou especial para o Brasil.
A legislação portuguesa, que se destinava exclusivamente ao Brasil era, de regra, decretada em Portugal e, em certos casos, aqui ditada pelos portugueses.
4.3.3. ORDENAÇÕES AFONSINAS, MANUELINAS E FILIPINAS
As Ordenações Afonsinas (1500-1514), aparecidas no século XV, atribuídas a João Mendes, Rui Fernandes, Lopo Vasques, Luis Martins e Fernão Rodrigues, foram elaboradas sob os reinados de João I, D. Duarte e Afonso V como o trabalho foi finalizado no reinado de Afonso V, recebeu o nome de Ordenações Afonsinas (1446).
Compunham-se de cinco livros, compreendendo organização judiciária, competências, relações da Igreja com o Estado, processo civil e comercial. As Ordenações Afonsinas consagraram-se como fonte do direito "nacional" e prevalente, tendo por fontes subsidiárias os direitos romanos e canônico, as glosas de Acúrsio e as opiniões de Bartolo e, por último, as soluções dadas pelo Monarca. Dessa forma, observa-se, desde já, que a consolidação das regras nas Ordenações, inclusive costumeiras, enfraqueceram as que não foram incluídas. No entanto, o apreço ao direito romano fica constatado na sua valoração como primeira fonte subsidiária.
As segundas ordenações, as Ordenações Manuelinas (1514-1603), foi determinada pela existência de vultoso número de leis e atos modificadores das Ordenações Afonsinas. Foram seus compiladores: Rui Boto, Rui da Grá e João Cotrim, que iniciaram seu trabalho em 1501, no reinado do Dom Manuel I e terminaram-no, mais ou menos, em 1514. Apresentavam a peculiaridade de uma duplicidade de edições: a primeira data de 1512-1514 e a segunda de 1521.
A reforma se deu na parte atinente às fontes subsidiárias, onde após a afirmação da prioridade das leis portuguesas, deveriam ser observados primeiro o direito romano e em segundo lugar o direito canônico. Seguem-se como fontes subsidiárias. As glosas de Acúrsio e as opiniões de Bartolo.
As Ordenações Filipinas, juntamente com as leis extravagantes, tiveram vigência no Brasil de 1603 até 1916. Esta compilação data do período do domínio espanhol, sendo devida aos juristas Paulo Afonso, Pedro Barbosa, Jorge de Cabedo, Damião Aguiar, Henrique de Souza, Diogo da Fonseca e Melchior do Amaral, que começaram seus trabalhos no reinado do rei espanhol Felipe I (1581-1598), terminaram-no em 1603, no reinado de Felipe II (1598-1621). Essas ordenações objetivaram a atualização das inúmeras regras esparsas editadas no período de 1521 a 1600, não produzindo grandes alterações nas fontes subsidiárias exceto transformações de cunho formal. Como última norma legal de fontes subsidiárias ao direito português, em ordem sucessiva: o direito romano, o direito canônico (quando a aplicação do direito romano resultasse em pecado) e as glosas de Acúrsio ou as opiniões de Bartolo (desde que de acordo com a comunis opinio doctorum).
Este quadro se manteve até 1769 quando por obra do Marquês do Pombal, foi editada a Lei da Boa Razão. Essa lei, sem revogar as Ordenações Filipinas, estabeleceu novos critérios para a interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas.
A lei em questão visava combater abusos cometidos quando da interpretação dos preceitos legais e aplicação das fontes subsidiárias, suprimindo as glosas e as opiniões, conservando as soluções do direito romano conforme a boa razão. Ser conforme à boa razão eqüivalia a corresponder aos princípios de direito natural e das gentes.
Essas ordenações não eram códigos no sentido atual, mas compilações de leis, atos e costumes.
4.3.4. O SURGIMENTO DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
A história do Direito Civil Brasileiro particulariza-se pelo seu desenvolvimento orgânico desde o período monárquico, caracterizado pelo centralismo jurídico vigorante a partir das Ordenações Manuelinas que para nós foram transportadas como patrimônio moral da metrópole portuguesa.
Com a supressão das Ordenações Manuelinas pelas Ordenações Filipinas, estas também foram trazidas para o Brasil para serem aplicadas como um direito já pronto e estabelecido.
Desta forma, a idéia de codificar o direito e o anseio pela sistematização vieram-nos de Portugal que, no espaço de cem anos, ofereceu ao mundo três códigos, com a elaboração sucessiva das Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas. Quando surgiram as primeiras manifestações jurídicas de caráter nitidamente nacional, ligaram-se ao pensamento codificador.
A Constituição Brasileira de 25 de Março de 1824 deliberou, no artigo 179, XVIII, que fosse elaborado um Código Civil, fundado nas sólidas bases da justiça e da equidade, e reconheceu nacionalidade às Ordenações Filipinas como ordenamento jurídico brasileiro até a promulgação do novo Código Civil.
Várias foram as tentativas de codificação no Império e na República.
Eusébio de Queirós propôs que fosse adotado como Código Civil o Digesto Português, de Correia Teles. A sua proposta não vingou por se ter manifestado contra ela o Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros.
Estabelecido que, como trabalho preparatório do Código Civil se fizesse a consolidação do direito privado comum em vigor, essa tarefa foi confiada, em 1855, ao grande jurisconsulto Augusto Teixeira de Freitas que, em 1858, tinha concluído a notável Consolidação das Leis Civis, que mereceu aprovação.
Foi-lhe, então, dada a incumbência de organizar o Projeto do Código Civil Brasileiro, tendo ele formulado um esboço, que deveria ser submetido ao exame dos competentes para ser depois transformado em projeto.
Esse esboço foi submetido ao estudo de uma comissão. Teixeira de Freitas desgostou-se com a comissão e com o pouco valor que, ao seu esforço, dava ou parecia dar a opinião brasileira. A obra foi interrompida e não mais retomada pelo autor, sendo esse trabalho aproveitado para a elaboração do Código Civil Argentino.
Rescindido o contrato entre o governo imperial e Teixeira de Freitas para a elaboração do Projeto do Código Civil, essa incumbência foi dada a Nabuco de Araújo. Este apenas iniciou o trabalho, que foi interrompido pela morte do ilustre estadista e jurisconsulto.
Em 1881 o jurisconsulto mineiro Joaquim Felício dos Santos ofereceu ao governo imperial os seus "Apontamentos para o Projeto do Código Civil Brasileiro". Aceitando-os o Governo nomeou uma comissão de jurisconsultos para estudá-los e emitir sobre os mesmos o seu parecer.
Não tendo merecido a aprovação dessa comissão os Apontamentos de Felício dos Santos, o Governo designou a mesma comissão de jurisconsultos para elaborar um projeto definitivo, tendo sido infrutíferos os seus trabalhos.
Em 1889 o Ministro da Justiça Conselheiro Cândido de Oliveira, nomeou nova comissão para organizar um projeto da qual faziam parte Silva Costa, Afonso Pena, Coelho Rodrigues e outros, sob a presidência do Ministro e do Imperador. Essa comissão trabalhava na elaboração do projeto, quando sobrevindo a República foi dissolvida, sendo que durante esta também houveram tentativas de elaboração de um Código Civil.
Em 1890 o governo encarregou o Dr. Coelho Rodrigues de preparar o Projeto do Código Civil, esse projeto concluído no ano de 1893, não tendo alcançado parecer favorável da comissão nomeada para revê-lo, não foi aceito pelo governo.
No governo de Campos Sales, sendo Ministro da Justiça Epitácio Pessoa, a tarefa de organizar o Projeto do Código Civil foi confiada a um ilustre professor da Faculdade de Direito de Recife, cujo nome já se impunha pelas obras de vulto que escrevera e deveria ter depois a consagração unânime de todas as inteligências que trabalhavam no campo das letras jurídicas: Clóvis Beviláqua conclui seu trabalho. Foi então o mesmo submetido à revisão de uma comissão constituída de nomes ilustres no mundo jurídico, dentre os quais Aquino e Castro, Barradas Lacerda de Almeida, Bulhões de Carvalho, sob a presidência do Ministro Epitácio Pessoa.
Foi o projeto encaminhado por aquele Ministro ao Presidente da República, com uma Exposição de Motivos, longa e brilhante, onde, encarecendo o valor e a necessidade das codificações, faz o histórico das diversas tentativas de codificação do nosso Direito Civil.
Esse projeto foi então remetido pelo Presidente Campos Sales ao Congresso Nacional, no ano de 1900. Recebido pela Câmara dos Deputados, o Presidente dessa Casa do Congresso nomeou uma comissão de vinte e um membros, sob a presidência do então deputado J.J. Seabra. A discussão do projeto por essa comissão foi longa e brilhante.
Aprovado o projeto, com ligeiras modificações, pela Câmara dos Deputados, foi ele remitido ao Senado, onde foi submetido ao exame de outra comissão de senadores.
Aprovado pelo Senado e cumpridos os outros trâmites regimentais do Congresso, foi à sanção do Presidente da República Sr. Wenceslau Braz, que, com toda a solenidade, cumpriu no dia 1º de Janeiro de 1916 a promessa feita em sua plataforma de candidato, de que daria aos brasileiros o seu Código Civil, entrando esse em vigor no dia 1º de Janeiro de 1917.
O projeto de Clóvis Beviláqua, de que resultou o Código Civil Brasileiro, constitui-se de obra doutrinária arraigada em influências jurídica e filosóficas tais como os trabalhos de Teixeira de Freitas; o direito germânico sob a orientação que recebeu da Escola do Recife, tendo seu representante em Tobias Barreto e o positivismo de Augusto Comte. Logo após sua entrada em vigência, o Código Civil Brasileiro passou a sofrer transformações em conseqüência de legislações posteriores que surgiram para adaptar o direito civil brasileiro às necessidades jurídicas cotidianas.
4.3.5. O CÓDIGO CIVIL DE BEVILÁQUA
O Código em si está dividido em duas partes: uma geral e uma especial.
A parte geral do código, subdividida em três livros, parte da noção de direito subjetivo de ordem privada, concernente às pessoas, aos bens e às suas relações. Em seus livros estão reguladas as regras relativas às pessoas, aos bens e aos fatos e atos jurídicos. Desenvolve ainda, a teoria das nulidades e os princípios reguladores da prescrição.
A parte especial, está dividida em quatro livros, tratando, sucessivamente, do "Direito de Família", "Direito das Coisas", "Direito das Obrigações" e "Direito das Sucessões".
O livro do "Direito de Família" dispõe sobre o casamento, as relações de parentesco e a proteção dos menores e incapazes.
O livro do "Direito das Coisas" versa sobre a instituição da posse, da propriedade e dos direitos reais sobre coisas alheias e de garantia.
O próximo livro, "Direito das Obrigações" inicia pelos princípios da teoria geral do direito obrigacional, desenvolve a disciplina geral dos contratos, especializa os contratos nominados, regula as obrigações por declaração unilateral de vontade e as provenientes de atos ilícitos.
O livro "Direito das Sucessões" expõe as regras gerais da transmissão hereditária dos bens, segue com a sucessão intestada e testamentária, concluindo com as regras relativas ao inventário e partilha. Na ordenação da matéria da Parte Especial, o Código Civil Brasileiro adota uma distribuição original em relação a outros códigos.
O Código Civil Brasileiro, embora publicado no século XX, pode ser considerado um dos melhores códigos do século XXI, e foi fiel às tradições brasileiras. Não constituiu-se em uma importação de modelos estrangeiros, embora procurasse aproveitar nas legislações aquilo que havia de mais avançado. Não obstante os defeitos que o atingem, o nosso Código Civil, que estará em vigor até início do ano 2003, possui um notável valor dogmático, tendo servido de base para outras codificações.
4.3.6. O NOVO CÓDIGO CIVIL
O Código Civil de 1916 vem sofrendo diversas modificações desde sua entrada em vigor, na tentativa de atualizá-lo frente às necessidades sócio-econômicas.
Afora a Lei nº 3.725 de 25 de Janeiro de 1919, que lhe fez correção e emendas, o Código Brasileiro tem sido derrogado em várias disposições por leis que foram a ele aditadas, prejudicando, assim, a idéia de Código como totalidade normativa completa e acabada.
Em face às necessidades impostas pelas relações jurídicas de massa e de preservar a unidade ideal do direito privado, impõe-se a existência de um Novo Código Civil, centralizador, condizente com as exigências atuais e com as novas tendências do pensamento jurídico.
Reconhecida a necessidade de revisão do Código Civil, o governo incumbiu ao prof. Orlando Gomes a tarefa da redação do anteprojeto do Novo Código, que convertido em projeto pela comissão, foi entregue ao governo em 31 de Março de 1963. O projeto versava sobre Direito de Família, Direitos Reais e o Direito das Sucessões. Para elaborar o Anteprojeto de Código de Obrigações, foi convocado o prof. Caio Mário da Silva Pereira que o concluiu em 1963.
Os Projetos de Código Civil e de Código das Obrigações foram enviados ao Congresso Nacional, sendo posteriormente retirados pelo governo.
Em 1967, foi criada uma nova comissão encarregada da revisão do Código Civil. O Anteprojeto ficou concluído em 1972, não sendo, porém, acolhido. Foi revisto pela mesma Comissão e reeditado em 1973.
Os críticos ao Novo Código Civil argumentam que o projeto original do código é de 1975, anterior, inclusive à Lei do Divórcio, que é de 1977. Sua tramitação pelo Congresso Federal ocorreu antes da promulgação da atual Constituição Federal que aconteceu no ano de 1988, onde esta privilegia a dignidade humana e coloca homens e mulheres em igualdade de condições. Desta forma o Novo Código já sofre a influência de ementas a seu conteúdo normativo.
Não podemos cometer o erro de supor que a elaboração deste Código irá tutelar todos os direitos que surgiram no decorrer dos anos que já passaram e dos que ainda virão. Interessante seria a criação de dispositivos que permitissem a aplicação da lei civil em novos casos que surgissem e que não estivessem regulados pelo Novo Código Civil.
4.4. OUTROS CÓDIGOS BRASILEIROS
4.4.1. O CÓDIGO PENAL
Em 1822 com a Independência, a substituição das Ordenações foi reclamada. A elaboração de um código criminal "fundado nas sólidas bases da justiça e da equidade" passou a constituir exigência constitucional. O Código Brasileiro de 1830 foi o primeiro Código Penal da América Latina efetivamente nacional.
A Constituição de 1824 já houvera assentado a precedência da lei na definição da conduta criminosa, a referência legal da pena e sua individualização. O Código Criminal de 1830 consagrou a distinção entre crime e tentativa, e entre autoria e participação, traçou normas sobre as justificativas, entre outras.
Esse Código inspirou largamente outras legislações, notadamente a espanhola, que serviu de modelo para quase todas as legislações penais Latino-Americanas.
Mal nascida a República, cuidou-se de editar um novo diploma penal. A nova ordem social exigia, com as novas mudanças estruturais, inovações institucionais e uma ordem jurídica nova. Promulgado o Código Penal Republicano, trouxe salutares inovações, mostrando-se sensível aos avanços da ciência penal da época.
Inúmeras foram as alterações que a legislação posterior ao Código Penal de 1890 imprimiu ao texto original. Pelo Decreto nº 22.213 de 14 de Dezembro de 1932, o Governo Federal deu-lhe chamada oficial, passando a considerar a Consolidação das Leis Penais o novo estatuto brasileiro.
Em pleno regime do chamado Estado Novo, foi apresentado um anteprojeto entregue a uma comissão revisora. Através do Decreto-lei nº 2.848 de 7 de Dezembro de 1940, o trabalho passou a constituir a nova legislação criminal do Brasil.
O Código Penal de 1940 está dividido em duas partes: geral e especial. A parte geral está subdividida em oito títulos e a parte especial em onze títulos.
Com a promulgação do Código Penal de 1940, ainda vigente, cessariam os movimentos de reforma. Certo que não faltaram os que lhe apontariam imperfeições, mas segundo especialistas de diversos países ele representa "um notável progresso jurídico, tanto por sua estrutura quanto por sua técnica e avançadas instituições".
Através do Decreto-lei nº 1.004 de 21 de Outubro de 1969, foi entregue à Nação uma nova legislação criminal. Dentre as inovações anunciadas pelo diploma prometido poderiam ser referidas, na Parte Geral, a diversificação entre coação física e coação moral.
4.4.2. O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Enquanto colônia de Portugal, como anteriormente citado, o Brasil se regulava pelas leis portuguesas e conforme elas se disciplinava o seu processo civil.
Proclamada a República as causas comerciais se regiam pelo Regimento nº 737 de 1850, e as cíveis pelas ordenações e leis complementares. Em 1890 as causas cíveis passaram a ser aplicadas àquele regulamento continuando, entretanto, a se regerem pelas ordenações, os processos não disciplinados pelo regulamento ou sejam, vários processos especiais e os de jurisdição voluntária.
A Constituição de 1881 estabeleceu a dualidade de processos, ficando cada estado autorizado a organizar sua justiça e a legislação sobre processo.
Os códigos de processo estaduais foram aparecendo a partir de 1915 quando se promulgou o Código Processual da Bahia.
A Constituição de 16 de Julho de 1934 restabeleceu o sistema da unidade processual para todo o país, tornando-se da competência da União, e supletivamente dos estados a elaboração das leis processuais civis e penais.
Já se achava concluído o projeto, quando se deu o golpe do Estado Novo em 1937, com a outorga de uma Carta Constitucional que, mantendo a unidade do direito processual, estabeleceu também a unidade da justiça comum.
Em 1937 foi promulgado o Código de Processo Civil, entrando em vigor em 1940. O projeto do novo código é de autoria do jurista Alfredo Buziad. Após os trâmites legislativos, o projeto foi sancionado sem vetos pelo Presidente da República em 1973.
O Código de Processo Civil é a unificação, sistematicamente reunida em um só texto, das disposições legais que regem a jurisdição civil, contenciosa e voluntária, exercida pelos juizes.
4.4.3. O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Quando o Brasil foi descoberto estavam em vigor em Portugal as Ordenações Afonsinas, estas estavam divididas em cinco livros, sendo que o quinto livro, tratava do direito penal e processo penal, notando-se neste, a decisiva influência do direito canônico e de seu procedimento inquisitorial.
Já nas Ordenações Filipinas o direito penal refletia a sociedade da época, a finalidade era incutir terror sendo as penas as mais bárbaras. As idéias liberais que se propagavam na Europa do século XVIII repercutiam na justiça penal, exigindo várias reformas humanitárias.
Inspiradas pelo que vinha ocorrendo ao seu redor, as Cortes Portuguesas, extinguem as devassas gerais com a lei de 12 de Novembro de 1821 que teve influencia no Brasil.
Em 1832 surgiu o primeiro Código de Processo Criminal do Brasil, este continha regras jurídicas, das quais muitas em vigor na República, até o Código de Processo Penal de 1941. Com a fundação do Império, abre-se, para o nosso processo penal, um período de reação às leis opressoras e monstruosas da monarquia portuguesa.
Com a Constituição de 1934 a pluralidade processual que dava a cada estado competência para legislar sobre o processo criminal e o civil foi abolida. Mas, com o golpe de 1937, nova comissão foi nomeada para apresentar um projeto de Código de Processo para todo o país. Esse projeto converteu-se no atual Código de Processo Penal, através do Decreto-lei nº 3.689 de 1941.
Apesar das críticas que se fazem ao atual processo penal, não há dúvida de que se trata de um estatuto que satisfaz plenamente às necessidades de nossa justiça penal, são as reformas que ele sofreu, ao longo desses sessenta anos, que demonstram renovações insatisfatórias.
Houveram várias tentativas de modificar a legislação vigente, quanto ao processo penal em 1973 e 1983, mas foi com a Carta de 1988 que ocorreram mudanças no processo penal.