~~ Sempre que se fala em “ética política”, Estado de Direito, democracia, liberdade ou cidadania, ressoa um tipo de Justiça Poética. Simplesmente porque o pensamento e os desejos vão muito além da realidade. Soa como uma justiça dos sonhos, orquestrada por anjos salvadores que irão nos libertar da condição humana aprisionada pela mesquinharia dos interesses políticos. Por outro lado, sem uma referência de futuro não se modifica o presente. Com o Estado – ou Poder Público – ocorre o mesmo. Por exemplo, sem entender o que é a Constituição e a defesa dos direitos fundamentais, o “novo” pode vir com roupas bem velhas. A crise econômica e social, a marginalidade e a violência, querem autorizar o retrocesso jurídico. O rebaixamento da maioridade penal, por exemplo, é um retrocesso, e corresponde ao modelo de Estado de direito regressivo imposto pelo Estado Penal internacional.
Neste sentido, Martin Kriele tem no Estado Constitucional Democrático (havido após o Iluminismo) uma das principais invenções/intervenções jurídicas no longo processo civilizatório. De acordo com o jurista alemão, é preciso reforçar a visão multidimensional do Poder Político, com destaque para as causas históricas de formação de sua tipologia e para as conseqüências plantadas em seus povos. Não há Estado sem história. Esta substancialidade levará em conta a forma-Estado, a sociedade (sociabilidade) e a pessoa humana. Deve-se ter no Estado um tema infindável em sua complexidade. A Teoria do Estado teria, então, dupla função: I. Como ciência, articula o conhecimento que é repartido com outras ciências e áreas do saber – a Ciência Política, a Filosofia, a Antropologia; II. Como disciplina axiológica oferece conhecimento específico ao jurista e, mais precisamente, fortalece o aprendizado do Direito Público.
Neste curso Iluminista, incita o jurista a acendermos as ideias e os direitos fundamentais, uma vez que são apenas garantidos com liberdade e equidade. Portanto, a luta política pelo direito deve-se dar em duas frentes: avançar na efetivação desses direitos onde se encontrem minimamente assegurados; conter as novas/velhas formas de violação dos direitos fundamentais. Do ponto de vista jurídico, a luta de classes avança e ameaça a dignidade humana tanto no cotidiano dos requerentes, quanto na capacidade fática do Estado em assegurar o cumprimento dos direitos fundamentais. A segurança jurídica ofertada (ou não) pelos tribunais judiciais seria um indicador. Esses são os desafios, mas também as funções precípuas do Estado Constitucional Democrático e Social – no dizer de Kriele.
Juridicamente, trata-se do encontro da Rule of Law (tradição anglo-saxã) com a liberdade e a democracia (soberania política) provindas da tradição francesa. Historicamente, recupera-se o encontro entre a condicionalidade jurídica do poder estatal (Rule of Law: limites ao poder) e a soberania popular (desde Rousseau e, depois, em 1791 e 1793). Para manter-se vigente, o Estado Constitucional necessita impor-se uma delimitação à soberania externa, provocando a ocorrência de um sistema de cooperação global. Com base nessas alegações, podemos pensar que, longe do ideal (ou idealismo de Hegel, por exemplo), o que se vê propagar – diante dos graves problemas sociais – é uma verdadeira guerra civil com forças policiais e especiais (do tipo Comandos). Como no século XVI, o Estado incapaz responde às lutas sociais pelo direito com terror, medo e conformismo.
No médio prazo, vai-se prejudicar a paz interna e este cenário poderá trazer de volta o chamado pelo direito de sedição (brandido por todos os “inimigos insurgentes”). Apesar de se constituir em Teoria Crítica do Estado, não existe a imperatividade do Ser, sem o Dever-ser. Para a Teoria do Estado, o direito atua como medium entre sociedade, pessoa humana e poder; bem como é a ponte entre o Ser (o Estado como tal) e o Dever-ser (o Estado desenhado constitucionalmente). O direito é ético. E sem poesia não há Justiça.
Vinício Carrilho Martinez
Professor da Universidade Federal de São Carlos