2. DA CULPABILIDADE NOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
2.1 Do procedimento acusatório: do "dever ser normativo" ao "ser efetivo" – por Luiz Flávio GOMES
O positivismo do século XIX exterioriza sua preocupação, no âmbito do direito processual, com o controle e manutenção dos princípios constitucionais de garantia. Tal preocupação se realiza, fundamentalmente, logo a partir do procedimento acusatório, assim como no seu desenvolvimento. O quer significar a existência de uma vedação constitucional de um procedimento acusatório nitidamente genérico.
Numa interpretação à luz do artigo 41 do Código de Processo Penal, LUIZ FLÁVIO GOMES vai dizer que "se considerarmos que o acusado se defende do crime imputado na peça acusatória, não do artigo de lei invocado (...), desde logo se vislumbra a necessidade imperiosa de a acusação narrar os fatos constitutivos do fato punível" [34]
Assiste razão ao penalista pátrio, por motivos tanto de ordem processual quanto material. A narração detalhada do fato acontecido é uma exigência não apenas processual, mas, principalmente, de caráter constitucional, de efetivação do princípio do contraditório (art. 5º, inc. LV, da CF), por outro lado, uma exigência de cunho material pautada no princípio da culpabilidade normativa, caracterizada por uma apuração de culpa do fato. Extinguindo-se, assim, a culpabilidade de autor.
Aqui faz jus a lição de ENRIQUE BACIGALUPO, quando ensina que "um direito em que é preciso responder pelo que se é, e não somente pelo que se fez, não é um direito penal da culpabilidade" [35]. O Direito Penal tem a obrigação (ética e social) de realizar uma apuração de culpabilidade, um juízo de culpabilidade acerca da conduta praticada pelo agente, nunca sobre o seu caráter, modo de pensar ou conduta de vida.
Daí GOMES lecionar no sentido de que o dever ser normativo estabelece um veto quanto às acusações genéricas, tanto no plano do direito interno (art. 41, do CPP), quanto do direito internacional (Pacto Internacional de Direitos Civis, 1966 – Dec 592/92; e, Convenção Americana sobre Direitos Humanos, 1969 – Dec. 678/92), e do direito constitucional pátrio (art. 5º, incis. LIV e LV, da CF), não importando como se deu a prática delituosa, seja em co-autoria ou crime coletivo.
A prática delituosa pode ser coletiva, o que não implica – por parte do acusado – na perda de suas garantias constitucionais, cabendo ao acusador um oferecimento acusatório detalhado, com a prerrogativa imperial de cumprimento dos motivos da acusação. Deve este, pois, informa ao acusado os motivos que ensejaram a acusação.
No entanto, existe o ser efetivo que em sua prática rotineira não presta atenção ao dever ser, pelos como deveria. A mais triste constatação é feita à luz da produção jurisprudencial. O próprio Poder Judiciário (em diversos julgados RTJ 100/116), manifestação a sua desobediência seja ao direito interno, direito internacional, ou, mais ofensivamente, às determinações constitucionais.
O que não pode acontecer é o Poder Judiciário exercer a função de individuo serventuário do Poder Executivo, ratificando sua deficiência de investigação, sacrificando as garantias fundamentais. Em seu artigo GOMES faz referência a acórdão que ressuscita o bom direito (TJSP, SER 165.716-3/3, 1ª C., Criminal), que confirma a r. decisão de primeira instância que havia rejeitado denúncia genérica em caso de crime contra a ordem tributária.
2.2 Da vedação da Responsabilidade Objetiva
Diante de um Código Penal FRANKSTEINS, com origem em 1940, com reformulação de sua Parte Geral em 1984, e com uma (até os dias atuais) Parte Especial, que parece ser intocável, com os inúmeros tipos penais de qualificação pelo resultado, sustenta o direito pátrio uma vedação da responsabilidade objetiva. O significado se encontra na reforma de 1984, que irrefutavelmente optou pelo princípio da culpabilidade.
A premissa vigente no direito pátrio – em face da opção pelo princípio da culpabilidade – é a de que sem a constatação da culpabilidade não há que se falar em pena (nulla poena sine culpa). Por outro lado, a responsabilização penal só pode ser imputada agente quando diante de uma conduta que enseja a verificação do dolo ou culpa. "Há dolo quando o agente quer ou assume o risco de produzir o resultado (CP, art. 18, I). Há culpa quando o agente produz o resultado por negligência, imprudência ou imperícia (CP, art. 18, II)" [36].
Portanto, diante dos requisitos exigidos pelo princípio da culpabilidade, para a existência de um fato punível, que estão representados no dolo e na culpa, é que se tem a vedação da responsabilidade objetiva. Mas quando é que se tem a responsabilidade objetiva? Diz GOMES, "quando alguém é punido sem ter atuado com dolo ou pelo menos com culpa, ou quando alguém é punido sem culpabilidade, sem ter podido, nas circunstâncias concretas do fato, ter atuado de modo diferente (dito de outra forma: quando era-lhe inexigível concretamente conduta diversa). Não basta, assim, para a existência da responsabilidade penal, a simples ocorrência de um ‘fato’ ou de um ‘resultado’ perturbador ou lesivo a bens jurídicos" [37].
Para CHAVES CAMARGO (1993) [38], que enxerga na realidade cotidiana, diversos fatores que não podem ser deixados de lado pelo Direito Penal (que em nossa idéia, no campo do direito penal moderno, envolvendo os delitos tributários, financeiros, econômicos e ambientas, surge a figura do chamado "laranja", sem falar da ilimitada série de instrumentos tecnológicos utilizados pela criminalidade moderna, torna-se de difícil identificação o agente), ao mesmo que a simples responsabilidade por resultado fora do campo de atuação do agente, provocaria uma involução ao versari in re illicita.
A encruzilhada surge exatamente em função da anomalia apresentada pelo diploma penal, nesta relação entre o principio da culpabilidade e o resultado provocado pela ação. Daí "aparecem várias questões que necessitam de respostas pela dogmática jurídico-penal, e há de buscar-se uma saída para a reprovação penal, principalmente, daquelas ações que determinaram um resultado de maior significação social [39]. O Código Penal brasileiro admite em vários artigos a responsabilidade pelo resultado, podendo-se dizer, com ASSIS TOLEDO [40], que esta forma é uma transição ao direito da culpabilidade" [41]
Portanto, é diante dessa complexidade de figuras que continua a discussão envolvendo a responsabilidade objetiva, que provoca uma situação de risco – em alguns casos – da negação do princípio da culpabilidade. "No sentido de salvar o princípio da culpabilidade, buscou-se uma solução normativa, que foi a restrição imposta pelo artigo 19, do Código Penal, além da justificativa indicada por ASSIS TOLEDO, com base em acontecimentos empíricos, da responsabilidade daquele que, conhecendo os fatos, não se deteve, e responde ‘pelo menos por culpa’" [42]
Para uma discussão no campo do Direito Penal Tributário, levanta-se duas questões: a primeira, na necessidade da comprovação de quem de forma dolosa ou culpa provocou o resultado, e, a segunda, na identificação da intensidade de ofensa ao bem jurídico tutelado.
Para a primeira questão, à luz da Lei nº 8.137/90, que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, "não basta ao acusador provar que em determinada empresa houve ‘supressão’ ou ‘redução’ de tributo ou de contribuição social (esse é o ‘resultado’ exigido pelo crime). É também fundamental que a acusação comprove ‘quem’ ‘dolosamente’ (impõe-se recordar desde logo que não existe crime tributário ‘culposo’) causou esse resultado (foi o empresário?, foi o sócio-gerente?, foram todos os sócios?, foi o contador?, foi um empregado? Etc.)" [43].
Já para a segunda, que envolve a proteção dos chamados bens superindividuais, norteia-se a dicotomia de ser o bem juridicamente protegido apenas a arrecadação, ou, a ordem jurídico-social é que realmente apresenta-se como o bem jurídico tutelado. Diante dessa dicotomia como identificar uma ofensa significativa ou intensa, ao bem jurídico? A doutrina tem fornecido seu ensinamento no dizer de que a resposta se encontra no campo do valor monetário, na quantia suprimida ou reduzida.
2.3 Dos vocábulos latinos nullum crimen sine culpa e nulla poena sine culpa
O Direito Penal brasileiro propugna por um princípio da culpabilidade, em que é nulo crime sem culpa e nula pena sem culpa, ratificando o mencionado princípio que tem o significado de que não há crime sem culpabilidade. Portanto, o princípio da culpabilidade apresenta-se como o fundamento e limite do poder punitivo estatal.
A vigência do princípio da culpabilidade no direito penal pátrio, que encontra previsão na norma suprema, que é a Constituição do Estado, faz com que se entenda uma proteção irrefutável aos direitos humanos, pelo Estado brasileiro. E, a Constituição Federal do Brasil estabelece esta proteção em diversos dispositivos, são eles: artigo 1º, III (dignidade da pessoa humana), artigo 4º, II (prevalência dos direitos humanos), e artigo 5º, caput (inviolabilidade do direito à vida, a liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade).
Na lição de REGIS PRADO, "costuma-se incluir no postulado da culpabilidade em sentido amplo o princípio da responsabilidade penal subjetiva ou da imputação subjetiva como parte de seu conteúdo [44] material em nível de pressuposto da pena" [45], o que quer significar, em outras palavras, a impossibilidade de responsabilização penal por uma conduta em que esteja ausente o dolo ou a culpa.
O magistério de BITENCOURT é no sentido de atribuir-se missão tríplice ao princípio da culpabilidade, ou à culpabilidade. Podendo ser esclarecida da seguinte forma: a) como fundamento da pena – da possibilidade de aplicação da pena ao agente de uma conduta típica e antijurídica, com o cumprimento de alguns requisitos, que representam os elementos da culpabilidade: capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade da conduta; b) como elemento da determinação ou medição da pena. O que caracteriza o limite do poder punitivo estatal; c) como conceito contrário à responsabilidade objetiva, que quer significar uma vedação de responsabilidade penal desprovida do dolo ou da culpa.
Enfim, para BITENCOURT, numa análise do princípio da culpabilidade, "não há pena sem culpabilidade, decorrendo daí três conseqüências materiais: a) não há responsabilidade objetiva pelo simples resultado; b) a responsabilidade penal é pelo fato e não pelo autor; c) a culpabilidade é a medida da pena" [46]
3. DA CULPABILIDADE
NO DIREITO PENAL MODERNO – CRIMES TRIBUÁRIOS E PREVIDENCIÁRIOS3.1 Exame dos tipos [47] legais: artigos 1º e 2º, da Lei nº 8.137/90
Todos os tipos penais previstos na Lei nº 8.137/90, tem como elemento fundamental a figura do dolo, sendo, pois, caracterizados, apenas, pela sua forma dolosa. Sua configuração se dar quando da intenção do agente de produzir o resultado mediante a conduta punível, surgindo, daí, a figura do dolo direto ou especifico, ou, em uma segunda situação, quando assume o risco de produzir o resultado, que é conflitante com a norma, tem-se, então, o chamado dolo eventual.
Os ilícitos tributários da mencionada lei se caracterizam pelo crime de dano, pois, têm sua consumação com o dano ocasionado ao erário, quer por uma conduta de supressão ou redução do tributo devido. Havendo, uma única exceção quanto ao tipo presente no art. 2º, inciso I.
Quanto ao artigo 1º - os incisos I e II, são novidades na legislação penal tributária, como modalidade de falsidade ideológica, com extrema semelhança ao artigo 299 do Código penal; o inciso III, trás duas semelhanças com dispositivos previstos nos artigos 298 e 297 do Código Penal, no primeiro caso como crime de falsidade material de documento particular, e, no segundo, como falsidade de documento publico, no caso de a falsificação ser realizada em livro, ou similar; o inciso IV, trás a previsão de crimes de falsidade ideológica, de falsidade material e uso de documento falso, com uma exigência de dolo especifico, na primeira parte, e, de dolo eventual, na segunda; o inciso V, trata de uma previsão – que era a muito esperada pela doutrina – que provoca semelhança com o tipo do art. 171, do Código Penal; o Parágrafo único, provocou acentuada discussão na doutrina "quer parecer desnecessário o atrelamento deste parágrafo ao inciso definidor de infração penal que imediatamente o precede. Bastaria ter constado que também configura crime punido com a mesma pena a falta de atendimento à exigência da autoridade" [48]
Quanto ao artigo 2º – o inciso I, tem correspondência direta com o inciso I do art. 1º, com o diferencial de ser este crime de mera conduta, enquanto o outro de dano; assim como um é crime material e o outro formal; o inciso II, carrega semelhança com o tipo de apropriação indébita previsto no art. 168 do Código Penal; o inciso III, se trata de crime própria, com aguada semelhança aos tipos de concussão e corrupção passiva, previstos, respectivamente, nos artigos 316 e 317, §2º do Código Penal; o inciso IV, é a semelhança da apropriação indébita prevista no Código Penal; o inciso V, tem total semelhança com a figura da falsidade ideológica presente no Código Penal.
3.1.1 Norma de rejeição social
Diz-se que os crimes contra a ordem tributária são todos delitos de rejeição social. Mas, o que é um delito de rejeição social? Pois, no Direito se tem às chamadas normas de aceitação social e as de rejeição social, as primeiras são que correspondem aos anseios da sociedade, enquanto, as segundas recebem tal terminologia, por serem entendidas como sendo aquelas não aceitas pela sociedade. São delitos de criação legislativa – a contrario senso – e não de anseio social.
Atribui-se ao tributarista pátrio IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, como sendo o criador da expressão crimes de natureza de rejeição social.
3.1.2 Crime de dano ou de mera conduta?
Aqui a discussão se dar no campo da estrutura da lei que define os ilícitos penais tributários, quando se levanta a indagação acerca de se tratar de crime de dano ou de mera conduta. No entanto, o que é um e outro? Para o mestre HUNGRIA "os crimes de dano ou crimes materiais são aqueles cuja à consuma depende da efetiva lesão ao bem jurídico protegido" [49], num momento subseqüente ao da conduta delituosa. Enquanto o crime de mera conduta, para o saudoso mestre MANUEL PEDRO PIMENTEL, "é aquele em que a ação ou omissão bastam para constituir o elemento material (objetivo) da figura típica penal" [50]
A questão, a saber, diz respeito aos tipos penais presentes nos artigos 1º e 2º e seus incisos, da Lei nº 8.137/90. Quanto ao artigo primeiro, "pode-se afirmar que os crimes definidos são de dano, crimes materiais, eis que o resultado danoso se realiza posteriormente à conduta do agente, conduta essa que constitui simples meio. Com efeito, os incisos do art. 1º da aludida lei descrevem condutas (comissivas e omissivas), que constituem, apenas, elementos instrumentais para a prática do delito, ou circunstâncias elementares do crime, cuja consumação se dá com a supressão ou redução do tributo ou contribuição social – e acessórios – devidos. Em última análise, o art. 1º da Lei 8.137/90 não define senão um único crime de ação múltipla (nos cinco incisos)" [51].
É consenso na doutrina pátria de que a efetivação das condutas instrumentais ou as chamadas circunstâncias elementares do delito, presentes nos incisos do dispositivo em referência não se apresenta de maneira suficiente para a consumação do delito, fazendo-se necessário, para sua consumação, a supressão ou redução do tributo devido, o que demonstra de maneira irrefutável de que se trata de crime de dano ou material.
No entanto, existe um posicionamento único sustentado por GANDRA MARTINS, que mais se parece com uma anomalia jurídica, como o próprio autor afirma que poderá, assim, ser entendido pelos penalistas. "Ora, nesta concepção, entendo que o crime tributário é, simultaneamente, um crime de dano e de mera conduta, o que, certamente, provocará arrepios nos penalistas clássicos. É de dano na medida em que, sem tributos, o Estado não sobrevive e o Estado é necessário para que a sociedade organizada sobreviva. A sonegação fiscal cria, pois, um dano efetivo ap patrimônio público, sendo, pois, caracterizável como crime de dano. Não deixa de ser, todavia, o desatendimento à imposição tributária também crime de conduta, em face de a norma desatendida revestir a natureza de rejeição social, na medida em que, não poucas vezes, a sonegação se justifica por exteriorizar resistência a uma carga tributária que gera efeito próximo do confisco, instituto de difícil conceituação pela doutrina e pelo legislador. Tornando-se a carga tributária, peso insuportável sobre o pagador de tributos, a sonegação, muitas vezes, se apresenta como forma de sua sobrevivência" [52].
3.1.3 Conduta essencialmente dolosa?
Os tipos de injusto, presentes na lei supra – os denominados ilícitos penais tributários – são de caráter, todos, dolosos. Torna-se insustentável o argumento de existência de uma, sequer, figura típica culposa. A discussão que surge fica em torno da figura presente no art. 1º, inciso IV, que menciona elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato, que na verdade se trata, em primeiro plano, de uma exigência de dolo direto, e, em segundo, uma exigência de dolo eventual.
A lição de RUI STOCCO é no sentido de que "o preceito primário em questão ao se referir a documento que o agente saiba ou deva saber falso ou inexato demonstra estar a exigir apenas o dolo eventual, posto que não prevista a modalidade culposa, embora essa expressão venha sofrendo acerbas críticas dos doutrinadores pátrios" [53]. Portanto, o não reconhecimento, de sua parte, da existência de uma exigência do dolo direto, no primeiro plano.
3.2 Análise do tipo : artigos 168-A e 337-A do Código Penal
Quanto ao artigo 168-A
– Foi com a lei nº 8.212/91, que se introduziu no direito pátrio os chamados crimes previdenciários, que a doutrina insistia em travar uma luta afirmando que não se tratar de tal tipo, mas sim, do crime de não-recolhimento de contribuição previdência, fazendo uma distinção do tipo de apropriação indébita previsto na Parte Especial do Código Penal. A Lei 9.983/00 veio colocar um ponto final em tal discussão, introduzindo o crime de não-recolhimento de contribuição previdenciária, na Parte Especial do Código Penal, no Capítulo V – Da Apropriação Indébita, através do artigo 168-A, distinguindo-o do tipo existente no artigo 168.Tem sido chamado pela doutrina de apropriação indébita previdência, que seria uma espécie de apropriação indébita especial. O tipo do art. 168-A, se trata de um delito omissivo, exigi-se, para sua comprovação uma conduta omissiva, já que dispõe: deixar de repassar à Previdência Social. O conceito fornecido pela doutrina, para os crimes omissivos puros ou próprios, se refere ao significado de que é realizado quando o agente não pratica o ato determinado pela lei. No caso do art. 168-A, configura-se quando o contribuinte não repassa à Previd6encia Social as contribuições devidas.
Quanto ao artigo 337-A – A lei 9.983/00 veio introduzir na Parte Especial do Código Penal, Capitulo II – Dos Crimes Praticados por Particular contra a Administração em Geral, o tipo de sonegação de contribuição previdenciária., com o objetivo de proteção ao patrimônio do Estado, e em particular a Seguridade Social. Trata-se de um crime próprio, em que somente pode ser cometido pelo particular, quando da sua conduta em omitir ou deixar de lançar as informações necessárias na folha de pagamento, nos títulos de contabilidade ou mesmo quando omite, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos nos quais poderiam incidir contribuições sociais previdenciárias.
Trata-se de tipo composto por três elementos objetivos consubstanciados na seguinte forma: omissão (inc.I), deixar (inc. II), e omissão total ou parcial (inc. III); caracterizado (unicamente) na sua forma dolosa; consumando-se com a efetiva supressão ou redução da contribuição social previdenciária, e não com a realização (como é costume confundir-se) das condutas omissivas descritas nos incisos. Colocando-se, como possível, a tentativa, mas de difícil comprovação; estabelece previsão de extinção da punibilidade (§1º); assim como, a previsão de perdão judicial (§2º); uma causa de diminuição da pena (§3º); forma de reajuste de valores (§4º).
3.2.1 Causa de exclusão de culpabilidade
O Direito Penal comum, sempre ( à luz da evolução da teoria causal-naturalista para a teoria finalista da ação) trouxe a previsão das causas de exclusão da culpabilidade, no caso do direito pátrio, elas se encontram na Parte Geral do Código Penal, em seus artigos 20 e 21, nos chamados erro de tipo e erro de proibição ou ilicitude, nas suas mais diversas estipulações, no caso do art. 20, caput, a previsão do erro de tipo essencial, §1º das descriminantes putativas; §2º do erro determinado por terceiro; e, §3º do erro sobre a pessoa. E, no art. 21, caput, a previsão do erro sobre a ilicitude do fato, com o seu único desdobramento chamado de erro e ignorância de direito.
Todas as previsões de causas de exclusão da culpabilidade, que são fundadas na figura do erro no direito penal, deve ser ressalvo que se trata do erro invencível ou inevitável, quando vencível ou evitável, o agente responde (na dualidade de crime doloso e culposo), pelos menos por culpa, se houver a previsão legal.
Na esfera do direito penal tributário, os chamados ilícitos penais tributários, se apresentam como causa de exclusão da culpabilidade, a inexigibilidade de outra conduta ou inexigibilidade de conduta diversa, que é configurada na situação concreta em que o contribuinte – por motivos fundamentais – deixa de efetuar o recolhimento do tributo ou contribuição devidos. A situação é caracteriza, sempre, diante de uma extrema dificuldade financeira, em que o contribuinte não dispõe mais de recursos para realizar o dever, nem mesmo de patrimônio.
O que deve ser analisado para a exigibilidade da conduta é o binômio poder e dever. A exigência de um comportamento devido, dirigida ao contribuinte (norma tributária), passa, de forma obrigatória, pelo cunho da real situação de poder cumprir com tal exigência. O que caracteriza ser a exigibilidade um dever que leva em conta, fundamentalmente, um poder. Utilizando-nos, por mais uma vez, dos ensinamentos de CALLEGARI, "portanto, existe em princípio o dever de determinar-se de acordo com a norma, de conformar a própria conduta ao que o Direito dispõe. Mas existem situações em que as circunstâncias que concorrem não permitem ao sujeito uma normal determinação conforme ao dever. Nelas, não é possível executar ou omitir o que a norma lhe ordena sem que o faça com uma atitude heróica" [54]
3.2.2 Inexigibilidade: objetiva e subjetiva
A questão da inexigibilidade de conduta diversa no campo dos ilícitos tributários se apresenta como uma das mais interesses do direito penal tributário. Pois, tanto a doutrina quanto a jurisprudência, analisando o tema, à luz de dispositivo (Lei nº 8.272/91) anterior, sempre deixou de lado a figura do delito omissivo, num esquecimento intencional de um dos elementos do delito, que é a tipicidade. O entendimento majoritário – quanto a exclusão de responsabilidade do autor – sempre residiu no princípio da culpabilidade, ou seja, na inexigibilidade de conduta diversa. Isso tudo, fomentado pelo argumento de enfrentamento de situação econômico-financeira debilitada, o que provocaria uma escolha, por parte do agente, em recolher o tributo ou fechar seu estabelecimento.
O reconhecimento da inexigibilidade de conduta diversa, principalmente, no campo dos ilícitos tributários, é imperativo (face o momento econômico-financeiro atravessado pelo autor) de exclusão da responsabilidade do agente. O conteúdo da inexigibilidade de conduta diversa é a consciência social. Por isso, o posicionamento de que o sistema penal não detém o poder de punição nestes casos específicos. A problemática é que o aplicador da norma penal não tem em mãos um mandato para determinar uma punição de alguém, já que a conduta praticada em obediência a licitude não lhe fora exigível.
Portanto, entendendo a exigibilidade como um dos pressupostos da culpabilidade, se torna impossível, realizar um juízo de reprovação, ao agente que pratica uma conduta típica e antijurídica, que a própria culpabilidade não exige do mesmo uma conduta diferente daquela que praticou.
Daí sábia a lição de CALLEGARI, quando se utilizando, dos ensinamentos de MUÑOZ CONDE, leciona no sentido da existência de uma exigibilidade objetiva e outra subjetiva. "O cumprimento de preceitos normativos, é um dever que se pode exigir, em tese, de todos os cidadãos. Os níveis de exigência desse cumprimento variam segundo o comportamento exigido, as circunstâncias em que ele se realize, os interesses em jogo etc. Em princípio, o ordenamento jurídico fixa uns níveis de exigência mínimos, que podem ser cumpridos por qualquer pessoa. Fala-se, nesses casos, de uma exigibilidade objetiva, normal ou geral. Além dessa exigibilidade normal, o ordenamento jurídico não pode impor o cumprimento de suas determinação. Além da exigibilidade objetiva, existe uma subjetiva ou individual, que se refere a determinadas situações extremas em que não se pode exigir do autor concreto de um fato típico e antijurídico que se abstenha de praticá-lo, porque isso significaria um sacrifício excessivo para si mesmo" [55]
3.3 Das Pessoas Jurídicas
3.3.1 – Culpabilidade ou Responsabilidade Penal?
Conforme a história do princípio da culpabilidade, partindo de uma concepção psicológica e alcançando o seu estágio de concepção normativa, no que ficou conhecido no direito penal como a evolução da teoria causal-naturalista para a teoria finalista da ação, fica complicado falar em culpabilidade da pessoa jurídica, se apresentando como mais adequado o termo responsabilidade da pessoa jurídica.
No entanto, quando se adentra a este campo, se estar na esfera do chamado Direito Penal Econômico [56], que se trata de um direito – isso é confirmado pelos acontecimentos surgido a partir do inicio do século XX com o intervencionismo estatal – distinto do Direito Penal Clássico. Possui estruturas de definição de conceitos totalmente distintas.
BAJO FERNANDES e SILVINA BACUGALUPO [57], falam em culpabilidade ou aplicação de uma sanção penal em função de uma responsabilidade fundada em um estado de necessidade de prevenção do bem jurídico. Mas também, lecionam sobre a capacidade de culpabilidade, em face de um defeito de organização e culpabilidade pela própria pessoa jurídica. Proclamando um divórcio definitivo ao princípio societas delinquere non potest, não que ambos os autores sustentem tal posição, mas em análise aos estudos daqueles que defendem.
A culpabilidade ou responsabilidade da pessoa jurídica é uma questão que o Direito não pode se negar a enfrentar, porque, em primeira instância, se trata de um enfrentamento ao crime organizado, ou de forma mais ampla, ao chamado crime difuso e/ou coletivo. O Direito Penal moderno se pautou por uma busca incessante para eliminação da responsabilidade objetiva, realizando um abandono total a questão da responsabilidade coletiva, adotando os princípio da individualização e pessoalidade das penas. E, finalizando, com tal adoção, uma eliminação total da responsabilidade objetiva mediante o princípio da culpabilidade.
Diante de tudo, existem aqueles que defende uma responsabilidade penal da pessoa jurídica (TIEDEMANN e JAKOBS), por entender que esta é capaz de ação, e outros (GRACIA MARTÍN), que não, por total impossibilidade de ação. No direito espanhol não existe uma responsabilidade penal da pessoa jurídica, ao contrário do direito anglo-saxão. No direito espanhol existe a chamada Conseqüência Acessória (vide tópico 4. O princípio da culpabilidade no direito comparado – item 4.2.4 Bélgica, Espanha e França).
A responsabilidade fundada em um estado de necessidade de proteção ao bem jurídico foi construída por SCHUNEMANN (1979), "esta nova perspectiva se logra estabelecendo um novo princípio de legitimidade para a imposição de uma sanção. O estado de necessidade de proteção do bem jurídico, que surge aqui, é de uma situação similar ao estado de necessidade por debilitação de eficiência preventiva no âmbito da criminalidade de empresa; a culpabilidade por defeito de organização, elaborada por TIEDEMANN (1977), se encontra relacionada com uma reelaboração do conceito de culpabilidade (...) com a idéia de sanção de multa aplicável a uma empresa, suprimindo a vigência da conseqüência acessória, reabrindo-se a discussão acerca da natureza jurídica de tal sanção a uma pessoa jurídica. TIEDEMANN, aceita a capacidade de ação da pessoa jurídica, entendo que a exigência da culpabilidade no âmbito de uma infração administrativa é consideravelmente inferior a exigida no âmbito do Direito Penal; a culpabilidade própria da pessoa jurídica, é aceita por HIRSCH sustentando que as ações dos órgãos ou representantes das pessoas jurídicas constituem as ações próprias das mesmas. Neste sentido, se admite a ação da pessoa jurídica como uma ação realizada por outra pessoa (física)" [58]