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Desenvolvimento sustentável: o super princípio do direito ambiental

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03/10/2016 às 15:32
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4.) INSTRUMENTALIZAÇÃO DO SUPER PRINCÍPIO:

É inegável que o desenvolvimento sustentável se posiciona numa tríade axiológica, equilibrando-se entre economia, política e Direito.

Nos dias hodiernos observamos a sociedade contemporânea exercendo um vislumbre pelo consumo exacerbado e a qualquer custo; incidindo com relativa potência a lógica insana da produção – sob o pálio justificante de que produção é igual a desenvolvimento social.

A lógica da produção é linear, quanto mais lucro melhor, pouco importando os efeitos negativos para as presentes e futuras gerações. O sistema capitalista opera em modo automático e impessoal, sendo a única vertente manter a máquina funcionando, em módulo cíclico.

O discurso político adotou a moral líquida (regra), defendendo a máxima de que a maior pobreza sempre foi à fome (se adequa a situação/interesse). Esse argumento universal e infinito dá claras demonstrações de sua finitude. Perdeu espaço o discurso político padrão que somatizava a eterna dicotomia homem versus natureza. Essa ideia perdeu amplitude na mesma proporcionalidade e velocidade que se consolidaram as diversas mídias de comunicação e se globalizaram, não as informações, mas o acesso a essas.

Diante de uma gama aberta de possibilidades, e, atenta a inescondível tendência mundial, a política se rendeu ao protagonismo do ecologicamente equilibrado pegando carona nessa onda verde, se mostrando, ao menos, a priori, mais atenta ao sentido (econômico/capitalista/desenvolvimentista) de preservação ambiental, viabilizando maneiras menos evasivas de ampliar o capital, ainda que de maneira pré-sustentável.

Sob esse prisma o desenvolvimento sustentável é uma dicotomia difícil de ser permeada:

O conceito de desenvolvimento sustentável traz consigo uma contradição, pois carrega a ideia tradicional de desenvolvimento – que admite o aumento de poluições – e a ideia de ambiente – que exige limitação das poluições. (VILELA, 2002, p. 70).

Como se inebriar nos contornos cintilantes do sustentável desenvolvimento sem ter que digerir os bagaços da produção capitalista-desenvolvimentista?

O Direito é o ponto de tangência nessa intrincada tríade e a instrumentalização do princípio do desenvolvimento sustentável é a solução racional (dever-ser).

Sendo assim, procuramos conferir ao conceito de desenvolvimento sustentável, dignidade dogmática, definindo-o como super princípio.

Em matéria ambiental, notório que a aplicação do princípio do desenvolvimento sustentável é atípica, pois esse tem primazia com relação aos demais princípios em colisão, em razão de sua amplitude, de sua potência axiológica. Logo, ainda que os princípios se harmonizem e na maioria ocorra integração, o super princípio sempre terá primazia na hipótese de conflito, pois sua estrutura dogmática é mais difusa.

Assim, vejamos, o princípio da prevalência do meio ambiente, que deve ser observado em face dos outros, em razão de ser matéria de ordem pública, em última análise se harmoniza e integra funcionando como postulado normativo aplicativo ao princípio do desenvolvimento sustentável.

O raciocínio é o mesmo para os demais: princípio da supremacia do bem ambiental, princípio da solidariedade intergeracional, princípio da função social e ambiental da propriedade, princípio do poluidor-pagador, etc.

Não são poucas, nem insignificantes, as consequências da concessão de status de direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Antes de mais nada, o direito fundamental leva à formulação de um princípio da primariedade do ambiente, no sentido de que a nenhum agente, público ou privado, é lícito tratá-lo como valor subsidiário, acessório, menor ou desprezível (CANOTILHO; LEITE, 2010)

A posição de primazia axiológica que ocupa o super princípio, sugere na aplicação do Direito, a harmonização e integração aos demais, instrumentalizando, a melhor decisão em matéria ambiental, equalizando a atuação econômica com a preservação do ambiente ecologicamente equilibrado. O Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo esse status. 

Inegável, portanto, que se mira uma mediação hermenêutica, encontrando um ponto de tangência entre atividade econômica e uso racional dos recursos naturais, preservando-os para as gerações atuais e vindouras.

Novamente surge a dicotomia que propusermos e não nos abandona durante o elenco argumentativo; cada decisão significa simbolicamente o descarte de uma infinita gama de possibilidades.

Logo, o comportamento humano que pode gerar impacto ambiental, se segue de um efeito sequencial capaz de afetar o próprio ser humano, ante a interdependência e interconexão dos seres e os elementos que compõem a mãe-terra; na economia, o que importa é a lei da oferta e da procura, a busca de novos mercados, mesmo que à custa de danos ambientais sérios.

É da colisão destes segmentos, que se faz necessária a intervenção do Direito e a interpretação com primazia do super princípio. 

O conceito de interpretação reclama um esclarecimento que pode ser assim formulado: quem vive a norma acaba por interpretá-la ou pelo menos por co-interpretá-la (Wer die Norm ‘lebt’, interpretier sie auch (mit). Toda atualização da Constituição, por meio da atuação de qualquer indivíduo, constitui, ainda que parcialmente, uma interpretação constitucional antecipada (MORO apud HABERLE, 1997, p. 13-4)

Se dois ou mais princípios entrarem em colisão, o intérprete, seguindo a regra geral, poderá solucionar o conflito devido à flexibilização imanente a essa espécie normativa, verificando qual deles deve prevalecer no caso concreto.

Ocorre, consoante defendemos, se dois ou mais princípios entrarem em colisão com o princípio do desenvolvimento sustentável, esse, sempre terá primazia, pois semântica e deontologicamente já contém em seu núcleo os demais princípios do direito ambiental.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu em favor do princípio do desenvolvimento sustentável, instrumentalizando o super princípio, vedando a importação de pneus usados, tendo em vista que seus resíduos sólidos gerariam um grande passivo ambiental .

Em resumo conclusivo: O princípio do desenvolvimento sustentável, em razão de suas características construtivas especiais tem conteúdo axiológico ampliado, logo quando em colisão com outros princípios, sejam específicos em matéria ambiental ou não, terá ele sempre primazia hermenêutica, com o móbil de preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para a atual e futuras gerações.


6.) CONCLUSÃO:

O binômio desenvolvimento contrapondo meio ambiente tornou-se protagonista na atual conjuntura mundial, ante as descobertas de novas tecnológicas e a expansão cada vez mais latente da produção e do consumo.

Sendo assim, como garantir que esses preceitos (meio ambiente/princípio) e desenvolvimento (economia/valor), possam coexistir de maneira sustentável, sem que ocorra a subversão desses conceitos.

Nesse contexto, complexa é a relação da plêiade: ecologia, economia e Direito.

Portanto, posicionar e definir o desenvolvimento sustentável nas suas mais variadas acepções foi à pedra fundamental desse estudo. A partir disso pudemos afirmar que o desenvolvimento sustentável foi definido em diversos diplomas internacionais (dimensões), e,  positivado pela legislação bandeirante. Assim, o ideário de desenvolvimento sustentável é um princípio constitucional, pois reúne na sua formulação deontológica todos os requisitos para receber essa carga valorativa.

A dicotomia desenvolvimento versus meio ambiente, na sua problematização pragmática, evoluiu, exigindo a realocação da temática, saindo do campo sociológico diretamente para o mármore do foro. A sociabilização do risco passou a ser um problema jurídico, tendente a hermenêutica constitucional o seu enfrentamento.

O desenvolvimento sustentável sempre foi um princípio; porém, era tratado como valor pela sociedade mercadológica, porque o valor sempre reflete o senso comum da sociedade dentro de um determinado contexto histórico; a experiência tem revelado que essa condição já produziu diversas atrocidades.

Como se encantar nos contornos sedutores do sustentável desenvolvimento sem ter que ruminar os bagaços da produção capitalista-desenvolvimentista?

Que fique bem claro: somente o Direito é o ponto de tangência nessa intrincada relação, sendo, por conseguinte a instrumentalização e primazia do princípio do desenvolvimento sustentável a solução jurídica adequada.

Nesses termos, a instrumentalização do princípio do desenvolvimento sustentável se mostra inversamente proporcional a sociedade de risco; noutros termos, o tempo de sociabilizar os riscos de terceiros já não encontra guarida histórica, social e muito menos jurídica.

Sua característica preponderante, na ordem hermenêutica, é sempre superar o conflito entre outras normas-princípios; sendo, portanto instrumentalizado mediante a criação própria de regras de prevalência diante do caso concreto, não necessariamente proporcionalidade ou razoabilidade.

Essa qualidade especial que chamamos de atipicidade do super princípio do desenvolvimento sustentável, faz com que esse tenha sempre primazia quando em colisão com outro (s) princípio (s); em que pese não encontre fundamento em dispositivo legal, porém decorre da peculiar construção deontológica desse direito fundamental, até porque se todos os recursos naturais forem consumidos, manda mais poderá ser sopesado, discutivo e dirimido. Portanto, evocando o sempre abalizado critério da coerência, é correto afirmar, valendo-se da expressão cunhada por ALEXY, que o super princípio do desenvolvimento sustentável é o mandamento dos mandamentos de otimização.

 Notório que o desenvolvimento sustentável é antecedente inclusive ao direito fundamental da dignidade da pessoa humana, pois se todos os recursos naturais forem consumidos, não há que se falar em pessoa humana, muito menos em dignidade.

O que se aplica ao direito fundamental dignidade da pessoa humana, pela via reflexa, se aplica a todos os demais princípios que possam entram em colisão com o princípio do desenvolvimento sustentável. Este jamais dará supedâneo a interesses egoísticos, pois os direitos em jogo são metaindividuais.

O super princípio, em razão de suas características construtivas especiais, tem conteúdo axiológico ampliado, logo, quando em colisão com outros princípios, sejam específicos em matéria ambiental ou não, terá sempre primazia hermenêutica. Como princípio ele é atípico, pois ainda que genérico, tem características especificas de efetividade e instrumentalização, tendo o objetivo primário de garantir a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado para hoje e para sempre.

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O desenvolvimento e efetivação do super princípio há que ser sustentável, sob pena não haver outros princípios, valores, pessoas (objetos simbólicos) para serem colocar em contraposição, conduzindo o país, e, o globo, há uma subsistência equiparada a primavera silenciosa de Carson, sem sons, sem cores, sem verde, sem pássaros...

Em segundo plano, consolidada a sociedade de risco, a ausência de instrumentalização do super princípio do desenvolvimento sustentável nos conduzirá num modelo de previsão catastrófico (em médio prazo) ao preceito filosófico do nada absoluto.

Desenvolvimento sustentável: é o super princípio do direito ambiental!

Conferir dignidade dogmática a essa expressão foi o objetivo desse escorço.

Que o super princípio, e, o entendimento por ele sugerido, possa ter a potência interpretativa para suplantar o desenvolvimento insustentável.


REFERÊNCIAS:

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ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. Ed. São Paulo: Malheiros, 2014.

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CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro: Constitucionalização do Ambiente e Ecologização da Constituição Brasileira. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

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MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário / Édis Milaré; prefácio Ada Pellegrini Grinover. – 6.° ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009

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VILELA, R. A. G.; IGUTI, A. M.; FIGUEIREDO, P. J.; FARIA, M. A. S. Saúde Ambiental e o Desenvolvimento (In) Sustentável. 2002. 

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Sobre o autor
Henrique Perez Esteves

Advogado Criminalista com atuação no Tribunal do Júri. Mestre em Direito Público, Pós-graduado em Processo em Processo Penal. Professor de Direito Penal, Processo Penal e Prática Penal Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESTEVES, Henrique Perez. Desenvolvimento sustentável: o super princípio do direito ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4842, 3 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35639. Acesso em: 24 abr. 2024.

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