A necessidade de constante adaptação às transformações do mercado obriga as empresas a promoverem reestruturações e renovações de tempos em tempos no quadro de funcionários. Em muitos casos, os empregados são despedidos sem justa causa.
Nesta situação, as empresas são oneradas pela multa de 40% do FGTS e pela contribuição social ao FGTS prevista no artigo 1º da Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, popularmente chamada de “multa de 10% do FGTS”[1]. Logo, os empregadores acabam sendo compelidos a pagar valor correspondente a 50% sobre todo o montante de FGTS depositado na vigência do contrato de trabalho.
Diante desse contexto, verifica-se a urgência e a necessidade de uma análise substancial sobre a matéria, a qual será feita com o levantamento histórico da instituição da exação e com a verificação do atendimento de sua finalidade. Inclusive já foram ajuizadas três ações diretas de inconstitucionalidade (pendentes de julgamento), todas de Relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, nas quais diversas entidades pleiteiam a declaração de inconstitucionalidade da referida contribuição
1. Contribuição Social do FGTS: Aspectos Históricos da sua Instituição – Lei Complementar nº 110, de 29 de Junho de 2001
A contribuição social para o FGTS foi instituída com a finalidade específica de cobrir as perdas causadas pelos expurgos inflacionários do Plano Verão (janeiro de 1989) e do Plano Collor I (abril de 1990). A necessidade de reajuste dos saldos do FGTS foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 226.855, de relatoria do Ministro Moreira Alves (DJ de 13/10/2000), considerados os percentuais de 16,64% e de 44,08% referentes ao período de 1º de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de 1989, bem como de 44,08% relativo ao mês de abril de 1990. A decisão gerou um passivo de cerca de R$ 42 bilhões, conforme Exposição de Motivos Interministerial nº 1 – MTE/MF (DUO – 4 de abril de 2001. p. 11170-11171).
Para suprir esse enorme passivo, foi aprovada a Lei Complementar nº 110/2001 – resultado da conversão do Projeto de Lei Complementar nº 195 -, que resultou na instituição de duas contribuições. Uma foi a contribuição social de 10%, a qual passou a incidir sobre os depósitos do FGTS nos casos de despedida sem justa causa, e a outra foi a contribuição social de 0,5% incidente sobre a folha de pagamento.A contribuição seria cobrada até que fosse sanado por completo o déficit nas contas do FGTS. Ou seja, foi instituída para tender a uma finalidade específica.Ademais, conforme preceitua o art. 3º, §1 º, da referida Lei Complementar, “as contribuições sociais serão recolhidas na rede arrecadadora e transferidas à Caixa Econômica Federal, na forma do art. 11 da Lei n º 8.036, de 11 de maio de 1990, e as respectivas receitas serão incorporadas ao FGTS.”
Como se vê, a União, para fazer frente a esse enorme passivo, ao norte relatado, criou mais esse ônus – contribuição social geral (nos termos do art. 149, da Constituição Federal de 1988) - a ser custeado pelos empresários. Como é de conhecimento geral, as contribuições sociais, por determinação constitucional, têm como principal característica o seu aspecto finalistico.
Na análise do mérito da ADI 2.556/DF, de relatoria do Min. Joaquim Barbosa, concluída em junho de 2012, o STF decidiu no sentido da constitucionalidade e da natureza jurídica tributária da contribuição de 10% do FGTS. No entanto, ocorreu a perda de objeto da ADI em relação à contribuição prevista no art. 2º da Lei Complementar nº 110/2001, qual seja, o 0,5% incidente sobre a folha de pagamento, por já ter sido extinta à época do julgamento.Nesse ponto, cabe ressaltar que o STF reconheceu a possibilidade da perda superveniente de objeto da contribuição dos 10% do FGTS, em face do cumprimento da sua finalidade. Veja-se:
Ementa: Tributário. Contribuições destinadas a custear dispêndios da União acarretados por decisão judicial (RE 226.855). Correção Monetária e Atualização dos depósitos do Fundo de Garantia por tempo de Serviço (FGTS). Alegadas violações dos arts. 5º, LIV (falta de correlação entre necessidade pública e a fonte de custeio); 150, III, b (anterioridade); 145, § 1º (capacidade contributiva); 157, II (quebra do pacto federativo pela falta de partilha do produto arrecadado); 167, IV (vedada destinação específica de produto arrecadado com imposto); todos da Constituição, bem como ofensa ao art. 10, I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT (aumento do valor previsto em tal dispositivo por lei complementar não destinada a regulamentar o art. 7º, I, da Constituição). LC 110/2001, arts. 1º e 2º. A segunda contribuição criada pela LC 110/2001, calculada à alíquota de cinco décimos por cento sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador, extinguiu-se por ter alcançado seu prazo de vigência (sessenta meses contados a partir da exigibilidade – art. 2º, §2º da LC 110/2001). Portanto, houve a perda superveniente dessa parte do objeto de ambas as ações diretas de inconstitucionalidade. Esta Suprema Corte considera constitucional a contribuição prevista no art. 1º da LC 110/2001, desde que respeitado o prazo de anterioridade para início das respectivas exigibilidades (art. 150, III, b da Constituição). O argumento relativo à perda superveniente de objeto dos tributos em razão do cumprimento de sua finalidade deverá ser examinado a tempo e modo próprios. Ações Diretas de Inconstitucionalidade julgadas prejudicadas em relação ao artigo 2º da LC 110/2001 e, quanto aos artigos remanescentes, parcialmente procedentes, para declarar a inconstitucionalidade do artigo 14, caput, no que se refere à expressão "produzindo efeitos", bem como de seus incisos I e II.
(ADI 2556, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 13/06/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-185 DIVULG 19-09-2012 PUBLIC 20-09-2012)
Ocorre que a finalidade para a qual foi instituída a contribuição dos 10% do FGTS - LC 110/2001 – já foi atendida. As contas do FGTS estão hígidas, não existindo mais a necessidade de recursos para suprir o passivo provocado nas contas dos correntistas do fundo pelos expurgos inflacionários dos Planos Collor I e Verão. Noutros termos, a sua finalidade – lembrando que a finalidade/destinação faz parte, de forma indissociável, da regra-matriz constitucional das contribuições - já foi plenamente atendida, de modo que a continuação da sua cobrança configura ato inconstitucional e ilegal da Administração Federal. Feito esse breve intróito, passa-se a uma análise mais detalhada da contribuição.
2. O exaurimento da finalidade da Contribuição Social de 10% do FGTS e do desvio da destinação do produto arrecadado - ilegal e inconstitucional na manutenção da exigência da exação
A partir da análise das Demonstrações Financeiras do FGTS, verifica-se que desde dezembro de 2006 o FGTS possui recursos suficientes para arcar com o montante devido aos trabalhadores em função dos expurgos inflacionários de 1989 e 1990.Explica-se: No ano de 2001, o Fundo possuía ativos no valor de R$ 8.998.009.000,00, o que demonstrava a total falta de condições financeiras de arcar com as diferenças inflacionárias em discussão. Na Demonstração de 2001, por ocasião do reconhecimento da obrigação de corrigir os valores das contas vinculadas ao fundo, registrou-se, no passivo do FGTS, uma provisão destinada ao pagamento deste débito no valor de R$ 40.151.758.000,00.
As Demonstrações Financeirasindicam, de forma clara e precisa, que a partir do exercício de 2006 o patrimônio líquido do FGTS superou a provisão destinada ao pagamento dos diferenciais inflacionários. Enquanto o patrimônio líquido atingiu a soma de R$ 21.376.001.000,00, a provisão registrada era de R$ 14.633.642.000,00. Presentes, portanto, as condições financeiras para o Fundo arcar com a dívida que motivou a criação da contribuição do art. 1º da Lei Complementar nº 110/2001. No exercício de 2007 a situação se repetiu, sendo que nesse período o patrimônio líquido foi calculado em R$ 22.912.678.000,00, ultrapassando – e muito – o montante necessário para o pagamento da dívida,que alcançava R$ 13.472.408.000,00.
Mesmo que esse marco temporal seja desconsiderado por completo – janeiro de 2007, momento em que se tornou desnecessária a cobrança da contribuição dos 10% do FGTS, conforme relatado acima –não se pode ignorar a manifestação do Fundo Gestor do FGTS, segundo o qual o termo final para a exação deveria ser em “julho de 2012”, nos termos do Ofício nº 0038/2012/SUFUG/GEPAS. Segundo as informações prestadas pelo Fundo Gestor, o prazo inicial para amortização desses valores era de 15 anos, sendo reduzido, posteriormente, para o prazo de 11 anos, contados a partir de 30 de junho de 2001 – e encerrando-se em julho de 2012. Transcreve-se trecho do Ofício:
“(...)
6 É fundamental destacar que apesar da LC 110 autorizar o diferimento das despesas com os complementos de atualização levados a crédito dos trabalhadores em até 15 anos, o FGTS, considerando a sua condição econômico-financeira eembenefício dos empregadores responsáveis pelo pagamento da Contribuição Social em comento, reduziu em 4 (quatro) em quatro anos aquele prazo, fato que caracteriza uma contribuição adicional do Fundo para o equacionamento do tema.
Essa redução, que se traduz pelo impacto da absorção de impactos pelo FGTS acima dos limites negociados no Acordo, é que nos tem permitido defender o término da exigibilidade da contribuição aqui tratada para julho de 2012. Grifou-se
(...)”
Nesse ponto, destaca-se a minuciosa análise feita por André Mendes Moreira e César Vale Estanislau em artigo publicado na revista Dialética de Direito Tributário[i]:
“(...) Em 2001, por ocasião do reconhecimento da obrigação de corrigir os valores das contas vinculadas ao Fundo, registrou-se, no passivo do FGTS, uma provisão concernente aos créditos complementares previstos pela mencionada lei complementar, no valor de R$ 40.151.758.000,00, ao passo que se anotou, no ativo, uma conta de ativo diferido referente aos mesmos valores, cuja liquidação seria postergada por 15 anos.
O prazo para amortização da conta do ativo diferido foi, posteriormente, reduzido de 180 dias para 132 meses (Nota Explicativa nº 9 das Demonstrações Contábeis dos Exercícios Findos nos dias 31 de dezembro de 2005 e 2004), ou seja, 11 anos, contados a partir de 30 de junho de 2001 (data de publicação de LC nº 110). Logo, o lapso temporal estipulado encerrou-se em julho de 2012, data em que restaram, integral e contabilmente, quitados os débitos relativos aos créditos complementares da LC nº 110/2001.
Ratificando a previsão de conclusão dos pagamentos para a correção das contas vinculadas ao FGTS, a Caixa Econômica Federal, gestora do Fundo, emitiu, em fevereiro de 2012, o Ofício nº 0038/2012/Sufug/Gepas, comunicando que a contribuição adicional do FGTS poderia ser extinta em julho do mesmo ano, haja vista a previsão de cobertura integral dos passivos reconhecidos em virtude dos expurgos inflacionários: (...)
As previsões de quitação da dívida se concretizaram, tendo a conta do ativo diferido referente aos créditos complementares da LC nº 110/2001 sida completamente amortizada no exercício de 2012, como se observa do Relatório de Demonstrações Financeiras do mesmo ano. De fato, essa constatação é deveras singela, uma vez que o saldo da aludida conta em 2011 era de R$ 1.611.177.000,00, ao passo que a arrecadação proveniente de contribuição social prevista no art. 1º da LC 110/2001 totalizou, em 2012, o montante de R$ 3.155.625.000,00.
Para não remanescerem dúvidas a respeito da satisfação integral dos recursos necessários para a atualização monetária das contas vinculadas ao FGTS, a Nota Explicativa nº 9 da Demonstração Contábil do Fundo em 2012 afirma, expressamente, que “no exercício de 2012, foi amortizado por completo o saldo remanescente de 2011, no valor de R$ 1.611.177 (2011 – R$ 3.375.155)”. Em outras palavras, o Fundo já recolheu o montante para a correção das contas afetadas pelos expurgos inflacionários, conforme preceituada pela LC nº 110/2001, de forma que exaurida resta a finalidade da contribuição social do FGTS.
(...)”
Vale dizer, ainda, que desde 2012 os recursos arrecadados com a contribuição de 10% do FGTS não estão sendo depositados na Conta do Fundo, mas na conta única do Tesouro Nacional, conforme determinado pela Portaria nº 278 da Secretaria do Tesouro Nacional, editada em 19 de abril de 2012. Veja-se:
Portaria STN nº 278
Estabelece os procedimentos operacionais para o recolhimento à Conta Única do Tesouro Nacional das receitas de que tratam os arts. 1º e 2º da Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001.
O Secretário do Tesouro Nacional, no uso das atribuições que lhe confere o art. 100, inciso V da Portaria nº 141, de 10 de julho de 2008, e tendo em vista o disposto no § 2º do art. 7º do Decreto nº 3.914, de 11 de setembro de 2001,
Resolve:
Art. 1º. Estabelecer que os procedimentos operacionais para o recolhimento das receitas à Conta Única do Tesouro Nacional, relativas às contribuições sociais instituídas pela Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, são os constantes desta Portaria.
Art. 2º. O produto da arrecadação de que trata os arts. 1º e 2º daLei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, inclusive seus acessórios, serão recolhidos pela Caixa Econômica Federal, no papel de Agente Operador do FGTS, à Conta Única do Tesouro Nacional, por meio da Guia de Recolhimento da União, até o terceiro dia útil do segundo mês subseqüente ao mês de recolhimento pelo empregador.
Art. 3º. A Secretaria do Tesouro Nacional garantirá aos recursos recolhidos a mesma remuneração incidente sobre as disponibilidades da União depositadas na Conta Única.
Art. 4º. Compete ao Ministério do Trabalho e Emprego - MTE efetuar a programação financeira junto ao Tesouro Nacional com vistas à disponibilização dos recursos de que trata esta Portaria, para posterior descentralização à Unidade Gestora "CEF - Contribuições Sociais - LC nº 110".
Parágrafo único. A Unidade Gestora "CEF - Contribuições Sociais - LC nº 110", operada pela Caixa Econômica Federal e vinculada ao MTE, será responsável pela execução orçamentária e financeira da complementação do FGTS.
Art. 5º. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação, com efeitos retroativos a 1º de março de 2012, não se aplicando à arrecadação cujos registros foram efetuados no SIAFI até 29 de fevereiro de 2012, e revoga a Portaria STN nº 447, de 18 de outubro de 2001.
ARNO HUGO AUGUSTIN FILHO
Isso denota amanifesta intenção do Governo Federal de desviar o resultado da arrecadação do tributo para outras finalidades, ou seja, promover atredestinação dos recursos arrecadados, evidenciando que a circunstância que motivou a cobrança da contribuição já se esgotou.A utilização do produto da arrecadação para atender outros objetivos é consequência direta do exaurimento da finalidade inicial, consubstanciando-se em manobra paraperpetuar a cobrança da exação. Tanto é verdade que a Presidência da República, quando vetou o Projeto de Lei Complementar nº 200, de 2012, cujo objetivo era extinguir a Contribuição instituída pelo art. 1º da LC 110/2001,reconheceu explicitamente que a destinação atual é diversa daquela estabelecida pela Lei Complementar nº 110/01:
“MENSAGEM Nº 301, DE 23 DE JULHO DE 2013.
Senhor Presidente do Senado Federal,
Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1º do art. 66 da Constituição, decidi vetar integralmente, por contrariedade ao interesse público, o Projeto de Lei Complementar nº 200, de 2012 (nº 198/07 no Senado Federal), que "Acrescenta § 2º ao art. 1º da Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, para estabelecer prazo para a extinção de contribuição social".
Ouvidos, os Ministérios do Trabalho e Emprego, do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Fazenda manifestaram-se pelo veto ao projeto de lei complementar conforme as seguintes razões:
"A extinção da cobrança da contribuição social geraria um impacto superior a R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais) por ano nas contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, contudo a proposta não está acompanhada das estimativas de impacto orçamentário-financeiro e da indicação das devidas medidas compensatórias, em contrariedade à Lei de Responsabilidade Fiscal. A sanção do texto levaria à redução de investimentos em importantes programas sociais e em ações estratégicas de infraestrutura, notadamente naquelas realizadas por meio do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FI-FGTS. Particularmente, a medida impactaria fortemente o desenvolvimento do Programa Minha Casa, Minha Vida, cujos beneficiários são majoritariamente os próprios correntistas do FGTS."
Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.”
O exaurimento da finalidade da contribuição de 10% do FGTS é um fato irrefutável. Diante disso, o que se percebe é um enorme esforço por parte do Poder Executivo para manter – ad eternum - a cobrança da exação, cujo produto da arrecadação vem sendo utilizado para finalidade diversa – ou seja, com explícita intenção de desvincular a contribuição de sua finalidade originalmente concebida.
Tendo em vista que a finalidade é elemento essencial para a validade das contribuições sociais, e nesse caso já se operou o esgotamento da finalidade determinada pela legislação específica, conclui-se que a manutenção da cobrança da contribuição de 10% do FGTS é ilegal e inconstitucional.
3. Estado da arte no Judiciário: STF e TRF’s
Saliente-se que já foram ajuizadas três ações diretas de inconstitucionalidade: ADIsnºs 5.050/DF, 5.051/DF e 5.053/DF, todas de Relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, nas quais diversas entidades pleiteiam a declaração de inconstitucionalidade da referida contribuição.
Sobre o tema, pode-se citar a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região no Agravo de Instrumento nº 2007.04.00.024614-7/RS, de Relatoria do Des. Federal LEANDRO PAULSEN - 2ª TURMA:
A Lei Complementar nº 110/01 criou duas novas contribuições de modo a viabilizar o pagamento correto da atualização monetária das contas vinculadas de FGTS, que sofreram expurgos por ocasião do Plano Verão (janeiro de 1989) e do Plano Collor (abril de 1990), reconhecidos pelos Tribunais Superiores quando do julgamento, pelo Plenário do STF, do RE nº 226.855-7/RS, rel. o Ministro Moreira Alves, publicado no DJU de 13.10.2000, e, pela 1ª Seção do STJ, do REsp nº 265.556/Al, Rel. Ministro Franciulli Netto, por maioria, DJU de 18.12.2000.
As novas contribuições, diferentemente das anteriores, têm natureza tributária, não sendo um encargo decorrente do contrato de trabalho. Veja-se que o STF, nas ADIns 2.556 e 2.568, pronunciou-se pela constitucionalidade da LC 110/01, entendendo que as novas contribuições para o FGTS são tributos e que configuram, validamente, contribuições sociais gerais. Transcrevo a decisão:
- Novas contribuições para o FGTS. LC 110/01. Natureza tributária. - Constitucionalidade das novas contribuições ao FGTS (LC 110/01) como contribuições sociais gerais. Sujeição à anterioridade de exercício. STF. "Ação direta de inconstitucionalidade. Impugnação de artigos e de expressões contidas na Lei Complementar federal nº 110, de 29 de junho de 2001. Pedido de liminar. - A natureza jurídica das duas exações criadas pela lei em causa, neste exame sumário, é a de que são elas tributárias, caracterizando-se como contribuições sociais que se enquadram na sub-espécie `contribuições sociais gerais' que se submetem à regência do artigo 149 da Constituição, e não à do artigo 195 da Carta Magna. - Não-ocorrência de plausibilidade jurídica quanto às alegadas ofensas aos artigos 145, § 1º, 154, I, 157, II, e 167, IV, da Constituição. - Também não apresentam plausibilidade jurídica suficiente para a concessão de medida excepcional como é a liminar as alegações de infringência ao artigo 5º, LIV, da Carta Magna e ao artigo 10, I, de seu ADCT. - Há, porém, plausibilidade jurídica no tocante à argüição de inconstitucionalidade do artigo 14, caput, quanto à expressão `produzindo efeitos', e seus incisos I e II da Lei Complementar objeto desta ação direta, sendo conveniente, dada a sua relevância, a concessão da liminar nesse ponto. Liminar deferida em parte, para suspender, extunc e até final julgamento, a expressão `produzindo efeitos' do caput do artigo 14, bem como seus incisos I e II, todos da Lei Complementar federal nº 110, de 29 de junho de 2001." (STF, Plenário, maioria, ADIn 2.568/DF, out/02) Vide também: ADInMC 2.556/DF.
Ocorre que a finalidade para a qual foram instituídas essas contribuições (financiamento do pagamento dos expurgos do Plano Verão e Collor) era temporária e já foi atendida. Como as contribuições têm como característica peculiar a vinculação a uma finalidade constitucionalmente prevista, atendidos os objetivos fixados pela norma, nada há que justifique a cobrança dessas contribuições.
Por isso, entendo que não se pode continuar exigindo das empresas, ad eternum, as contribuições instituídas pela Lei Complementar nº 110. Verifico, portanto, a relevância no fundamento do pedido.
Saliento que a lei exige, para a análise dos pedidos de liminar e de antecipações de tutela, que haja risco para o autor de modo a justificar a medida, mas que não se coloque em risco o réu, impondo-lhe dano irreversível.
Em matéria tributária, contudo, o risco de dano é, via de regra, exatamente o mesmo para ambas as partes: não ter a disponibilidade imediata de recursos financeiros. O contribuinte vê-se na iminência de ter de efetuar pagamento indevido e o Fisco na de deixar de receber prestação devida, com prejuízo às atividades de cada qual. Em qualquer caso, porém, a compensação futura é absolutamente viável.
Daí por que me parece que se estabelece uma certa neutralidade quanto a tal requisito, assumindo caráter hegemônico para a decisão quanto aos pedidos de liminar a relevância dos argumentos, traduzida nas fórmulas do forte fundamento de direito (mandado de segurança), da fumaça do bom direito (cautelar) ou da verossimilhança (antecipação de tutela).
Desta forma, concedo efeito suspensivo, determinando à agravada que se abstenha de exigir as contribuições que ora se discute.
Atualmente, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, vem decidindo de forma contrária ao interesses dos contribuintes. O Tribunal reconhece que as contribuições sociais têm como característica peculiar à vinculação a uma finalidade constitucionalmente prevista. Uma vez atendidos os objetivos fixados pela norma, nada há que justifique a continuação da cobrança dessas contribuições. Ocorre que o TRF4 optou por uma postura conservadora, julgando no sentido de que a motivação da necessidade pública legitimadora do tributo – no caso a multa dos 10% do FGTS - não pode ser presumida com base apenas em termos de veto de Presidente da República em projeto de Lei, entendendo pela necessidade de análise técnica ampla. Veja-se recente julgado:
TRIBUTÁRIO. LEI COMPLEMENTAR Nº 110/2001. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. CONSTITUCIONALIDADE. FINALIDADE ATINGIDA. PRESUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. CABIMENTO DA EXIGÊNCIA. 1. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.556, transitada em julgado em 25-09-2012, com a relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, considerou constitucionais as contribuições criadas pela LC 110/2001, desde que respeitado o prazo de anterioridade para início das respectivas exigibilidades (art. 150, III, b da Constituição). 2. As contribuições sociais têm como característica peculiar a vinculação a uma finalidade constitucionalmente prevista. Assim, atendidos os objetivos fixados pela norma, nada há que justifique a cobrança dessas contribuições. Entretanto, ainda que a contribuição em comento esteja atrelada a uma finalidade, a perda da motivação da necessidade pública legitimadora do tributo não pode ser apenas presumida. (TRF4, AC 5004758-10.2014.404.7206, Primeira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria de Fátima Freitas Labarrère, juntado aos autos em 27/11/2014)[ii].
Ademais, destaca-se que na AC Nº 5003144-15.2010.404.7107/RS, de Rel. do Des. Jorge Antônio Maurique, o TRF4 decidiu que “no tocante à satisfação da finalidade, é necessária análise técnica ampla, através de perícia e descriminação específica das contas do fundo, o que incumbiria, ab initio, ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo, pois a contribuição, conforme o art. 1º da Lei Complementar 110/01, não tem prazo previsto para seu exaurimento, de forma que incide o art. 97, inciso I, do CTN, isto é, somente a Lei pode estabelecer a extinção de tributos”.Na quarta região esse entendimento vem sendo replicado pelos juízos de primeira instância, de modo que o contribuinte não vem obtendo êxito nessa demanda específica. Não nos parece razoável, portanto, essa linha de argumentação.
Trilhando um cainho inverso ao da quarta região, a Justiça Federal do Distrito Federal – de abrangência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região - vem se manifestando de forma favorável aos contribuintes, com a declaração de inexistência de relaçãojurídico-tributária que obrigue os empregadores ao recolhimento da contribuição social geralprevista no art. 1º da Lei Complementar nº 110/2001. Cita-se como exemplo a sentença de procedência - proferida em novembro de 2014 - no processo nº 0060642-02.2013.4.01.3400, da 1ª VARA FEDERAL – DF, cuja ação foi ajuizada pela empresa C&A Modas Ltda. Transcreve-se, por oportuno, trecho da sentença:
“(...)
Com efeito, a contribuição em tela, instituída por meio do art. 1º da LC 110/2001, teve por objetivo, segundo já consignado pelo STF, “custar os dispêndiosda União decorrentes de decisão do Supremo Tribunal Federal que consideroudevido o reajuste dos saldos do FGTS (RE 226.855, rel. min. Moreira Alves, Pleno,DJ de 13.10.2000)” [ADI 2556, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 13/06/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-185 DIVULG 19-09-2012 PUBLIC 20-09-2012].
Impende ressaltar que a contribuição em questão tem por fundamento constitucional o art. 149 da Carta Magna, ostentando natureza jurídica de contribuição social geral. Daí que tem sua razão de ser condicionada à existência da necessidade para a qual foi criada. Nessa perspectiva, considerada a finalidade específica da contribuição, tem-se que, uma vez ausentes os motivos que ensejaram a sua criação, não há mais fundamento para a sua cobrança.
Pois bem.
Com vistas a regulamentar a referida Lei Complementar nº 110/2001, foi editado o Decreto nº 3.913, de 11 de setembro de 2001, o qual disciplinou os critérios de apuração e liquidação dos complementos devidos a título de correção do FGTS, em razão dos denominados “expurgos inflacionários”. Assim, verifica-se que o último complemento de atualização monetária foi creditado em janeiro de 2007, nos termos do art. 4º, II, “e” do citado decreto. Desse modo, infere-se que a circunstância que motivou a cobrança da contribuição já se esgotou, motivo pelo qual é legítima a pretensão da parte autora em postular a declaração da inexistência da relação jurídico-tributária.
Ademais disso, conforme destacado na decisão liminar, verifica-se que a União está desvirtuando a finalidade da exação. De fato, segundo restou consignado na Mensagem da Presidência da República nº 300, de 23/7/2013 (D.O.U. de 25/7/2013) – por meio da qual foi vetado o Projeto de Lei Complementar nº 200/2012, que extinguia a contribuição social doart. 1º da LC 110/2001 – os recursos obtidos por meio desse tributo estão sendo aplicados no Programa Minha Casa, Minha Vida. Diante desse cenário, afigura-se evidente a intenção da União de desvincular a contribuição de sua finalidade originalmente concebida, de modo a torná-la permanente. Vale ressaltar que a ré não fez prova, nestes autos, de que a exação ainda é necessária para fazer frente às dívidas do FGTS decorrentes dos expurgos inflacionários, pelo que desatendido ao que disposto no art. 333, II, do Código de Processo Civil.
Assim sendo, deve prevalecer, enquanto termo final da legitimidade da cobrança da contribuição, o que preconizado pela já transcrita alínea “e” do inciso II do art. 4º do Decreto nº 3.913/2001, não havendo falar, atualmente, em relação jurídico-tributária que sustente a continuidade da exação. Logo, uma vez reconhecida a inexistência de relação jurídico-tributária, faz jus a parte autora à restituição dos valores indevidamente recolhidos (art. 165, I,CTN).
Ainda, considerado o disposto pela da Súmula nº 461 do STJ, é facultado à autora proceder à compensação de seu crédito com quaisquer tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal (art. 74 da Lei nº 9.430/1996). Para tanto, deverá aguardar o trânsito em julgado desta sentença, nos termos do art. 170-A do CTN (inserido pela Lei Complementar nº 104/2001).
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil, para (i) declarar a inexistência de relação jurídico-tributária que obrigue a autora ao recolhimento da contribuição social geral prevista no art. 1º da Lei Complementar nº 110/2001 e (ii) para declarar o direito de a parte autora restituir ou compensar, a seu critério, os valores indevidamente recolhidos nos 5 (cinco) anos anteriores ao ajuizamento da ação (15/10/2013, fl. 02), devendo ser observado o disposto pelos artigos 170-A do CTN e 74 da Lei nº 9.430/1996.
Sobre os valores deverá incidir a Taxa Selic (que já contempla correção monetária e juros de mora), desde cada recolhimento indevido.
Condeno a parte ré ao pagamento das custas em ressarcimento e de honorários advocatícios que fixo em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos termos do art.20, § 4º, Código de Processo Civil.
Sentença sujeita ao reexame necessário.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Brasília, 10 de novembro de 2014.”
O mesmo entendimento foi adotado pela 6º Vara Federal do Distrito Federal, no julgamento da ação proposta pela EMPLAVI Realizações Imobiliárias Ltda e outros, autuada sob o nº 62204-46.2013.4.01.3400. Veja-se dispositivo da sentença:
“(...)
III – DISPOSITIVO
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para declarar a inexigibilidade do crédito tributário relativo à contribuição social geral de que trata o art. 1º da LC 110/2001, nos termos do art. 151, V, do CTN, determinando à UNIÃO/FN a restituição, ou compensação com quaisquer tributos administrados pela SRF, dos valores indevidamente recolhidos nos 5 (cinco) anos que antecedem o ajuizamento do feito, sobre os quais deve incidir, a título de juros de mora e correção monetária, exclusivamente, a taxa SELIC. Condeno a Ré ao pagamento dos honorários de advogado, que fixo em 10% do valor a ser compensado/executado (CPC, art. 20, 3º).”
4. Conclusão
Por todos os ângulos que a questão é analisada, chega-se a mesma conclusão, qual seja: que a finalidade legalmente prevista era temporária e já foi inteiramente atendida. Dessa forma, afigura-se ilegal e inconstitucional a exigência da contribuição prevista no art. 1º da Lei Complementar nº 110/2001, haja vista o esgotamento de sua finalidade em dezembro de 2006, conforme detalhadamente demonstrado, bem como pelo desvio da destinação do produto arrecadado, dado que os recursos vêm sendo aplicados para realizar finalidades diversas daquela prevista legalmente.
[1] Alguns também chamam de “contribuição de 10% do FGTS” ou “adicional de 10% do FGTS”.
[i] MOREIRA, André Mendes; ESTANISLAU, César Vale. Inconstitucionalidade Superveniente da Contribuição Social de 10% sobre o Saldo do FGTS em Caso de Despedida sem Justa Causa, Instituída pelo Art. 1º da LC nº 110/2001, face ao Atingimento de sua Finalidade. Revista Dialética de Direito Tributário (RDDT), Nº 227 – agosto de 2014 -, p. 16/17.
[ii] No mesmo sentido: TRF/4ª Região, AC Nº 5003144-15.2010.404.7107/RS, Primeira Turma, Rel. Des. Jorge Antônio Maurique, Julgado em 12-03-2014; TRF/4ª Região, AC Nº 5011570-20.2013.404.7201/SC, Segunda Turma, Rel. Juíza Federal CARLA EVELISE JUSTINO HENDGES, Julgado em 20-05-2014.