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Limite de dedução do prejuízo fiscal no Imposto de Renda e da base negativa na Contribuição Social sobre o Lucro

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01/01/2003 às 00:00
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4. A Limitação de 30% do Lucro Líqüido na Dedução das Bases Negativas, os Conceitos de Renda e de Lucro e os Artigos 43 e 110 do CTN, aprovado pela Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.

A limitação de 30% (trinta por cento) do lucro líqüido ajustado, para a dedução das bases de cálculo negativas, tanto do imposto de renda, quanto da contribuição social sobre o lucro líquido, contraria frontalmente as normas da Constituição Federal e do Código Tributário Nacional, como se demonstrará.

A hipótese de Incidência Tributária do imposto de renda, previsto no art. 153, III [11], da Constituição Federal, encontra-se definida pelo artigo 43 [12], do Código Tributário Nacional, como a aquisição de disponibilidade econômica e jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza, sendo entendida a primeira como o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, e a segunda como acréscimos patrimoniais que não possam ser compreendidos pela definição anterior.

Como se pode observar, o direito brasileiro acabou por adotar um conceito extremamente amplo de renda, englobando as duas principais teorias a respeito do tema. De fato, como informa ALIOMAR BALEEIRO [13]:

"O debate sobre esse assunto tem empolgado vários espíritos e pode ser resumido em duas teorias, que ambas têm sido invocadas pelas legislações fiscais de vários países:

a) renda é atributo quase sempre periódico da fonte permanente da qual promana, como elemento novo criado e que com ela não se confunde (STRUTZ, FUISTING, COHN);

b) a renda é o acréscimo de valor pecuniário do patrimônio entre dois momentos (SCHANZ, HAIG, FISHER)."

Assim é que, na esteira da primeira teoria, a legislação definiu renda como produto do capital ou trabalho ou sua combinação e, na da segunda, como quaisquer acréscimos patrimoniais não compreendidos na noção de produto, fechando o círculo e complementando a definição.

Nesse sentido, já afirmou o Supremo Tribunal Federal, através de decisão proferida nos autos do RE nº 89.791-7 e do RE nº 117.887-6, que:

"Na verdade por mais variado que seja o conceito de renda, todos os economistas, financistas e juristas se unem em um único ponto: renda é sempre um ganho ou acréscimo de patrimônio." (RE nº 89.791-7, grifos nossos)

"Fato gerador do imposto de renda, após a interveniência da lei complementar, somente poderá ser a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou de provento que constitua acréscimo patrimonial." (RE nº 117.887-6, grifos nossos)

Comunga desta opinião o grande estudioso do Direito Tributário ANDRÉ MARTINS DE ANDRADE [14], que diz:

"A nota fundamental do conceito de fato gerador do imposto de renda na forma como este foi construído pelo legislador complementar reside, ao fim e ao cabo, na idéia de acréscimo patrimonial disponível.

"Assim, a lei ordinária disciplinadora/instituidora do imposto de renda não pode se afastar do conceito de renda como acréscimo patrimonial disponível.

"Todavia, apesar de distintos os conceitos de lucro líquido da lei comercial e lucro real da lei tributária, não pode o legislador tributário contemplar como aspecto material da hipótese de incidência uma realidade fática que não constitua acréscimo patrimonial disponível.

"Ora, se estamos diante da tarefa de entender o conceito de acréscimo patrimonial disponível para interpretar/aplicar as regras jurídicas atinentes ao imposto sobre a renda agregada ao patrimônio, o termo inicial para a comparação patrimonial somente pode ser um momento em que o patrimônio exprima resultado positivo (depois de uma consideração global), sob pena de tributar-se mera recomposição patrimonial ao invés de efetivo acréscimo, isto porque o patrimônio das unidades econômicas está em constante dinamismo e somente uma visualização global das mutações ocorridas permite a verificação do acréscimo patrimonial disponível apto a dar nascimento à obrigação tributária relativa ao imposto em discussão"(Grifos Nossos)

Posição bastante simplificada a respeito de acréscimo patrimonial, em que com poucas palavras se diz tudo, é o dizer de RICARDO CUNHA CHIMENTI [15], a saber:

"Não há renda nem provento sem que haja acréscimo patrimonial..."

Isto posto, temos que como produto, a renda pressupõe um resultado, um confronto entre os saldos positivos e negativos derivados de determinada atividade. Como afirma ALIOMAR BALEEIRO [16]:

"A renda se destaca da fonte sem empobrecê-la. No caso de exploração racional de minas, pedreiras, florestas, areais e bens e semelhantes, a venda de produtos é feita a preço que cobre todas as despesas de extração, bem como a amortização proporcional do capital relativo ao valor da fonte, deixando ainda saldo, que será o rendimento líqüido.

Em caso contrário, se o explorador age sem método, há consumo de capital." (grifos nossos)

Por outro lado, como acréscimo patrimonial pressupõe um saldo positivo efetivo na comparação, em momentos distintos, desse mesmo patrimônio, sem o que, não há que se falar em renda.

E neste caso, tem que ser uma renda real, como dispõe o ilustríssimo professor e mestre do direito tributário IVES GANDRA DA SILVA MARTINS [17]:

"O imposto só pode incidir sobre uma renda ‘real’. O adjetivo é empregado como sinônimo de efetiva, tactável, visível, concreta, palpável"

Ora, a tributação de um determinado resultado sem que se leve em consideração a totalidade dos prejuízos acumulados anteriores, ofende qualquer dos dois conceitos supramencionados. O primeiro porque, se há perdas anteriores, o resultado final é, em verdade, negativo, e não há renda a ser tributada. Qualquer importância que se pretenda destacar dessa fonte, portanto, acabará por empobrecê-la, consumindo o próprio capital empregado. Da mesma forma, não haverá qualquer acréscimo patrimonial a ser tributado.

Se imaginarmos que uma determinada empresa constituiu-se com patrimônio de 100 e, após três anos de prejuízos consecutivos, teve esse mesmo patrimônio reduzido a 40, não há como se pretender que um lucro de 30, gerado a partir do quarto ano, por exemplo, seja passível de tributação. Enquanto não forem absorvidos os prejuízos acumulados anteriores, estará se tributando a própria essência patrimonial da empresa (ou uma tentativa de sua recomposição), e não renda gerada pela mesma. E imaginar o contrário, é desconsiderar a realidade.

Ademais, temos ainda que, em nosso direito positivo, o conceito de renda se materializa, para as pessoas jurídicas, na apuração de lucro real, presumido ou arbitrado, nos termos do artigo 219 [18], do atual Regulamento do Imposto de Renda - RIR- aprovado pelo Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 (Antigo artigo 179 [19], do revogado regulamento do Imposto de Renda, aprovado pelo Decreto nº 1.041, de 11 de janeiro de 1994), sendo o lucro real representado pelo lucro líquido do exercício ajustado por adições, exclusões e compensações de prejuízos de exercícios anteriores (Decreto-lei nº 1.598/77, art. 6º [20]), devendo ser determinado com observância das leis comerciais (art. 248 [21], do RIR/99, aprovado pelo Decreto nº 3.000/99 do mesmo Regulamento).

E referidas leis comerciais, por sua vez, como abaixo será melhor demonstrado, também pressupõem a absorção dos prejuízos acumulados no cálculo do lucro do exercício.

Nesse sentido, enfatiza MISABEL DE ABREU MACHADO DERZI [22] que: "a realização do excedente, na pessoa física, ou a realização do lucro, na pessoa jurídica, quer se defina o fenômeno como fluxo, ou como acréscimo patrimonial, é requisito essencial e necessário do conceito de renda...".

Desta forma é que a limitação imposta para a dedução dos prejuízos fiscais fere, quanto ao imposto de renda, a própria conceituação de sua Hipótese de Incidência Tributária, seja esta entendido como lucro ou simplesmente como aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza (revelada esta através do produto do capital, trabalho e sua combinação ou como quaisquer acréscimos patrimoniais, conforme o art. 43, do CTN).

Ora, a renda expressa conteúdo de riqueza, como expõe VITTORIO CASSONE [23]:

"Renda é a expressão jurídico-tributária consistente em acréscimo patrimonial, de caráter pessoal e cuja tributação deve ser graduada segundo a capacidade econômica do contribuinte.

"Renda expressa conteúdo de riqueza, revela incremento, acréscimo. Somente se poderá falar em renda se for possível quantificá-la, pois o direito tributário trabalha com fatos, circunstâncias de fato ou situação jurídica de conteúdo econômico." (Grifos Nossos)

E com a imposição da limitação de dedução dos prejuízos fiscais e das bases negativas acumulados, gera-se um reconhecimento de riqueza irreal, visto que o acréscimo patrimonial estará mensurado, segundo valores distorcidos, que não se aproximam de uma justa e tecnicamente correta medida. Tal situação acabaria por elevar ardilosamente a base de cálculo do imposto, tributando-se um acréscimo patrimonial inexistente e um produto do capital e trabalho distorcido, já que neste produto foram simplesmente ignoradas perdas anteriores.

O lucro assim apurado não refletirá em absoluto a real "disponibilidade econômica e jurídica de renda" da empresa, desatendendo ao critério constitucional da universalidade da tributação do patrimônio pelo imposto de renda (art. 153, parágrafo 2º), já que parte do mesmo foi simplesmente descartada (significativamente, no caso, as perdas).

Relativamente à contribuição social sobre o lucro líquido, a impossibilidade de dedução integral das bases negativas fere a própria disposição constitucional de que a mesma deve incidir sobre o lucro dos empregadores (art. 195, I, "c", da Constituição Federal de 1988 [24]), o que acabou por ser reproduzido pelo art. 2º [25] da Lei nº 7.689/88.

Se, para a definição da Hipótese de Incidência Tributária dessa contribuição foi utilizado o conceito de lucro, este deve ser entendido dentro de sua formulação já existente no direito, sentido este que se incorpora e dá conteúdo à norma constitucional.

Nessa linha, o art. 110 do Código Tributário Nacional enfatiza que a lei tributária não poderá alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado utilizados expressa ou implicitamente pela Constituição para definir competências tributárias.

O artigo 110, do CTN, prevê o seguinte, ipsis literis:

"Art.110 A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias."

Nesse sentido, consoante NILTON LATORRACA [26]:

"Conforme assinala Sampáio Dória, o direito brasileiro revela-se intenso a tal método interpretativo, em virtude de sua notória inclinação legalista.(...omissis...)

"Vale dizer, o legislador brasileiro aceitou as premissas da teoria da prevalência econômica consagrada do Código Alemão (...omissis...).

"a) a lei tributária pode expressamente alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privados (CTN, art.109), salvo se utilizados, em normas constitucionais ou de organização política e administrativa, para definir ou limitar competências tributárias (CTN, art. 110)"

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Vale ressaltar que quando a lei tributária adota institutos de direito privado, ela não poderá alterar a sua essência, nem o seu conceito, entre outros, sob pena de ser flagrantemente ilegal

Comungando com o acima descrito, VITTORIO CASSONE [27] tem a seguinte posição:

"Quando a lei tributária adota, como base da tributação, institutos do direito privado ( por exemplo, o conceito de ‘propriedade’ para a incidência do IPTU), essa lei fará referência nominativa ao instituto, conceito ou forma. Ocorrerão, aqui, dois efeitos diferentes: enquanto para o direito privado interessam os efeitos jurídicos civis do ato, fato e situação – no caso, quem é o proprietário, quais as formalidades para sua aquisição,(...omissis...), para o direito tributário interessa, unicamente, o conceito econômico de ‘propriedade’, para fins de tributação." (Grifos e negritos Nossos)

E o conceito de lucro, à época da promulgação da Constituição Federal, já se encontrava claramente definido nas normas de direito privado, como se pode observar da Seção I, do Capítulo XVI, da Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, denominada "Lucro". Nela se determina, em seu artigo 190 [28], que o lucro líquido do exercício é o resultado que remanescer após a dedução das participações estatutárias dos empregados, administradores e partes beneficiárias que, por sua vez, ocorre somente após os procedimentos dispostos no artigo 189 [29], que prevê que do resultado do exercício serão deduzidos antes de qualquer participação os prejuízos acumulados, juntamente com a provisão para o imposto sobre a renda.

Assim, vemos que a dedução tanto da provisão do imposto de renda, quanto das bases negativas (de forma integral, e não parcial) para fins de apuração da correta base de cálculo da contribuição social sobre o lucro constituem-se em imperativos que decorrem do próprio conceito de lucro no direito societário.

Utilizado tal conceito para a delimitação da competência impositiva da União, pela Constituição Federal (art. 195, I, "c", da Constituição Federal de 1988), não poderia a legislação infraconstitucional desnaturá-lo, sob pena de total desrespeito à ordem constitucional e ao artigo 110, do CTN, supramencionado.

Essa é inclusive a lição de CARLOS MAXIMILIANO [30], que ao discorrer sobre as técnicas de interpretação da legislação tributária, afirma:

"... o juiz atribui aos vocábulos o sentido resultante da linguagem vulgar; porque se presume haver o legislador, ou escritor, usado expressões comuns; porém, quando são empregados termos jurídicos, deve crer-se ter havido preferência pela linguagem técnica."

E no mesmo sentido, mas não especificamente com relação as normas tributárias, menciona FRANCESCO FERRARA [31]:

"O sentido das palavras estabelece-se com base no uso lingüístico, o qual pode ser diverso conforme os lugares e os vários círculos profissionais. Normalmente as palavras devem entender-se no seu sentido usual comum, salvo se da conexão do discurso ou da matéria tratada derivar um significado especial técnico. É o que se verifica quando se trata de matérias ou de institutos que têm entre os interessados uma terminologia particular (direito marítimo, contratos de bolsa, regime de águas, certas espécies de venda, etc).

Acontece também que no direito algumas palavras revestem uma acepção técnica que não coincide nem corresponde ao seu significado popular. Assim as palavras, usufruto, boa fé, diligência, hipoteca, caso fortuito, legado e semelhantes. Em tal caso deve escolher-se, na dúvida, a significação técnica jurídica, pois é de presumir que o legislador usou das palavras com plena reflexão, e portanto se serviu delas no seu significado técnico, de preferência ao vulgar".

Portanto, consoante o acima exposto, posiciona-se JOÃO DÁCIO ROLIM [32]:

"A Constituição Federal de 1988 no seu art. 195, inciso, I, utilizou o termo lucro para delimitar a competência tributária da União na instituição da espécie tributária denominada contribuição social.

"O conceito de lucro tem significação jurídica própria consagrada no direito privado, especificadamente no direito comercial, como bem ressaltou Sampaio Dória, o qual portanto não pode ser alterado para fins tributários, por força da proibição do referido art. 110 do CTN, lei complementar à Constituição Federal. Esse conceito de direito privado, além de consagrado na doutrina, é explícito na lei societária (lei nº 6.404/76, que, no seu art. 189 dispôs... (...)

"Ainda se colaciona novamente a lição de Fran Martins, o qual invocando Trajano de Miranda Valverde, nos lembra que, desde o Decreto-lei no. 2.627/40, a compensação de prejuízos se impunha para a apuração do verdadeiro lucro na esfera do direito comercial." (grifos nossos)

Tal forma de interpretação se justifica plenamente em virtude da natureza de determinações da Carta Magna, que fazem com que a mesma ocupe posição de destaque em nosso ordenamento jurídico, subordinando todos e quaisquer veículos normativos que, obrigatoriamente, deverão observar os seus mandamentos, conforme nos preleciona PAULO DE BARROS CARVALHO [33]:

"A lei constitucional, instrumento primeiro e soberano, que se sobrepõe aos demais veículos introdutórios de normas. Abriga, em grande parte, regras de estrutura, quer dizer, normas que prescrevem como outras normas devem ser produzidas, modificadas ou extintas. São verdadeiras sobrenormas, porque falam não diretamente da conduta que suscita vínculos tributários, mas do conteúdo ou da forma que as regras hão de conter. (...) Igualmente, é o texto constitucional portador dos grandes princípios que servem como diretrizes supremas, a orientar o exercício das competências impositivas, consagrando os postulados que imprimem certeza e segurança às pretensões tributárias do Estado e, em contrapartida, preservam e garantem os direitos individuais dos cidadãos." (negritos nossos)

Frise-se, ainda, que o próprio artigo 2º da Lei 7.689/88, ao prever que a base de cálculo da contribuição é o "resultado do exercício antes da provisão para o imposto de renda", acaba por reconhecer, ainda que por vias transversas, o conceito de lucro previsto na legislação comercial.

Nesse sentido, se o conceito de lucro já representasse por si só o resultado do exercício antes da provisão do imposto de renda e da compensação de prejuízos, desnecessária seria a ressalva do supracitado artigo. Bastaria, o que é óbvio, afirmar que sua base de cálculo é, pura e simplesmente o lucro, alcançando-se o resultado pretendido.

De fato, ao ressalvar expressamente que sua base de cálculo seria o resultado do exercício (observe-se que sequer foi utilizada a expressão ´lucro´) antes da provisão do imposto de renda, acaba-se por reconhecer que, antes dessa dedução e da compensação dos prejuízos, não há propriamente lucro, confirmando o que dispõe a legislação societária.

Portanto, a Constituição Federal ao dispor no art. 153, inciso III, sobre a competência tributária da União Federal para instituir impostos sobre a renda, e mais adiante no art. 195, inciso I, alínea "c", que a seguridade social seria financiada por toda a sociedade e pelas contribuições sociais devidas pelos empregadores incidentes sobre o lucro, o fez levando em consideração o que estes vocábulos significavam naquele momento.

E qualquer norma posterior, seja ela complementar ou ordinária, que pretender regular ou criar institutos relacionados à esses conceitos, deverá fazê-lo em consonância com o que a Constituição Federal sobre ele dispôs, sob pena de flagrante inconstitucionalidade e ilegalidade, este último no tocante ao que o artigo 110, do Código Tributário Nacional, dispõe.

Tal situação deriva da própria hierarquia da Constituição Federal em relação a demais normas que compõem o nosso ordenamento jurídico, que ocupando posição de destaque, subordina todas as demais regras integrantes deste Sistema que, obrigatoriamente, deverão respeitar os limites por ela impostos.

Ora, não teria sentido nenhum o legislador constitucional estabelecer rigidamente a competência tributária, utilizando para tal os conceitos de renda, lucro, patrimônio, serviço, mercadoria, propriedade etc., se o legislador ordinário pudesse conferir à esses mesmos conceitos significação diversa da utilizada pela Carta Magna.

Considerar que uma lei infraconstitucional possa dispor dos institutos e conceitos utilizados pela Constituição em um determinado contexto, atribuindo-lhes interpretação diversa, restringindo ou alterando os significados e a extensão de seus efeitos, seria o mesmo que afirmar que essa lei tem o poder absurdo de alterar a Constituição Federal.

Nesse ponto, o art. 110 do Código Tributário Nacional visa justamente assegurar que situações como essas não ocorram, reforçando que os limites de competência legislativa sobre matéria tributária encontram-se no texto constitucional e não na lei complementar ou ordinária, entre outros.

Dessa forma, ainda que não existisse referido artigo, a utilização desses conceitos com significado diverso daqueles utilizados pela Constituição Federal, não seria possível por representar uma afronta à teleologia da norma constitucional.

Isto porque, ainda que não defina expressamente todos os contornos dos tributos, deixando tal tarefa à legislação infraconstitucional, a Constituição também não outorga, por outro lado, uma carta em branco aos legisladores para a delimitação desses aspectos impositivos.

Face ao exposto, não há que falar em imposto de renda ou contribuição social sobre o lucro sem que primeiramente se deduza integralmente - e não apenas de forma parcial - os prejuízos fiscais e bases negativas da contribuição social sobre o lucro líquido acumulados, uma vez que, até que estes tenham sido totalmente absorvidas pelo resultados positivos apurados, não ocorrerá a incidência do art. 43, do Código Tributário Nacional e da Lei nº 7.689/88, por não se terem verificado no mundo real as situações hipotéticas descritas em seus respectivos antecedentes (apuração de renda e lucro).

Entender o contrário, seria o mesmo que se admitir que, nesse caso específico, seria possível se exigir o pagamento de imposto de renda e contribuição social sobre o lucro líquido sem que tivessem ocorridos os respectivos fatos imponíveis, o que, de modo algum, está de acordo com as normas do nosso sistema jurídico.

Na esteira da jurisprudência concernente ao tema trazido à baila, é oportuno transcrever abaixo alguns julgados proferidos pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que confirmam o entendimento acima exposto:

"CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO - COMPENSAÇÃO DE PREJUÍZOS - LIMINAR.

(...) considero bastante plausível o direito invocado, uma vez que não existe na lei n° 7.689/88, qualquer restrição a que se efetue a compensação. Pelo contrário, a Lei das Sociedades Anônimas prevê a dedução dos prejuízos no lucro, bem como a Lei n° 7.713/88. Por outro lado, o art. 195, I da Constituição Federal, determina o lucro como base de cálculo, e nem mesmo a lei, quanto mais uma instrução normativa, poderia definir como lucro o que lucro não é, uma vez que a não dedução do prejuízo implicaria a diminuição do patrimônio do impetrante, descaracterizando o conceito de lucro.

Quanto ao perigo da demora, também, se encontra presente, ante a possibilidade de a impetrante vir a ser compelida a recolher o tributo, sem a compensação pretendida, tendo que se sujeitar, no caso da concessão da segurança, afinal, às vias de ressarcimento, por demais morosas. Ante o exposto, defiro a liminar postulada." (MS n° 95.05.32355-7 - TRF 5ª R - Rel. Juiz Araken Mariz - Impte.: Sacoplast - Sacoplast - Sacos Plásticos do Nordeste S/A. - Ipdo.: Juízo Federal da 5ª Vara RN - j. 21.11.95 - DJU 2 de 30.11.95, p. 833352/3 - in "Revista Dialética de Direito Tributário" nº 5, pág. 144 - grifos nossos).

"Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por BS Continental S/A Utilidades Domésticas, sendo agravada a Fazenda Nacional, contra decisão do MM. Juízo Federal da 13ª Vara de São Paulo - SP, que indeferiu liminar pleiteada em mandado de segurança em que se pretendia compensar, sem a limitação de 30%, os prejuízos fiscais (para efeito do cálculo IRPJ) e as bases negativas (para efeito do cálculo da CSSL), apurados em 1991, ao fundamento de estarem ausentes os pressupostos ensejadores da sua concessão.(...)

Entendo que as limitações impostas pelos artigos 42 e 58 da Lei nº 8.981/95, reexaminados nos artigos 15 e 16 da Lei nº 9.065/95, configuram uma tributação sobre o patrimônio e capital das empresas, disvirtuando o conceito de renda e de lucro.

Ante ao exposto, por entender presentes os requisitos contidos no inciso II do art. 7º da Lei nº 1533/51, reconsidero a r. decisão agravada para conceder a liminar, afim de que não se submeta a agravante aos artigos 42 e 58 da Lei nº 8.981/95, bem como aos artigos 15 e 16 da Lei nº 9.065/95, que limitaram em 30% a compensação dos prejuízos fiscais acumulados, oriundos do imposto de renda e contribuição social sobre o lucro apurados e acumulados até 1995, garantindo-lhe, por sua conta e risco, a compensação postulada, até oportuna apreciação desta decisão pelo Sr. Juiz Relator." (decisão proferida no AI nº 97.03.046949-3 pelo MM. Juiz Pérsio Lima da 4ª Turma do TRF da 3ª Região).

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Sobre o autor
Walter Saes

advogado, consultor e analista tributário em São Paulo (SP), pós-graduando em Direito Tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAES, Walter. Limite de dedução do prejuízo fiscal no Imposto de Renda e da base negativa na Contribuição Social sobre o Lucro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3572. Acesso em: 24 nov. 2024.

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