5 - Os Princípios da Capacidade Contributiva, da Isonomia, da vedação ao confisco e da universalidade da tributação
Discorrendo sobre o princípio da capacidade contributiva, OSIRIS LOPES FILHO [34] afirma que:
"O princípio da capacidade contributiva, antes de ser um princípio jurídico político da Constituição, é um princípio de racionalidade econômica e financeira. Determina-se sua origem na Carta dos direitos do Homem e do cidadão da Revolução Francesa. (...) Parece que a origem da capacidade contributiva está no art. 3º da Constituição, quando determina; constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil "constituir um sociedade livre, justa e solidária". (...) Para mim o conceito de capacidade contributiva vai muito além desse conceito de capacidade econômica, no art. 145, parágrafo primeiro. As bases da capacidade contributiva, no meu entender, são o princípio da solidariedade e justiça no art. 3º..."
Comungando da mesma opinião supra, FÁBIO JUNQUEIRA DE CARVALHO e MARIA INÊS MURGEL [35], dizem o seguinte, a saber:
"Daí porque os estudos dos Princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da vedação de confisco não poderem ser realizados isoladamente – são, todos eles, decorrentes da solidariedade e da justiça, objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, conforme determina o artigo 3º da Constituição Federal"
Sob outro enfoque, afirma, por sua vez, o Professor GERALDO ATALIBA [36] que:
"Traduz-se na exigência de que a tributação seja modulada, de modo a adaptar-se à riqueza dos contribuintes. Implica que cada lei tributária tenha por efeito atingir manifestações ou aspectos dessa riqueza, sem destruir sua base criadora. O sistema tributário (entendido como ‘conjunto de impostos’, na perspectiva pré-jurídica) e cada imposto hão de adequar-se à capacidade econômica dos contribuintes. Corresponde, nos planos ético e sociológico, ao pragmático dito popular francês, divulgado pelo genial Gaston Jèze: `plumer la poule san la faire crier.’. (...) A violação dessa - pelos excessos tributários - configura confisco, constitucionalmente vedado, além de suprema irracionalidade."
Além do acima exposto, tomamos a conclusão de que a limitação de 30% do lucro líquido na dedução dos prejuízos fiscais e das bases negativas da contribuição social, fere, também, o princípio da capacidade contributiva, pois acaba impondo uma tributação sobre o próprio patrimônio das empresas e não sobre o verdadeiro incremento obtido, o princípio da isonomia, na medida em que obriga dois contribuintes que se encontram em situações distintas, a uma mesma tributação, entre outros (vedação ao consfisco e universalidade da tributação, que também serão tratados neste capítulo).
A doutrina brasileira é unânime em afirmar que o princípio da capacidade contributiva,, traduz-se na obrigatoriedade de que toda tributação seja estruturada, em conformidade com a riqueza dos contribuintes, atingindo somente as manifestações ou aspectos dessa riqueza, sem aniquilar a fonte que produz essas "riquezas" e, dessa forma, cada imposto deve adequar-se à capacidade econômica dos contribuintes, sob pena dessa tributação configurar-se em confisco, constitucionalmente vedado, ferindo o princípio constitucional da vedação ao confisco.
Em realidade, a capacidade contributiva atende antes a reclamos de ordem lógica e prática, que a simples normas legais. A base de qualquer tributação funda-se na possibilidade econômica de contribuir ou pagar os tributos que são exigidos. Não há como se tributar riquezas inexistentes por uma simples impossibilidade fática. Da mesma forma, a tributação em excesso, sem atenção à real capacidade econômica dos contribuintes, pode prejudicar a fonte produtora dos rendimentos, reduzindo sua capacidade de gerar futuras riquezas e, conseqüentemente, novos tributos.
Ademais, o princípio da capacidade contributiva nos modernos sistemas tributários atende a critérios de justiça fiscal, na medida em que funda-se, não somente no artigo 3º [37] da Constituição Federal como também nos artigos 5º, I [38], e 150, II [39], que tratam da isonomia ou igualdade tributária. Cada um deve contribuir segundo seus haveres e possibilidades, com iguais esforços ou sacrifícios. E tal medida somente será encontrada através de uma real observância da efetiva capacidade econômica de cada um dos contribuintes.
Tamanha, assim, sua importância, que foi expressamente consignado no art. 145, parágrafo 1º [40], da Constituição Federal, com aplicação analógica e extensiva a todos os tributos de nosso sistema e às contribuições sociais. Nesse sentido, observa o Juiz FLEURY PIRES (trecho do voto dado na Argüição de Inconstitucionalidade na Apelação em Mandado de Segurança nº 10856- Registro 90.03.17294-3) que:
"A questão da natureza jurídica das contribuições sociais, que na vigência da ordem constitucional anterior dividiu tributaristas e jurisprevidenciaristas, teve disciplina específica no texto constitucional vigente. Com efeito, a Constituição Federal de 1988, no seu art. 145 e seguintes, ao disciplinar o Sistema Tributário Nacional, aponta os tributos do Sistema: impostos, taxas e contribuições de melhoria. Inclui no Sistema, porém, os empréstimos compulsórios (art. 148) e as contribuições sociais (art. 149, com remissão expressa ao art. 195). Por conseqüência, ainda que se possa distinguir as contribuições sociais dos tributos, por estarem aquelas disciplinadas e inseridas no capítulo do Sistema Tributário Nacional, às contribuições sociais aplicam-se os princípios e regras que informam a instituição e cobrança dos tributos, a não ser aqueles expressamente excepcionados pela Lei Maior. Portanto, não tem sentido, agora, discutir-se a natureza jurídica da contribuição social, vez que por expressa vontade do legislador constitucional foi a exação incluída no Sistema Tributário e submetida aos princípios e regras do mesmo Sistema."
Dessa forma, as vedações à deduções integrais dos prejuízos fiscais e bases negativas da contribuição social desrespeitam o princípio da capacidade contributiva, pois passaram a impor a tributação sobre resultados dos contribuintes que, em verdade, nada acrescem ao seu patrimônio, mas, apenas e tão somente, recompõem perdas anteriores.
E, atingindo-se o próprio patrimônio dos contribuintes, ou um esforço para sua reconstituição, transmuda-se, ao total arrepio da norma constitucional, o fato imponível da contribuição de lucro para patrimônio, por não haver geração de qualquer capacidade contributiva adicional que possibilite a tributação.
Confirmando o entendimento acima, afirmam, respectivamente, ROBERTO PASQUALIM FILHO [41] e AMÉRICO OSWALDO CAMPIGLIA [42] que:
"Por outro lado, prudentemente, exige o artigo 189 que não se distribuam quaisquer participações retiradas dos resultados do exercício antes que sejam absorvidos, integralmente, os prejuízos acumulados em exercícios anteriores. Esta providência é nitidamente protecionista da integridade financeira da empresa, para que se não a descapitalize antes de inteiramente absorvidos os prejuízos que incorreu em exercícios anteriores." (Grifos Nossos)
"Este último - provisão para o imposto de renda - porque se trata de um encargo legalmente constituído sobre o lucro e dele dedutível; os prejuízos porque, não obstante pertinentes a outros exercícios, correspondem a uma diminuição do ´patrimônio líquido´ da companhia que importa compensar. Em ambos os casos, seria iníquo atribuir aos beneficiários a que alude o art. 190 participações sobre tais parcelas negativas do resultado, dado que isso seria feito com evidente detrimento do patrimônio da empresa." (Grifos Nossos)
Da mesma forma, esclarece JOÃO DÁCIO ROLIM [43]:
"Ora, se os sócios ou acionistas da empresa, que são os donos do negócio não podem ter participação no lucro, sem a dedução prévia de eventuais prejuízos acumulados, muito menos o Fisco, sob pena de descapitalização do contribuinte mediante tributação confiscatória de seu patrimônio. Assim como se dilapidaria o capital da pessoa jurídica, se houvesse distribuição de lucros, sem abatimento dos prejuízos acumulados, também se aniquilaria o patrimônio via tributação do prejuízo." (Grifos Nossos)
Assim, o recolhimento do imposto de renda e da contribuição social sem atenção ao princípio da capacidade contributiva fere, ainda, o princípio constitucional de vedação ao confisco (art. 150, IV [44]), impondo sérios prejuízos à saúde financeira das empresas.
Além disso, o art. 189 da Lei das Sociedades Anônimas exige que não se distribuam quaisquer participações retiradas dos resultados do exercício, antes que sejam absorvidos, integralmente, os prejuízos acumulados em exercícios anteriores, como forma de proteger a integridade financeira da empresa, para que se não a descapitalize antes de inteiramente absorvidos os prejuízos que incorreu em exercícios anteriores.
Ora, se a legislação veda que os próprios sócios ou acionistas da empresa, que são os donos do negócio, possam ter participação nos lucros, sem a dedução prévia de eventuais prejuízos acumulados, da mesma forma, não se pode admitir que o Poder Público possa pretender tributar esses mesmos lucros, sob pena acabar provocando a descapitalização da mesma, mediante tributação confiscatória de seu patrimônio, o que, cabe lembrar, também é vedado pela Carta Magna (art. 150, IV).
Além do acima exposto, o princípio da isonomia, aqui entendido como a necessidade de tratar desigualmente os desiguais e igualmente os iguais, também é desrespeitado pela limitação da dedução integral das bases negativas em questão, na medida em que impõe uma mesma tributação para contribuintes que não se encontram na mesma situação.
De fato, se considerarmos que dois contribuintes, um com bases negativas acumuladas de 500 e outro com 50, obtiveram um resultado positivo de 300, teremos que ambos estarão obrigados a tributar esses resultados, sendo que o segundo efetivamente obteve lucro (250) enquanto que o primeiro não, na medida em que continua com bases negativas acumuladas (410) e, conforme se demonstrou anteriormente, os resultados positivos somente serão "lucro" após a absorção integral das bases de cálculo negativas acumuladas.
Verifica-se, portanto, que o princípio da isonomia foi violado, uma vez que dois contribuintes que se encontram em situações diversas, ou seja, um efetivamente apurou lucro e outro não, estarão ambos obrigados a oferecer à tributação os seus resultados positivos, quando, na verdade, somente se deveria tributar aquele, cujos prejuízos acumulados foram completamente absorvidos pelos resultados positivos obtidos.
Isto posto, e também por esses motivos, a limitação à dedução das prejuízos fiscais e das bases negativas da contribuição social contrariam a nossa Constituição Federal, no que tange aos princípios constitucionais da capacidade contributiva, isonomia e vedação ao confisco, acima demonstrados.
Por fim, vale salientar, ainda sobre o princípio constitucional da vedação ao confisco, pois merece ser trazido à baila o entendimento de FÁBIO JUNQUEIRA DE CARVALHO e MARIA INÊS MURGEL [45]:
"Resta claro, pois, que a limitação imposta pela Constituição com relação ao não-confisco, quando da tributação, possui fulcro social, pretende dar à empresa contribuinte do Imposto de Renda, por exemplo, chances de continuidade e de crescimento, o que não seria possível caso a mesma visse seu patrimônio ser, gradualmente, dilapidado com o pagamento de tributos confiscatórios.
(...omissis...)
"Deste modo, a União Federal nunca poderia instituir uma alíquota de 100% (cem por cento) incidente sobre a renda, pois não possibilitaria à empresa atingir o seu objeto maior, que é o lucro. Também estaria configurado o confisco caso a União entendesse por bem tributar parcela que não corresponde a renda.
"Todavia, a idéia que o termo ‘renda’ traz consigo é a de acréscimo patrimonial, decorrente da utilização do patrimônio e da força do trabalho pessoal, conforme estipulado pelo art. 43 do CTN. (...omissis...) Por esta razão muito se questiona sobre a constitucionalidade dos artigos 42 e 58 da Lei nº 8.981/95, que limitaram, a partir de 1º de janeiro de 1995, a dedução de prejuízos até o montante de 30% do lucro líquido ajustado, para fins de tributação da renda. Isto porque, havendo acúmulo de prejuízo suficiente para a absorção de todo o lucro apurado em determinado período-base, a limitação da dedução dos mesmos implica na conseqüente tributação de parcela não correspondente a acréscimo patrimonial e, deste modo, afronta sobremaneira o princípio do não-confisco." (Grifos e Negritos Nossos)
E nesse caso, vale ressaltar que, baseado na dicção já aduzida supra, a desconsideração dos prejuízos fiscais e das bases negativas, em sua integridade, gera o reconhecimento de riqueza irreal, visto que o acréscimo patrimonial estará mensurado, segundo valores distorcidos, que não se aproximam de uma justa e tecnicamente correta medida. E tal situação acabaria por elevar ardilosamente a base de cálculo do imposto, tributando-se um acréscimo patrimonial inexistente e um produto do capital e trabalho distorcido, já que neste produto foram simplesmente ignoradas perdas anteriores, sendo que com isso estará caracterizada, em sua plenitude, o confisco de valores por parte da União, em razão de leis infraconstitucionais que estabeleceram limites à dedução de tais bases de cálculos negativa, ofendendo, nesse sentido, o princípio constitucional da vedação ao confisco.
E ademais, o lucro apurado na forma do parágrafo anterior não refletirá em absoluto a real "disponibilidade econômica e jurídica de renda" da empresa, desatendendo ao critério constitucional da universalidade da tributação do patrimônio pelo imposto de renda (art. 153, parágrafo 2º [46]), já que parte do mesmo foi simplesmente descartada (significativamente, no caso, as perdas).
6 – Os princípios constitucionais do direito adquirido e do ato jurídico perfeito
As supracitadas disposições legais, que limitaram 30% (trinta por cento) do lucro líquido na dedução dos prejuízos fiscais e das bases negativas, feriram, ainda, o direito adquirido da Impetrante à dedução do prejuízo fiscal e da base negativa apurados até 1994, na medida em que esta foi apurada anteriormente a edição das referidas leis, direito este que é protegido pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso XXXVI, que prevê que:
"a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada."
Isso porque, ao apurar tal base, sob a égide da legislação anterior, encontrava-se assegurada aos contribuintes a possibilidade de sua dedução, sem quaisquer limitações quantitativas, gerando um direito adquirido dos contribuintes a essa dedução integral.
De fato, prevista uma determinada situação hipotética no corpo da norma legal e ocorrendo faticamente tal situação, esta incide inexoravelmente sobre a mesma, produzindo, a partir desse instante, todos os efeitos que lhe são inerentes, sem vinculação a quaisquer outras condições que não aquelas no corpo da norma contidas. Tal posicionamento decorre da própria estrutura lógica da norma, que deve ser observada, pois se não o for, além de ferir o princípio constitucional do direito adquirido, irá, também, ferir outro princípio constitucional denominado ato jurídico perfeito.
Conforme ensina o Ilustre Jurista pernambucano LOURIVAL VILLANOVA [47], citado novamente neste trabalho, em virtude da importância de sua posição, diz, a saber:
"Como se vê, no interior desta fórmula, destacamos a hipótese e a tese (ou o pressuposto e a conseqüência). A estrutura interna desse primeiro membro da proposição jurídica articula-se em forma lógica de implicação: a hipótese implica a tese ou o antecedente (em sentido formal) implica o conseqüente."( Grifos Nossos)
Ainda sobre a estrutura lógica da norma, comenta:
"O revestimento verbal das normas jurídicas positivas não obedece a uma forma padrão.... O "dever-ser" transparece no verbo ser acompanhado de adjetivo participial: "está obrigado", "está facultado ou permitido", "está proibido" (sem falar em outros verbos, como "poder" no presente ou no futuro do indicativo). Transparece, mas não aparece como evidência formal. É preciso reduzir as múltiplas modalidades verbais à estrutura formalizada da linguagem lógica para se obter a fórmula "se se dá um fato F qualquer, então o sujeito S´ deve fazer ou deve omitir ou pode fazer ou pode omitir conduta C ante outro sujeito S"." (Grifos Nossos)
Retornando, pois, ao caso concreto, temos como hipótese ou antecedente a situação descrita, qual seja, a apuração de prejuízos fiscais e de bases negativas. A tese ou o conseqüente consubstancia-se, por seu turno, na possibilidade de dedução de tais bases de cálculos negativas com os resultados positivos apurados nos exercícios subseqüentes. Assim, ocorrida a primeira, incide a norma e gera-se direito adquirido em relação ao conseqüente até o momento de sua consumação, ainda que venha a se alterar posteriormente a legislação.
Nesse sentido, merece destaque a lição brilhante de JOSÉ AFONSO DA SILVA [48]:
"(...) Para compreendermos um pouco melhor o que seja o direito adquirido, cumpre relembrar o que se disse acima sobre o ‘direito subjetivo’: é um direito exercitável segundo a vontade do titular e exigível na via jurisdicional quando seu exercício é obstado pelo sujeito obrigado à prestação correspondente. Se tal direito é exercido, foi devidamente prestado, tornou-se situação jurídica consumada (direito consumado, direito satisfeito, extinguindo-se a relação jurídica que o fundamentava). Por exemplo, quem tinha o direito de casar de acordo com as regras de uma lei, e casou-se, seu direito foi exercido, consumado. A lei nova não pode descasar o casado, porque estabeleceu regras diferentes para o casamento.
"Se o direito subjetivo não foi exercido, vindo a lei nova, transforma-se em ‘direito adquirido’, porque era direito exercitável e exigível à vontade de seu titular. Incorporou-se a seu patrimônio, para ser exercido quando lhe conviesse. A lei nova não pode prejudicá-lo, só pelo fato de o titular não o ter exercido antes. Direito subjetivo é ‘a possibilidade de ser exercido, de maneira garantida, aquilo que as normas de direito atribuem a alguém como próprio’. Ora, essa possibilidade de exercício continua no domínio da vontade do titular em face da lei nova. Essa possibilidade de exercício do direito subjetivo foi adquirida no regime da lei velha e persiste garantida em face da lei superveniente. Vale dizer - repetindo: o direito subjetivo vira direito adquirido quando a lei nova vem alterar bases normativas sob as quais foi constituído. Se não era direito subjetivo antes da lei nova, mas interesse jurídico simples, mera expectativa de direito ou mesmo interesse legítimo, não se transforma em direito adquirido sob o regime da lei nova, que, por isso mesmo, corta tais situações jurídicas no seu ‘iter’, porque sobre elas a lei nova tem aplicabilidade imediata, incide." (Grifos Nossos)
Nem se diga, ainda que falaciosamente, que a possibilidade de dedução das prejuízos fiscais e das bases negativas tratam-se de mera expectativa de direito, e não de um verdadeiro direito adquirido. O fato de depender de um evento futuro e incerto para sua concretude (a apuração de resultados positivos), não lhe retira a eficácia, já que nosso ordenamento expressamente alberga a figura do direito ou obrigação condicional, que justamente depende de um evento futuro e incerto para seu exercício, conferindo-lhe a Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 6º, § 2º, expressa proteção face à legislação superveniente.
Observe-se que, analisando a estrutura da norma em questão, veremos que o elemento condicional nela presente não se encontra posicionado em seu antecedente (se se apurar lucros, as base de cálculo negativas da contribuição social poderão ser compensados), o que poderia caracterizá-las como meras expectativas de direito, mas sim em seu conseqüente (as bases de cálculo negativas da contribuição social poderão ser compensadas com o lucro real que for ou eventualmente vier a ser apurado), o que lhes garante o ‘status’ de direito condicional e não de expectativas de direitos.
Dessa maneira, apurados prejuízos fiscais e bases negativas, realiza-se integralmente o antecedente e incide a norma, apenas com os efeitos previstos em seu conseqüente (possibilidade de dedução com resultados positivos) ainda pendentes de realização de evento futuro e naquele instante incerto: a efetiva apuração de lucros nos exercícios posteriores. Dessa forma, passam esses efeitos, a partir da simples apuração das bases negativas (realização do antecedente), a ter assegurada proteção constitucional.
Isto posto, também por esses motivos, não podem prosperar à limitação à dedução dos prejuízos fiscais na base de cálculo do imposto de renda e das bases negativas na base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido.
Por fim, importante mencionar que a questão aqui discutida já foi apreciada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, ao proferir decisão favorável ao contribuinte AGF Braseg S/A, relatada pelo Ministro Octavio Galotti, por unanimidade de votos, garantido o direito desse contribuinte de deduzir integralmente os prejuízos acumulados no balanço até 31 de dezembro de 1994, como pode ser observado da transcrição da ementa abaixo:
"EMENTA
REQUERENTE: BANCO AGF BRASEG S/A
REQUERIDA: UNIÃO FEDERAL
Imposto de Renda e contribuição social sobre o lucro. Compensação de prejuízos (Lei nº 8.981-95). Cautelar deferida para a suspensão da exigibilidade do credito tributário, podendo ser revista a medida, em função do resultado do julgamento do RE 244.293." (Grifos Nossos)