No factoring convencional, a empresa faturizada transfere à faturizadora (via contrato de fomento mercantil) a titularidade dos créditos a prazo que possui contra seus clientes (sacados-devedores), recebendo da faturizadora, como contraprestação, o valor constante no título do qual se desconta certa quantia considerada como remuneração pela transação (deságio).
Ao investir-se na qualidade de nova credora, caberá a faturizadora providenciar o envio de oportuna notificação da cessão de crédito ao sacado-devedor do título, a fim de informar-lhe acerca da nova titularidade dos créditos cedidos.
Tal notificação deverá ser realizada nos termos do artigo 290 do Código Civil, e, de preferência, antes do vencimento dos títulos:
Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.
A partir da ciência da cessão de crédito, que se da com o recebimento da notificação, o sacado-devedor se resta vinculado à nova relação jurídica, de modo que o pagamento deverá ser feito tão somente a cessionária (faturizada/nova credora).
Se conscientemente o notificado (sacado-devedor), optar por efetuar o pagamento a antiga credora (faturizada/cedente), àquele não se liberará da dívida perante a legítima credora (faturizadora/cessionária).
Aplica-se aqui o seguinte jargão: “quem paga mal paga duas vezes”; nesse sentido:
" Ação anulatória de título de crédito c.c. indenização por danos morais. Protesto da cessionária por débito já pago à cedente. (...) Cessão de débito anterior ao pagamento indevido ao cedente. PROVA MATERIAL DE QUE A DEVEDORA JÁ HAVIA SIDO INFORMADA DA CESSÃO DO DÉBITO QUANDO DO PAGAMENTO A QUEM NÃO ERA MAIS SEU CREDOR. 'Quem paga mal paga duas vezes'. Título de crédito hígido. Protesto devido. Sentença mantida. Recurso desprovido.” 0000889-32.2009.8.26.0456-Apelação Relator(a): Virgilio de Oliveira Junior - Comarca: Pirapozinho - 21ª Câm. de Dir. Priv.- julg: 06/06/2012
Portanto, só pode dar quitação quem é o legítimo e verdadeiro credor (cessionária/faturizadora). Afinal, dispõe o artigo 310 do Código Civil:
Art. 310. Não vale o pagamento cientemente feito ao credor incapaz de quitar, se o devedor não provar que em benefício dele efetivamente reverteu.
Acrescenta-se que, o artigo 292 do CC estabelece que só desobriga o devedor que paga ao credor primitivo se o pagamento ocorrer antes do conhecimento da cessão de crédito.
Art. 292. Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento da cessão, paga ao credor primitivo, ou que, no caso de mais de uma cessão notificada, paga ao cessionário que lhe apresenta, com o título de cessão, o da obrigação cedida; quando o crédito constar de escritura pública, prevalecerá a prioridade da notificação.
No que tange aos efeitos gerados pela Notificação da Cessão dos Créditos, o ilustre doutrinador SÍLVIO RODRIGUES pontua o seguinte:
A notificação marca, assim, um momento de singular importância por duas razões.
a) Até a sua ocorrência o devedor pode validamente resgatar o seu débito, pagando ao credor primitivo (CC, art. 292, 1ª parte); mas, desde o instante em que foi intimado da transferência do crédito, não mais lhe é facultado fazê-lo, pois que a notificação tem o condão de ligá-lo à nova relação jurídica.
b) No instante em que é notificado, o devedor pode opor, tanto ao cedente quanto ao cessionário, as exceções que lhe competirem; assim sendo, poderá alegar que já pagou a dívida, que ela se compensou, ou a existência de vícios, tais como erro, dolo ou coação. Se o não fizer nesse momento, não poderá fazê-lo mais tarde, porque seu silêncio equivale à anuência com os termos do negócio e revela seu propósito de pagar ao cessionário a prestação objeto da cedência”[1] (grifos nossos).
Por fim, diga-se que a cessão de crédito é negócio jurídico bilateral, estabelecido entre cedente e cessionário – no caso do artigo, desenvolve-se entre a faturizada (cedente) e a faturizadora (cessionária).
Tal negócio independe da vontade ou anuência do devedor-cedido (sacado-devedor). Essa questão (desnecessidade de anuência do devedor-cedido) é elementar no Direito e, desta forma, não se faz necessário discorrer sobre tal ponto.
Ao devedor-cedido, para que a cessão tenha eficácia contra si, basta apenas que lhe seja cientificado (art. 290 do CC).
Em lhe sendo cientificada a cessão, obriga-se o devedor a pagar ao cessionário, justo titular do crédito cedido. Caso não o faça (caso pague a outrem), será obrigado a pagar novamente.
BIBLIOGRAFIA
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral das Obrigações 24ª Ed.São Paulo: Saraiva, 2008.
RIZZARDO, Arnaldo. Factoring. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. 17ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
DONINI. Antonio Carlos. Factoring de Acordo com o Novo Código Civil. 1ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
MARTINS. Fran. Títulos de Crédito. 14ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
LEITE. Luiz Lemos. Factoring no Brasil. 8ed. São Paulo: Atlas, 2003.
BULGARELLI. Waldirio. Contratos Mercantis. 14ed. São Paulo: Atlas, 2002.
MACHADO. Costa. Código Civil Interpretado. 2ed. Barueri: Manoele, 2009.
RUGGIERO. Roberto. Instituições de Direito Civil. 2ed. V. 3. Campinas: Bookseller, 2005.
[1] In Direito Civil, Vol. 2, 30ª Ed., Ed. Saraiva, p. 97