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A Convenção de tortura: caso Hissène Habré e o Direito Internacional

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01/11/2016 às 18:10
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5 – A MANIFESTAÇÃO DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA           

A Corte Internacional de Justiça considerou que Senegal descumpriu suas obrigações sob os artigos 6(2) e 7(1) da Convenção contra a Tortura, sua responsabilidade internacional foi invocada. Em consequência, tem a obrigação de cessar este ato ilícito internacional, devendo tomar as medidas necessárias para encaminhar o caso de Habré às autoridades competentes para processá-lo, se resolver não extraditá-lo.

A CIJ se pronunciou da seguinte forma:

1 - Por unanimidade, a Corte decide que tem jurisdição para adjudicar a disputa entre as partes concernente à interpretação e aplicação do artigo 6(2) e do artigo 7(1) da Convenção contra a Tortura;

2 - Por 14 votos a dois, a Corte decide que não tem jurisdição para adjudicar os pedidos da Bélgica relativos a alegações de violações de obrigações de direito internacional costumeiro;

3 - Por 14 votos a dois, a Corte decide que os pedidos da Bélgica baseados no artigo 6(2) e no artigo 7(1) da Convenção contra a tortura são admissíveis;

4 - Por 14 votos a dois, a Corte decide que o Senegal, por não ter feito investigação preliminar sobre os fatos relativos aos crimes atribuídos a Hissène Habré, violou sua obrigação sob o artigo 6(2) da Convenção contra a Tortura;

5 - Por 14 votos a dois, a Corte decide que o Senegal, por não ter encaminhado o caso de Hissène Habré às suas autoridades competentes para que fosse processado, violou suas obrigações sob o artigo 7(1) da Convenção sobre a Tortura;

6 - Por unanimidade, a Corte decide que o Senegal deve, imediatamente, encaminhar o caso de Hissène Habré às suas autoridades competentes para que seja processado, caso não o extradite.

            Ante a tal manifestação fica o Senegal premido a atuar conforme manifestado pela Corte Internacional de Justiça, visto que se tal procedimento não for adotado, fatalmente, a Bélgica reivindicará a primazia para processar Hissèna Habré, alicerçado no brocardo de Grotius: aut dedere aut judicare.


6 - O VOTO EM SEPARADO DO JUIZ CANÇADO TRINDADE

Em seu voto, Cançado Trindade asseverou que o caso Habré era o primeiro a ser apresentado à Corte com base na Convenção das Nações Unidas contra a Tortura, merecedora de maior atenção.

O artigo 41 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça estabelece a competência do Tribunal da Haia para indicar medidas provisórias, sendo que tais medidas visão preservar a própria capacidade do Tribunal de cumprir sua função de resolução pacífica de disputas internacionais, sendo as mesmas vinculativas.

Observa-se que somente os Estados em litígios internacionais podem se socorrer da CIJ, como partes no conflito, podendo solicitar medida provisórias, mas nos últimos anos esses pedidos foram invocados além da dimensão estritamente interestatais.

Cançado Trindade afirma que não só o Comitê das Nações Unidas contra a Tortura, como órgão de supervisão da Convenção correspondente, mas também uma organização internacional regional, a União Africana, estava engajada na luta contra a impunidade no caso Habré.

Mais adiante o juiz afirmou que o tempo dos seres humanos certamente não parece ser o tempo da justiça humana. O tempo dos seres humanos não é longo (vita brevis), pelo menos não o tempo suficiente para a plena realização de seu projeto de vida. No entanto, o tempo da justiça humana é prolongado, não raro muito mais do que a vida humana, parecendo fazer abstração da vulnerabilidade e brevidade deste último, mesmo diante das adversidades e injustiças. O tempo da justiça humana parece, em suma, fazer abstração de o tempo dos seres humanos contarem para o atendimento de suas necessidades e aspirações, sendo, portanto, premente a necessidade da resolução do caso Habré. Para os vitimados, a passagem do tempo sem justiça é doloroso, pois é tempo que conduz ao desespero. Urgência, portanto, diz respeito a medidas que devem ser tomadas rapidamente, no contexto de uma dada situação, de modo a evitar mais atrasos que possam trazer prejuízo adicional ou, certamente, um dano irreparável. Mas o direito a ser preservado agora é, no entanto, de natureza distinta: é o direito à realização da justiça, que encontra expressão nas correspondentes obrigações estabelecidas nos artigos 5 (2) e 7 (1) de 1984 da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura.

Afirma Cançado Trindade que, independente dos argumentos trazidos à Corte, tem ela a faculdade de uma apreciação totalmente livre do caráter de urgência da situação trazida ao seu conhecimento e decidir. O fator crucial aqui é, em sua opinião, a resistência por parte das vítimas da passagem do tempo ingrato ao longo da sua longa busca, em vão, pois a justiça humana ocorrerá em que data?

Considera Cançado, na exposição de seu voto que o caso em comento diz respeito às questões relacionados com a obrigação de processar e extraditar, e não há espaço para a dúvida de que os elementos de urgência e da probabilidade de dano irreparável estão presentes, como pode ser claramente observado no corpo do processo.

Continua o juiz delineando que o exercício da jurisdição universal pretende superar os obstáculos do passado no espaço. Um deles é a gravidade das violações dos direitos humanos, dos crimes perpetrados, que não admite a extensão prolongada no tempo da impunidade dos agressores, a fim de honrar a memória das vítimas fatais e trazer alívio para os sobreviventes e seus familiares.

Com base no exposto, a decisão tomada pela maioria da Corte, em não indicar medidas provisórias no presente caso, pode ser severamente questionada, pois na opinião do juiz os pré-requisitos estavam presentes para a indicação das medidas provisórias e, mesmo que a Corte não estivesse totalmente satisfeita com os argumentos das partes, não é limitada ou condicionada por tais argumentos. Salienta o juiz que a Corte não está restrita pelos argumentos das partes, conforme artigo 75 (1) e (2) do Regulamento da Corte, que expressamente autoriza indicar, motu proprio, as medidas provisórias que considerar necessárias, mesmo que sejam totalmente ou em parte distintas das solicitadas. A decisão da CIJ, indicando as medidas provisórias no presente caso, como aqui sustentadas, teria criado um precedente notável na busca por justiça na teoria e na prática do Direito Internacional. Afinal, este é o primeiro caso apresentado à Corte Internacional de Justiça tendo por base a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura de 1984, que, por sua vez, é "o primeiro tratado de direitos humanos que incorpora o princípio de jurisdição universal, como uma obrigação internacional de todos os Estados-partes, sem qualquer condição que não a presença do suposto torturador".

Há vários anos o Comitê das Nações Unidas contra a Tortura, no exercício das suas funções, decidiu emitir uma medida cautelar ou provisória, no caso de S. et alii Guengueng, sobre o Senegal, para garantir a plena aplicação das disposições pertinentes da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura. E, apesar de tudo isso, a Corte Internacional de Justiça considerou que as circunstâncias, como agora se apresentaram à Corte, não foram de molde a exigir medidas provisórias de proteção.

Na sua exposição, Cançado Trindade considera que as obrigações estabelecidas pela Convenção das Nações Unidas contra a Tortura simplesmente não são obrigações de conduta ou comportamento, mas na verdade as obrigações de resultado.

Considera o juiz que as medidas provisórias têm um lugar no caso em comento, como os pré-requisitos para eles são aqui cumpridas, devendo ter urgência na sua implementação, de modo a evitar a probabilidade de dano irreparável ainda mais como resultado de um prolongamento de atrasos injustificados na realização da justiça. 


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a inércia apresentada, no caso em analise, constata-se que a dignidade da pessoa humana fica pulverizada, ante a inércia da comunidade internacional na resolução de uma barbárie ocorrida no período compreendido entre 1982-1990 e sem solução até a presente data, ficando patente que os familiares das vítimas morreram sem que presenciem que o autor dos crimes venha a ser julgado.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos promulgada a mais de cinco décadas ainda não é conhecida, na prática, em vários países do continente africano, como se pode perceber do caso sob analise, dificultando que os direitos civis ali enunciados sejam implementados de forma efetiva.

O descompasso entre a justiça humana e o tempo de vida dos seres humanos leva ao desespero daqueles que sofreram na carne as atrocidades praticadas por Hissène Habré, onde o primeiro pode ser longo, enquanto o segundo pode ser escasso. O tempo da justiça humana parece, em suma, fazer abstração de o tempo dos seres humanos contarem para o atendimento de suas necessidades e aspirações, sendo, portanto, premente a necessidade da resolução do caso Habré.

Neste caso, o Senegal tem agora uma oportunidade rara, trazendo rapidamente o H. Habré a julgamento, para dar um exemplo ao mundo, em conformidade com o mandato conferido pela União Africana em 2006, que está bem de acordo com a natureza jurídica, conteúdo e efeitos de direito a ser preservado no caso em espécie (cas d'espèce) e o erga omnes contraditórios correspondentes às obrigações da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura.

Há aqui a atuação da jurisdição universal consorciada à extradição com o fito de alcançar a paz social, ou seja, o julgamento de Habré, pelo Senegal, como se espera, ou pela Bélgica, por inadimplemento do Senegal, mas que haja a realização do julgamento.


REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CIRENZA, Cristina de Freitas; NUNES, Clayton Alfredo. Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes e Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/direitos/tratado10.htm. Acesso em: 29 dez. 2012.

ICJ. Disponível em: <http://www.icj-cij.org.>. Acesso em: 29 maio 2012.

LONG, Debra; NAUMOVIC, Nicolas Boeglin. Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra a Tortura. Manual de Implementação. Tradução: Ana Luisa Gomes Lima. Instituto Interamericano de Derechos Humanos: San José, 2010.


Notas

[2] Disponível em: <http://www.icj-cij.org.>. Acesso em: 29 maio 2012.

[3]A Lei n. 9.455/97, que veio de encontro à tão esperada regulamentação do artigo 5º, inciso XLIII da Constituição Federal. Aliado ao fato de o Brasil ter ratificado, respectivamente, em 28.09.1989 e em 20.07.1989 a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, assumindo o compromisso internacional de considerar como crime, todos os atos de tortura e as tentativas de praticar atos dessa natureza, porém sem nenhuma incursão no campo prático, seja para atender os compromissos internacionais ou ao disposto na Carta Cidadã. Conforme: CIRENZA, Cristina de Freitas; NUNES, Clayton Alfredo. Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes e Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/direitos/tratado10.htm. Acesso em: 29 dez. 2012.

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[4] CIRENZA, Cristina de Freitas; NUNES, Clayton Alfredo, op. cit.

[5] LONG, Debra; NAUMOVIC, Nicolas Boeglin. Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra a Tortura. Manual de Implementação. Tradução: Ana Luisa Gomes Lima. Instituto Interamericano de Derechos Humanos: San José, 2010, p. 28.

[6] LONG, Debra; NAUMOVIC, Nicolas Boeglin, op. cit., p. 29.

[7] Não se deve deixar de ressaltar que o "caso Hissène Habré" foi lembrado em mais de uma oportunidade na Organização das Nações Unidas, nomeadamente o Grupo de Trabalho de Revisão Periódica Universal (UPR) das Nações Unidas e ao Conselho de Direitos Humanos. Uma compilação preparada para esse Grupo de Trabalho do Gabinete do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, bem como um projeto de relatório (de fevereiro de 2009) do Grupo de Trabalho, contêm referências expressas ao caso, no âmbito da luta contra a impunidade.

[8]Manifestação ao pedido de medidas provisórias da Bélgica, com suas partes principais, feito pela Corte Internacional de Justiça, de 28 de maio de 2009, quando estavam presentes o presidente da Corte M. Owada, os juízes MM. Shi, Koroma, Al-Khasawneh, Simma, Abraham, Sepulveda-amor, Bennouna, Skotnikov, Cançado Trindade, Yusuf, Greenwood, o juiz ad hoc MM. Sur, Kirsch, e o escrivão: M. Ouvreur. Primeiramente a Bélgica havia pedido que H. Habré fosse julgado pelo Senegal, caso isto não ocorresse que ele fosse extraditado para a Bélgica, atendendo a norma aut dedere aut judicare, conforme descrito a seguir (tradução livre do autor):

[...] A Bélgica pede respeitosamente à Corte que declare e julgue que:

- o Tribunal tem jurisdição sobre o conflito entre o Reino da Bélgica e da República do Senegal em relação ao cumprimento pelo Senegal de sua obrigação em processar o Sr. H. Habré ou extraditá-lo para a Bélgica para ali ser processado criminalmente;

- o pedido belga é admissível;

- a República do Senegal é obrigada a processar H. Habré por crimes de tortura e crimes contra a humanidade atribuída a ele como autor, co-autor ou cúmplice;

- se não processar o Sr. H. Habré, a República do Senegal é obrigada a extraditá-lo para o Reino da Bélgica para responder a estes crimes perante a Justiça belga [...]. Disponível em: <http://www.icj-cij.org.>. Acesso em: 29 maio 2012.

[9] Manifestação sobre o pedido de Medidas Provisórias da Bélgica, feito pela Corte Internacional de Justiça, de 28 de maio de 2009 no caso Habré, conforme a tradução livre do autor abaixo:

[...] 11. Considerando que, em 19 de fevereiro de 2009, após a apresentação da sua reclamação, a Bélgica introduziu um pedido para a indicação de medidas provisórias amparados no artigo 41 do Estatuto do Tribunal e nos artigos 73 a 75 do seu Regulamento;

12. Considerando que, em seu pedido para a indicação de medidas provisórias, a Bélgica refere-se às bases da competência do Tribunal para fundamentar seu pedido (ver nº 2 acima);

13. Considerando que no presente pedido de indicação de medidas provisórias, a Bélgica, informa que o Sr. H. Habre tem estado sob prisão domiciliar em Dakar, mas que em uma entrevista dada pelo Presidente do Senegal, Abdullah Wade, a Radio França Internacional, falou que o Senegal poderá cessar esta prisão domiciliar se não tiver o orçamento, que ele considera necessário, para a organização do julgamento do Sr. H. Habré; e que, de acordo com a Bélgica, neste caso, seria fácil para o Sr. Habré sair do Senegal para escapar da acusação;

14. Considerando que, no pedido de indicação de medidas provisórias, feito pela Bélgica, onde argumentou que se o Sr. Habré saisse do território do Senegal, seria um prejuízo irreparável ao direito sob a lei internacional para a Bélgica para o exercício da acusação criminal contra ele, que ela também argumenta que isso violaria a obrigação do Senegal em processar Habré por crimes de Direito Internacional que são alegadas contra ele, sob pena de extraditá-lo;

15. Considerando que, após o seu pedido para a indicação das medidas provisórias, feito pela Bélgica, foi pedido ao Tribunal que solicitasse ao Senegal para que aguardasse a decisão final sobre o mérito, devendo o Senegal tomar todas as medidas, ao seu alcance, para que H. Habré sofra o controle e supervisão das autoridades judiciais deste país referentes as regras direito internacional, incluindo o cumprimento da decisão que pode ser favorável à Bélgica";

16. Considerando que, em 19 de fevereiro de 2009, quando da sua reclamação e o pedido de medidas foram depositadas na Secretaria, o secretário informou ao governo senegalês da apresentação de tais documentos e imediatamente enviou cópias autenticadas dos mesmos, em conformidade com o nº 2 do artigo 40º do Estatuto e do nº 4 do Artigo 38 e nº 2 do artigo 73º do Regimento, e que o secretário também informou ao Secretário-Geral das Nações Unidas de tal depósito [...]. Disponível em: <http://www.icj-cij.org.>. Acesso em: 29 maio 2012.

[10] Manifestação sobre o pedido de Medidas Provisórias da Bélgica, feito pela Corte Internacional de Justiça, de 28 de maio de 2009, no caso Habré, havendo tradução livre do autor, conforme segue:

“62. Considerando, porém, que o poder do Tribunal de indicar medidas cautelares será exercido se houver urgência para dizer se há um risco real e iminente de dano irreparável aos direitos em causa perante o Tribunal tomou sua decisão final (ver, os exemplos, através do Grande Belt (Finlândia/Dinamarca), Medidas Provisórias, Ordem de 29 de julho de 1991, Relatórios CIJ 1991, p. 17, par. 23; Alguns Processos Penais, na França (República do Congo/França), verificar despacho de 17 de junho de 2003, Relatórios CIJ 2003, p. 107, par. 22, Usina de Papel no Rio Uruguai (Argentina contra o Uruguai), Medidas Provisórias, despacho de 23 de janeiro de 2007 p. 11, par. 32, Aplicação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (Geórgia contra Rússia), Medidas Provisórias, Ordem de 15 de outubro de 2008, par. 129), e que o Tribunal deve considerar se, neste caso, há uma emergência desse tipo;

63. Considerando que a Bélgica, no seu pedido para a indicação das medidas provisórias, refere-se a uma entrevista concedida a Rádio França Internacional, em 2 de fevereiro de 2009, pelo presidente Wade (ver ponto 13), e que a Bélgica também se referiu na audiência, a entrevistas dadas pelo Presidente Abdullah Wade a um jornal Público espanhol, também ao jornal francês, La Croix, e a Agência France-Presse, de 14 de outubro de 2008, de 18 de dezembro de 2008 e 3 de fevereiro de 2009, respectivamente, em que a questão da organização do julgamento do Sr. Habré e seu financiamento foram levantados, tendo o Presidente do Senegal, dito que conforme o caso, ele não manteria indefinidamente Habré no Senegal, que ele iria deixá-lo sair do Senegal, pois não teria os meios para organizar o julgamento de Habré, remetendo Habré para casa ou ao Presidente da União Africana, acabando com a prisão domiciliar de Habré;

67. Considerando que o Senegal também alega que a declaração do presidente Wade a Rádio França Internacional, invocado pela Bélgica para buscar medidas provisórias, foi tirada do contexto, e "fora dado um sentido diverso", que ele alega que, ao contrário, sua declaração demonstra o compromisso do Senegal em realizar um julgamento, Wade afirmou o seguinte sobre o financiamento do processo: "[Depois de todas as promessas de apoio que tem sido feito], uma vez que a mesma se arrastou eu disse recentemente: "precisamos da promessa de que o apoio financeiro estará realmente disponível... Era um pequeno empurrão para acelerar as coisas... Uma vez que temos os meios, o julgamento começará. Não existe absolutamente nenhuma dúvida. Wade disse que as negociações com a União Europeia e União Africana para a obtenção dos fundos necessários para processar o Sr. Habré correm bem, sendo que o Senegal considera que as medidas tomadas pelas autoridades senegalesas atestam que eles realizam com boa fé as suas obrigações decorrentes da Convenção contra a Tortura e que, na opinião do Senegal não há risco iminente para justificar a indicação de medidas provisórias;

68. Considerando que, conforme mencionado acima (ver parágrafos 29 e 66), Senegal disse, repetidamente, durante a audiência, que não tinha a intenção de interromper a vigilância e o controle imposto sobre a pessoa do Sr. Habré antes e após os fundos prometidos pela comunidade internacional fossem disponibilizados para garantir a organização do processo judicial, que o coagente do Senegal, após a audiência, declarou solenemente, em resposta a uma pergunta de um membro da Corte, como segue: "O Senegal não vai permitir que o Sr. Habré deixe o Senegal enquanto o assunto estiver pendente nesta Corte de Justiça".

71. Considerando, além disso, a Corte constatou que o Senegal, como em motu próprio respondeu a uma pergunta de um membro da Corte, formal e reiteradamente, e durante as audiências, deu a garantia de que ele não vai permitir que Habré saia de seu território até que a Corte tenha dado a sua decisão final;

72. Considerando que, como a Corte de Justiça já se referiu a indicação de medidas provisórias só se justificariam se houvesse urgência e que a Corte de Justiça, observando garantias dadas pelo Senegal, constatou que o risco de prejuízo irreparável aos direitos reivindicados pela Bélgica não se apresentam a partir da data realização desta ordem;

73. Considerando que a Corte conclui do exposto que não há, nas circunstâncias do caso, nenhuma emergência para justificar a indicação de medidas provisórias pela Corte;

74. Considerando que a decisão em apreço não prejudica a questão da competência da Corte para entreter o mérito do caso ou qualquer questão sobre a admissibilidade ou a substância em si, e deixa intacto o direito dos governos da Bélgica e do Senegal para apresentação de argumentos sobre estas questões;

75. Considerando que esta decisão não inibe que no futuro a Bélgica apresente um novo pedido para a indicação de medidas provisórias com base na evolução do caso, por força do nº 3 do artigo 75 do Regulamento;

76. Por estas razões, a Corte de Justiça, por treze votos contra um, decidiu que as circunstâncias, como agora se apresentam à Corte, não são suscetíveis de exigir o exercício do seu poder de indicar medidas cautelares ao abrigo Artigo 41 do Estatuto. Sr. Owada, Presidente da Corte: Favoráveis à medida os juízes Shi, Koroma, Khasawneh-Al, Simma, Abraão, Sepúlveda-Amor, Bennouna, Skotnikov Yusuf, Greenwood, MM. Sur, Kirsch, juízes ad hoc; Contra: Juiz Cançado Trindade”. Disponível em: <http://www.icj-cij.org.>. Acesso em: 29 maio 2012.

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Sobre o autor
David Augusto Fernandes

Mestre e Doutor em Direito. Professor Adjunto da Universidade Federal Fluminense.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, David Augusto. A Convenção de tortura: caso Hissène Habré e o Direito Internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4871, 1 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35797. Acesso em: 18 mai. 2024.

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