Hipótese de inaplicabilidade da majorante do parágrafo segundo do artigo 84 da Lei n. 8.666/93

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[1] Sem desconhecer as diferenças de origem e evolução dos princípios da razoabilidade (de origem norte-americana e mais utilizado como parâmetro para a revisão judicial de atos legislativos) e da proporcionalidade (de origem alemã e servindo de parâmetro, sobretudo, para o controle de atos administrativos), no presente trabalho, ambos os termos são tratados como sinônimos, na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

[2] A supremacia da Constituição em relação às demais espécies de textos normativos se deve não só à dignidade dos temas que nela são tratados, mas, principalmente, estriba-se no fato de que a Constituição é fruto da vontade geral, obra resultante do labor dos representantes do povo, no exercício do poder constituinte originário. De fato, as bases da tese da supremacia constitucional, que se consolidou primeiro nos Estados Unidos da América, foram lançadas a partir da teoria do poder constituinte formulada por Emmanuel Joseph SIEYÈS.

[3] STF, DJe-096, 28 jun. 2010, RE 278710 AgR, Relator: Min. Joaquim Barbosa: “Esta Corte estabeleceu a distinção entre o juízo de recepção de norma pré-constitucional e o juízo de declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade (ADI 2, rel. min. Paulo Brossard).”

[4] Essa eficácia mínima é reconhecida mesmo às chamadas normas de eficácia limitada, dependentes de regulamentação para que possam produzir, em toda a sua potencialidade, os efeitos nelas previstos. Afora elas, conforme a tradicional classificação elaborada por José Afonso da Silva, as normas constitucionais podem ser ainda de eficácia plena, quando não requerem nem preveem qualquer normação infraconstitucional subsequente para serem aplicadas, ou de eficácia contida, quando, apesar de aplicáveis de imediato, podem sofrer limitações, restrições, motivo por que parte da doutrina prefere denominá-las como sendo de eficácia restringível.

[5] STF, DJe-039, 28 fev. 2013, ADI 2797 ED, Relator p/ Acórdão: Min. Ayres Britto: “A proposição nuclear, em sede de fiscalização de constitucionalidade, é a da nulidade das leis e demais atos do Poder Público eventualmente contrários à normatividade constitucional.”

[6] Geralmente, um ato normativo comporta várias interpretações, decorrentes das diversas situações fáticas e problemas com os quais o intérprete se depara. Pode ocorrer, assim, de um mesmo texto normativo dar ensejo a aplicações constitucionais e outras inconstitucionais. Nessas situações, a jurisdição constitucional desenvolveu técnicas que preservam a higidez do sistema afastando as interpretações inconstitucionais do texto normativo sem a necessidade de extirpá-lo do ordenamento jurídico. É o caso da argüição de nulidade sem redução de texto e da interpretação conforme a Constituição, explicadas e diferenciadas por Georges Abboud (2011, p. 156-157) nos seguintes termos: “Nas sentenças interpretativas em que se aplica a argüição de nulidade sem redução de texto, o STF anula o sentido apresentado pelo texto da lei de maneira inconstitucional, aceitando, no entanto, outras possibilidades interpretativas. Ou seja, a lei X permite a interpretação X’, X’’ e X’’’, o STF exclui a interpretação X’, porque contrária à Constituição, admitindo as demais possibilidades (X’’ e X’’’) bem como as demais que possam surgir, desde que estejam em conformidade com a Constituição. Na sentença interpretativa em que se aplica a interpretação conforme a Constituição, o STF define qual é a única interpretação constitucional de determinada lei, excluindo as demais que seriam inconstitucionais. No exemplo dado, o Supremo decidiria, e.g., que apenas a interpretação X’ é constitucional, sendo consideradas inconstitucionais as demais.”

[7] Sobre o tema, afirma FRIEDMAN (1984, p. 13): “The constitution is the supreme law of the land. It is the highest authority. No person, and no branch of the government - not the President, not the Congress, certainly not the corner policeman - has the right to set the Constitution aside, its words and its rules are law. The courts are guardians of the Constitution. They have the right to check unconstitutional actions - to declare them null and void. This is the famous power of judicial review…”.

[8] Atribui-se a KELSEN a ideia da ordem jurídica hierarquizada, segundo a qual a Constituição é o fundamento de outros atos normativos, que regem o comportamento das pessoas da comunidade e disciplinam as atividades do Estado. Nesse sentido, ver KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. Tradução do francês feita por Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 3ª edição. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 131.

[9] Código Penal, art. 68: “A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento”.

[10] A referida justificativa foi retirada do DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, Seção I, de 12 de setembro de 1975, página 7224, coluna 02, disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD12SET1975.pdf#page=8>. Acesso em 15 de dezembro de 2014.

[11] Sobre a relação entre a presunção de constitucionalidade das leis com a separação dos Poderes, a segurança jurídica e a isonomia, afirma BARROSO (2011, p. 445): “A função de criar normas jurídicas, instituindo direitos e obrigações, foi atribuída pela Constituição, predominante e preferencialemnte, ao Poder Legislativo. Ainda que, presentes determinados pressupostos, possam os outros Poderes exercer competências normativas ou criadores dos Direito em concreto, devem eles ceder à deliberação legislativa válida. Nesse passo, a avaliação da validade não pode tornar-se uma forma velada de o magistrado substituir as escolhas políticas do legislador pelas suas próprias. Não cabe ao Judiciário declarar a invalidade de norma que [não] [sic] lhe pareça a melhor ou a mais conveniente. A declaração de inconstitucionalidade deve ser sempre a última opção, preservando-se o ato que seja passível de compatibilização com a ordem constitucional, ainda quando pareça, ao juiz, equivocado do ponto de vista político. Isso é o que decorre do princípio da presunção de constitucionalidade dos atos do Poder Público, escorado na separação dos Poderes. A lei, com seu comando geral, abstrato e obrigatório, assegura previsibilidade às condutas e estabilidade às relações jurídicas. A segurança jurídica ficaria afetada se determinada matéria, em lugar de ser regida por norma única, ficasse sujeita às decisões particulares do Poder Judiciário. O caráter geral e abstrato da lei assegura que todos que se encontrem na situação descrita pela norma recebam a mesma disciplina. Se o Judiciário pudesse criar, de maneira ilimitada, via processos judiciais, obrigações específicas com fundamento em princípios constitucionais vagos, haveria uma multiplicidade de regimes jurídicos para pessoas que se encontram em igualdade de condições.”

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[12] Apesar de não ser o objeto principal do presente trabalho, cumpre destacar que a maior reprovação que ostenta quem se encontra a frente de cargo comissionado ou função de confiança não pode ser feita em dois momentos da aplicação da reprimenda, sob pena de violação ao princípio non bis in idem. De fato, a aplicação da majorante do § 2º do art. 84 da Lei n. 8.666/93 em função desse tipo de investidura funcional não pode coexistir com uma valoração negativa da culpabilidade relacionada ao fato de ser o apenado titular de cargo ou função comissionada, tampouco com a incidência da agravante genérica do art. 61, inciso II, letra “g”, que também pode ser confundida com a referida causa de aumento. Apresento, para ilustrar tal entendimento, precedentes que se referem ao § 2° do art. 327 do Código Penal, tendo presente que essa mesma majorante é encontrada no art. 84, § 2º, da Lei n° 8.666/93, sendo de observar que a interpretação que se empresta àquele dispositivo pode ser estendida ao outro da legislação extravagante. Rejeitando a primeira hipótese (de aplicação da majorante simultaneamente à valoração negativa da culpabilidade), já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que: "A causa de aumento de pena prevista no § 2º do art. 327 do CP incide a todos aqueles que, à época do delito, detinham cargos de confiança, tendo em vista que o aumento da pena decorre da maior reprovabilidade do agente que, no exercício de função pública e nela ocupando cargo que demanda com maior rigor a retidão da sua conduta funcional, vale-se de sua posição para a prática de conduta ilícita ...". (REsp 819.168/PE, Rel. Ministro GILSON DIPP, 5ª Turma, julgado em 12.12.2006, DJU de 05.02.2007, p. 356). De outra banda, rejeitando a possibilidade de aplicação da majorante simultaneamente à agravante genérica, já proclamou o Tribunal Regional Federal da Segunda Região: “...  VI - O cargo de chefia ocupado pelo apelante foi duplamente considerado pela magistrada sentenciante, ao fixar a pena relativa ao crime descrito no art. 313-A do CP, servindo para fazer incidir a agravante genérica do art. 61, II, "g", do CP, na segunda fase da dosimetria da pena, e a causa de aumento prevista no art. 327, § 2º do referido diploma legal, na terceira fase, o que configura bis in idem, devendo ser excluída da condenação a referida agravante. VII. Apelação a que se dá parcial provimento.” (Apelação Criminal nº 5606/RJ (2004.51.16.000966-5), 2ª Turma Especializada do TRF da 2ª Região, Rel. Messod Azulay Neto. j. 06.05.2008, unânime, DJU 14.05.2008, p. 183).

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Sobre o autor
Rodrigo Clemente de Brito Pereira

Graduado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (2013) com láurea acadêmica. Advogado. Consultor Legislativo concursado da Assembleia Legislativa da Paraíba. Suplente de deputado estadual na Paraíba (2015-2018).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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