O direito à informação na legislação brasileira

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Este artigo busca delinear a evolução histórica do direito de acesso à informação no Brasil até a promulgação da Lei de Acesso à Informação, apresentando o direito de acesso à informação como um importante passo para a consolidação da democracia no Brasil

1          INTRODUÇÃO

A partir do final da década de 80, foram publicados no Brasil diversos normativos que tratam do acesso à informação pública. Esses normativos eram relacionados tanto às políticas de transparência ativa, quanto à divulgação dos atos administrativos ou regulamentação do sigilo.

A Constituição brasileira promulgada em 1988 também tratou do acesso à informação pública em seu artigo 5º, inciso XIV e XXXIII, artigo 37, § 3º, inciso II e no artigo 216, § 2º. São estes os dispositivos que a Lei de Acesso a Informações regulamenta, estabelecendo requisitos mínimos para a divulgação de informações públicas e procedimentos para facilitar e agilizar o seu acesso por qualquer pessoa.

Todavia, somente com a entrada em vigor, no dia 16 de maio de 2012, da Lei nº 12.527/11, sancionada em 18 de novembro de 2011, conhecida como a Lei de Acesso à Informação, é que efetivamente busca-se concretizar a garantia constitucional do acesso à informação no país.

2          EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DE ACESSO À INFORMAÇÃO NO BRASIL

No período da ditadura militar, que aconteceu do ano de 1964 a 1985, o direito de acesso às informações públicas foi mais uma das garantias, positivadas ou não, que o Estado autoritário cerceou. Nessa época, a falta de transparência era uma característica da administração pública brasileira, sendo fortalecida a cultura do sigilo. Contudo, no dia 5 de outubro de 1988, três anos após o regime ditatorial, a atual Constituição foi promulgada, concebendo o Estado Democrático de Direito e elevando o direito de acesso à informação pública ao nível de direito fundamental.

O inciso XXXIII[1] do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 assegurou o direito de acesso à informação, protegendo tanto o acesso às informações de interesse particular como as de interesse coletivo ou geral. O mesmo inciso determinou, ainda, a criação de uma lei para regulamentar o referido direito.

Os princípios basilares da Administração Pública também foram insculpidos no artigo 37[2] da Carta Magna, estando entre eles o princípio da publicidade dos atos públicos. Esse princípio assinala a necessidade de que todos os atos da Administração Pública sejam expostos à população.

Portanto, somente a partir da Constituição de 1988 que a transparência e a publicidade se tornaram princípios legalmente protegidos, tendo a finalidade de nortearem a relação do Estado com a população. Se no regime ditatorial valia a regra de que toda informação era imprescindível à segurança nacional, cultivando-se a cultura do sigilo. Porém, com o advento da Constituição de 1988 essa regra mudou, passando a ser exceção, posto que a informação pública passou ser considerada um bem público.

Outro dispositivo que resguardou o direito de acesso foi o artigo 216, parágrafo segundo, da Carta Magna, com a seguinte redação: “Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem”. [3]

Entretanto, a Constituição Federal de 1988, apesar de ter resguardado o direito de acesso às informações públicas, deixou para a legislação infraconstitucional a função de regulamentação deste direito tão essencial à manutenção da ordem democrática, segundo dispõe o seu art. 37, § 3º, II[4], somente vindo a acontecer essa regulamentação no ano de 2011, com o advento da Lei 12.527 (Lei de Acesso à Informação).

Ademais, o inciso XXXIII do art. 5º da Lei Fundamental foi escrito de maneira genérica, aduzindo que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral”. Sem a utilização de expressões como “as” ou “todas as” antes da palavra “informações”, o texto cria margens para interpretações restritivas, o que pode gerar nos órgãos detentores das informações o entendimento de que são eles os responsáveis por decidir o que deve e o que não deve ser liberado para o conhecimento da população.

Logo, a regulamentação deste direito tornou-se uma obrigação essencial, visto que o texto constitucional, sozinho, o assegurava de maneira bastante carente.

No caso do Brasil, antes da aprovação da Lei de Acesso, Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, existiam muitas leis, medidas provisórias, decretos, resoluções, portarias e instruções normativas espaças que, de alguma maneira tratava sobre o acesso ou o sigilo das informações do Estado brasileiro.

Os preceitos sobre o acesso encontravam-se insculpidos em leis sobre responsabilidade fiscal, preservação do meio ambiente, sobre a questão da guarda de arquivos, entre outras. Deste modo, as regras sobre o acesso à informação estavam dispersas em vários ordenamentos diferentes, causando interpretações divergentes e outras consequências negativas, indo de encontro ao progresso das legislações de acesso dos países próximos.

A Lei nº 8.159, de 1991, estabeleceu as diretrizes da política nacional de arquivos públicos e privados. Assegurou a todos o direito de acesso pleno a quaisquer documentos públicos, mas não falou de que maneira seria o acesso. Também não instituiu prazos para que os servidores públicos providenciem tais informações quando requeridas. Diferentemente, a Lei nº 11.111, de 2005, determina o prazo improrrogável de quinze dias para a expedição de certidões para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações requeridas aos órgãos públicos[5].

Houve também o Decreto Presidencial nº 4.553, de 27 de dezembro de 2002, que criou o instituto do ‘sigilo eterno’, pois permitiu a renovação indefinida do prazo máximo de 50 anos para a não divulgação de determinados documentos.

A Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, com as modificações introduzidas pela Lei Complementar nº 131/2009, conquanto determinasse que fosse disponibilizada à população grande quantidade de informações, não se preocupava em determinar a qualidade ou a maneira como esses dados eram publicados.

A Lei Ambiental nº 10.650, de 16 de abril de 2003, que dispõe sobre o acesso público aos dados e informações existentes nos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente (SISNAMA), revelava - se ineficaz em virtude de vincular apenas os órgãos ligados ao meio ambiente, conforme aduz Raul Silva Telles:

Isso significa que se houver uma informação relevante para a questão ambiental sob a guarda de um órgão não integrante do SISNAMA – como, por exemplo, uma informação existente no Ministério da Agricultura sobre planos de expansão de crédito público para monoculturas geradoras de impactos socioambientais, como é o caso da soja e do eucalipto – esse órgão não é obrigado, pela lei, a possibilitar o acesso às informações. [6]

Quanto às regras que ajustam os procedimentos e processos decisórios internos do governo, as Leis nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991, esta chamada ‘Lei de Arquivos Públicos’, podem ser adotadas como modelos de normas que, embora tivessem que fornecer detalhes sobre a estrutura e disposição interna das informações governamentais públicas ou sigilosas, apenas delegavam essa função a ordenamentos inferiores.

Ressalte-se que essa transferência de função feita pelas citadas leis para que outros atos normativos infralegais dispusessem sobre os prazos e procedimentos de acesso, além de possivelmente ser considerada inconstitucional, igualmente poderiam levar à excessiva intervenção política e administrativa, com vistas a obter o controle ou a direção do conteúdo da informação.

Portanto, até novembro de 2011, quando foi publicada a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527), não existia uma lei específica sobre o direito de acesso à informação. Essa ausência de previsão específica, de dispositivos que garantissem a qualidade, o conteúdo e a organização da informação terminava fragilizando a garantia fundamental de acesso à informação.

É importante observar que a falta de regulamentação da parte do dispositivo constitucional referente ao acesso e do detalhamento da parte referente ao sigilo (por meio da Lei nº 11.111, de 2005, revogada pela Lei de Acesso) pode ter frustrado algumas das expectativas geradas com a promulgação da Constituição de 1988. Nesse sentido é o entendimento de grande parte dos estudiosos:

Não se pode ignorar que a presença de tal dispositivo em nossa Constituição, conforme já salientamos, é uma conquista que não pode ser desprezada. Por outro lado, esse direito poderia ser mais contundentemente conclamado pelos diversos atores que desejam obter acesso a diferentes tipos de informações públicas. (...)

No entanto, três anos depois do fim do regime militar, no dia 5 de outubro de 1988, a atual Constituição foi promulgada, em meio a promessas de grandes mudanças. Algumas ocorreram, outras, não. Como já foi dito, o texto constitucional assegurou em seu capítulo 5º o direito de acesso a informações públicas, mas essa parte da Carta Magna, como diversas outras, ainda carece de regulamentação. Para começar, o inciso que trata do assunto foi redigido de uma maneira genérica, como sói ocorrer em constituições que mais tarde são detalhadas por leis. [7]

Relevante lembrar que no Brasil, acompanhando os de países de democracias recentes, foram criados muitos projetos de lei no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, que tinham como finalidade regulamentar o direito de acesso. Contudo, as principais diretrizes do Projeto de Lei que se converteu na Lei nº 12.527 (Lei de Acesso) foram discutidas e propostas em uma disputa que ocorreu principalmente na burocracia do Poder Executivo Federal.

Essa discussão começou no ano de 2004, a partir do Projeto de Lei no 219/2003, de autoria do deputado mineiro Reginaldo Lopes, que buscou adesão da Controladoria- Geral da União (CGU) para que esta viabilizasse seu projeto no Congresso Nacional. Entretanto, desde então se iniciou uma discussão intragovernamental, que culminou na revisão da legislação e na criação de um projeto de lei do Poder Executivo federal, o qual foi aprovado nos últimos anos pelo Congresso, transformando-se na, então, na nova Lei de Acesso brasileira.

Tal discussão ficou, inicialmente, limitada à Controladoria-Geral da União, primeiro no Gabinete do Ministro e, em seguida, no Conselho da Transparência Pública e Combate à Corrupção, órgão paritário ligado à CGU, com representantes tanto do governo como da sociedade civil. Nesse Conselho o anteprojeto foi vastamente discutido, aumentado e aprimorado, quando então foi levado para a Casa Civil.

Posteriormente, o Ministério da Justiça brasileiro apresentou uma nova versão de anteprojeto de Lei de Acesso à Informação, com o desígnio de aglomerar toda a legislação vigente sobre arquivos e sobre documentos sigilosos. Foram esses dois anteprojetos que passaram a ser estudados pela Casa Civil e Presidência da República com a finalidade de elaborar o Projeto de Lei de Acesso à Informação do Poder Executivo Federal.

De 2006 a 2007, iniciou-se, então, uma intensa discussão coordenada pela Casa Civil, que criou, informalmente, um grupo de técnicos de diversos órgãos do Executivo federal para debater as propostas de criação de uma lei para regulamentar o direito de acesso à informação no Brasil. A CGU, o Ministério da Justiça, o Ministério da Defesa, o Ministério das Relações Exteriores, entre outros, foram chamados para integrar esse grupo, que foi incumbido de fazer uma minuta de projeto de lei sobre acesso à informação.

A redação final do Projeto de Lei de Acesso foi de responsabilidade da Casa Civil, que arbitrou algumas disputas internas entre os envolvidos e formatou a versão final do Projeto de Lei. Esse Projeto foi enviado, em maio de 2009, ao Congresso Nacional.

Na Câmara dos Deputados, a iniciativa do Executivo tramitou na forma do Projeto de Lei nº 5.228/2009. Na Câmara, o projeto de lei citado recebeu as principais modificações, na forma de um substitutivo ao Projeto de Lei enviado pelo Poder Executivo.

A Comissão Especial de Acesso a Informações da Câmara dos Deputados aprovou o Substitutivo apresentado pelo deputado Mendes Júnior. De modo geral, as principais inovações desse projeto dizem respeito ao escopo da legislação, à possibilidade de prorrogações de sigilo e ao processo de revisão das decisões administrativas denegatórias de acesso.

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O Projeto de Lei no 5.228/2009 já estabelecia obrigações a todos os órgãos e entidades públicas, deixando subentendida sua aplicação ao Poder Executivo, Legislativo e Judiciário dos três entes federativos. O Substitutivo torna esse entendimento expresso e detalha que os órgãos e entidades públicas estão sujeitos à aplicação da Lei.

O Substitutivo deixa claro que a Lei estipula normas gerais a serem observadas pela União, estados e municípios, dispondo, ainda, sobre a necessidade de os estados, Distrito Federal e municípios disciplinarem em legislação própria o funcionamento do serviço de informações ao cidadão (Artigo 9º) e o procedimento de recurso, no caso de indeferimento de acesso às informações ou às negativas de acesso (Seção II do Capítulo III).

Alteração significativa realizada pelo Substitutivo é a restrição imposta à atribuição da Comissão de Reavaliação de prorrogar o prazo de sigilo de informações classificadas como ultrassecretas no caso de ameaça externa à soberania nacional ou à integridade do território nacional, ou grave risco às relações internacionais do país. O Projeto de Lei original nº 5.228/2009 deixava essa possibilidade de prorrogação em aberto, ou seja, não fixava número máximo de prorrogações. O Substitutivo, por sua vez, determina que a prerrogativa da Comissão de Reavaliação fosse limitada a uma única renovação, evitando, assim, prorrogações sucessivas, que valorizariam o segredo em detrimento do princípio da ampla publicidade.

Por fim, o Substitutivo estabelece que os procedimentos de revisão de decisões denegatórias serão objeto de regulamentação própria no Poder Legislativo, no Poder Judiciário e no Ministério Público, assegurado ao solicitante, em qualquer caso, o direito de ser informado sobre o andamento de seu pedido. Os órgãos do Poder Judiciário e do Ministério Público deverão informar ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho Nacional do Ministério Público, respectivamente, as decisões que, em grau de recurso, negarem acesso a informações de interesse público.

Além das mudanças com relação aos órgãos afetados pela Lei, ao tempo de guarda dos documentos sigilosos e ao encaminhamento dos recursos administrativos, também foram feitas alterações nos dispositivos que tratam da utilização da Internet para a divulgação de informações; das autoridades competentes para a classificação de documentos sigilosos; da lista de documentos sigilosos; da revisão periódica dos documentos sigilosos e do prazo para a vacatio legis.

Terminada a tramitação na Câmara dos Deputados, com a aprovação das modificações inseridas pelo Substitutivo, o Projeto de Lei seguiu para o Senado Federal, onde tramitou com o número 41/2010. No Senado, passadas diversas comissões, veio à tona a discussão a respeito das informações sigilosas, e a possibilidade de renovação dos seus prazos máximos de guarda foi posta em outro Substitutivo, apresentado pelo senador Collor de Mello na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. As principais mudanças propostas relacionadas às informações sigilosas pretendiam que a classificação das informações voltaria a ter quatro níveis, conforme estava previsto na legislação vigente à época. Também foi proposta a renovação dos prazos de guarda de documentos, que poderiam, nos termos do Substitutivo do Senado, ser prorrogados por tempo indeterminado, sempre que “imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”; e a ampliação do rol de autoridades responsáveis pela classificação.

Todas essas propostas de modificações, importantes e substanciais, fizeram com que o texto do Projeto de Lei de Acesso ficasse tramitando no Senado por mais de dois anos. Mas, ao final, as propostas feitas por meio do Substitutivo do Senado foram rejeitadas e seguiu para sanção presidencial o texto do Substitutivo construído na Câmara dos Deputados. Essa demora, contudo, significou maior tempo de maturação do texto normativo. É importante ressaltar que existiram de fato análise e debate democrático sobre o acesso à informação. As ideias foram postas e os pontos de vista, amplamente debatidos.

O que importa ressaltar, para fins deste trabalho, é que o texto final da Lei de Acesso à Informação brasileira finalmente reuniu em um só diploma as principais disposições sobre o direito de acesso.

Outro fato relevante é que grande parte do texto publicado da Lei de Acesso permaneceu fiel ao texto escrito inicialmente no âmbito interno da burocracia de Estado. Os desafios da burocracia para a implementação desta Lei, em grande parte, foram postos por seus próprios representantes.

Em novembro de 2011, foram sancionadas duas leis que, conjuntamente, representam um marco na recente democracia brasileira. Enquanto a Lei nº. 12.527, chamada Lei de Acesso à Informação, estabeleceu os procedimentos para o acesso às informações públicas, a Lei nº. 12.528 instituiu a Comissão Nacional da Verdade, com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8º do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias. Essa ultima lei não é objeto do presente estudo, por isso não será detalhada.

A Lei de Acesso a Informação é uma importante conquista no processo árduo de construção de uma democracia participativa, rompendo com a cultura do sigilo, que torna o conhecimento privilégio de poucos, pautado em uma suposta imaturidade ou despreparo do cidadão para o exercício de seus direitos.

3          LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO

A Lei nº. 12.527 foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff em 18 de novembro de 2011 e entrou em vigor apenas em 16 de maio de 2012. Não há dúvida quanto à importância dessa lei para a democracia e efetivação da transparência pública, pois é a partir dela que qualquer cidadão poderá solicitar acesso às informações detidas pelo Estado, desde que não sejam classificadas como sigilosas, conforme procedimento que observará as regras, prazos, instrumentos de controle e recursos previstos na referida Lei.

Essa Lei regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37, e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências.

A Lei abrange os órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, incluindo as Cortes de Contas e o Ministério Público, bem como as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. As disposições são aplicadas, no que couber, às entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para realização de ações de interesse público, recursos públicos diretamente do orçamento ou mediante subvenções sociais, contrato de gestão, termo de parceria, convênios, acordo, ajustes ou outros instrumentos congêneres[8].

Na mencionada Lei está expressamente insculpido, entre os princípios básicos da administração pública, o princípio da publicidade máxima e da transparência.[9] A publicidade tem que ser observada como preceito geral e o sigilo como exceção. Por tal princípio, quando não for possível acesso integral à informação, fica assegurado acesso à parte da informação que não for sigilosa. Igualmente, é direito do cidadão ser orientado sobre os procedimentos de consecução do acesso, bem como o local onde poderá ser encontrada ou obtida a informação.

Também foi colocado como diretriz o princípio da abertura de dados, um estímulo à disponibilização em formato aberto. Esso é uma novidade no ordenamento pátrio e está disposto no art. 8º, §2º e §3º, incisos II e III da Lei de Acesso:

Art. 8º - É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas. (...)

§ 2º - Para cumprimento do disposto no caput, os órgãos e entidades públicas deverão utilizar todos os meios e instrumentos legítimos de que dispuserem, sendo obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet).

§ 3º - Os sítios de que trata o § 2o deverão, na forma de regulamento, atender, entre outros, aos seguintes requisitos:

II - possibilitar a gravação de relatórios em diversos formatos eletrônicos, inclusive abertos e não proprietários, tais como planilhas e texto, de modo a facilitar a análise das informações;

III - possibilitar o acesso automatizado por sistemas externos em formatos abertos, estruturados e legíveis por máquina; (...)

Percebe-se, da leitura de tais dispositivos, que os órgãos públicos não devem permanecer inertes a espera de requerimento de informação pela população. O Estado deve ser proativo quanto à divulgação de informações. Assim, são resguardadas pela Lei duas formas de transparência: a transparência ativa, aquela que cabe ao próprio ente público prestá-la, e a transparência passiva, que consiste no pedido de informação efetuado pelo cidadão.

Na transparência ativa o Estado deve divulgar conteúdos mínimos, tais como estrutura organizacional, endereços, horários e locais de atendimento ao público, despesas, repasses e transferências de recursos financeiros, procedimentos licitatórios, contratos celebrados, dados sobre programas, ações, projetos, obras, e respostas às perguntas mais frequentes da sociedade. Já na transparência passiva[10] o pedido de informação dispensa justificação, necessitando exclusivamente haver a especificação do pedido e conter a identidade do interessado. A resposta deve ser oferecida no prazo máximo de vinte dias, prorrogáveis por mais dez mediante justificativa expressa e ciência ao solicitante.

O acesso às informações é gratuito, porém, poderá ser cobrada a quantia correspondente, somente, ao valor despendido para a reprodução dos documentos que serão fornecidos. Os que declararem, nos termos da lei, não dispor de recursos financeiros suficientes para arcar com os custos mencionados, sem prejuízo de sua própria subsistência ou de sua família, estará isento de ressarcir os custos despendidos com as cópias[11]. Uma crítica ao artigo 12 da Lei de Acesso é o fato de não ter disciplinado sobre a isenção ou redução das taxas na hipótese das informações requeridas serem de interesse público, pois tal previsão viabilizaria a disseminação das informações de forma ampla.

Indeferido o acesso à informação, cabe recurso da decisão no prazo de dez dias. Tal recurso deverá ser dirigido à autoridade hierarquicamente superior que proferiu a decisão denegatória, que deverá se manifestar no prazo de cinco dias[12]. Negado o acesso à informação pelos órgãos ou entidades do Poder Executivo Federal, o requerente poderá recorrer à Controladoria-Geral da União, que deliberará no prazo de cinco dias se o aceso negado for sobre informações não sigilosas, se a decisão denegatória não indica autoridade superior a quem possa ser encaminhado o recurso, e se houver descumprimento de prazos e procedimentos de classificação, tudo isso conforme reza o artigo 16 da Lei. Ademais, negado o acesso à informação pela Controladoria-Geral da União, poderá ser interposto recurso à chamada Comissão Mista de Reavaliação de Informações.[13]

A Lei nº 12.527 garante como regra o direito de acesso à informação que está em posse do poder público. Entretanto, existem algumas informações que disponibilizadas para pessoas erradas, podem colocar em risco a segurança do Estado e da sociedade como um todo, estando estas, então, sujeitas à restrição quanto ao seu acesso. É o caso do sigilo de justiça, segredos industriais e as informações pessoais que dizem respeito à intimidade, a vida privada, honra e imagem. Documentos e informações sobre condutas que impliquem a violação de direitos humanos praticada por ou a mando de agentes públicos não podem ser objeto de restrição de acesso.

Além disso, por serem consideradas imprescindíveis à segurança do Estado, também são restritas às informações que podem pôr em risco a defesa e a soberania nacionais e planos ou operações estratégicos das Forças Armadas; que possam prejudicar a condução de negociações ou as relações internacionais do país, se as informações foram fornecidas em caráter sigiloso por outros estados e organismos internacionais; pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde de terceiros; oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do país; prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico; pôr em risco a segurança de instituições ou altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares, e comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento. [14]

Com base no grau de sigilo e prazo máximo de restrição, as informações passaram a ser classificadas em ultrassecretas, secretas e reservadas, abolindo-se a classificação “sigilosa” que vigorava anteriormente à Lei. Assim, as informações ultrassecretas, secretas e reservadas tem prazo de sigilo de, respectivamente, 25, 15 e 5 anos. Transcorridos tais prazos, renovável apenas uma vez, a informação tornar-se-á, automaticamente, de acesso público. Para a classificação, deve-se considerar o interesse público, a gravidade do dano à segurança da sociedade e do Estado e o prazo máximo de restrição, utilizando o critério menos restritivo possível. [15]

Existem ainda as informações que possam colocar em risco a segurança do Presidente e Vice-Presidente da República e respectivos cônjuges e filhos, as quais são classificadas como reservadas e ficarão sob sigilo até o término do mandato em exercício ou do último mandato, em caso de reeleição, ou seja, pelo prazo máximo de 08 anos.

Cada uma dessas hierarquias de informação somente pode ser classificada por autoridade específica e, sinteticamente, quanto mais sigilosa a informação for, maior será o nível hierárquico da autoridade competente para classificá-la. Acerca de quem poderá realizar a classificação da informação quanto ao grau de sigilo, a lei só detalha as autoridades que podem fazê-lo no âmbito da administração pública federal. Assim, na União, toda classificação deve ser formalizada em uma decisão que contém o assunto sobre o qual versa a informação, os fundamentos da classificação, o prazo de sigilo e a identificação da autoridade. Essa decisão é mantida no mesmo grau de sigilo da informação classificada. Um agente público que classificar informação como ultrassecreta deverá encaminhar essa decisão à Comissão Mista de Reavaliação de Informações. [16]

A classificação das informações será reavaliada pela autoridade classificadora ou por autoridade hierarquicamente superior, mediante provocação ou de ofício, nos termos e prazos previstos em regulamento, com vistas à sua desclassificação ou à redução do prazo de sigilo, conforme preceitua o artigo 29 da Lei de Acesso.

À luz do artigo 16 da estudada lei, não poderá ser negado o acesso à informação necessária à tutela judicial ou administrativa de direitos fundamentais. Assim, as informações ou documentos que versem sobre condutas que impliquem violação dos direitos humanos, praticada por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas, não poderão ser objeto de restrição de acesso.

Ressalte-se que de nada valeria o direito de acesso à informação, se não fosse garantida, de alguma forma, sua plena eficácia, em termos práticos. Por esse motivo a Lei prevê, em seu artigo 32, uma série de condutas que poderão ensejar responsabilidade do agente público. O agente público ou militar que se recusar a fornecer informações solicitadas, retardar o acesso a elas ou fornecer dados incorretos deliberadamente, agir com dolo ou má-fé na análise das solicitações de acesso à informação e impor sigilo à informação para obter proveito pessoal ou de terceiro comete infração administrativa, e poderá ser punido com, no mínimo, uma suspensão. Se for o caso, o agente público também poderá responder a processo por improbidade administrativa. O agente público que divulgar, acessar ou permitir acesso indevido documentos considerados sigilosos sem autorização também é passível de punição.[17]

De acordo com o art. 34 da lei, os órgãos e entidades públicas respondem diretamente pelos danos causados em decorrência da divulgação não autorizada ou utilização indevida de informações sigilosas ou informações pessoais, cabendo à apuração de responsabilidade funcional nos casos de dolo ou culpa, assegurado o respectivo direito de regresso.

Como visto, a nova Lei de Acesso à Informação procurou compilar todo o conteúdo que protegia o direito de acesso à informação e, concretamente, resguardou e ampliou o referido direito, traçando normas não somente no sentido de proteger o direito de informar e ser de informado, mas também determinando o poder-dever estatal de divulgar tais informações, a despeito de qualquer provocação, como meio de promover a transparência da gestão da coisa pública, assim como a incumbência de organizar, acondicionar, zelar e disponibilizar o patrimônio arquivístico de maneira a propiciar para todos o amplo acesso ao acervo documental público.

Outrossim, ficou claro que o Estado deve, através de procedimentos ágeis, pontuais, transparentes e inteligíveis, franquear o acesso à informação ao cidadão que tenha interesse. Apesar dos órgãos públicos não estarem obrigados a fornecer qualquer informação solicitada pelos cidadãos, a Lei deixou evidente que, nesses casos de negação, incumbe a esses órgãos, impreterivelmente, fundamentar por escrito, o motivo pelo qual não puderam fornecê-las. Caso o funcionário público tenha negado o direito de acesso a uma informação sem justificativa, será submetido a processo administrativo e poderá vir a ser punido na forma da lei.

Também é dever da entidade pública designar uma autoridade interna para assegurar o cumprimento da Lei de Acesso à Informação, monitorar sua implementação, recomendar medidas de aperfeiçoamento e procedimentos e orientar suas unidades sobre o disposto na legislação. O Estado ainda deve nomear um órgão da administração responsável por organizar uma campanha nacional de fomento à cultura da transparência e conscientização do direito fundamental de acesso à informação, responsável pelo treinamento de agentes públicos, pelo monitoramento da aplicação da lei, e por informar anualmente o Congresso Nacional sobre a implementação da lei. Nesta questão destaca-se o desempenho da Controladoria-Geral da União, que vem desenvolvendo uma cadeia de palestras, seminários e orientações aos ministérios para a efetiva concretização da Lei.

4          CONCLUSÃO

Com a publicação dessa Lei o governo brasileiro está amortizando um débito de mais de 20 anos do Brasil com a sua população e, ao mesmo tempo, está cumprindo os ajustes assumidos perante a comunidade internacional, já que o Brasil é signatário de convenções e tratados que prevêem o direito de acesso. Dessa forma, percebe-se que o Brasil, com o advento da Lei nº 12.527, adotou todas as diretrizes do regime internacional quanto à proteção do direito de acesso, às garantias procedimentais, o dever de publicar, as exceções, os recursos, as sanções e proteções, e as medidas de promoção. Ademais, essa Lei de Acesso à Informação revela-se mais adequada ao Estado Democrático de Direito e aos fundamentos constitucionais da cidadania e dignidade da pessoa humana.

Há de se abandonar a cultura do segredo que prevalece na gestão pública para conscientizar a população de que a informação pública pertence ao cidadão e cabe ao Estado provê-la de forma tempestiva e compreensível a atender eficazmente às demandas da sociedade.

Essa Lei significa um importante passo para a consolidação democrática do Brasil e também para o sucesso das ações de prevenção da corrupção no país. Por tornar possível uma maior participação popular e o controle social das ações governamentais, o acesso da sociedade às informações públicas permite que ocorra uma melhoria na gestão pública. Assim, não se pode negar que o presente tema é demasiadamente relevante no âmbito nacional, sendo um marco para a democracia do país.

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[1] Artigo 5º, XXXIII, CF/88 – “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;”

[2] Artigo 37 CF/88 - “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...).”

[3] Artigo 216, §2º, CF/88 - “Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.”

[4] Artigo 37, §3º, II, CF/88 - “A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: (...) II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII;”

[5] RODRIGUES, Vanessa Andrade. Direito Fundamental de Acesso a Informações Públicas: análise do direito comparado e da lei nº 12.527/2011. v.1, nº 1. Instituto Brasiliense de Direito Público, 2012, p.16.

[6] Artigo 19. Acesso à informação e controle social das políticas públicas. Brasília: ANDI/artigo 19, 2009, p. 63.

[7] Artigo 19. Acesso à informação e controle social das políticas públicas. Brasília: ANDI/artigo 19, 2009, p. 35-42.

[8] Art. 2º da Lei nº 12.527/2011.

[9] Idem, art. 3º, I e IV.

[10] Idem, art. 10 a 14.

[11] Idem, art. 12.

[12] Idem, art. 15.

[13] Idem, art. 16.

[14] Idem, art. 23.

[15] Idem, art. 24.

[16] Idem, art. 26,28 e 29.

[17] Idem, art. 32.

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Sobre a autora
Sammara Costa Pinheiro Guerra de Araújo

Professora Substituta da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte - UERN. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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