Processo Civilizatório

11/02/2015 às 10:18
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A institucionalização do direito

~~ O Processo Civilizatório tem inúmeras implicações; todavia, pode-se entender de modo simplificado que se trata da gradual substituição de todas as formas de violência pela utilização sistemática e institucional das regras do direito. Como fundamento deste pressuposto há o Direito de Autodeterminação dos Povos, como direito elementar. Dele decorre o Princípio da Tolerância (ou Multiculturalismo). Historicamente, a combinação dos dois eleva o padrão de qualidade do processo civilizatório.
Por autodeterminação, entenda-se que – sem intervenção de outro país ou potência – o povo tem direito de afirmar suas tradições, seus direitos e assim compor seu modo de vida. Têm-se, inclusive, o direito de revolução, ou seja, de sedição contra a potência invasora – a Guerra da Argélia muçulmana, contra a França cristã, de 1954 a 1962, é um exemplo.  Esse princípio se concebeu em 1941, ano em que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha assinaram uma declaração para estabelecer diretrizes num mundo pós-guerra. Os países que faziam parte do bloco dos Aliados na Segunda Guerra Mundial assinaram a Carta do Atlântico (1942) e, em 1945, a Carta das Nações Unidas teve inserida em seu texto o direito de autodeterminação no âmbito do direito internacional e diplomático, ratificada por vinte e seis países.
Na Batalha de Argel, há outra luta civilizatória: o direito de sedição versus o instituto do Estado de Sítio. A luta pela descolonização argelina foi bem sucedida. Contudo, em nome do direito de autodeterminação (e mesmo do direito à vida), não se autoriza a prática do democídio, que significa a eliminação física ou política de uma parte do povo.
Os derrotados, sobretudo os civis, não podem ser dilacerados em praça pública. Contudo, vimos acontecer com mercenários dos EUA aprisionados no Iraque invadido. E, no pretérito, há uma imagem mais do que emblemática, chocante, da menina de nove anos incendiada pela bomba Napalm, no ataque estadunidense ao Vietnã. Não fujamos da constatação de que todos praticam, de forma ou de outra, o pior dos crimes de guerra, o desrespeito frontal ao ser humano.
Esta tensão entre “direitos” revela a necessidade de respeito e tolerância no interagir com essas mesmas culturas – para melhor compreendê-las como exercício da diversidade cultural – e mesmo que muitas vezes sejam bastante estranhas: pois, são “multi”, externas às nossas experiências. Por falar em experiências, estas nos trouxeram um Princípio Pedagógico a observar: Que em nome da preservação de uma cultura/etnia não se pratique o genocídio de outra. O Nazismo é o mais notório nesses casos, pela abrangência e crueldade de suas ações e ideologias.
Em nossos dias, tornou-se público nos diversos meios midiáticos um vídeo do soldado jordaniano queimado vivo pelo Estado Islâmico . Esse grupo radical floresceu com o assassinato de Saddam Hussein. Não há palavras que descrevam as cenas das chamas tomando o corpo humano, acompanhadas de um canto de louvor a Alá. Pelo horror das condutas que podemos observar há certeza de que as questões estão totalmente fora do lugar. São muitas as frentes que sustentam o multiculturalismo, mas as sanguinárias práticas em sua defesa não o justificam: tiroteios premeditados “ideologicamente” como ocorrido no pasquim Charlie Hebdo, na França; meninas cristãs são violentadas pelo Boko Haram na Nigéria; jovens e soldados capturados são barbarizados e mortos, por não se converterem ao fanatismo do grupo religioso/militar. A propósito, o Boko Haram nigeriano tomou à frente desta cruzada com o minimalismo imposto ao Talebã. No entanto, é muito pior do que Saladino no enfrentamento aos cristãos durante as Cruzadas do século XII. Temos, em todos os casos, uma revogação tácita do Princípio da não-retroação civilizatória.
Os grupos radicais, em geral, têm em comum o desprezo absoluto pelo direito e pela educação – por considerá-los patrimônio ocidental. O que é um grave erro histórico que acompanha a desconsideração pelas tradições culturais do próprio Islã. Saladino - chefe militar curdo muçulmano, e sultão do Egito e da Síria - ordenaria a decapitação de quem sequer encostasse em crianças. O Alcorão traz o Direito, assim como o Oriente legou o empenho pela Tecnologia – a exemplo da manivela “Cramk”, modelo do virabrequim. Os gregos revelaram disciplinas como o Direito, a Cultura, a Filosofia.
A negação dos pressupostos, da história e da ontologia, é feita aqui e acolá, tanto no Oriente quanto no Ocidente. O fascismo daqui e o messianismo de lá são iguais em tudo. E é passada a hora de não mais confundirmos direito de autoafirmação dos povos com retrocesso de padrões do processo civilizatório! Contra o barbarismo, seja qual for, deve-se aplicar a intolerância positiva. Especialmente, porque atende pelo mesmo princípio que disciplina a educação infantil; e que implica em não se revoltar toda vez que estiver diante do NÃO.
Vinício Carrilho Martinez
Professor da Universidade Federal de São Carlos

Antenor Alves Silva
Técnico em Assuntos Educacionais na Fundação Universidade Federal de Rondônia. Mestre em Geografia pela Fundação Universidade Federal de Rondônia. Foi sargento de infantaria no 23° Batalhão
de Caçadores - Comando de Fronteira Roraima/7° Batalhão de Infantaria de Selva.

 Layde Lana Borges da Silva
Mestre. Professora do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Rondônia e do Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar do Estado de Rondônia.

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Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

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