A efetivação do direito a alimentos como direito fundamental

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A presente pesquisa científica tem por objetivo geral desenvolver um estudo crítico acerca da efetividade do direito a alimentos em uma perspectiva na qual sobrepõem-se princípios constitucionais como o direito à alimentos constitucionalmente reconhecidos

Sumário: 1. Introdução. 2. Fundamentos jurídicos do dever alimentar. 3. Procedimentos da execução de prestação alimentícia. 4. Meios de efetivação da prestação de alimentos. 5. Utilização do FGTS como meio de efetivação da prestação alimentícia. 6. Direito a alimentos como direito fundamental líquido, certo e exigível. 7. Denunciação da lide ao Estado nas ações de investigação de paternidade cumulada com pedido de alimentos. 8. Conclusão. 9. Referências bibliográficas.

1 – Introdução

       A Constituição Brasileira de 1988, chamada também de “Constituição Cidadã”, trouxe alterações significativas para a democracia brasileira. Com a institucionalização do modelo de Estado Democrático de Direito, os parâmetros de tratamento dos direitos e das garantias dos indivíduos foram modificados. O Estado passa a estabelecer por meio de uma cognição constitucional “em que o direito democrático se enuncia por uma autopermissão de fiscalidade processual” (LEAL, 2005, p. 24), a afirmação de valores fundamentais da pessoa humana. Na Sociedade Democrática de Direito, o cidadão busca assegurar que as garantias (ampla defesa, contraditório, isonomia, atuação do advogado) e os direitos fundamentais (direito à vida, à sobrevivência digna) constitucionalizados sejam observados e aplicados pelo Estado, haja vista que na democracia a tutela dos direitos fundamentais é a base para sua sustentação, face às novas demanda e realidade sociais.      

       A presente pesquisa científica tem por objetivo geral desenvolver um estudo crítico acerca da efetividade do direito a alimentos em uma perspectiva na qual sobrepõem-se princípios constitucionais como o direito à vida que abrange, dentre outros direitos, o de ter uma vida digna.

       Especificamente, pretende-se discutir o direito a alimentos como um direito fundamental certo, tendo em vista que já está prescrito na norma constitucional com aplicação imediata (art. 5º § 1º da CRFB/88), e “exigível” (LEAL, 2005, p. 25-26), conquanto no nosso ordenamento constitucional é determinado que deve ser garantido a todos as necessidades vitais básicas do ser humano e proibido qualquer tratamento indigno.

       A escolha do presente tema tem por justificativa a importância da supremacia constitucional, no sentido de exercer uma função de irradiação sobre o Direito. Entendemos que essa função pode materializar-se através da chamada hermenêutica constitucional, por meio do devido processo, a fim de que o destinatário da lei no caso concreto possa participar da construção do significado, validade e legitimidade do texto legal (PEREIRA, 2001, p. 121).

       O que se propõe nessas breves considerações, portanto, é demonstrar os fundamentos jurídicos constitucionais e infraconstitucionais permitidos pela nossa legislação, no que se refere ao dever alimentar e os procedimentos disponíveis para que se proceda a execução. Para os meios de efetivação de alimentos, procuramos demonstrar a forma de utilização dos novos estatutos processuais, introduzidos em nosso ordenamento jurídico infraconstitucional pela chamada “mini-reforma processual civil”, tendo em vista a busca de uma tutela jurisdicional célere, justa e humana. Procuramos, sobretudo, demonstrar que mesmo não havendo previsão legal no nosso ordenamento jurídico, ser possível do ponto de vista da hermenêutica constitucional fazer interpretação extensiva do caso concreto para a efetivação dos direitos fundamentais. Nesse contexto, oportuno levantarmos o seguinte questionamento: seria adequado buscar-se a efetividade dos direitos fundamentais por meio do princípio de ponderação de valores?

       Para a delimitação e reflexão deste tema-problema utilizamos o método dedutivo, e empenhamos uma pesquisa bibliográfica nos ramos de conhecimento do Direito Constitucional, Direito Civil e do Direito Processual Civil.

2 - Fundamentos jurídicos do dever alimentar

       A constituição Federal, em seu artigo 226, caput e parágrafos, reconhece a obrigação dos pais em relação aos filhos menores, sobretudo a de criar e educar. E conforme consta nos artigos 227 e 230 do mesmo ordenamento constitucional, a obrigação alimentar não deve ser promovida apenas pela família, mas também pelo Estado e a sociedade, conjuntamente, no sentido de assegurar à criança, ao adolescente e ao idoso o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, dentre outros. Podemos observar que estas formas de divisão de responsabilidade entre os entes mencionados são materializadas por meio do parentesco e o princípio da solidariedade que unem aqueles que fazem parte de um mesmo núcleo familiar. Segundo Klaus Günther “requer-se uma adoção recíproca de postura em cada situação concreta, a fim de descobrir quais necessidades, interesses e expectativas são relevantes” (2004, p. 222). 

       Entendemos que compete ao Estado, sobretudo, o dever maior nessa divisão de responsabilidades aos alimentos dos que dele necessitam, e tudo o que for necessário à manutenção digna da vida. Ele, o Estado, é o encarregado de promover o bem estar de todo o corpo social.

       Nos dizeres de Maria Berenice Dias:

Talvez se possa dizer que o primeiro direito fundamental do ser humano é o de sobreviver. E este, com certeza, é o maior compromisso do Estado: garantir a vida dos cidadãos. Assim, é o Estado o primeiro a ter a obrigação de prestar alimentos aos seus cidadãos e aos entes da família, na pessoa de cada um que a integra. O Estatuto do Idoso de modo expresso reconhece a obrigação estatal (EI 14), tanto que quantifica o valor de um salário mínimo àquele que tiver mais de 65 anos de idade se nem ele nem seus familiares possuírem meios de prover sua subsistência (EI 34). Mas infelizmente o Estado não tem condições de socorrer a todos, por isso transforma a solidariedade familiar em dever alimentar. Este é um dos principais efeitos que decorrem da relação de parentesco (2006, p. 405).   

       Conforme podemos depreender no artigo 2º do Código Civil de 2002, a obrigação de prestar alimentos ao filho surge antes mesmo do nascimento. O nascituro pode buscar alimentos, cuja capacidade postulatória se dá através de sua gestante. A lei resguarda seus direitos desde a concepção, conforme define o artigo citado: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. A título de alimentos, inclui-se a subsistência da genitora e as despesas com o parto. O genitor negando-se a reconhecer o filho (a), contudo sabendo da paternidade, ao restar comprovado sua condição paterna há a possibilidade de a obrigação alimentar retroagir à data da concepção.              

       No artigo 1696 do mesmo texto infraconstitucional, a obrigação alimentar está representada de forma mais ampla. Não está vinculada ao poder familiar, mas à relação de parentesco. Conforme preceitua esse artigo, o dever de alimentar “é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”. Ou seja, os ascendentes e os colaterais, os cônjuges e companheiros, e bem assim os descendentes maiores e capazes que já se encontram fora do poder parental, mantêm entre si uma obrigação alimentar que, sem impor maiores sacrifícios, é direito atrelado à assistência que respeita os limites das forças dos recursos do alimentante. Em simetria com a realidade jurídica sobre a matéria, a interpretação do texto contido no artigo 1694 do Código Civil indica devam ser aplicados à obrigação alimentar decorrente da dissolução da união estável os mesmos princípios e regras, aproveitadas as características e efeitos do encargo que resulta da dissolução do matrimônio.     

       No que diz respeito aos filhos destituídos do poder familiar por terem alcançado aos dezoito anos a sua maioridade civil, não mais prevalece presunção de necessidade alimentícia, como entre os demais parentes ascendentes ou colaterais, cônjuges e companheiros, entre os quais é preciso demonstrar a necessidade alimentar. Acaso presente, irá emanar um direito limitado de alimentos, observado pelo artigo 1.697 do Código Civil, cuja redação diz que “na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como colaterais”.           

       O alimentado, conforme o enunciado acima, deverá pleitear alimentos, em um primeiro momento, aos parentes em linha reta, ou seja, ao pai ou à mãe. A obrigação dos avós maternos é subsidiária e complementar e após esgotadas as possibilidades de recebimento dos pais. A obrigação é transmitida, também, aos parentes em grau imediato mais próximo. Portanto, o parentesco pode ocorrer tanto em linha reta como em linha colateral ou transversal. Significa dizer que são parentes aqueles que estão uns para os outros na relação de ascendência ou descendência, como também aqueles que provêm de um só tronco, sem descenderem uns dos outros.  

       Procura-se, com isso, demonstrar que o princípio da solidariedade deve destacar-se como um dos valores que une os membros do agrupamento familiar, impondo aos mesmos o dever recíproco de ajuda, cujo reconhecimento os induz a se sentirem responsáveis uns pelos outros, interessando-se todos pela sorte de cada um.

       Segundo José Jairo Gomes:

A solidariedade constitui valor moral básico. Sua origem é sentimental, e não racional. Encontra-se presente no mundo sócio-cultural e, conseguintemente, no sistema jurídico. Na verdade, sob três ângulos distintos pode-se visualizá-la. Primeiramente, ela pode ser vislumbrada como sentimento humano manifestado quando do relacionamento interpessoal; nesse nível, afloram o afeto e o cuidado para com o semelhante, além dos sentimentos de amor e amizade. De outra parte, a solidariedade adquire forte significado na seara Moral ao se objetivar como idéia. Aqui, ela se apresenta como preceito moral que transcende a subjetividade e, com isso, gera quadros sociais fundamentais para a interação humana em pequenas comunidades. Por fim, ela comparece em sociedades complexas, transcendendo sobremodo as dimensões anteriores para ser compreendida como valor inspirador da organização social e das instituições que a compõem (2007, p. 74).

       O Estatuto do Idoso, cujo dever alimentar está fundamentado nos artigos 11 ao 14, veio atender a uma determinação constitucional que veda discriminação em razão da idade, atribuindo à família, à sociedade e ao Estado o dever de amparar as pessoas idosas. Com relação ao artigo 14 do Estatuto acima citado, este dispõe que “se o idoso ou seus familiares não possuírem condições econômicas de prover o seu sustento, impõe-se ao Poder Público esse provimento, no âmbito da assistência social”.

       Diante disso, podemos nos perguntar: qual o âmbito da assistência social? Em outras palavras, quando é que o Poder Público terá ou não o dever de prestar assistência alimentar? São indagações cujas respostas podem ser buscadas na doutrina e jurisprudência.             

       A constituição Federal, em seu artigo 230, confere ao Estado, também, assegurar a participação dos idosos na comunidade, “defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”. Acaba o Estado, dessa forma, assumindo a obrigação alimentar em favor do idoso, mesmo que em caráter subsidiário e complementar.

       O Poder Público tem um outro dever, tão ou mais importante ao mencionado acima: proteção à criança e ao adolescente, cujo Estatuto lista uma série de direitos e deveres. Infelizmente, por falta de estrutura social e econômica, a legislação não é aplicada de forma satisfatória.      

       O Código Penal, em seu artigo 244, que trata do abandono material, tutela o organismo familiar buscando assegurar a subsistência e o amparo de seus membros. É um crime cuja consumação ocorre com a omissão de uma atividade legalmente exigida. Segundo Luiz Regis Prado “pune-se a não-realização de uma ação que o autor podia realizar na situação concreta em que se encontrava” (2001, p. 377-378).

       Como bem expressa o mesmo autor:

Os antecedentes mais remotos do delito de abandono material encontram-se no Vagrancy Act, promulgada na Inglaterra em 1824, que previa pena de prisão, de quatorze dias a um mês, ou multa de cinco libras àquele que deixasse de atender à subsistência da família com seu trabalho, e na contravenção penal insculpida no Código Penal alemão (§ 361, n. 5), concernente à necessidade de intervenção da autoridade pública e de terceiros para o provimento da subsistência das pessoas a quem o agente devia alimentos, se este se entregasse ao jogo, à bebida ou ao ócio (PRADO, 2001, p. 373-374).

      

       No Brasil, durante a monarquia e até o final da chamada República Velha, os diplomas penais não se ocuparam da matéria. “Somente em 1927, com o Código de Menores (Decreto-lei 17.943-A), foi criminalizado o abandono material e moral do menor de dezesseis e de dezoito anos, respectivamente” (PRADO, 2001, p. 374). O Código Penal vigente lista três figuras típicas do crime de abandono material, cuja pena corresponde de um a quatro anos de detenção. São elas: a) deixar, sem justa causa, de prover à subsistência do cônjuge, ou de filho menor de dezoito anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido, não lhes proporcionando os recursos necessários; b) faltar ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; c) deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente gravemente enfermos.

       A ação penal é pública incondicionada, ou seja, o Estado deve atuar independente de representação ou queixa por particular. Conforme dispõe Luiz Regis Prado “o Ministério Público é parte legítima para promover a ação penal pública” (2005, p. 279). A suspensão condicional do processo é admissível, em razão da pena mínima (igual a um ano) abstratamente prevista no artigo 89 da Lei 9.099/95 (Juizados Especiais Cíveis e Criminais Estaduais).

3 – Procedimentos da execução de prestação alimentícia

      

       A execução de alimentos está prevista tanto no Código de Processo Civil, nos artigos 732 a 735, como na Lei de Alimentos, Lei nº 5.478 de 1968 – artigos 16 a 19, que se complementam. No estatuto processual, no Capítulo V, Título II do Livro II, que trata “Do Processo de Execução”, nos seus artigos fala em execução de sentença ou decisão que fixa alimentos provisionais. A Lei de Alimentos, por sua vez, nos artigos já citados faz referência à execução da sentença ou do acordo nas ações de alimentos. Ambos os diplomas, pelas modalidades previstas, permitem a busca da execução alimentar. Em se tratando de alimentos, sejam eles naturais, civis, provisórios, provisionais ou definitivos; fixados em sede liminar ou incidental; por sentença sujeita a recurso ou transitada em julgado; ou estabelecidos por acordo, idênticas são as formas de cobrança, inexistindo óbice à execução por quaisquer dos meios executórios: desconto, expropriação ou coação pessoal.

       Ao propor a ação de alimentos, fazendo prova do vínculo de parentesco ou da obrigação alimentar, conforme estipulado no artigo 2º da Lei de Alimentos, o juiz estipula, desde logo, alimentos provisórios. Estes “são devidos até quando, eventualmente, venham a ser modificados no curso da demanda, pela sentença ou quando do julgamento do recurso” (DIAS, 2006, p. 439). Conquanto o crédito de natureza alimentar não deixar de ser uma dívida pecuniária, os alimentos não se equiparam às dívidas comuns. A falta de pagamento da prestação alimentar não ocasiona simplesmente diminuição patrimonial, mas sobretudo risco à própria sobrevivência do alimentando. Por isso a necessidade de meios eficazes para essa modalidade de execução, tendo a Lei 11.232/2005, que trata do cumprimento de sentença, trazido importantes e significativas alterações, cujos comentários abordaremos em breve.

4 – Meios de efetivação da prestação de alimentos

       Neste ponto, trataremos dos modos distintos pelos quais pode ocorrer a execução de prestação alimentícia. São eles o desconto em folha de pagamento, a cobrança em aluguéis ou outros rendimentos do devedor, a expropriação de bens do devedor e a coerção, esta na figura da prisão civil. O Código de Processo Civil não nos mostra nitidamente a ordem de escolha do modo de como se dará a execução de alimentos, conquanto os artigos 16 a 18 da Lei de Alimentos deixa clara a seqüência a ser adotada.

       Portanto, há uma gradação a ser seguida, devendo ser utilizados os meios mais drásticos, tais como prisão civil ou expropriação, em última hipótese. Entendemos, compartilhando da opinião que tem prevalecido, ser a forma mais sensata para que seja cumprida referida execução.        

       Nos dizeres de Luiz Rodrigues Wambier:

Assim, dispõe o art. 16 da Lei de Alimentos, ao fazer expressa remissão ao art. 734 e seu parágrafo único, do CPC, que o modo preferencial será o desconto em folha de pagamento. O art. 17, ao mencionar que, “quando não for possível a efetivação executiva da sentença ou do acordo mediante desconto em folha”, dever-se-á lançar mão de aluguéis ou outros rendimentos do devedor, mostra que essa modalidade não deve ser primeiramente tentada. E, finalmente, na hipótese de se mostrarem infrutíferos os meios anteriores, somente então (o art. 18 expressa: “se, ainda assim, não for possível a satisfação do débito”), como última possibilidade, poderá ocorrer a expropriação (arts. 732 e 735) ou a coerção (art. 733) (2006, p. 375).

       Tendo em primeiro lugar o desconto em folha de pagamento meio mais simples e ágil de cobrança, haja vista que há retenção dos alimentos diretamente da remuneração do executado, essa gradação faz com que as necessidades do credor sejam atendidas de forma mais célere. O devedor também recebe certa condescendência da lei, porquanto terá sua prisão decretada apenas em última hipótese.

       O desconto em folha de pagamento é a forma mais eficaz para a satisfação da obrigação alimentar, e está regulada pelo artigo 734 do Código de Processo Civil. Podemos dizer que se trata de uma espécie de penhora sobre dinheiro, e é uma exceção à regra da impenhorabilidade de salários. Refere-se somente a alimentos futuros sendo, portanto, inaplicável quando se trata de hipótese de alimentos pretéritos inadimplidos. Estes submetem-se às regras da execução por quantia certa contra devedor solvente, e a cobrança não pode ser feita através do desconto, embora ser materialmente viável.

       Segundo Maria Berenice Dias:

Não só as parcelas mensais podem ser abatidas dos ganhos do alimentante – também o débito executado pode ser descontado, em parcelas que não comprometam a sobrevivência do devedor. Ainda que tenha o demandado bens para garantir a execução, é possível o pagamento mediante desconto em folha, de modo parcelado. Essa modalidade não é mais gravosa ao devedor (CPC 620) e atende, com vantagens, à necessidade do alimentado, não se justificando que aguarde a alienação de bens em hasta pública para receber o crédito (2006, p. 447-448).        

       É necessário simples requerimento ao juízo na demanda em que foi estipulada a obrigação de alimentos. Se a ação estiver em andamento, a obrigação de prestação alimentícia diz respeito aos provisórios. Os alimentos serão definitivos se a demanda já estiver ultimada. Conforme o parágrafo único do artigo 734 do Código de Processo Civil, a cobrança será ordenada pelo juiz, cujo ofício será endereçado àquele que tem a obrigação de pagar o rendimento ao alimentante, este sendo o devedor de alimentos. No ofício, e não certidão ou mandado, deve conter os nomes do credor e do devedor, a importância a ser descontada e o tempo de sua duração. Ao receber o ofício, aquele que tem a obrigação de pagar ao alimentante deve (não é uma faculdade mas sim uma obrigação, sob pena de constituir crime contra a administração da justiça) deduzir o valor equivalente aos alimentos. A parcela da prestação alimentícia será entregue ao credor. Em geral, no ofício consta o número de conta, fornecido pelo credor, para que seja efetuado o depósito do valor a ser deduzido.

       O artigo 649 do diploma processual civil traz o rol de bens absolutamente impenhoráveis, recentemente alterado pela Lei 11.382/2006, entrando em vigor no início do ano de 2007. Conforme o parágrafo 2º do estatuto processual referido, a impenhorabilidade não tem proteção em face de pagamento de prestação alimentícia. Segundo Luiz Rodrigues Wambier “o projeto de Lei quebra o dogma da impenhorabilidade absoluta de todas as verbas de natureza alimentar” (2007, p. 93-94). Justifica-se posição adotada pelo legislador porque, normalmente, aqueles que dependem do pagamento do devedor para se alimentarem possuem, via de regra, maiores privações econômicas que aquele que terá seu salário penhorado. Sobretudo, as verbas alimentares estão profundamente ligadas à dignidade da pessoa humana.

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       Conforme defende Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:

Nosso sistema processual garante a impenhorabilidade dos salários, mas abre exceção para o caso de a dívida ter caráter alimentar. O credor de alimentos, portanto, pode postular ter acesso a verbas que compõem o salário, desde que tenha em mão título que evidencie a natureza alimentar da prestação (2006, p. 904).   

      

       A cobrança de aluguéis ou outros rendimentos do devedor, modo de execução previsto no artigo 17 da Lei de Alimentos, constitui outra espécie de penhora sobre dinheiro. O credor busca outros valores pecuniários pertencentes ao devedor, na eventualidade deste não receber salários ou outra contraprestação por trabalho.

       No que se refere à expropriação de bens do devedor, requer-se a execução por quantia certa para posterior arrematação. Antes de dar satisfação ao crédito do exequente, a justiça se apropria de bens do patrimônio do devedor e os transforma em dinheiro. Podem ser eventualmente, os próprios bens expropriados utilizados na solução do crédito exeqüendo por meio da adjudicação. É nesse sentido que o artigo 646 do CPC afirma que a “execução por quantia certa tem por objeto expropriar bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor”. Ao exposto se fundamenta no artigo 732 do CPC, que faz expressa remissão ao Capítulo IV, ou seja, ao artigo 646 e seguintes, cujas regras não foram alteradas pela Lei 11.232/2005, que instituiu o “cumprimento da sentença”.

       Nos dizeres de Humberto Theodoro Júnior:

Realizada a penhora dentro dos moldes previstos para a execução dos títulos extrajudiciais relativos a dívidas de dinheiro (Livro II), será segundo as mesmas regras que se procederá à expropriação dos bens penhorados e à satisfação do direito do exeqüente (art. 475-R) (2006, p.143).           

                                            

       Por fim, a coerção, que é a possibilidade de decretação de prisão do devedor que voluntariamente e de maneira inescusável deixa de quitar a pensão previamente estabelecida. Não é propriamente meio de execução, mas meio coercitivo que recai sobre o devedor de alimentos para forçá-lo ao adimplemento. Com a prisão em si mesma, não se obtém a satisfação do crédito alimentar. Visto que o ordenamento jurídico constitucional repudia a prisão por dívida (artigo 5º, inciso LXVII, CF), é sempre excepcional. A prisão civil é uma forma de pressão psicológica sobre o ânimo do devedor de alimentos, para que haja obrigação ao cumprimento da prestação, não tendo, entretanto, caráter punitivo. Não sendo, portanto, pena, apesar de no § 2º do artigo 733 do Código de Processo Civil constar essa expressão, conforme se transcreve: “§ 2º O cumprimento da pena não exime o devedor do pagamento das prestações vencidas e vincendas”.

       Com o novo regime de cumprimento de sentença que condena ao pagamento de quantia, dada pela Lei 11.232/2005, que introduziu os artigos 475-A a 475-R no CPC, não há mais necessidade de propor ação de execução pelo credor para que obtenha a satisfação do seu direito. Basta apenas que ele peticione para que o juiz, decorrido o prazo de 15 (quinze) dias para pagamento voluntário, sob pena de multa, determine a expedição do mandado de penhora e avaliação. Com esse pedido formulado nos próprios autos no qual foi proferida a sentença, o credor provoca o prosseguimento do procedimento, não precisando propor duas ações distintas, com duas citações, duas sentenças, duas apelações, e outros atos processuais que forem necessários. À essa nova modalidade, a doutrina deu o nome de “processo sincrético”. Vale ressaltar que a execução de sentença continua sendo processada como ação distinta contra o devedor de alimentos, quando este torna-se inadimplente a partir de 03 (três) prestações posteriores ao pagamento de pensão alimentícia, inclusive com autorização de prisão civil (artigo 732 do CPC e súmula 309 do Superior Tribunal de Justiça, alterada).      

       Diante de outra recente reforma processual, com a entrada em vigor da Lei 11.441/2007 que acrescentou o artigo 1.124-A no Código de Processo Civil, permitindo que a separação e o divórcio consensuais sejam realizados extrajudicialmente, por meio de escritura pública confeccionada em cartório de notas, desde que as partes sejam capazes e não possuem filhos menores ou incapazes, relevante tecermos alguns comentários ao que se refere à inadimplência do devedor da obrigação de pagar alimentos, estipulado em escritura pública. Seria possível a prisão civil do devedor de alimentos, frustrado o pagamento do débito em caso de inadimplemento diante da redação do artigo 732 do CPC, norma esta que não sofreu modificação?

       Conforme o caput do artigo 1.124-A do CPC, “A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizadas por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento”. Diante da leitura do dispositivo, podemos nos perguntar se na escritura pública o ex-casal, tendo o pai como hipótese mais comum, pode estabelecer a prestação de alimentos para os filhos. Nota-se que pela leitura do artigo “que se o casal possuir filhos menores, ou maiores incapazes, não poderá valer-se do dispositivo citado, estando, contudo, obrigado a recorrer ao Judiciário para obter a dissolução da sociedade conjugal” (WAMBIER, 2007, p.307). A questão proposta, portanto, refere-se à pensão devida a filhos maiores e capazes. Fundamentamo-nos ao que está sendo proposto, pelo fato de que uma primeira leitura da redação do caput leva à conclusão de que a expressão “pensão alimentícia” ali colocada seria aquela devida entre os ex-cônjuges e não àquela relativa ao parentesco à filiação. E ao inserir o tema pensão alimentar, o legislador deu margem para que a matéria pudesse dizer respeito também a filhos, pois, o direito a alimentos decorre também do parentesco, o que abrange a filiação, cujo fundamento pode ser encontrado no artigo 1.694 do Código Civil de 2002.

       O novo dispositivo não menciona “pensão alimentícia devida entre os cônjuges”, mas apenas “pensão alimentícia”. Não devemos interpretar o artigo de forma restritiva, porém, se o fizéssemos, acabaria por impedir que a norma alcançasse a sua finalidade social, haja vista que a intenção, pelo menos é o que imaginamos, da mudança apresentada é a de tornar mais flexível e célere não apenas a dissolução consensual da sociedade conjugal, mas de solucionar em um único ato quase todos os aspectos do vínculo ao qual está submetido o casal, incluindo o estabelecimento de deveres, e não somente dos direitos, dos separandos em relação aos filhos.

       Prosseguindo em nossa pretensão, podemos imaginar qual o caminho judicial que pode ser seguido pelo credor de alimentos diante da falta de pagamento de pensão. O direito a alimentos tanto pode ser do ex-cônjuge quanto do filho maior. Supondo que pactuados na escritura pública o valor da pensão a ser paga mensalmente, por exemplo, é de se perguntar que instrumentos processuais o ordenamento jurídico processual disponibiliza ao credor de alimentos tornando-se o devedor inadimplente. O credor não poderá, entendemos assim, propor ação de execução com fundamento no artigo 732 do Código de Processo Civil, tendo em vista que este dispositivo regula a execução de sentença, que é um título executivo judicial. Com base nesse artigo, é afastada a possibilidade de requerer, esgotadas as outras formas de obter o crédito alimentar, a prisão civil por dívida de alimentos.

       O caminho judicial que podemos apresentar seria o ajuizamento de ação de execução de título extrajudicial, com fundamento no artigo 580 do CPC, redação determinada pela Lei 11.382/2006, e artigo 646 do mesmo diploma processual civil, cujo procedimento já o demonstramos acima. O caput do artigo 580 diz que “A execução pode ser instaurada caso o devedor não satisfaça a obrigação certa, líquida e exigível, consubstanciada em título executivo”. Notemos que a Lei fala apenas em título executivo. Não menciona se o título é executivo judicial ou extrajudicial. Portanto, perfeitamente cabível a aplicação desse dispositivo não havendo qualquer impedimento legal para a execução do título executivo extrajudicial que fixasse alimentos. Conforme nos apresenta o dispositivo que cita a escritura pública: “art. 585. São títulos executivos extrajudiciais: II – a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor  por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores”.

       Voltando à questão proposta acima se seria possível a prisão do devedor de alimentos estipulado em escritura pública, podemos dizer que diante da redação do artigo 733, § 1º, do CPC, não poderia ser decretada a prisão civil do devedor de débito alimentar. O artigo é claro ao dispor que a prisão civil tem que se fundamentar em “execução de sentença ou de decisão que fixa os alimentos provisionais”. Portanto, a ação tem que ser proposta com base em título executivo judicial (sentença ou decisão que concedeu tutela de urgência). Logo, não se pode classificar a escritura pública como ato judicial, não sendo possível requerer a prisão do devedor fundamentando-se no artigo 733 do CPC. Mas, por outro lado, a CRFB no art. 5º, inciso LXVII, não restringe a prisão à situação em que a dívida está acertada em título judicial, estabelece apenas que haverá prisão civil por dívida do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentar, embora imponha, no art. 5º, inciso LIV, a necessidade de observância do devido processo legal para que alguém seja privado da liberdade ou de seus bens.  

       Embora a Lei 11.441/2007 não tenha feito qualquer menção ao tema, entendemos que, diante da nova realidade, necessário se faz repensar a matéria, ou seja, a admissão das execuções de alimentos sancionadas com prisão civil, ajuizadas com base em títulos extrajudiciais, notadamente escrituras públicas. A prisão civil não é pena ao criminoso, como já salientamos acima, não tendo o mesmo caráter da pena de prisão típica do direito criminal. É na realidade um mecanismo processual para constranger o devedor com o objetivo de fazê-lo saldar o débito, tanto que se ocorrer a quitação, a prisão será revogada. O nosso ordenamento jurídico tenta facilitar o recebimento do crédito do alimentando por meio das modalidades de execução já mencionadas, e a prisão é apenas um deles e será utilizada em último caso. Se ficar mantida a restrição da execução coercitiva exclusivamente aos alimentos fixados em juízo, a pactuação extrajudicial ficará desestimulada.

       Aos fatos, todavia, necessário se faz a fundamentação ao que se propõe. Da leitura do artigo 19 da Lei 5.478/1968 (Lei de Alimentos), norma especial, pode-se concluir no que se refere aos alimentos pela existência não só da execução de sentença (título judicial), como também da execução de acordo (título extrajudicial). Sobretudo, a norma permite ao Juiz de Direito, na execução do acordo, tomar todas as providências necessárias ao seu efetivo cumprimento, inclusive decretar a prisão do devedor. “Art. 19. O Juiz, para instrução da causa, ou na execução da sentença ou do acordo, poderá tomar todas as providências necessárias para seu esclarecimento ou para cumprimento do julgado ou do acordo, inclusive a decretação de prisão do devedor até 60 (sessenta) dias”.

       A lei não deve conter palavras inúteis e onde ela distingue, não é dado ao intérprete deixar de fazê-lo. Notemos que o legislador incluiu no texto do artigo 19 da Lei de Alimentos, por duas vezes, a expressão “ou do acordo”. Bastaria apenas manter as expressões “execução da sentença” e “cumprimento do julgado”. Possível utilizar, pois, o artigo 19 da Lei nº 5.478/1968 para decretar a prisão civil do devedor da obrigação alimentar assumida, em execução de alimentos por título extrajudicial.

       Uma outra questão que entendemos ser de extrema importância no que se refere ao dever alimentar, com a faculdade (por meio de requerimento do credor de alimentos) de aplicação dos artigos 646 caput, 647 e incisos, do Código de Processo Civil, com redação determinada pela Lei 11.382/2006, e com a possibilidade de prisão civil do devedor relapso, com fundamento no § 1º do artigo 733 do mesmo diploma processual civil, é aquela que diz respeito à ação de investigação de paternidade cumulada com ação de alimentos. Nesses casos, o devedor de alimentos usa de expedientes processuais para retardar a prestação jurisdicional, beneficiando-se de processos morosos, interminavelmente recorríveis, que se arrastam por anos a fio nas varas de famílias e nos tribunais, sem solução definitiva. Situação de morosidade e ineficiência da justiça brasileira que gera um forte descrédito perante àquele que busca a tutela jurisdicional, causando uma insegurança jurídica muito grande.

       Não procede a adoção da tese de que os alimentos somente são devidos a partir da sentença transitada em julgado. Como geralmente no tipo de ação acima descrita o réu solicita ao poder judiciário a realização de exame de DNA, alegando não ter “certeza” de ser o pai biológico, a tese, lamentavelmente, serve de estímulo ao “não reconhecimento” (ASSIS, 2000, p. 183) voluntário da paternidade.

       A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já pacificou o assunto, como se demonstra a seguir:

Civil. Ação de investigação de paternidade cumulada com ação de alimentos. Termo inicial – pensão alimentícia.

Órgão julgador: 2ª S, 3ª T, 4ª T

Os alimentos devidos em ação de investigação de paternidade têm como termo inicial a data da citação do réu, e não a data da publicação da sentença, dado o conteúdo declaratório desta decisão.

Formalizada a demanda e aperfeiçoada a citação, o alimentante está em débito, embora só o trânsito em julgado da sentença permita afirmá-lo com certeza. A adoção da tese de que os alimentos só são devidos a partir da sentença serve de estímulo ao não reconhecimento voluntário da paternidade e à criação pelo réu de expedientes processuais para retardar a prestação jurisdicional.

 

                                       Segunda Seção. Investigação de paternidade. Alimentos.

A Seção afastou a preliminar de perempção em que o recorrido pretendia suscitar o excessivo decurso de prazo dos autos na Subprocuradoria-Geral da República, explicitando que o MP federal atuou como custos legis e não como substituto processual. (...). Reafirmou-se, ainda, o entendimento pacificado de que os alimentos devidos em decorrência de ação de investigação de paternidade, cumulada com a de alimentos, são definitivos, aplicando-se o disposto no art. 13, § 2º, da Lei n. 5.478/68 e os seus efeitos retroagem à data da citação. (...). Precedentes citados: Resp 242.099-MG, DJ 25/9/2000; Resp 257.885-RS, DJ 6/11/2000, e Resp 2.203-SP, RSTJ 26/205.   Rel. Min. Nancy Andrighi, julgados em 18/2/2002. 

 

5 – Utilização do FGTS como meio de efetivação da prestação alimentícia

       A Lei nº 8.036, publicada em 11 de maio de 1990 e em vigor a partir desta mesma data, dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O artigo 20 apresenta, taxativamente, as situações nas quais o fundo pode ser movimentado, não estando incluído a possibilidade de saldar débito alimentar, sendo os mais conhecidos: o saque para aquisição de imóvel; demissão sem justa causa ou desemprego há mais de três anos; rescisão do contrato de trabalho por falecimento do empregador individual, inclusive a indireta; ter o titular da conta vinculada idade igual ou superior a 70 (setenta) anos; ser o titular da conta ou qualquer de seus dependentes portador do vírus HIV/Aids; estar o titular da conta ou qualquer de seus dependentes acometido de neoplasia maligna (câncer); estar o trabalhador ou qualquer de seus dependentes em estágio terminal de vida, em razão de doença grave; permanência do titular da conta, por três anos ininterruptos, fora do regime do FGTS, podendo o saque, neste caso, ser efetuado a partir do mês de aniversário do titular da conta.

       Para que haja modificação em lei federal, deve-se observar o correto trâmite do processo legislativo. Como regra geral, em decorrência do bicameralismo federativo, tratando-se de processo legislativo de lei federal, sempre haverá a apreciação de duas Casas: a Casa iniciadora e a Casa revisora. Assim, para que o projeto de lei seja apreciado pelo chefe do Executivo, necessariamente, deverá ter sido, previamente, apreciado e aprovado pelas duas Casas, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.

       Os Tribunais, entretanto, estão dando uma dimensão maior aos direitos fundamentais constitucionalmente postos. Portanto, podemos dizer, mesmo não havendo hipóteses previstas no artigo 20 da Lei 8.036/1990, que há possibilidade de que o FGTS venha a ser utilizado para pagamento de débito alimentar, contanto que não haja outro bem para garantir a execução de alimentos.

       Expomos, abaixo, jurisprudência favorável à interpretação extensiva do artigo 20 da lei em questão:

TRIBUNAL: Tribunal de Justiça do RS.

COMARCA DE ORIGEM: Uruguaiana.

TIPO DE PROCESSO: Agravo de Instrumento.

NÚMERO: 70019621531.

TIPO DE DECISÃO: Acórdão.

ÓRGÃO julgador: Oitava Câmara Cível.

SEÇÃO: Cível.

ASSUNTO: Penhora. Saldo. FGTS. Possibilidade. *** Notícias: Saldo do FGTS pode ser liberado para pagamento de pensão alimentícia.

RELATOR: Rui Portanova.

PUBLICAÇÃO: Diário da Justiça do dia 09/08/2007.

EMENTA: O saldo depositado no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) pode ser objeto de penhora e/ou liberação para pagamento de alimentos. DERAM PROVIMENTO. MAIORIA. (Agravo de Instrumento Nº 70019621531, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 02/08/2007).

       Nas razões da decisão, cuja fundamentação permite ao vencido entender os motivos de seu insucesso, o Desembargador Revisor Rui Portanova assim refere-se à sua valoração contida no acórdão:

       “Peço vênia para divergir do eminente Relator. Com efeito, o caso traz à discussão um tema um tanto quanto intrigante. A alimentada propôs execução dos alimentos contra o pai, mas nenhum bem do devedor foi encontrado para solver a dívida que já passa dos R$ 8.378,37 (fls. 16/18v). Com isso ela pediu que a dívida recaísse sobre o saldo do FGTS do alimentante. Ora, tanto quanto alcanço, não vejo razão para negar à alimentada o direito de buscar o seu crédito alimentar no saldo do FGTS depositado em favor do alimentante. E esse entendimento já foi adotado pela Corte no julgamento do agravo de instrumento nº 70.011.159.608, onde participei juntamente com os Desembargadores Alfredo Guilherme Englert (Relator) e José Siqueira Trindade. Aquele acórdão restou assim ementado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS POR QUANTIA CERTA. Para este caso, possível a penhora do valor em depósito do FGTS. Pagamento de pensão alimentícia. Agravado não possui bens em seu nome. RECURSO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70011159605, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alfredo Guilherme Englert, Julgado em 05/05/2005).

E do voto do relator extrai-se a seguinte passagem: (...) O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço efetivamente constitui um crédito pertencente ao trabalhador e é destinado a garantir a sua subsistência em caso de desemprego indesejado, podendo também ser por ele utilizado para aquisição de imóvel ou para tratamento de saúde. O numerário existente nesse fundo, para este caso, de devedor de pensão alimentícia que está sendo executado, não tendo sido encontrado bens para penhorar, pode ser disponível para o devedor efetuar tal dívida. Mesmo sendo entendimento dominante deste Tribunal, que o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço se enquadra na definição de ‘frutos civis’, e, por isso, são bens incomunicáveis, pertencendo com exclusividade ao seu titular, devendo, assim, ficar excluído da partilha, o presente caso é de ação de alimentos, onde se deseja a penhora de Fundo de Garantia para saldar dívida contraída pelo agravado. (...).

       Naquela oportunidade também me manifestei no sentido da possibilidade da penhora sobre o FGTS, no que fui acompanhado pelo Des. Trindade. Além disso, o agravante cita decisão do STJ que permite penhora. Os julgados foram assim ementados:

FGTS. LEVANTAMENTO DOS SALDOS. PAGAMENTO DE RESGATE DO MÚTUO. POSSIBILIDADE.

1.      A enumeração do art. 20, da Lei 8.036/90, não é taxativa, sendo possível, em casos excepcionais, o deferimento da liberação dos saldos do FGTS em situação não elencada no mencionado preceito legal. Precedentes da 1ª Turma.

2.      Encontrando-se o mutuário em dificuldades financeiras, inadimplente perante o SFH, caracteriza-se a ‘necessidade grave e premente’, prevista no dispositivo no art. 8º, II, ‘c’, da Lei nº 5.107/66 e na Lei nº 8.036/90, interpretada extensivamente, de forma autorizá-lo a levantar o fundo de garantia para saldar as prestações em atraso.

3.      Ao aplicar a lei, o julgador subsunção do fato à norma, deve estar atento aos princípios maiores que regem o ordenamento e aos fins sociais a que a lei se dirige (art. 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil).

4.      (...).

 

 

Processual Civil. Recurso Ordinário. Caixa Econômica Federal. Mandado de Segurança. Penhora de Depósito do FGTS. Transferência para outra instituição bancária em garantia de execução de prestação alimentícia: Possibilidade. Precedente do STJ.

1.       Consoante decisão deste Superior Tribunal de Justiça, a enumeração do art. 20 da Lei 8036/90 não é taxativa, sendo possível a liberação dos saldos do FGTS em casos excepcionais.

2.       No caso em espécie, não houve propriamente a liberação dos depósitos fundiários, mas, apenas, sua transferência para outra instituição bancária, à disposição do Juízo, em garantia de execução de prestação alimentar e para  entender ao interesse da administração da Justiça.

3.       Recurso ordinário a que se nega provimento. RMS 15888/SP; RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2003/0010807-8. Relator Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS. Órgão Julgador SEGUNDA TURMA. Data do julgamento 05/02/2004. Data da publicação/fonte DJ 12.04.2004. p. 188 RADCOAST vol. 56 p. 50.

 

       De resto, permita-se, argumentar sob uma ótica um tanto mais principiológica. Mais precisamente o princípio da proporcionalidade. Com efeito, a discussão coloca frente a frente dois direitos: a) o da parte alimentada em receber os alimentos necessários para a sua sobrevivência (o direito à vida) e, b) o do alimentante em manter íntegro os saldos do seu FGTS (direito ao patrimônio). Sabemos que o art. 20 da Lei nº 8.036/90, que traz hipótese de levantamento do FGTS pelo trabalhador, autoriza o levantamento para aquisição de moradia. Sabemos também que sobre a residência do devedor de alimentos não prepondera a impenhorabilidade do bem de família garantido pela Lei nº 8.009/90. Ora, se a própria residência do alimentante pode ser objeto de penhora para saldar a dívida alimentar e, se a lei que regulamenta a utilização do FGTS permite o seu levantamento para a aquisição desta mesma residência, com muito mais razão se deve permitir o levantamento do FGTS para saldar dívida alimentar. E isso ocorre por uma razão muito simples: o direito à vida prepondera sobre o direito ao patrimônio. Isso é inegável.

       Enfim, seja em razão dos expressos termos da lei, seja em face à uma interpretação principiológica, não se Poe negar a razoabilidade da penhora do FGTS para saldar débito alimentar, porquanto antes de se pensar na integridade patrimonial do executado devemos pensar na manutenção da vida da alimentada. Nesse contexto, e na linha das decisões do Superior Tribunal de Justiça, estou em permitir a penhora dos saldos do FGTS do executado a fim de garantir a dívida alimentar e acima de tudo, o direito à vida da alimentada.

       ANTE O EXPOSTO, dou provimento ao agravo para possibilitar a penhora sobre os saldos do FGTS do executado.”

       Ao que foi apresentado acima, notadamente sobre a afirmação de que “sobre a residência do devedor de alimentos não prepondera a impenhorabilidade do bem de família garantido pela Lei nº 8.009/90”, transcrevemos o artigo 3º, caput, e inciso III, da Lei 8.009/90, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família: “Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: III – pelo credor de pensão alimentícia;”. Ou seja, a lei não permite que apresente objeção ou impugnação quando a residência do alimentante for objeto de penhora para pagamento de dívida alimentar.

       A sociedade evolui todos os dias, e princípios como o da dignidade da pessoa humana que é inerente ao Estado Democrático de Direito, devem ser redimencionados na mesma intensidade e velocidade. Podemos afirmar que o fato de os princípios terem uma outra dimensão no sentido de serem preestabelecidas, tem como causa a mutação que sofrem com o tempo. Caso contrário, a Constituição ficaria engessada à letra das suas normas ou à interpretação que lhe fora dada quando da sua promulgação ou outorga. Podemos supor que seja natural que haja conflito de princípios ou colisão destes entre si, haja vista que não há hierarquia entre eles. Havendo colisão de princípios um deve ceder diante do outro, conforme as circunstâncias do caso concreto. Desse modo o princípio de menor peso não é declarado inválido uma vez que ele prossegue íntegro e válido no ordenamento. Pode, contudo, merecer prevalência em face do mesmo princípio que o precedeu, diante de outra situação concreta.

       Conforme César Asfor Rocha:

O princípio da unidade da Constituição revela que as normas integrantes de tal texto devem ser interpretadas de molde a evitar contradições entre si e, sobretudo, entre os princípios implícitos e explícitos delas constantes. Esse princípio tem o condão de induzir o intérprete a conceber a Constituição como um todo unitário e a resolver os aparentes conflitos existentes entre as normas (2007, p. 66).

    

       Na busca das interpretações das leis através da mais avançada hermenêutica, que supõe racionalidade comunicativa e dialógica, o exame atento dos casos emblemáticos mostra a inafastabilidade das exceções às regras. Admite-se a melhor interpretação em um dado momento histórico, vale dizer, aquela mais universalizável, de modo racionalmente satisfatório e aceitável, justa e equilibrada entre liberdade e o dever ético-jurídico de vinculação aos princípios fundamentais. “A interpretação das leis não deve ser formal, mas, antes de tudo, real, humana, socialmente útil”. São palavras do jurista e ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça Sávio de Figueiredo.

       Uma outra decisão, esta proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Apelação Cível 2002.38.03.002134-5/MG), no qual inclui-se o Estado de Minas Gerais em sua área de atuação, demonstra a interpretação extensiva da Lei que dispõe sobre o FGTS, levando em consideração o caso concreto. Com data de 05 de março de 2008, foi autorizada a liberação de saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço para tratamento de anemia falciforme. Foi concedida à mãe de paciente direito de utilizar o saldo do fundo para tratamento de enfermidade grave de sua filha, por caracterizar situação excepcional a justificar o provimento de urgência.

       De acordo com a solicitante, sua filha é portadora de doença hereditária – anemia falciforme – que não tem cura definitiva. Alegando, assim, ser grave a doença de sua filha, pleiteou liberação do saldo do FGTS para dar continuidade ao tratamento. A parte contrária lembrou norma inscrita no art. 29-B da Lei 8.036/90, que proíbe a concessão de tutela antecipada que implique saque ou movimentação da conta vinculada ao fundo do trabalhador.

       Ressaltou o Desembargador Federal Fagundes de Deus em seu voto que “o direito à saúde emana de preceito encartado na Constituição da República, o que permitiria, na situação da causa, o levantamento do FGTS, em razão de doença grave, aplicando-se, de forma extensiva, o art. 20, XIV, da Lei 8.036/90”. Afirmou ainda que, “na situação dos autos, há de ser afastada a aplicação do art. 29-B da Lei em questão, por se tratar de situação de enfermidade grave”.

6 – Direito a alimentos como direito fundamental líquido, certo e exigível

       O Professor Rosemiro Pereira Leal vem construindo outra argumentação para a efetivação dos direitos fundamentais. Este raciocínio não se apóia no princípio da solidariedade, nem no princípio da proporcionalidade que expusemos respectivamente nos pontos 2 e 5 deste trabalho, mas sim numa cognição constituinte de acertamento de direitos fundamentais como direito líquido, certo e exigível. Esta teoria, intitulada pelo seu precursor de neo-institucionalista do processo, tem por objetivo esclarecer o direito ao contraditório, ampla defesa e isonomia como elementos indispensáveis e fundantes da democracia. Esclarece que para o exercício do contraditório, da ampla defesa e da isonomia é necessário o atendimento imediato do direito à vida, à liberdade e à dignidade, em outras palavras, os direitos fundamentais não podem ficar a cargo de uma cognição jurisdicional para somente depois serem atendidos.

       Como bem ensina Rosemiro Pereira Leal:

A teoria neo-institucionalista do processo conjectura, à sua compreensão, a pré-instalação de um pacto de significância (paradigma discursivo-lingüístico) como teoria da constitucionalidade (teoria axial), a regenciar e balizar a construção, aplicação e extinção do direito que reclama, por conseguinte, ao seu exercício, falantes dialógicos (legitimados ao processo) que adotem princípios autocríticos: contraditório, ampla defesa e isonomia. Em conseqüência, ao se sustentar, na perspectiva neo-institucionalista, que o processo é instituição constitucionalizada que se define por tais princípios, o que se desconstrói e anarquiza (desordena) é a presunçosa autocracia (tirania) de “eus” solipsistas, inatos e pressupostamente contextualizados em seus absolutos e estratégicos saberes deontológicos e corretivos na justificação e aplicação do Direito (2008, p. 103).

       O princípio do contraditório está fundamentado na liberdade jurídica de que as partes dispõem, no sentido de que os direitos alegados, numa lide, sejam defendidos de forma igualitária e com a liberdade que o processo permite, não havendo nenhum tipo de privilégio que possa influir no âmbito jurídico. À não observância e exigência da aplicação desse princípio, o processo perde sua base democrática na qual o exercício dos direitos fundamentais estaria posto em segundo plano.

       O princípio da isonomia processual tem como pressuposto a liberdade assegurada em lei de dizer e contradizer, ou seja, o direito assegurado constitucionalmente de dar tratamento igualitário para a construção da estrutura do processo. Esse princípio também chamado de igualdade processual do qual decorrem o contraditório e a ampla defesa, torna-se elemento central na construção de um processo constitucional que realmente efetive os direitos fundamentais.

      Como terceiro elemento indispensável às garantias fundamentais do cidadão temos a ampla defesa cuja concepção traduz, no devido processo em sentido processual, a plenitude da aplicação da justiça no plano constituinte no Estado Democrático de Direito. Permite que sejam esgotados todos os meios de produção de provas no tempo processual que a lei oportuniza. “O princípio da ampla defesa é coextenso aos do contraditório e isonomia, porque a amplitude da defesa se faz nos limites temporais do procedimento em contraditório” (LEAL, 2008, P. 98).             

       O Estado Democrático de Direito, cujo conceito em nosso ordenamento jurídico passamos a adotá-lo com a redemocratização do Estado Brasileiro e sobretudo com a vigência da Constituição de 1988, fez com que a lei perdesse seu posto de supremacia, passando a subordinar-se à Constituição. “O surgimento do Estado constitucional fizera com que a lei encontrasse limites e forma de contorno nos princípios daquela” (PEREIRA, 2001, p. 142). Podíamos dizer que os direitos fundamentais, antes, eram circunscritos à lei. Podemos dizer hoje que as leis devem ser compreendidas e interpretadas a partir dos direitos fundamentais e dos princípios constitucionais de justiça. Estes não se limitam a iluminar as regras jurídicas, porquanto também conferem valor à realidade a partir do momento em que sobre ela se projetam.       

       Os direitos fundamentais trazem, também, como atributo de busca de efetividade a liquidez e certeza. Estas não decorrem da presunção de serem incontestes, mas derivam de direitos constitucionalmente criados.

       Na lição de  Rosemiro Pereira Leal:

Com efeito, a rigor, no plano instituinte (processual-discursivo) da formação da vontade democrática, a liquidez (vedação de inexeqüibilidade) e certeza (infungibilidade) conferidas ao devido processo na discursividade constituinte como médium (direito fundante) da possibilidade fiscalizatória do sistema constitucional, por uma procedimentalidade juridicamente isonômica e incessante a ser exercida pelos destinatários normativos, é que fariam coercitivos e legitimariam, numa Comunidade Jurídica, os direitos processualmente fundamentados de vida, liberdade e dignidade para a Sociedade Político-Democrática constitucionalmente pretendida (2005, p. 31).

       Quanto à exigibilidade, esta pode materializar-se, no nosso entendimento, na concessão pelo direito ao que foi postulado no serviço jurisdicional na figura da sentença mandamental, com a imposição de uma sanção em caso de descumprimento da ordem formulada, na qual há o elemento da sanção punitiva, utilizada com função de induzir o comportamento do obrigado, ou seja, como meio de coerção, ainda que previsto de forma não exaustivamente numerada pelo ordenamento.

       Rosemiro Pereira Leal, em seus estudos da teoria neo-institucionalista do processo, vem esclarecendo que os direitos fundamentais têm aplicação imediata porque já passaram por um pré-contraditório. Significa que são direitos já acertados no plano da cognição constituinte, dependendo com isso apenas de um processo de executividade. Busca-se a possibilidade do exercício dos institutos jurídicos do processo, que são os princípios do contraditório, isonomia, “esta como princípio legal, autodiscursivo e legitimante de validade da instituição do devido processo constitucional, já impõe a igualdade procedimental” (LEAL, 2005, p.84) e ampla defesa.

      

Nas palavras do mesmo doutrinador:

Na Teoria Neo-Institucionalista, o processo devido (direito-a-advir) é institucionalizante do sistema jurídico por uma principiologia autodiscursiva (contraditório, isonomia, ampla defesa) fundante de uma procedimentalidade a ser adotada como hermenêutica de legitimação auto-includente dos destinatários normativos nos direitos líquidos, certos e exigíveis já assegurados no discurso constituinte da constitucionalidade (LEAL, 2008, p. 91).

     

7 – Denunciação da lide ao Estado nas ações de investigação de paternidade cumulada com pedido de alimentos

       A constituição Federal, no inciso II do artigo 1º, consagra como fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana, o que de forma clara tem por pressuposto o direito à vida e à sobrevivência. Nos artigos 203 e 204 do mesmo ordenamento jurídico o dever do Estado está posto de forma clara no que se refere à assistência social daqueles que dela necessitar. Direito constitucional que, repita-se, por meio da efetividade dos direitos fundamentais tem que se concretizar. O Estado que deve tutelar o direito não pode deixar de responder quando, por ação ou omissão, causar danos a terceiros, até porque, sendo pessoa jurídica, é titular de direitos e obrigações. Segundo Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias “os direitos fundamentais do ser humano são direitos constitucionalizados sob técnica especial de reconhecimento e definição assentados nas Constituições dos Estados contemporâneos, não raro, sob influência dos pactos internacionais, formando uma categoria dogmática do moderno Direito Constitucional” (2004, p. 109).         

       Nesse sentido, o Estado possui o dever de prestar alimentos, posto que na ausência ou impossibilidade de parentes em condições econômicas de fazê-lo. Mais do que isso, quando o Poder Público desonera-se do dever de fomentar o desenvolvimento social e o crescimento econômico, de forma a garantir trabalho a todos. Uma das formas de colocar o Estado na condição de devedor de alimentos é o procedimento da denunciação da lide nas ações de alimentos. A denunciação da lide constitui numa modalidade de participação no processo em que se pretende incluir uma nova ação.

       Conforme Luiz Guilherme Marinoni:

Uma nova ação, subsidiária àquela originariamente instaurada, a ser analisada caso o denunciante venha a sucumbir na ação principal. Em regra, funda-se a figura no direito de regresso, pelo qual aquele que vier a sofrer algum prejuízo, pode, posteriormente, recuperá-lo de terceiro, que por alguma razão é seu grande garante. Na denunciação, portanto, inclui-se nova ação, justaposta à primeira, mas dela dependente, para ser examinada caso o denunciante (aquele que tem, frente a alguém, direito de regresso em decorrência da relação jurídica deduzida na ação principal) venha a sofrer prejuízo diante da sentença judicial relativa à ação principal (2006, p. 190).

 

 

8 – Conclusão

 

       O papel do Direito é ser instrumento de transformação social para o resgate de direitos ainda não realizados. A efetivação dos direitos fundamentais, que surgem e evoluem segundo o grau de socialização do ser humano, pela instituição do processo constitucionalizado, é absolutamente indispensável para toda a sociedade brasileira.

       O objetivo buscado ao se discutir a efetividade do direito a alimentos constituiu-se no sentido, sobretudo, de ponderar os valores que estão estabelecidos na Constituição Federal. Para que os direitos fundamentais sejam compreendidos faz-se necessário uma visão ampla dos vários caminhos que podem conduzir à justiça, haja vista essa compreensão, do ponto de vista da aplicação da hermenêutica dos direitos fundamentais, requerer uma investigação cujas vias transcendem o horizonte de experiências já produzidas.

 Entendemos que há atualmente, dentro do que expusemos, dois raciocínios que buscam a efetivação do direito alimentar. O primeiro, encontrado na doutrina e jurisprudência, baseia-se no princípio da ponderação de valores postulando um “garantismo” dos direitos fundamentais, no qual é buscado o fundamento do próprio direito e da constituição, apresentando de forma inovadora a utilização do FGTS como mecanismo de satisfação da prestação alimentícia.

       Encontramos o segundo raciocínio no campo científico do direito. A efetivação dos direitos fundamentais estabelece-se como direito líquido, certo e exigível, no sentido de conjunto de princípios e institutos jurídicos que se reúnem ou aproximam-se através do texto constitucional. O exercício dos direitos constitucionalizados, assegurado pelo devido processo constitucional, se dá pelos princípios do contraditório, ampla defesa e isonomia.

       No Estado Democrático de Direito a lei tem sua substância condicionada aos princípios constitucionais de justiça e aos direitos fundamentais, dentre eles o direito à vida, à sobrevivência digna e à saúde. Ao compreender a lei a partir da supremacia dos direitos fundamentais, e ter o cidadão como detentor de direitos e princípios constitucionalmente adquiridos, muda-se a idéia de que esses direitos dependem da lei.

       A Constituição Federal não pode ser encarada como algo que pode ser “jogada na lata de lixo” ou uma “caixa de ilusões”. As leis têm que ter sua validade circunscrita aos direitos fundamentais, e é necessário interpretações comprometidas com a implementação imediata dos direitos fundamentais.      

 

9 – Referências bibliográficas

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Sobre o autor
Luiz Sérgio Arcanjo dos Santos

Mestre em DIREITO PROCESSUAL pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas (conceito 6 CAPES), Brasil (2014-2016). Bolsista pela CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Pós-Graduação lato sensu (especialização) em Direito Processual pelo Instituto de Educação Continuada da Universidade Católica de Minas Gerais (IEC PUC Minas), Brasil (2007-2008). Graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Brasil (2000-2005). Professor no Curso de Direito nas disciplinas de Introdução ao Estudo do Direito I, Metodologia do Trabalho Científico, Direito Romano e História do Direito, Direito Processual Civil I e Direito Processual Civil II da PUC Minas (Campus Coração Eucarístico). Professor visitante no Curso de Direito da Einstein Instituição - Faculdade Sapiens - Porto Velho - Rondônia. Diretor Financeiro e pesquisador associado do Instituto Popperiano de Estudos Jurídicos - INPEJ (Presidente do Instituto Professor Doutor Rosemiro Pereira Leal). Colaborador (associado) da Associação Brasileira de Direito Processual, ABDPRO. Atuação como pesquisador e orientador do Instituto de Investigação Científica Constituição e Processo - IICCP (Grupo de Pesquisas de Direito, Constituição e Processo Professor José Alfredo de Oliveira Baracho) da PUC Minas, nas áreas de Direito Constitucional e Direito Processual - vinculado ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Autor do livro Processo e Poder Constituinte Originário: a construção do direito na processualidade jurídico-democrática (ISBN 978-85-8440-821-4). Organizador e coautor do livro Processo como democracia na contemporaneidade: colóquio em homenagem ao Professor Rosemiro Pereira Leal (ISBN 978-85-60519-88-0). Coautor do livro Direito Processual: Fundamentos Constitucionais (ISBN 978-85-9818-517-0). Coautor do livro Direito na Atualidade: uma análise multidisciplinar: volume I (ISBN 978-85-8440-834-4). Coautor do livro Estudos Avançados em Direito: volume I (ISBN 978-85-5190-460-2). Coautor do livro Teoria Crítica do Processo: contributos da Escola Mineira de Processo para o constitucionalismo democrático - volume 6 (ISBN 978-85-519-0777-1). Coautor do livro Diálogos Jurídicos Contemporâneos: Volume III (ISBN 978-85-434-1474-4). Coautor do livro Anais do Congresso de 20 anos do PPGD (ISBN 978-85-9471-085-7). Coautor do livro Novíssimos Estudos em Direito Público: volume I (ISBN 978-85-8042-104-0). Coautor do livro Novíssimos Estudos em Direito Público: volume II (ISBN 978-85-8042-799-8). Coautor do livro Novíssimos Estudos de Direito Público: volumes III e IV (ISBN 978-85-8425-285-5). Coautor do livro Novas Fronteiras do Estudo do Direito (ISBN 978-85-8040-085-2). Atuação em Direito Processual, com ênfase em Direito Processual Civil e Direito Processual Penal. Advogado (OAB/MG) e consultor Jurídico, Brasil. E-mail: [email protected]

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