A ação rescisória na sistemática do processo civil

23/02/2015 às 08:49
Leia nesta página:

O presente trabalho tem o fito de perscrutar o instituto da ação rescisória, verificando sua natureza jurídica, pressupostos, hipóteses de cabimento, dentre outras questões pertinentes.

Sumário: 1. Introdução; 2. Conceito e conjuntura; 3. Natureza Jurídica; 4. Cabimento: pressupostos gerais e específicos; 4.1 Sentença proferida por juiz que a tenha dado por prevaricação, concussão ou corrupção; 4.2 Sentença proferida por juiz impedido ou juízo absolutamente incompetente; 4.3 Sentença proferida com dolo da parte vencedora em detrimento da vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; 4.4 Sentença que ofender a coisa julgada; 4.5 Sentença que violar disposição de lei; 4.6 Sentença fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou na própria ação rescisória; 4.7 Obtenção pelo autor de documento novo cuja existência ignorada, ou de que não pode fazer uso, é capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; 4.8 Existência de fundamento capaz de invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença; 4.9 Sentença fundada em erro de fato emergente dos autos e documentos da causa; 5. Legitimidade; 6. Fases do julgamento; 7. Procedimento; 8. Prazos; 9. Recursos cabíveis; 10. Considerações Finais; 11. Referências Bibliográficas

Resumo: O presente trabalho tem o fito de perscrutar o instituto da ação rescisória, verificando sua natureza jurídica, pressupostos, hipóteses de cabimento, dentre outras questões pertinentes. Ademais, busca-se ponderar sobre as consequências da ação rescisória à luz da segurança jurídica.

Abstract: This present work has the aim of scrutinizing the institute of rescissory act, verifying their legal nature, requeriments, legal treatment, and other relevant issues. Furthermore, seeks to ponder about the consequences of rescissory act based on juridical certainty.


1. Introdução

Esgotados os recursos a sentença transita em julgado. Não é mais possível rediscutir a matéria nos mesmos autos, já que ocorre a coisa julgada formal. Outrossim, se o julgamento for de mérito, haverá formação da coisa julgada material que projeta seus efeitos fora do processo, impedindo que as partes discutam aquilo que tenha sido decidido.

Excepcionalmente, a lei permite a utilização de um remédio capaz de desconstituir a sentença transitada em julgado rediscutindo o que foi decidido em caráter definitivo. Trata-se da ação rescisória.

Sua finalidade é desfazer o julgamento definitivo e rediscutir a matéria nele tratada, sendo cabível, somente, em hipóteses taxativamente previstas em lei quando há presença de vícios graves que contaminaram o processo ou a sentença.

A metodologia adotada neste trabalho se calca na reflexão doutrinária e jurisprudencial pátria sobre o tema, além de verificar questões polêmicas acerca da ação rescisória.

Destarte, devido a sua importância, se faz mister perscrutar tal instituto a fim compreender sua dinâmica e regulação na sistemática processual cível brasileira.

2. Conceito e conjuntura

Como é cediço, a formação da coisa julgada tem o efeito de sanar todas as invalidades intrínsecas do processo (nulidades absolutas, relativas e anulabilidades).

Todavia, existe um vício que surge no momento do trânsito em julgado da sentença, chamado de rescindibilidade, nestes casos o vício é passível de solução através de um remédio chamado “ação rescisória”.

Embora a coisa julgada material impeça a discussão sobre a matéria já decidida a ação rescisória enseja o desaparecimento da coisa julgada.

Desaparecido o obstáculo, com a rescisão da sentença coberta pela autoridade de coisa julgada, caberá ao órgão julgador da ação rescisória rejulgar a matéria objeto de apreciação da sentença rescindida, salvo em algumas hipóteses.

Neste sentido, segundo José Carlos Barbosa Moreira (1998, apud CÂMARA, 2013, p.14) podemos definir ação rescisória como: “ação por meio da qual se pede a desconstituição de sentença transitada em julgado, com eventual rejulgamento, a seguir, da matéria nela julgada”.

Não se busca através da ação rescisória a anulação ou a nulificação da sentença, o escopo do instituto é a rescisão da sentença de mérito. A sentença rescindível, portanto, é a sentença transitada em julgado que possui vício elencado expressamente em lei e capaz de autorizar sua rescisão.

3. Natureza Jurídica

A ação rescisória tem natureza de ação autônoma de impugnação e não recurso. Tal acepção decorre de uma premissa lógica: a ação rescisória só é cabível após a formação da coisa julgada, ao passo que o recurso é remédio cabível antes do trânsito na mesma relação processual em que proferiu a sentença.

A ação rescisória, portanto, faz surgir processo novo diverso daquele aonde foi proferida a sentença rescindenda. Ademais, pode ser considerada como demanda cognitiva, posto que o processo onde se forma é um processo de conhecimento.

4. Cabimento: pressupostos gerais e específicos

A ação rescisória tem como primeiro pressuposto geral a existência de uma sentença de mérito transitada em julgado. Devemos entender sentença, não como ato exclusivo do juízo de primeiro grau, mas sim como decisão que se quer rescindir, podendo, assim, ser voltada a rescisória contra um acórdão proferido pelo tribunal.

Ademais, é necessário que a ação rescisória seja ajuizada no prazo de 02 anos, contados do trânsito em julgado da decisão, sendo que não observado este prazo, o direito de propositura decairá.[3]

Por fim, o remédio somente é cabível nas hipóteses específicas previstas no art. [485] do CPC, não podendo-se olvidar, como já mencionado, que o rol é taxativo, dado a seriedade do instituto.

Destarte, passemos à análise de tais hipóteses.

4.1 Sentença proferida por juiz que a tenha dado por prevaricação, concussão ou corrupção

A presente hipótese encontra respaldo no inciso I do art. 485. Trata-se do tradicional “juiz peitado”, tendo em vista que os crimes hoje conhecidos como de corrupção passiva, concussão e prevaricação terem sido chamados, na legislação penal mais antiga, de “peita ou suborno”.

Os crimes em comento estão previstos nos arts. [316][317] e [319] do Código Penal. Nos termos do art. 316, concussão é “exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida”. A corrupção passiva (317) é definida como “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. Por fim, a prevaricação consiste em “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.

Destarte, a prática de qualquer desses ilícitos penais, torna rescindível a sentença transitada em julgado, todavia, algumas questões devem ser analisadas.

Nesta hipótese de rescindibilidade, não se pode deixar de apreciar a rescisória sob o argumento de que embora o juiz tenha cometido um ilícito penal a sentença foi justa. O juízo rescisório deve julgar a matéria simplesmente pela presença de algum desses ilícitos, ainda que confirme a decisão outrora prolatada.

Ademais, não é necessário que o juiz tenha sido condenado na esfera criminal para a apreciação da ação, neste caso, basta que o juízo rescisório verifique se de fato ocorreu algum ilícito. Obviamente, caso o magistrado tenha sido condenado, não poderá o tribunal deixar de avaliar a ação rescisória. Ao revés, caso o juiz tenha sido absolvido no processo penal, ficará impedida a análise da rescisória.

Por fim, caso o magistrado tenha sido absolvido sem que se afirmasse a inexistência de fato criminoso (por insuficiência de provas, por exemplo), o tribunal poderá apreciar livremente se houve ou não a ocorrência de ilícito pelo juiz, e assim, reformar ou não a decisão.

Questão que merece atenção repousa na hipótese de um acórdão proferido por uma turma quando um dos magistrados era peitado, ou seja, cometeu alguma das infrações presentes no art. [485]I, do CPC.

Adota-se o principio do prejuízo, de modo que se o voto do magistrado peitado interferiu na decisão de forma a prejudicar a parte a quem aproveitaria o reconhecimento do vício, deverá o acórdão ser rescindido.

4.2 Sentença proferida por juiz impedido ou juízo absolutamente incompetente

Sabemos que a incompetência concerne ao juízo, de maneira que a redação do art. [485]II, do CPC, deve ser lida desta forma. Ademais, a incompetência absoluta é matéria de ordem pública, podendo ser declarada de ofício pelo juiz.

O impedimento é vício mais grave do que a suspeição, por esta razão, o diploma civilista concedeu a esse instituto uma resistência ao trânsito em julgado.

No tocante ao impedimento do juiz quando a decisão é proferida por órgão colegiado, aplicam-se as mesmas disposições do juiz peitado, à luz do inciso I já visto.

Por fim, cumpre ressaltar que esta hipótese configura exceção à regra bifásica do julgamento da ação rescisória. Neste caso, somente existirá o juízo rescindente (iudicium rescindens) já que o tribunal, após rescindir a sentença, remete os autos ao juízo competente para que julgue novamente a causa.

4.3 Sentença proferida com dolo da parte vencedora em detrimento da vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei

As hipóteses em tela, estão previstas no art. [485]III, do CPC. Quanto à primeira, ocorre dolo toda vez que a parte faltando com seu dever de lealdade e boa-fé (art. [14]IICPC), haja impedido ou dificultado a atuação processual do vencido, ou influenciado a formação do juízo do magistrado. É importante frisar que deve existir um nexo causal entre o dolo e o resultado do julgamento.

No caso da colusão entre as partes, presente no art. [129] do CPC, as partes se valem do processo para praticar ato simulado ou atingir fim ilícito, podendo o juiz, inclusive, proferir sentença que obste os objetivos das partes. Logo, a ação rescisória visa fulminar a sentença quando o juiz não tenha verificado o conluio das partes.

4.4 Sentença que ofender a coisa julgada

Como visto, a formação da coisa julgada material impede a rediscussão da matéria decidida. É defeso a prolação de qualquer sentença que desconsidere-a. Destarte, há ofensa da coisa julgada, nos termos do art. [485]IV, do CPC.

Por exemplo, havendo demanda onde foi declarada a inexistência de obrigação de indenizar, o vencido ingressa novamente com uma ação pleiteando o cumprimento da mesma obrigação. Eventual sentença, independentemente do teor, ofenderia a coisa julgada. Da mesma forma uma sentença que, embora tenha como objeto questão diferente, está subordinada a primeira. É o caso de uma primeira sentença que reconhece a inexistência de uma obrigação, e uma segunda sentença que reconhece a obrigação de pagar os juros daquela.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Ao revês, contudo, segundo Alexandre Câmara[4], não há ofensa à coisa julgada quando a segunda sentença contraria os fundamentos da primeira, já que, como é cediço, não há coisa julgada dos motivos da sentença. O renomado jurista cita o exemplo onde uma primeira sentença declara a existência de obrigação alimentícia, em decorrência de um parentesco. Todavia, se posteriormente outra sentença for prolatada no sentido de que não havia tal laço sanguíneo, não poderá esta segunda ser atacada por ação rescisória.

4.5 Sentença que violar disposição de lei

Nos termos do art. [485]V, do CPC, a sentença que violar disposição de lei é rescindível. Alexandre Câmara [5] critica tal redação, afirmando que deveria ser redigida nos seguintes termos: “violar direito em tese”. Ocorre violação do direito em tese quando o órgão prolator da sentença rescindenda afronta o direito positivo, seja material ou processual. Por exemplo, é o caso da sentença extra petita ou ultra petita. Ademais, no que tange a violação literal, entende-se por esta a transgressão literal à lei, não cabendo ação rescisória quando o julgador interpretar a lei dentro de uma das formas cabíveis, sendo que a decisão deve estar baseada em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais, conforme disposto no Enunciado da Súmula 343 do STF[6].

4.6 Sentença fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou na própria ação rescisória

Segundo o inciso VI do art. [485] do CPC, é passível de rescisão a sentença que fundada em prova falsa. Aqui, aplica-se o mesmo raciocínio anteriormente comentado, é necessário que haja um nexo causal entre a sentença e a prova falsa, caso a sentença subsista sem tal prova não caberá a rescisão.

Não importa se a falsidade é material ou ideológica, o que deve ser avaliado é se existiu argüição de falsidade, posto que, se a sentença apreciou a questão e não desconsiderou a prova, não há que se falar em cabimento da ação rescisória, salvo se essa decisão também possuir algum vício presente no art. 485. Ademais, a falsidade pode ser apurada no próprio processo da ação rescisória, ou ter sido declarada em sentença criminal, seja habeas corpus, revisão criminal, ou ação penal. Neste último caso, o tribunal, ao apreciar a ação rescisória, deverá considerar necessariamente que prova é falsa, diante da coisa julgada criminal.

Por fim, cumpre ressaltar que a sentença civil transitada em julgado que declara a falsidade da prova, não possui o mesmo peso da coisa julgada criminal, de modo que a falsidade deverá ser novamente demonstrada no processo da ação rescisória.

4.7 Obtenção pelo autor de documento novo cuja existência ignorada, ou de que não pode fazer uso, é capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável

Tal previsão encontra respaldo no art. [485], VII, do CPC, de modo que ao falar em autor, refere-se àquele que propõe a ação rescisória, não sendo necessariamente o autor da demanda original, já que, por exemplo, pode este ter vindo a falecer e seus sucessores retomem o caso com o documento adquirido.

Cumpre ressaltar que o documento que permite a rescisão da coisa julgada já tinha de existir ao tempo da prolação da sentença rescindível, já que o dispositivo fala em “cuja existência” a parte “ignorava”. Outrossim, também é possível a rescisão quando o documento, embora conhecido e existente, não pôde ser utilizado pela parte, salvo se tal impossibilidade decorreu de sua culpa.

Ademais, o documento tenha sido obtido após a prolação da sentença, e devemos entender sentença, não como ato exclusivo do juízo de primeiro grau, mas sim como decisão que se quer rescindir, podendo, assim, ser voltada a rescisória contra um acórdão proferido pelo tribunal.

Por fim, o último requisito é que o documento novo deve ser capaz, por si só, de garantir ao autor resultado favorável.

4.8 Existência de fundamento capaz de invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença

O inciso VIII do art. [485] do CPC, merece ser analisado com cautela.

Em primeiro lugar, a confissão deve ser interpretada extensivamente, para abranger também o reconhecimento jurídico do pedido. Isto porque o reconhecimento do pedido é fato susceptível de acarretar a prolação da sentença definitiva (art. [269]II, do CPC). Sendo assim, a existência de fundamento capaz de invalidar o reconhecimento deve permitir a rescisão da sentença homologada.

No tocante à desistência, em um primeiro momento há um grave problema: a desistência leva a sentença terminativa (art. [267], VIII, do CPC), a qual não pode ser rescindida, nos termos do caput, do art. 485. Segundo Alexandre Câmara[7], trata-se aqui de mero erro de redação, já que o legislador extraiu o dispositivo do CPC português de 1939, onde chamava de desistência do pedido o que para o direito brasileiro é a renúncia à pretensão (art. 269, V).

Pode-se inferir, que o verdadeiro sentido buscado pelo inciso VIII, do art. 485, é o de permitir a rescisão da sentença quando houver fundamento para invalidar confissão, reconhecimento do pedido, renúncia à pretensão ou transação, em que se tenha baseado a sentença.

Por fim, há outro problema a considerar. É que o art. 486 prevê o cabimento de ação anulatória, e não de rescisória, nos casos em que se quer atacar ato que não depende de sentença ou no caso de sentença homologatória. Com efeito, no caso de reconhecimento do pedido, renúncia à pretensão ou transação, a sentença homologa o ato de autocomposição praticado pelas partes. Destarte, paira a dúvida sobre qual é a medida cabível.

Tanto Barbosa Moreira (1998, apud CÂMARA, 2013, p.25) quanto Alexandre Câmara[8], entendem que se ainda não tiver ocorrido o trânsito em julgado da sentença homologatória, a ação anulatória será o remédio adequado, ao passo que, havendo trânsito, caberá ação rescisória.

4.9 Sentença fundada em erro de fato emergente dos autos e documentos da causa

A última hipótese de rescisão da sentença de mérito acobertada pela coisa julgada está prevista no art. [485]IX, do CPC e prevê a possibilidade de rescisão no caso de sentença fundada em erro de fato resultante de atos ou de documentos da causa.

Tal hipótese de rescindibilidade é oriunda do Direito italiano, já que seu código prevê como fundamento da revocazione errore di fatto risultante dalgi atti o documenti della causa. A tradução, contudo, foi malfeita, já que risultante significa emergente, e não resultante. No mesmo sentido, a palavra atti significa autos, e não atos.

O diploma processual civilista prevê que há erro quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato que efetivamente ocorreu (art. 485, § 1), sendo indispensável que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato (art. 485, § 2).

Por conseguinte, infere-se que a vontade da lei é rescindir a sentença fundada em erro de fato que emerge dos autos e documentos do processo.

5. Legitimidade

Nos termos do art. [487], do CPC, são partes legítimas para propor ação rescisória qualquer das partes do processo onde se prolatou a sentença rescindenda, seu sucessores a qualquer título, o terceiro juridicamente interessado e o Ministério Público.

Com relação ao terceiro interessado, cumpre ressaltar que estes não são alcançados pela autoridade da coisa julgada, que fica adstrita às partes do processo original. Em regra, o terceiro que interessado será aquele que pode intervir no processo inicial como assistente, ou aquele que, embora ausente, deveria ter participado na condição de litisconsorte necessário.

O Ministério Público poderá ajuizar ação rescisória quando não for ouvido no processo original sendo sua intervenção obrigatória, ou quando a sentença é rescindível em virtude de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei, segunda parte do art. [485]III, do CPC.

No tocante ao pólo passivo da demanda, serão demandados na ação rescisória todos aqueles que tenham sido partes do processo original e não estejam no polo ativo, havendo, assim litisconsórcio passivo necessário.

6. Fases do julgamento

Em regra o julgamento da ação rescisória se divide em duas fases: juízo rescindente (iudicium rescindens) e o juízo rescisório (iudicium rescissorium). A primeira fase ocorre em todas as ações rescisórias se julga a pretensão da rescisão da sentença atacada. Caso esse pedido seja julgado procedente passa-se a análise do segundo onde será julgado novamente aquilo que fora objeto de apreciação pela sentença rescindida.

Isto posto, deve o autor formular dois pedidos ao demandar a rescisão da sentença, sob pena de indeferimento e a conseqüente extinção do processo sem a resolução do mérito.

Por fim, a decisão de procedência proferida no juízo rescindente é constitutiva e a proferida no juízo rescisório será, conforme o caso, meramente declaratória, constitutiva ou condenatória.

7. Procedimento

O procedimento vem regulado nos arts. [488] a [494] do CPC, e se desenvolve perante o tribunal competente.

Inicia-se com uma petição inicial que deverá ser elaborada de acordo com o art. [282] do CPC. Ademais, o demandante deve formular dois pedidos específicos: o pedido de rescisão (iudicium rescidens) e o pedido de novo julgamento (iudicium rescissorium), quando este for cabível.

Deverá ainda o demandante depositar importância de 5% sobre o valor da causa, à disposição do juízo, que será entregue ao demandado, a título de multa, se o pedido de rescisão for julgado improcedente ou se o processo for extinto sem a resolução do mérito, exigindo-se, em ambos os casos, a unanimidade de votos. Tal disposição é dispensável quando o demandante for ente federal ou o Ministério Público ou beneficiário de gratuidade de justiça.

Cumpre ressaltar que a propositura de ação rescisória não obsta a produção de efeitos da sentença rescindenda, nos termos do art. [498], do CPC. Todavia, hipótese excepcional ocorre quando há suspensão da eficácia da sentença rescindenda até o julgamento da ação rescisória, que seria obtido através de concessão de medida de urgência.

Proposta a ação rescisória, será a demanda distribuída a um relator, que poderá indeferi-la nos casos previstos no art. [295], do CPC, ou quando não tiver sido efetuado o depósito mencionado.

Recebida a ação pelo relator através de despacho liminar positivo, haverá citação do demandado com prazo para resposta estipulado pelo relator, não inferior a 15 nem superior a 30 dias.

Admitem-se o oferecimento de todas as respostas do réu possíveis no CPC. Após o decurso do prazo para resposta, o procedimento segue os rumos do rito ordinário. Havendo, contudo, necessidade de produção de provas, o relator deverá determinar que o juízo de direito da comarca faça o seu recolhimento, estipulando-se prazo para devolução dos autos, entre 45 e 90 dias.

Por fim, feita a colheita de provas, poderão as partes apresentar alegações finais no prazo de 10 dias sucessivos. Em seguida será a demanda rescisória julgada pelo órgão colegiado competente, o qual exercerá iudicium rescidens, se for o caso, passará ao iudicium rescissorium.

8. Prazos

Dispõe o art. [495], do CPC, que o prazo para propor ação rescisória é de 2 anos, a contar do trânsito em julgado da decisão. Tal prazo é decadencial, logo, não se suspende nem se interrompe.

Embora o dispositivo afirme que o prazo decadencial corre do trânsito em julgado da decisão rescindenda, a jurisprudência firmou entendimento no sentido de que o termo inicial do prazo é o momento em que se torna irrecorrível o último pronunciamento judicial exarado no processo, consoante o Enunciado nº 401 da Súmula do STJ[9].

Consumada a decadência surge a chamada “coisa soberanamente julgada”, já que seu conteúdo não poderá mais ser alterado.

Outro ponto relevante pertinente ao prazo decadencial, repousa na hipótese de uma segunda sentença que ofender a coisa julgada da primeira constituir coisa soberanamente julgada.

Alexandre Câmara[10] traz uma proposta de lege ferenda que deve ser levada em consideração: na hipótese de uma segunda sentença transitada em julgado ofender a coisa julgada da primeira, o direito à rescisão não estaria sujeito à decadência, podendo ser exercido a qualquer tempo.

Todavia, sob a ótica do modelo processual vigente, vale acompanhar o entendimento de Pontes de Miranda (1976, apud CÂMARA, 2013, p. 32), segundo qual deve-se considerar que a segunda sentença prevalece sobre a primeira, respeitando-se, contudo, os efeitos que aquela tenha produzido. Aplica-se, assim, a regra de eficácia da norma jurídica no tempo: norma posterior prevalece sobre norma anterior, mantendo os efeitos produzidos.

Existem ainda alguns casos específicos que trazem prazos diferenciados para propositura da ação rescisória.

O primeiro está contido no art. 8º-C, da lei 6.739/79, que dispõe sobre a Matrícula e o Registro de Imóveis Rurais, e dá outras Providências. Tal diploma afirma que o prazo para ajuizamento de ação rescisória relativa a processos que digam respeito a transferência de terras públicas rurais, é de oito anos, contados do trânsito em julgado da decisão.

O segundo pode ser encontrado no Código Eleitoral. A ação rescisória foi inserida na legislação eleitoral pela Lei Complementar nº [86]/96, através da inclusão da alínea ‘j’ no inciso I do art. [22] do Código Eleitoral.

Assim dispõe o referido dispositivo:

Art. 22. Compete ao Tribunal Superior:

I - Processar e julgar originariamente:

(...)

j) a ação rescisória, nos casos de inelegibilidade, desde que intentada dentro de cento e vinte dias de decisão irrecorrível, possibilitando-se o exercício do mandato eletivo até o seu trânsito em julgado.

Todavia, o STF no julgamento da ADI 1.459-5, declarou a inconstitucionalidade de expressões “possibilitando-se o exercício do mandato eletivo até seu trânsito em julgado”. Senão vejamos:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ELEITORAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. AÇÃO RESCISÓRIA ELEITORAL (LEI COMPLEMENTAR Nº [86], DE 14.05.1996, QUE ACRESCENTOU A ALÍNEA J AO INC. I DO ART. [22] DO CÓDIGO ELEITORAL). SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DA COISA JULGADA SOBRE INELEGIBILIDADE. EFICÁCIA RETROATIVA DA LEI: INADMISSIBILIDADE. 1. Não ofende a Constituição Federal a instituição de uma Ação Rescisória Eleitoral, como prevista na alínea j do inc. I do art. [22] do Código Eleitoral (Lei nº 4.737, de 15.07.1965), acrescentada pelo art.  da Lei Complementar nº [86], de 14.05.1996. 2. São inconstitucionais, porém, as expressões "possibilitando-se o exercício do mandato eletivo até seu trânsito em julgado", contidas na mesma alínea j, pois implicariam suspensão, ao menos temporária, da eficácia da coisa julgada sobre inelegibilidade, em afronta ao inciso XXXVI do art.  da Constituição Federal. 3. Igualmente inconstitucionais as expressões "aplicando-se, inclusive, às decisões havidas até cento e vinte dias anteriores à sua vigência", constante do art. 2º da mesma L. C. Nº 86/96, pois, essa eficácia retroativa afetaria direito adquirido daqueles que foram beneficiados pela coisa julgada em matéria de inelegibilidade, quando ainda não havia possibilidade de sua impugnação por Ação Rescisória. 4. Ação Direta julgada procedente, em parte, para declaração de tais inconstitucionalidades, tudo nos termos do voto do Relator.(STF - ADI 1459, Relator (a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 17/03/1999, DJ 07-05-1999 PP-00001 EMENT VOL-01949-01 PP-00001)

Destarte, o único órgão da Justiça Eleitoral que tem competência para apreciar ação rescisória é o Tribunal Superior Eleitoral; a única hipótese de cabimento é a desconstituição de decisão de mérito que verse sobre inelegibilidade; o prazo para propositura é de 120 dias do trânsito em julgado da decisão. Neste sentido:

AÇÃO RESCISÓRIA. INELEGIBILIDADE. ART. Ig, DA LC N. [64]/90. REJEIÇÃO DE CONTAS. TCU. CONVÊNIO FEDERAL. REGISTRO DE CANDIDATURA INDEFERIDO. DECISÃO MONOCRÁTICA. VIOLAÇÃO LITERAL A DISPOSITIVO DE LEI. ART. [16] DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL. LC N. [135]/2010. ELEIÇÕES 2010. NÃO APLICAÇÃO. PRECEDETENTE STF. REPERCUSSÃO GERAL. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. REGISTRO DEFERIDO.1. É admissível a propositura de ação rescisória contra decisão singular lavrada por membro desta Corte, desde que apreciado o mérito da causa pelo ministro relator.2. O STF decidiu, por maioria, que a LC nº [135] não se aplica às eleições 2010, em face do princípio da anterioridade eleitoral (art. [16] da Carta Magna), reconhecendo a repercussão geral da questão (RE nº 633.703/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, sessão plenária de 23.3.2011).3. Afastada a incidência da LC nº [135]/2010, a decisão proferida no RO nº 2263-12/BA deve ser rescindida, pois, nos termos da redação anterior do art. Ig, da LC nº [64]/90, o prazo de inelegibilidade é de 5 (cinco) anos, contados a partir da data da decisão irrecorrível do órgão competente.4. No caso vertente, o julgamento das contas pelo TCU ocorreu em 28.8.2001, por meio do Acórdão nº 529/2001, cujo trânsito em julgado se deu no dia 21.12.2002, já tendo transcorrido, portanto, em 21.12.2007, o prazo de inelegibilidade previsto na mencionada norma.5. Ação rescisória que se julga procedente para deferir-se o pedido de registro de candidatura de Joélcio Martins da Silva ao cargo de deputado estadual.(Ação Rescisória nº 64621, Acórdão de 26/05/2011, Relator (a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 22/08/2011, Página 15)

Embargos de declaração. Oposição contra decisão monocrática. Efeitos infringentes. Recebimento como agravo regimental. Ação cautelar preparatória para ação rescisória. Ação rescisória incabível. Não provimento. [...]. 2. Compete ao Tribunal Superior Eleitoral processar e julgar a ação rescisória de seus próprios julgados que tenham analisado o mérito de questões atinentes à inelegibilidade. [...]. 3. A ação cautelar preparatória para o ajuizamento de ação rescisória que visa rescindir acórdão que sequer adentrou ao mérito recursal, que versava sobre condição de elegibilidade (filiação partidária), é manifestamente incabível. [...].(TSE - Ac. De 18.11.2010 no ED-AC nº 282474, rel. Min. Aldir Passarinho Junior.)

9. Recursos cabíveis

Segundo Márcio Vinicius Rios Gonçalves[11], como na ação rescisória surge novo processo, havendo decisão do tribunal sobre a ação rescisória, cabem embargos infringentes, embargos de declaração, recurso especial e recurso extraordinário.

Os embargos de declaração são cabíveis contra qualquer provimento judicial de conteúdo decisório: sentenças, acórdãos e, segundo Alexandre Câmara[12], apesar do silêncio da lei, decisões interlocutórias, visando impugnar decisão judicial eivada de obscuridade, contradição ou omissão.

Cabe, quando não unânime o julgamento, o recurso de embargos infringentes em ação rescisória (art. [530], do CPC). Segundo a redação atual, estabelecida pela Lei 10.352/01, cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Assim, a decisão de improcedência do pedido de rescisão, ainda que por maioria, preserva a coisa julgada. Ao revés, a decisão que, por maioria, julga procedente o pedido de rescisão, revela uma divergência quanto a ser ou não caso de desconstituição da coisa julgada material.

Caberá ainda, o recurso extraordinário, bem como recurso especial contra decisão do tribunal, caso preenchidos os requisitos presentes na Constituição Federal para interposição de cada um deles.

Por fim, conforme o entendimento de Márcio Vinicius Rios Gonçalves[13], se a ação rescisória for julgada no mérito e o acórdão padecer de algum dos vícios presentes no art. [485], do CPC, será possível ajuizar ação rescisória de ação rescisória. Por exemplo, um tribunal, por equívoco, julga extinta uma ação rescisória por decadência, todavia, houve erro na contagem do prazo. Logo, será possível rescindir o acórdão proferido na primeira ação rescisória através do ajuizamento de uma segunda.

10. Considerações Finais

Consoante todo o exposto, pode-se inferir que a ação rescisória tem a função precípua de garantir a justiça, a segurança jurídica e a legalidade na prestação jurisdicional, de modo a evitar que qualquer sentença viciada possa se manter.

A possibilidade que o jurisdicionado possui de se insurgir contra uma decisão acobertada pela coisa julgada deve ser analisada com todas as cautelas, respeitando-se os pressupostos e seguindo os procedimentos previstos no CPC, em razão da seriedade das conseqüências da ação rescisória.

Embora existam algumas controvérsias quanto ao prazo decadencial e a impropriedade gramatical de alguns dispositivos, a ação rescisória é um instituto essencial no combate à condutas imorais e ilegais dentro do processo civil, garantindo, assim, uma prestação jurisdicional hígida e segura.


11. Referências Bibliográficas

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil- Vol. II. São Paulo: Atlas, 2013;

_________. Lições de Direito Processual Civil- Vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012;

GONÇALVES, Marcos Vinícius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011;

Informativo 509 do STJ, período de publicação 05/12/2012. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/docsinternet/informativos/RTF/Inf0509.rtf > Acesso em: 14 de junho de 2013;

Informativo 521 do STJ, período de publicação 26/06/2013. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/docsinternet/informativos/RTF/Inf0521.rtf > Acesso em: 07 de julho de 2013;

TSE, Ação Direta de Inconstitucionalidade no1.459-5. Disponível em: < http://tse.jus.br/hotSites/CatalogoPublicacoes/revista_eletronica/internas/rj14_3/paginas/acordaos/adin14595.htm> Acesso em: 11/07/2013;

TEIXEIRA, Karina Alves. Da Ação Rescisória e suas peculiaridades. Disponível em: < http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/da-a%C3%A7%C3%A3o-rescis%C3%B3riaesuas-peculiaridades>. Acesso em: 01 de junho de 2013.


[3]A questão da tempestividade e suas nuances serão analisadas com mais acuidade em tópico específico do trabalho.

[4] Alexandre Câmara, Lições de Direito Processual Civil, vol. II, p. 20.

[5] Alexandre Câmara, Lições de Direito Processual Civil, vol. II, p.20-21.

[6]STF Súmula 343 - Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.

[7] Alexandre Câmara, Lições de Direito Processual Civil, vol. II, p. 24.

[8] Alexandre Câmara, Lições de Direito Processual Civil, vol. II, p. 25.

[9]STJ Súmula 401 - O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial.

[10] Alexandre Câmara, Lições de Direito Processual Civil, vol. II, p. 32.

[11] Márcio Vinicius Rios Gonçalves, Direito Processual Civil Esquematizado, p. 451.

[12] Alexandre Câmara, Lições de Direito Processual Civil, vol. II, p. 121.

[13] Márcio Vinicius Rios Gonçalves, Direito Processual Civil Esquematizado, p. 451.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos