A sanção como perda da função pública possui previsão constitucional no art. 37, § 4º da Constituição Federal (CF), bem como em todos os incisos do art. 12 da Lei nº 8. 429/92.
Junto com a punição de suspensão dos direitos políticos a perda da função pública, constitui em uma medida extremamente gravosa, na medida em que é rompido o vinculo jurídico do servidor com a organização pública vitimada pela conduta ímproba.
Alguns pontos merecem ser destacados nessa sanção, uma delas se refere que a punição obviamente se direciona aos agentes públicos, não se aplicando as pessoas que não possuem vínculo jurídico com o Estado.
Vale ainda destacar que a perda da função pública se aplica a todos os servidores da administração direita e indireta, dos três Poderes, ou seja, englobam todo o rol de pessoas dispostas no art. 1º da Lei nº 8. 429/92. Deve-se ainda estender os efeitos desta sanção aos empregados do setor privado que recebem ou receberam apoio do Estado acima dos limites fixados.
Noutra quadra, deve-se deixar claro que alguns tipos de pessoas ficam foram do espectro dessa sanção, como por exemplo, as pessoas jurídicas contratadas pelo Estado, os concessionários e permissionários de serviços públicos dentre outros.
Merece destaque em relação às pessoas que não são abrangidas a figura dos aposentados, pois a Lei de Improbidade Administrativa não previu como sanção a cassação da aposentadoria, nessa esteira não se poderia confundir cassação da aposentadoria com a perda da função pública, as quais se constituem em sanções autônomas e totalmente diferentes entre si, em sentido contrário, e minoritário vozes renomadas nos direito brasileiros como os de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (2010, p. 492).
Para aprofundar melhor nessa sanção, passa-se a estudar a aplicação da perda da função pública a alguns agentes, dentre eles os oficiais da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso. O primeiro caso é o do Presidente da República, a qual segundo o art. 85, V da Constituição Federal, a pratica de ato atentatório a probidade administrativa é crime de responsabilidade. Neste caso a perda da função pública segundo a própria constituição segue um rito previsto no art. 52, CF: a Câmara dos Deputados autoriza a instauração do processo, e o Senado Federal o executa e o julga, aplicando se entender cabível a perda da função pública se cabível, art. 52, parágrafo único da CF.
Digno de registro a decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 978, tendo como relator o Ministro Celso de Mello, segundo as quais outras autoridades como Governadores e Prefeitos, não possuem a mesma prerrogativa podendo sujeitar-se a perda da função pública decretada por juiz singular.
Outro caso sujeito à medida especial são os Deputados Federais e Senadores. Estes sujeitos estão condicionados a perda do mandato no art. 55, da Constituição Federal, e por simetria se aplica aos Deputados Estaduais, art. 27, § 1º da CF. Em corolário, esses parlamentares não podem ser sancionados com a perda da função pública em ação de improbidade administrativa proposta perante um juiz singular.
Chama-se atenção da perda da função pública quanto aos cargos que são dotados de vitaliciedade – magistrados, membros do Ministério Público, do Tribunal de Contas e os Oficiais das Forças Armadas e das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares.
Os magistrados, a Lei Complementar 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura), nos art. 26 e art. 27, dispõe sobre a perda do cargo e ainda da necessidade de que o procedimento seja instaurado perante o Tribunal que pertença, semelhante prerrogativa possui os membros do Tribunal de Contas (art. 73, § 3º, da Constituição Federal), em relação ao Ministério Público essa prerrogativa é assegurada no art. 18, II, “a” à “c”, da Lei Complementar nº 75/93 – Ministério Público Federal e art. 26, da Lei nº 8.625/93 – Ministério Público dos Estados. Vale ressaltar que há entendimentos como os de Maria Sylvia Zanella de Pietro (1993, p. 723) que entende que tais autoridades poderiam perder seus cargos através de decisão de juiz singular.
Questão assaz tormentosa é quanto à vitaliciedade do cargo do Oficial da Polícia Militar, para fins de perda do posto e da patente nas condenações por improbidade administrativa. Isso porque a vitaliciedade assegura ao agente público o direito de somente ser destituído do seu cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado, ou seja, não pode ocorrer a extinção do vínculo-jurídico do servidor com o ente a que pertença por mero processo administrativo revestido de ampla defesa e contraditório.
Nessa quadra pode-se através de uma interpretação do texto constitucional que os oficiais da Polícia Militar possuem essa prerrogativa prevista nos arts. 42, § 1º, c/c 142, § 3º, VI e VII, da CF, e também os graduados do serviço militar estadual, art. 125, § 4º da CF, a qual todos somente poderiam perder suas funções públicas por decisão do Poder Judiciário. No âmbito da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso, por exemplo, a Lei Complementar nº 555, de 29 de Dezembro de 2014 (Estatuto dos Militares do Estado de Mato Grosso), em boa ora, dispõe expressamente a respeito da necessidade de decisão judicial a respeito da perda do posto e da patente do Oficial: “Art 65 O Oficial possui vitaliciedade, não podendo perder o cargo, senão por sentença judicial transitado em julgado no Tribunal de Justiça, nos termos do art. 142, § 3º, incisos VI e VII da Constituição Federal” (MATO GROSSO, 2014, p. 10).
Nesse caminho é também disposto na Lei nº. 3.993 de 26 de Junho de 1.978, a qual dispõe, na Polícia Militar do Estado de Mato Grosso, sobre o Conselho de Justificação, e dá outras providências, cujo conteúdo apenas se descreve: “Art. 14 - É da competência do Tribunal de Justiça do Estado, julgar, em instância única, os processos oriundos do Conselho de Justificação, a ele remetido pelo Governador do Estado” (MATO GROSSO, 1978, p.03).
Os dispositivos normativos que acima foram transcritos de longe são inovações legislativas do Estado de Mato Grosso. Há muito tempo vem-se garantindo a vitaliciedade aos oficiais das Forças Armadas. A Constituição Imperial no art. 149, dizia que “os oficiais do Exército e Armada não poderão ser privados das suas patentes senão por sentença proferida em Juízo competente”. A próxima Constituição a de 1891 previa no art. 76 que a perda da patente deveria ser precedida de condenação criminal em mais de 2 (dois) anos de prisão. A Constituição seguinte a de 1934, no art. 165, § 1º, dizia que a perda da patente ocorreria através de decisão de Tribunal Militar Competente. As Constituições de 1937, de 1946 e 1967, nos artigos 160, parágrafo único, art. 181, § 2º e art. 94, § 2º, respectivamente, possuíam textos semelhantes da Constituição de 1934. A Constituição Federal de 1988, inicialmente previa no art. 42, §§ 7º e 8º, a previsão da perda do posto e da patente do oficial está condicionada a decisão do Poder Judiciário, com a Emenda Constitucional nº 18, de 05 de Fevereiro de 1988, essa prerrogativa está transcrita no art. 142, § 3º, VI e VII, da Constituição Federal.
Atualmente, existe uma tendência do Supremo Tribunal Federal a partir do RE nº. 318.469/DF, que a sentença, ou melhor, o acordão proferido por tribunal competente referente ao processo de perda do posto e da patente, possui natureza meramente administrativa. Nesse sentido:
Recurso Extraordinário: descabimento: natureza administrativa da decisão do STM que, em Conselho de Justificação, decreta a perda do posto e da patente, por indignidade e incompatibilidade com o oficialato (Lei º 5. 836/72, art. 16, I): precedente da Corte, STF, 1ª Turma, RE nº 318.469/DF, Rel. Min. Sepúlvida Pertence, julgado em 26/02/2008 (BRASIL, 2008, p.01)
Contudo, esse posicionamento não possui efeito vinculante, além disso, há precedentes no próprio Supremo Tribunal Federal no sentido contrário, in verbis:
[...] Também os oficiais das Polícias Militares só perdem o posto e a patente se forem julgados indignos do oficialato ou com ele incompatível por decisão do Tribunal competente em tempo de paz. Esse processo não tem natureza de procedimento “parajurisdicional”, mas, sim, natureza de processo judicial, caracterizando, assim causa que pode dar margem à interposição de recurso extraordinário, STF, 1ª Turma, RE nº 186.116/ES, rel. Min. Moreira Alves, j. em 25/08/1998 (BRASIL, 1998, p. 01)
São muito oscilantes as decisões do Pretório Excelso no que tange a perda do posto e da patente dos Oficiais Militares, pois uma vez decidindo que o processo no Tribunal não possui natureza jurídica, não há que se falar em vitaliciedade dos oficiais.
Ao contrário, ao se decidir que o processo referente ao julgamento do oficial de indignidade para o oficialato tenha natureza de processo judicial, estar-se-ia indo ao encontro da vitaliciedade do cargo de oficial, o que inclusive daria ensejo aos recursos Extraordinário e Especial, perante o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, respectivamente.
Por fim, existe outra tendência do Supremo Tribunal Federal em reconhecer que a competência do Tribunal Militar para decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças refere-se somente aos crimes militares, quando a perda da função pública foi decidida como pena acessória, nesse caminho é RE, nº 121.533, Rel.Min. Sepúlvida Pertence, julgado em 26 de Abril de 1990, ou ainda STF, Pleno, RE nº 197. 649-7, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 04/06/97.
Em combate ao disposto acima, os acórdãos do Pretório se restringem em sua totalidade ao art. 125 § 4º da Constituição Federal, contudo, em suas decisões não se importa a exegese descrita na carta constituição prevista no art. 142 § 3º, incisos VI e VII da CF, em corolário há um alijamento de uma prerrogativa prevista aos Oficiais Militares desde a Constituição Imperial.
Em respeito ao Legislador derivado decorrente, o ideal é que o art. 65 da Lei Complementar Estadual 555/2014 tivesse estatuído que o processo de Perda do Posto e da Patente do Oficial da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso, possuísse natureza jurisdicional com arrimo no art. 142 § 3º, incisos VI e VII da CF, pois assim, indubitavelmente se revestiria a vitaliciedade teologicamente desejada pelo constituinte através dos Recursos Especial e Extraordinário.
Devido as peculiaridades e a complexidade que o cargo do Oficial Militar possui, a Lei Complementar 555/14, sem dúvida constitui um avanço significativo em todos os sentidos, principalmente quanto a prerrogativa Constitucionalmente prevista aos Oficiais Militares (Federal e Estadual). Resta, portanto, aplicá-la.
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Autor: Stenio Henrique Sousa Guimarães, Bacharel em Segurança Pública, Bacharel em Direito, Especialista em Segurança Pública, Especialista em Direito Processual Penal, e Especializando em Consultoria Empresarial.