O presente artigo tem por objetivo refletir, de forma sucinta, sobre o instituto da supressio, sobretudo nas relações consumeristas dos planos de saúde.
Segundo definição de Flávio Tartuce, supressio significa "a supressão, por renúncia tácita, de um direito, pelo seu não exercício com o passar dos tempos[1]”.
Para Luiz Rodrigues Wambier, no artigo publicado na Revista dos Tribunais 915/280, janeiro de 2.012: "A supressio significa o desaparecimento de um direito, não exercido por um lapso de tempo, de modo a gerar no outro contratante ou naquele que se encontra no outro polo da relação jurídica a expectativa de que não seja mais exercido. Pode-se dizer que o que perdeu o direito teria abusado do direito de se omitir, mantendo comportamento reiteradamente omissivo, seguido de um surpreendente ato comissivo, com que já legitimamente não contava a outra parte"
Há de se considerar que existem inúmeras ações judiciais a respeito de reajustes abusivos praticados pelos planos de saúde na mensalidade de seus segurados. A majoração exacerbada realizada de forma unilateral pelas seguradoras, viola as normas de proteção inseridas no Código de Defesa do Consumidor, bem como afronta o princípio da boa-fé objetiva.
Ao contratar um plano de saúde, o segurado tem o seu contrato regido pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Com efeito, o CDC dispõe em seu artigo 3º, § 2º, que "serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.
Corroborando este entendimento, O Superior Tribunal de Justiça se manifestou e editou a Súmula 469 do STJ: “aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”.
O direito do consumidor não pode ser afastado, em hipótese nenhuma, por lei, independentemente de sua natureza, tampouco pode o Poder Judiciário deixar de reconhece-lo. Isto se deve ao fato de tal direito ter previsão constitucional no artigo 5º, inciso XXXII, constituindo-se garantia fundamental.
Assim, de rigor a aplicação dos artigos 39 e 51 do CDC na relação entre seguradora e segurado:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.
XIII - aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido.
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;
XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;
Consigne-se que se o plano de saúde fizer qualquer remanejamento, como a criação de uma subcategoria para enquadrar os seus seguradores e, com isso, justificar um aumento de mensalidade exorbitante, configura-se hipótese de evidente onerosidade excessiva, ou seja, o reenquadramento é tido como abusivo e ilegal.
Além disso, a modificação unilateral do plano de saúde afronta o princípio da boa-fé objetiva, bem como dos demais princípios que norteiam as relações contratuais, sobretudo os previstos no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil.
De rigor não se olvidar de que a cláusula geral de boa-fé impõe aos negócios jurídicos deveres que lhes são intrínsecos, cujo fim é observar comportamentos de lealdade, probidade, de modo que é imprescindível ao plano de saúde informar claramente todo o conteúdo do contrato. Se isto ocorrer, tem-se, então, a criação de um vínculo de confiança no segurado.
Nessa mesma linha de raciocínio, a requalificação ou remanejamento do segurado para uma categoria até então inexistente ofende a a boa-fé objetiva, já que a inércia de um direito subjetivo que se prolongou no tempo gera no segurado, beneficiário do plano de saúde, a certeza de que não o exerceria mais.
Assim tem se manifestado a jurisprudência a respeito do instituto da supressio:
REGIME DE EXCEÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO. PLANO DE SAÚDE. CONTRATO COLETIVO EMPRESARIAL. SUSPENSÃO DO CONTRATO DO TRABALHO. IRRELEVÂNCIA. MANUTENÇÃO DO PACTO. SUPRESSIO. JUSTA EXPECTATIVA QUANTO AO CUMPRIMENTO DO CONTRATO DA FORMA USUALMENTE IMPLEMENTADA. CONDUTA REITERADA QUE CRIA DIREITO SUBJETIVO. DANOS MORAIS. INOCORRÊNCIA. 1. O contrato de seguro ou plano de saúde tem por objeto a cobertura do risco contratado, ou seja, o evento futuro e incerto que poderá gerar o dever de ressarcir os danos à saúde ocasionados por parte da seguradora. Outro elemento essencial desta espécie contratual é a boa-fé, na forma do art. 422 do Código Civil, caracterizada pela lealdade e clareza das informações prestadas pelas partes. 2. Há perfeita incidência normativa do Código de Defesa do Consumidor nos contratos atinentes aos planos ou seguros de saúde, como aquele avençado entre as partes, podendo se definir como sendo um serviço a cobertura do seguro médico ofertada pela demandada, consubstanciada no pagamento dos procedimentos clínicos decorrentes de riscos futuros estipulados no contrato aos seus clientes, os quais são destinatários finais deste serviço. Inteligência do art. 35-G da Lei 9.656/98. Aliás, sobre o tema, o STJ editou a súmula 469, dispondo que: aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde. 3. O contrato celebrado entre as partes prevê o desligamento do beneficiário na hipótese de suspensão do contrato de trabalho, como é o caso da... parte autora, que está em gozo de auxílio-doença, em conformidade com os artigos 476 da CLT e 63 da Lei 8.213/91. 4. No entanto, a despeito de o benefício previdenciário ter sido concedido em janeiro de /2007, a ré, em maio, julho e dezembro de 2007, autorizou a realização de uma consulta, bem como de sessões de fisioterapia e de tratamento de que necessitava a autora. 5. Assim, é legítima a expectativa da postulante de não exclusão do conteúdo obrigacional do pacto avençado pela ré, que lhe manteve na condição de beneficiária do plano de saúde. Doutrina da supressio, dever anexo ao da boa-fé. 6. Além disso, mesmo que, com exceção das co-participações, o plano de saúde fosse integralmente custeado pela empregadora da autora, é importante registrar que há duas relações jurídicas distintas: uma entre a empregadora e o empregado e outra entre este e a operadora. Logo, enquanto não rescindido o contrato de trabalho, hipótese que autoriza a exclusão dos beneficiários dos planos coletivos empresariais, não é lícito à operadora cancelar o plano de saúde. 7. Por derradeiro, não é crível que, justamente quando a autora mais necessita dos serviços da ré, já estando afastada do trabalho por motivo de doença, esta pretenda deixá-la sem assistência à saúde, ato que atentaria ao princípio da dignidade da pessoa humana, o qual norteia qualquer relação jurídica. 8. Danos morais. Somente os fatos e acontecimentos capazes de abalar o eq... considerados para tanto, sob pena de banalizar este instituto, atribuindo reparação a meros incômodos do cotidiano, em especial quando se trata de responsabilidade contratual e não houve recusa injustificada, mas com base em interpretação equivocada do pacto. Dado parcial provimento ao apelo. (Apelação Cível Nº 70057896011, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 24/09/2014).
(TJ-RS - AC: 70057896011 RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Data de Julgamento: 24/09/2014, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 30/09/2014)
O instituto da supressio prestigia, portanto, a segurança jurídica que deve existir nas relações privadas. Assim, não se pode aceitar condutas inesperadas, após um longo tempo de inércia do exercício de um direito por parte do seu titular, causando à parte contratante verdadeira “surpresa.
O exercício fora de tempo desse direito subjetivo é descabido, abusivo e, por que não dizer, ilegal, pois viola o princípio da boa-fé objetiva e, como consequência, traz forte insegurança jurídica e quebra o equilíbrio das relações-jurídico-negociais na esfera privada.
[1] Direito Civil - Teoria Geral do Contrato e Contrato em Espécie. Vol. III, Editora Método, São Paulo: 2006, pág. 108.