O homem diz o que sabe, a mulher diz o que o agrada; para falar, um precisa de conhecimento, a outra de gosto; [...] (Rousseau, Emílio ou Da Educação, Livro V) [1]
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 CONTEXTUALIZANO GÊNERO. 3 DIREITO PENAL. 3.1 TIPOS PENAIS. 3.2 PUNIBILIDADE. 3.3 APLICAÇÃO DA PENA. 4 RELAÇÃO ENTRE DIREITO E GÊNERO. 5 LEI Nº 11.340/2006 - LEI MARIA DA PENHA. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
RESUMEN
En este artículo se analiza la relación entre derecho penal y sus implicaciones en cuestiones relacionadas a las mujeres. Estas cuestiones se analizan sobre la base de la relación entre los derechos y el cambio social, la necesidad de buscar la categoría de género para elaborar estrategias políticas y legales, y desarrollar el trabajo académico para fortalecer la igualdad y denunciar la realidad de la inclusión social de las mujeres en un Estado democrático de derecho.
Palavras-chave: Direito; Gênero; Cidadania; Igualdade; Pena.
1. INTRODUÇÃO
Para compreender a conexão entre os conceitos de gênero e Direito Penal é importante perceber a concepção de cidadania, conceito que segundo Jaime Pinsky (2005, p. 9) “não é uma definição estanque e que varia no tempo e no espaço”. Portanto, não há uma sequência única e determinista na definição da palavra para todos os lugares e épocas.
Nos primórdios da sociedade, cidadania era uma expressão que dava ao indivíduo, exceto mulheres, escravos, crianças e estrangeiros, direitos em relação ao Estado Romano e indicava sua situação política. Hoje, de acordo com a concepção do ilustre Dalmo Dallari (1998, p.14) a cidadania:
[...] expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social.
A cidadania se constrói como um processo interno, no interior da prática social constituindo novos sujeitos históricos no cotidiano através do processo de identidade político-cultural. Essa cidadania determinada pelos paradigmas hegemônicos deve estar pautada numa agenda de inclusão, igualdade e afirmação dos direito humanos. Direitos esses que não valorizavam elementos de diferenciação entre um indivíduo e outro (gênero, etnia, idade, cor, orientação sexual), mas concebia aos seus titulares de forma genérica e abstrata o caráter de cidadão e sujeito de direito.
É possível reler toda a história da humanidade e verificar que ao longo dos tempos, a mulher esteve colocada no lugar de não cidadã da história, ou seja, a sua trajetória tem sido incessante batalha pelo reconhecimento de sua cidadania e também se constitui na denúncia de uma expressão cunhada por Ana Alice Costa (1998) de que a cidadania clássica gerou “não-poder das mulheres” .
Dito de outra maneira, a exclusão da mulher dos espaços onde se forjou a cidadania não é obra de um fenômeno natural, imutável e eterno, mas sim fruto de acontecimentos históricos passíveis de avanços e retrocessos. Uma vez que a luta por igualdade entre os gêneros é constante, como observaremos na Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
O direito penal é um direito público que usa instrumentos para coibir excessos e penalizar ações (a)típicas do cidadão. Em tese, o direito penal protege a sociedade, excluindo do convívio os marginalizados.
Contudo essa ideia de exclusão de uns para proteção de outros não é uma verdade absoluta. O meio de punição, por muitas vezes gera segregação daqueles que já são penalizados por questões sociais, a exemplo de pobreza, raça, sexo, classe social, dentre outros.
Celso Antônio Bandeira de Melo (2006, p. 10) traz importante lição sobre o postulado, corroborando o entendimento:
A Lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo assimilado pelos sistemas normativos vigentes.
As reflexões que se seguem tem por objetivo realimentar esse debate uma vez que compromete a cidadania feminina, a democratização dos direitos sociais e a aplicação das sanções penais.
2. CONTEXTUALIZANDO GÊNERO
O significado do que é ser homem e ser mulher se distingue nas diversas culturas, mas em muitas delas toma-se como base as diferenças biológicas associados às características psicológicas. As mulheres eram determinadas pela natureza e delas era esperado determinados papéis, principalmente de esposa e mãe. O feminismo, realizando uma crítica a tais concepções reformulou o significado das questões relativas às mulheres e propôs um novo conceito: Gênero. Entende-se, portanto o gênero como uma construção sócio-cultural estabelecida pelas relações entre homens e mulheres.
O gênero é um conjunto de princípios, valores, costumes e práticas através das quais as diferenças biológicas entre homens e mulheres é culturalmente significada. Esse conceito adquiriu um novo sentido a partir dos anos 70, quando a palavra gênero foi utilizada para enfatizar o caráter social das distinções estabelecidas sobre o sexo. O gênero tornou-se uma forma de indicar “construções sociais”, histórica e porque não dizer baseada em relações de poder que tem o corpo biológico e sexuado uma justificativa para identidades subjetivas de homens e mulheres dentro das diversas culturas. (SCOTT, 1995; BUTLER, 2003)
O gênero como elemento constitutivo das relações sociais com base na diferenças percebidas entre os sexos é uma forma primária de significar relações de poder, uma vez que tais diferenças se configuram como desigualdades. Ao se tratar das relações de gênero, necessariamente tratamos de concepção e práticas sociais que acentuam ou enfatizam o poder masculino sobre as mulheres, e mais amplamente o acesso diferenciado dos dois gêneros aos recursos culturais e simbólicos. Nesse sentido trazemos a definição de Donna Haraway (2000, p. 68) para quem:
O gênero é uma relação, não uma categoria pré-formada de seres ou algo que alguém possa ter na sua posse [...]. O gênero é uma relação entre categorias de homens e mulheres, constituídas de forma variada e diferenciadas por nação, geração, classe, linhagem, cor e muito mais.
O termo gênero é usado justamente para falar daquelas diferenças socialmente assimiladas; aquilo que aprendemos com os nossos costumes sobre o que significa, entre outras coisas, ser homem ou ser mulher. Gênero é um conteúdo social que costumamos dar a certos modelos de “masculino” e de “feminino”.
As mulheres vêm lutando por direitos e igualdades desde tempos imemoriais, contudo apesar das importantes conquistas como o direito ao voto, à educação, à participação política, ainda continua na modernidade uma relação, tida como natural, de hierarquia entre homens e mulheres. Mesmo com a mudança de concepção de mundo trazida pelo projeto iluminista da modernidade ainda reinava a velha ordem de que o homem pertence ao mundo exterior e a mulher ao interior (ROUSSEAU, 2004). Esse binômio exterior – interior abrange outras esferas de dualidades que marcam características diferenciadas entre os sexos, a exemplo da cultura – natureza, objetividade – subjetividade, racionalidade – emoção e exprimem o ideal burguês capitalista. A partir da condição de natural, subjetiva e emotiva, as mulheres foram privadas do acesso a esfera pública, ficando restrita ao espaço doméstico da vida privada que sustentava os princípios da hierarquia entre os gêneros.
O debate sobre a pluralidade de sujeitos políticos instituídos pela ação do feminismo releva que a construção da igualdade, passa pela desestruturação da ordem social que hierarquiza as diferenças e as transforma em desigualdades. As mudanças produzidas nesse processo abriram as possibilidades das mulheres se afirmarem como cidadãs, o que significa ser dotada de autonomia e direitos.
De acordo com Hannah Arendt (2005) falamos em “direitos a ter direitos”, uma vez que a conquista dele exija do sujeito um projeto de ação na esfera política, participando da democracia e luta contra as desigualdades de gênero.
3. O DIREITO PENAL
Direito Penal é o conjunto de normas jurídicas que tem por objetivo a determinação de infrações de natureza penal e suas sanções correspondentes (penas e/ou medida de segurança). É o um ramo do Direito Público dedicado às normas emanadas pelo legislador com a finalidade repressiva do delito e preservativa da sociedade. (PRADO, 2002; ZAFFARONI, 2006)
3.1 TIPOS PENAIS
Os tipos penais descrevem as condutas ilícitas e estabelecem assim os seus elementos essenciais. É um dos elementos definidores do próprio crime e seu estudo é denominado tipologia penal. Na definição de Welzel (2001) "o tipo penal é a descrição concreta da conduta proibida”. Destarte, a sanção somente poderá ocorrer quando houver um fato típico, ou seja, a descrição da conduta no Código Penal.
Os fatores que integram a descrição da conduta típica são chamados de elementos essenciais constitutivos do delito (elementares do tipo). Além desses elementos essenciais, sem os quais a figura típica não se completa, pode ser integrado por outras circunstâncias acidentais que, embora não alterem a sua constituição ou existência, influem na dosagem final da pena. Essa dosimetria da pena varia de acordo com a discricionariedade do juiz, baseado no cálculo da pena, nos termos do artigo 68 do Código Penal Brasileiro.
3.2 PUNIBILIDADE
O poder de punir de Estado tem fundamento na soberania, por isso Aldo Moro (apud Marques, 2002) fala em poder de soberania jurídico-penal do Estado.
Em sentido amplo, a punibilidade são todas as condições que concorrem para fundamentar uma responsabilidade jurídico-penal do agente, onde o Estado possui a prerrogativa de estabelecer normas jurídicas para cada conduta descrita.
Nas lições de Frederico Marques (2002), o conceito de punibilidade deve ser compreendido em dois momentos: direito abstrato de punir e direito concreto de punir.
O direito abstrato de punir é notado no momento em que a norma penal incriminadora cria para o Estado o direito de punir abstrato, onde este tem o direito de exigir do cidadão que não cometa o fato prescrito na norma penal e o cidadão tem a obrigação de não realizar a infração penal.
O segundo momento, o direito concreto de punir, materializa-se quando da infração penal origina-se uma nova relação, onde o Estado tem o dever de punir e o delinquente tem o dever de submeter-se a sanção penal.
O direito de punir, portanto, é um direito de coação indireta, mas, lembrando os ensinamentos de Nelson Hungria (apud Marques, 2002), o direito de punir não é só o direito de exigir imposição da pena cominada, mas também o direito de reclamar a imposição da pena in concreto.
3.3 APLICAÇÃO DA PENA
A individualização da pena ganhou assento constitucional (artigo 5º, XLVI da CF) estabelecendo uma das chamadas garantias criminais repressivas. Pelo princípio da individualização, a pena deve ser individualizada nos planos legislativo, judiciário e executivo, evitando-se a padronização a sanção penal. Para cada crime se tem uma pena que varia de acordo com a personalidade do agente, o meio de execução, dentre outros.
Esse princípio impõe ao juiz estabelecer, nos limites da cominação legal, a qualidade e a quantidade da pena, com vistas a atender a sua finalidade, isto é, a recuperação social do delinquente.
A necessidade e a suficiência da pena devem ser aferidas pelo julgador, com amparo nas circunstâncias judiciais (art. 59, CP). Portanto, não se trata de discricionariedade, mas de atividade vinculada ao parâmetro legal, o qual não pode ser desrespeitado, sob pena de nulidade do ato praticado, se acarretar prejuízo para o réu. O juiz tem o dever constitucional de fundamentar a sentença, revelando e especificando seus embasamentos legais ou não.
As circunstâncias admitem flexibilidade na hora de aplicar sanção, contudo não é permitido ao juiz aplicar pena diversa da prevista na lei, preexistente ao ato típico. A pena deverá ser justa e correspondente ao crime. É certo que o juiz poderá medir importância diferente à mesma circunstância, de acordo com a expressão e o valor que a infração penal confere ao delinquente, levando em consideração o meio e a época.
É bem verdade que o legislador abre um grande crédito aos juízes na hora de realizar o cálculo da pena, ampliando a sua atividade discricionária, contudo o Código Penal Brasileiro em seu artigo 68 estabelece que a fixação da pena deverá atender os critérios do artigo 59.
O que se pretende é a individualização racional da pena, a adequação da pena ao crime e à personalidade do criminoso e não a ditadura judicial. Não podemos usar a sanção penal como forma de discriminação. Assim as operações realizadas na dosimetria da pena devem ser devidamente fundamentadas, esclarecendo o magistrado como valorou cada circunstância analisada, desenvolvendo um raciocínio lógico e coerente que permitia às partes acompanhar e entender os critérios utilizados nessa valoração.
4. RELAÇÃO ENTRE DIREITO E GÊNERO
Os conhecimentos iniciais acerca da criminalidade feminina estão vinculados a bruxaria e a prostituição, que eram considerados comportamentos que fugiam dos padrões hegemônicos estabelecidos pela sociedade para a mulher.
Os primeiros gestos de desobediência das mulheres à lei surgem por volta do século XI. É o período conhecido como Inquisição[2], que puniu mulheres e homens que ousavam desobedecer às regras e dogmas da Igreja. Nesse período inicia-se a “caça às bruxas”, ou seja, o extermínio de mulheres acusadas de feitiçaria, carga que era atribuída à natureza feminina destas. Durante a Inquisição a lei que preservava e descrevia determinadas condutas como certas e erradas era separada em tipicamente masculinas e tipicamente femininas, utilizando uma separação realizada através de um olhar masculino (PINHO, 2009).
O discurso jurídico[3] e seus modos de operacionalidade não se apresentam imparciais ou neutros, visto a existência da construção de estereótipos[4] para comportamentos típicos femininos como a bruxaria e a prostituição. Essa aparente parcialidade resulta em um tratamento diferenciado de proteção ou punição para cada tipo penal.
Ainda não existem estudos específicos quanto à distinção entre os gêneros na qualificação da pena, contudo é percebido entre os leigos que a brandura ou o rigor do tratamento (independente da instância do poder judiciário) está intimamente ligado ao comportamento das mulheres. Ou seja, se a conduta é a esperada, o tratamento é mais brando, se a conduta for tipicamente masculina[5] o tratamento é mais severo. Destarte as questões de gênero vão sempre interferir nas fundamentações das sentenças, evidenciando preconceitos em relação ao gênero do réu nas ações criminais.
A análise da criminalidade feminina não se restringe a delitos específicos como o infanticídio e o aborto do art.124 CP, mas devem ser analisados com um viés genérico, onde o tipo penal possa ter como sujeito ambos os gêneros.
O discurso jurídico de mero aplicador das normas precisa urgentemente ser repensado e o papel do jurista dentro da construção das normas deve ser social. Cada desenvolvimento e avanço que a sociedade demonstrar precisa ser levado em consideração no momento da tipificação das condutas. Por isso, o juristo, como já lecionada Zaffaroni (2001, p. 92), não pode ter uma função meramente tecnocrata.
Como todos os discursos jurídicos-penais definidores de decisões dentro dos sistemas penais existentes são justificadores (racionalizadores) dos mesmo, estariam todos eles desqualificados e, por conseguinte, a função do jurista seria a de um tecnocrata dentro do sistema. No entanto, esta conduta nunca seria um verdadeiro saber (ciência), mas, no Maximo, enquanto durasse o sistema penal.
A partir dessa inovação, o Código Penal Brasileiro, que antes só previa o estupro contra mulheres (antiga redação do artigo 213), com a nova redação poderá ter como sujeito passivo, ambos os sexos. O que era rigorosamente punível pela moral e costumes vigentes passa a ter valor para qualquer sujeito, esteja no ativo ou passivo do delito.
Não obstante, para alguns, a conduta criminosa está estritamente relacionada com os delitos dos companheiros e maridos, ainda é notório que os penalistas não se atem aos estudos dos crimes tipicamente masculinos como tipos gerais. Ou seja, há poucos estudos, referências e políticas criminais direcionadas às mulheres como intuito de correlacionar todo e qualquer delito a figura da mulher sem direcionar alguns delitos tipificado socialmente como femininos.
De acordo com Barsted e Garcez (1999, p. 15 apud Ávila, 2002):
As decisões do Poder Judiciário também exprimem uma visão de mundo calcada nos valores sociais. Nesse sentido, podemos dizer que há um direito previsto, teórico, e um direito aplicado, prático, concreto e que, tanto no direito previsto nos códigos e leis, quanto nas decisões judiciais (direito aplicado) estão presentes cargas de preconceitos de diferentes espécies, que merecem ser sempre examinadas e denunciadas, ou seja, para reforma da lei e para avaliação dos projetos de mudança legal, faz-se necessária uma análise criteriosa, de forma que a lei se baseie, efetivamente, em princípios de equidade.
Considero, portanto, que é imprescindível a ampliação dos direitos humanos no plano material do direito rompendo com toda e qualquer hierarquia fundada em concepções de discriminação. Esse paradigma reflete na formação de juristas, de acordo com o pensamento de José Eduardo Faria (1999), que ao se referir aos problemas de formação dos juristas, corrobora o entendimento e argumenta que os cursos jurídicos, ao construírem uma mentalidade fortemente legalista, acompanhada de informações burocráticas e subservientes contribuem para formar profissionais incapazes de perceber e captar conflitos que reproduz o imaginário estigmatizador.
No entendimento de Mendes (2009) a isonomia material deve guiar-se na perspectiva voltada para o tratamento equânime a todos os seres humanos, proporcionando-lhes as mesmas oportunidades. Essa busca por tratamento igualitário e menos estigmatizado, não deve traçar um estereótipo do sujeito ativo ou passivo de determinado crime, e muito menos atenuar ou agravar uma sanção em virtude das condições sócio-econômicas ou biológicas de cada indivíduo.
5. LEI Nº 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA)
No Brasil, a situação de vulnerabilidade das mulheres à agressão física e moral praticada por seus familiares, em especial maridos ou companheiros, é muito grave, indicando uma sociedade baseada no machismo que tem o homem como centro de todas as coisas.
Começar aqui a avaliação. Tradicionalmente tem-se a tendência de naturalizar a violência doméstica, o que supostamente legitima tratá-la como um problema exclusivamente de caráter privado, gerando uma tácita aprovação ao fato e ao comportamento de banalização da sociedade em geral. Em virtude do nosso Código Penal ser datado de 1940, muitos penalistas tratam as mulheres de forma discriminatória e autoritária, entretanto algumas leis resultante de lutas feministas trazem um novo olhar sobre a realidade vivida pela mulher (COSTA, 1998).
A lei Maria da Penha é um exemplo da luta contra a violência doméstica. Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de violência do ex-marido durante muitos anos, chegou a ficar paraplégica em virtude das agressões que sofreu, não obteve efetiva proteção do poder público uma vez que a lei anterior dava aos agressores um tratamento mais ameno.
A referida lei veio para atender uma necessidade das mulheres vítimas de violência doméstica que o Código Penal não trouxe previsão. A Lei apresenta inovações capazes de tornar mais rápido e eficaz o encaminhamento processual, bem como eliminar o grande índice de casos de violência que se acumulavam perante as delegacias e à Justiça. Os agressores não poderão mais ser punidos com penas alternativas, como a prestação de serviços à comunidade.
As medidas protecionistas podem consistir em afastamento do agressor do lar, da vítima, e dos filhos, fixação de alimentos (pensão alimentícia, provisória), bem como, condições a serem estipuladas a respeito da visita aos filhos menores e a quem ficará fixada a guarda.
É através das práticas dos operadores do Direito que podemos observar o discurso sócio-jurídico com as mais diversas concepções dos modos de vida, crenças, valores, desejos, sentimentos e formas de intervenção dos conflitos intersubjetivos que constitui os imaginários e o simbólico nas práticas discursivas. As leis protecionistas das minorias não devem ser aplicadas de forma discriminatória, elas devem servir como meio e não como fim. Servem para equiparar os direitos entre os cidadãos, e que bom seria se não precisássemos de leis que obrigue o respeito à idosos, à mulheres, à homossexuais, à negros.
Além da Lei Maria da Penha que só abrange o território nacional existem documentos anteriores com peso e importância mundial. A Organização das Nações Unidas - ONU criou em 1979 a convenção para eliminar todas as formas de discriminação contra a mulher. Este documento visa a proteção internacional dos direitos humanos das mulheres e teve maior ressonância no exterior por ocasião da Conferência de Viena (1993) que reconheceu os direitos humanos das mulheres. Somente a partir da Constituição de 1988 que começou a ganhar força no Brasil. Esta convenção (TELES, 2006) define a discriminação da seguinte forma:
[...] toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais, nos campo político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tratamento concedido às mulheres é fruto do status quo assumido, ou permitido, diante da sociedade machista e hegemônica que se reflete nos sistemas penais, cíveis, educacionais. Mesmo com as conquistas no campo do direito, o modelo de Estado democrático insere valores na construção da norma e na estrutura da criminalização, valores estes que não faz distinção entre gêneros, porém neutraliza a incidência das normas aos fatos.
Os valores socioculturais da nossa sociedade se relacionam com a tipificação penal e com o momento histórico. Estes são refletidos na incidência da norma que o definirá como punível ou não. Isso faz com que uma conduta considerada crime em um dado momento não o seja em outro, a exemplo do adultério que até março de 2005 era tipificado de acordo com o artigo 240 do nosso Código Penal.
É intrínseco ao sistema penal o viés masculino e aqueles que não possuem tal perfil tem suas ansiedades adaptadas a ele. A proposta de igualdade constitutiva de cidadania produz uma ruptura com a hierarquia naturalizada entre as pessoas. Segundo Ávila (2002), uma vez que a cidadania é, na sua origem, um conceito que exclui as mulheres, traz, certamente por isso, uma série de questões sobre a validade ou não seu uso. A cidadania representada hoje, como uma referência de direitos que se estendem para homens e mulheres, é, em si, uma profunda transformação no campo simbólico das relações de gênero.
Os estudos de gênero têm procurado evidenciar como a igualdade formal de oportunidade não dá conta de superar situações que continuam a ser reproduzidas socialmente, através de manifestações sutis e simbólicas de discriminação. O que se busca é um reconhecimento de uma igualdade formal e material entre os sexos com melhor equilíbrio social, intelectual, econômico e educacional.
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[1]De inicio, o autor já ponta as diferenças e semelhanças existentes entre o homem e a mulher, onde aponta como maior semelhança a parte física. Sendo que o é comum é da espécie e o que tem de diferente é do sexo. E essas diferenças influem em tudo com relação a moral de cada sexo e sua educação.
[2] A Inquisição, período ocorrido na Idade Média, foi estabelecida para combater a heresia no seio da Igreja Católica.
[3] Considero que não apenas o discurso jurídico soa imparcial, pois o discurso educacional, da mídia e dentre outros também se apresentam como discriminatório.
[4] Generalizações abusivas/distorções da realidade.
[5] Condutas tidas como masculinas: tráfico, roubo, estupro, entre outros.