Eficácia horizontal dos direitos fundamentais: teoria da eficácia direta e sua aplicação ao contrato de emprego

10/03/2015 às 12:22
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O presente artigo tem por fim realizar estudo doutrinário e jurisprudencial a respeito da eficácia privada dos direitos fundamentais e sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro.

1 INTRODUÇÃO

 A relação de emprego apresenta como traço distintivo a superioridade jurídica do empregador em relação ao empregado. O contrato de emprego, espécie do gênero contrato de trabalho, é um negócio jurídico calcado por excelência sobre uma relação assimétrica. Tal fato enseja por mais das vezes a exploração do homem pelos seus pares sem observância de direitos fundamentais básicos.

É certo que o liberalismo evidenciou um grande passo da humanidade em direção ao desenvolvimento, limitando o poder do Estado Absolutista e gerando a primeira dimenção dos direitos fundamentais (direitos negativos), possibilitando aos particulares oporem-se às ingerências do Estado, bem como o exercício por eles da autonomia da vontade. Contudo, o desenrolar da história revelou que a mão invisível do mercado não alcançava os economicamente hipossuficientes. Da relação entre a tese (Estado Absolutista) e a antítese (Estado Liberal) nasceu a síntese, qual seja, o Estado Social de Direito. Com esse, surgiram os direitos fundamentais de segunda dimensão, entre os quais se destaca o direito social ao trabalho, configurando os deveres prestacionais do Estado. No direito brasileiro tal manifestação tomou forma na Constituição de 1934. Nesse sentido ensina Pedro Lenza (2014, p. 123):

[...] A doutrina afirma, com tranquilidade, que o texto de 1934 sofreu forte influência da Constituição de Weimar da Alemanha de 1919, evidenciando, portanto, os direitos humanos de 2.ª geração ou dimensão e a perspectiva de um Estado social de direito (democracia social).[1]

Assim como os direitos fundamentais negativos, os direitos sociais dirigiam-se ao Estado, pois que a ele competia diminuir as desigualdades sociais.

Seguindo a linha da história, surgiram os direitos fundamentais de terceira geração, consagradores da solidariedade, da fraternidade e protetores de bens jurídicos coletivos e difusos. Surgia assim a solidariedade social, a proteção ao meio ambiente saudável (em todos os seus sentidos) e a busca pela felicidade. Confirmando isso, a Constituição Brasileira de 1988 revela em seu preâmbulo o objetivo pelo bem-estar do indivíduo e pela construção de uma sociedade “fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social”. Ademais, tais valores constituem objetivos da República Federativa do Brasil estabelecidos no artigo 3º da CF/88. Todavia, a grande riqueza trazida pela Constituição Cidadã foi o extenso rol de direitos e garantias fundamentais (artigos 5º - 17), os quais possuem importância singular em virtude de sua densa carga axiológica.

Deve-se ainda perquirir o raio de eficácia dos direitos fundamentais, tendo em vista que não há disposição expressa na CF/88 e o tema é controvertido na doutrina. Destarte, vem ganhando espaço no ordenamento jurídico brasileiro a teoria da eficácia privada dos direitos fundamentais, segundo a qual eles não teriam como destinatário apenas o Estado, mas também os particulares. O fundamento disso é a possibilidade de lesão a direitos fundamentais por todo aquele que detem poder. Sendo assim, o que dizer do contrato de emprego? Nele a desigualdade jurídica é onipresente em virtude de seu elemento subordinação. Por tal razão, a autonomia do empregador deve ser mitigada, haja vista que ele possui poderes de submissão equivalentes ao do Estado. Nesse sentido preleciona Ipojucan Demétrius Vecchi (2011):

Ora, ao adentrar numa relação de emprego, o empregado não perde sua condição de pessoa humana, de cidadão. Nas relações de emprego, o empregado necessita que os vários aspectos de sua personalidade, como emanações/projeções de sua dignidade, sejam respeitados. Não basta receber salário e ter assegurados os direitos sociais, mas é impostergável ser tratado com dignidade e respeito.[2]

Analisando a jurisprudência, observa-se que o Tribunal Superior do Trabalho vem revelando que, nas relações de emprego, deve-se adotar a teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais. Isto porque não há dúvida de que os direitos elencados no artigo 7º da CF/88 são oponíveis a todos os empregadores, sejam públicos ou privados. A névoa paira sobre a obrigatoriedade de observância pelos empregadores particulares dos direitos elencados no artigo 5º, considerando que eles estarão quase sempre em colisão aos direitos da livre iniciativa e da autonomia da vontade (poderes de fiscalização, disciplinar, de admissão e/ou demissão). Além disso, é fato notório que a iniciativa privada abarca considerável parcela da força de trabalho empregada. Nela, não há a figura do concurso público. Ademais, a estabilidade empregatícia compreendida em seu bojo é bem mais diluída que no serviço público. Acrescente-se o grande número de ações judiciais aforadas no Judiciário Trabalhista clamando pela observância de direitos de igualdade (equiparação salarial), privacidade (revista íntima) e, por que não dizer, presunção de inocência (sanção disciplinar).

Por tais razões, o presente artigo colima investigar a teoria da eficácia privada dos direitos fundamentais nas relações de emprego, com ênfase em sua incidência direta, analisando seus atributos e o posicionamento da Corte Suprema Trabalhista para, ao fim, constituir-se em fonte de pesquisa sobre o tema.

2 DESENVOLVIMENTO

 2.1 O CONTRATO DE EMPREGO E SUA FUNÇÃO SOCIAL

A natureza jurídica do vínculo que une empregado e empregador é contratual, visto que não há obrigatorierade de prestação de serviços derivadas diretamente da lei. Nesse sentido, esclarece Amauri Mascaro Nascimento (2011, p. 604) que o contrato de emprego:

É uma relação jurídica que se estabelece pela vontade as partes, portanto é negocial. Ninguém será empregado de outrem a não ser que o queira. Nenhum empregador tem o poder de coativamente impor a alguém que para si trabalhe, porque se assim fosse estaria irremediavelmente prejudicada a liberdade de trabalho e consagrado o retorno à escravidão[3].

O contrato de emprego encontra seus requisitos nos artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 5.452/43 - Consolidação das Leis de Trabalho. Ele resultou da evolução do contrato civil de prestação de serviços e é especialmente direcionado a regular os direitos e obrigações decorrentes da relação jurídica empregatícia. Como espécie do gênero contrato, busca sua teoria geral no âmbito do direito contratual, do qual emanam os conceitos de autonomia da vontade, da boa-fé, do pacta sunt servanda[4] e do concensualismo.

Ocorre que a autonomia da vontade é argumento eloquente para a submissão injusta do empregado pelo empregador. Por muito tempo esse elemento legitimou regimes de trabalho semelhantes à escravidão e, ainda nos dias atuais, chegam com frequência ao judiciário trabalhista situações de empregados obrigados a se submeterem a baixos salários ou situações vexatórias por conta do poder diretivo do empregador (como o exemplo do motorista de caminhão de lixo que se verá a seguir).

Observe-se que, entre os direitos fundamentais advindos da promulgação da CF/88, consagrou-se no artigo 5º, XXIII, que “a propriedade atenderá a sua função social.”[5] Nesse particular, deve-se atentar à dimensão objetiva dos direitos fundamentais, a qual, nas lições singulares de George Marmelstein (2013, p. 328)[6] “é a capacidade que esses direitos possuem de se irradiar pelos diversos ramos do ordenamento jurídico, como manifestação da “ordem de valores” que eles representam.” Por conta disso, toda a legislação infraconstitucional deve estar em harmonia com as normas constitucionais, sob pena de incidência no vício da inconstitucionalidade material.

Nessa esteira, foi promulgada em 10/01/2002 a Lei n. 10. 406 instituindo o Novo Código Civil Brasileiro, centrado no sujeito de direito e não mais no patrimônio, como o era o Código Civil de 1916. Ele inaugura o título dos constratos em geral dispondo em seu artigo 421 que a liberdade para contratar deve se curvar à função social do contrato.[7]{C} Ademais, o artigo 422 consagra o princípio da boa-fé contratual, pelo qual o objeto principal do contrato deve se ater aos preceitos éticos.

Evidente que a função social do contrato é decorrência direta da função social da propriedade, tendo em vista que é através dele que ela se movimenta. Assim, limita-se a autonomia da vontade para que a propriedade sempre seja exercida observando sua função social.

Pode-se afirmar que o contrato de emprego cumpre a função social quando sua execução é compatível com a dignidade do empregado, não lhe expondo a riscos intoleráveis ou situações vexatórias, ou seja, quando o empregador não submete o trabalho humano ao lucro cego.

Hodiernamente, o emprego não é apenas fonte de renda ao trabalhador. Mais que isso, é fonte de realização pessoal pela qual o homem pode aperfeiçoar suas habilidades com vistas à realização pessoal e, indiretamente, ao bem-comum e ao desenvolvimento da sociedade. Com efeito, deve carecer de proteção jurídica o procedimento do empregador que coloca seus objetivos patrimoniais acima dos direitos existenciais daqueles que fazem crescer seu patrimônio.

2.2 TEORIA DA STATE ACTION

A teoria norte americana da state action prescreve que os direitos fundamentais são direcionados apenas ao Estado, de modo que os particulares são imunes aos seus deveres. Quanto à essa doutrina, esclarecem Daniel Sarmento e Fábio Rodrigues Gomes que:

Para justificar essa posição, a doutrina apoia-se na literalidade do texto constitucional norte-americano, que se refere apenas aos Poderes Públicos na maioria das suas cláusulas consagradoras de direitos fundamentais. Mas também são invocados outros argumentos teóricos, sendo o principal deles a preocupação com a autonomia privada.[8]

De plano, ressalte-se que essa teoria é afastada pelo direito brasileiro. Isto porque, direfentemente do que se passa nos Estados Unidos da América, a realidade brasileira revela desigualdades sociais próximas às dos países mais pobres do planeta, fato que torna extremamente arriscado deixar os particulares imunes aos deveres decorrentes dos direitos fundamentais. Ademais, o neoconstitucionalismo concedeu força normativa aos princípios, de modo que contemporaneamente eles são bem mais que normas metafísicas, sendo que a hermenêutica constitucional prescreve que, pelo princípio da máxima eficácia, as normas constituicionais (e consequentemente os direitos fundamentais) devem ser interpredadas com a maior eficácia possível. Negar a eficácia privada aos direitos fundamentais seria estimular a inobservância a eles pelos particulares e isso certamente a CR/88 não objetivou. Assim, não há no direito brasileiro espaço para a teoria da state action.

2.3 TEORIA DA EFICÁCIA INDIRETA OU MEDIATA

Em outra linha, tem-se a teoria da eficácia indireta ou mediata. Idealizada pelo jurista alemão Günter Dürig, preleciona que tais direitos podem incidir sobre particulares, mas isso não ocorre automaticamente. Com efeito, para a irradiação deses direitos seria necessária a atuação legislativa infraconstitucional interligando as normas constitucionais aos particulares. Esclarece Gomes e Sarmento[9]:

Os defensores da teoria da eficácia horizontal mediata dos direitos fundamentais sustentam que tais direitos são protegidos no campo privado não através dos instrumentos do Direito Constitucional, e sim por meio de mecanismos típicos do próprio Direito Privado. A força jurídica dos preceitos fundamentais estender-se-ia aos particulares apenas de forma mediata, através da atuação do legislador.

Essa é a teoria dominante no direito alemão e inicialmente também no Brasil por permitir, mesmo que de forma tênue, o alcance pelos direitos fundamentais aos particulares. Como se percebe, é uma teoria intermediária entre a doutrina do state action e a teoria da eficácia direta, a qual será analisada adiante.

Entretanto, ela apresenta incovenientes que não se pode desprezar. Em verdade, condicionar o exercício de direitos fundamentais à atuação legislativa (a qual se presta a paixões políticas, diga-se de passagem) culminaria em expor a eficácia privada dos direitos fundamentais a interesses nem sempre coletivos, tornando-os vulneráveis às paixões típicas de um parlamento instável. Assim, estariam os direitos fundamentais reféns da vontade incerta do legislador infraconstitucional. Deveras, sendo eles estabelecidos pelo legislador constituinte originário como persecutores de uma sociedade justa, fraterna e igualitária, nos termos do preâmbulo da CR/88, não prescrevendo para isso a necessidade de regulamentação legislativa, obviamente não são eles normas de eficácia limitada, razão pela qual não dever ser limitados por omissão legislativa infraconstitucional.

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2.4 TEORIA DA EFICÁCIA DIRETA OU IMEDIATA

Idealizada na Alemanha pelo teórico Hans Carl Nipperdey na primeira metade do século XX, reza que os direitos fundamentais incidem automaticamente sobre todos os destinatários das normas constitucionais, Estado ou particulares. Além disso, há diversos reflexos nas normas da CF/88 que referendam a aplicação desta teoria no sistema jurídico brasileiro. Neste sentido, preleciona GOMES e SARMENTO[10]:

Embora minoritária no cenário germânico, a tese da eficácia horizontal imediata tem ampla penetração na doutrina de outros Estados europeus, como Espanha, Portugal e Itália. Em alguns regimes constitucionais, aliás, ela parece resultar de expressa imposição constitucional, como é o caso de Portugal e África do Sul, cujas constituições preveem a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, sem condicioná-la a qualquer mediação legislativa.

Demonstrando tal inclinação, o espírito da CF/88 idealizado no preâmbulo preceitua que a ordem jurídica inaugada com ela destina-se a efetivar “o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social.” Ora, a qual desenvolvimento o preâmbulo se refere? Certamente não é o econômico, mas sim aquele referente às faculdades do ser humano, haja vista que ele consagra objetivos meta-individuais e não patrimoniais ou econômicos. Deste modo, o traço marcante da nossa Lei Constitucional é a busca da realização existencial do ser humano na construção do núcleo de seu ser.

Ademais, foram consagrados no artigo 1º da CF/88 como fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho. Atente-se para a extensão da carga valorativa presente nestas duas cláusulas gerais. Deveras, fincá-los como fundamento é dizer que sempre que se aplicar alguma norma jurídica de forma dissonante ao por ela estabelecido se presenciará uma lesão à Lei Fundamental, ocorrendo assim o fenômeno da inconstitucionalidade material. Destarte, o próprio artigo 170 da Carta Constitucional, ao consagrar os princípios gerais da atividade econômica, não deixou os empregados à mercer da voracidade do empregador, instituindo que a ordem econômica é “fundada na valoraização do trabalho humano”.

Destaque-se que são objetivos fundamentais da RFB (art. 3.º) a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Livre no sentido de não ser privada por qualquer disposição incompatível com o espírito constitucional e, também, por ser ao indivíduo reconhecido o direito de buscar a felicidade e o desenvolvimento pessoal. Justa por reconhecer que ele, independentemente de qualquer característica exterior, é sujeito de direito, nunca objeto. Não há espaço para o homo homini lupus[11], pois a superioridade jurídica do contrato de emprego é apenas para o diretionamento da atividade, não para a supressão de direitos. Solidária no sentido de que os acréscimos, assim como os prejuízos, devem ser diluídos por toda a sociedade.

O artigo 5.º § 1º, da Constituição Federal prevê expressamente que as normas instituidoras de direitos fundamentais devem possuir aplicação imediata. Ora, ter aplicação imediata é dizer que elas, para produzirem efeitos, independem de qualquer regulamentação. Ademais, não há qualquer margem interpretativa neste dispositivo a legitimar a limitação de seu direcionamento apenas ao Estado. De fato, os direitos fundamentais objetivam resguardar a direitos básicos do indivíduo em relação a todos aqueles potenciamente aptos a lesioná-los, entre os quais pode-se facilmente visualizar particulares.

Para a moderna hermenêutica constitucional, deve ser atribuido ao princípio da máxima efetividade o sentido, dentre os possíveis, que maior eficácia confira às normas constitucionais. Nessa linha, com didática particular, ensina Lenza[12]{C} que “também chamado de princípio da eficiência ou da interpretação efetiva, o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais deve ser entendido no sentido de a norma constitucional ter a mais ampla efeticidade social.”

Em tal particular, o autor desta pesquisa ousa afirmar que o termo efetividade social pode ser visto em duas dimensões, quais sejam, a objetiva e a subjetiva. Pela primeira, os direitos fundamentais devem alcançar tantas circunstâncias da vida social quantas necessárias para a tutela dos direitos existenciais de seus destinatários. Pela dimensão subjetiva, eles tanto visam à proteção de todos os sujeitos de direito quanto vinculam a todos aqueles potencialmente capazes de lesioná-los.

Por oportuno, deve-se observar que há uma particularidade a respeito da eficácia privada dos direitos fundamentais no contrato de emprego quando em comparação às demais relações entre particulares. Com efeito, nas relações privadas não empregatícias eventualmente haverá nivelamento jurídico entre os contraentes, fato que não ocorre no contrato de emprego o qual é, por definição legal (CLT, arts. 2.º e 3.º), sempre relação jurírica assimétrica. Deste modo, embora possa não haver superioridade econômica do empregador, ele frequentemente disporá de instrumentos capazes de violar direitos fundamentais do empregado. Por tais razões, o empregador possui poder de ingerência equivalente ao do Estado, fato que justifica e torna necessária sua vinculação aos direitos fundamentais.

2.5 CRÍTICA À JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

Analisando a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, observou-se que essa corte já assentou a aplicação da teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações privadas. Com efeito, é preciso estabelecer a priori que, independentemente de se tratar de eficácia horizontal ou vertical, a solução em cada caso concreto se dará pela técnica da ponderação. Quanto à ela, ensina Luis Roberto Barroso (2009, p. 165) [13]{C}:

A interpretação constitucional viu-se na contingência de desenvolver técnicas capazes de produzir uma solução dotada de racionalidade e de controlabilidade diante de normas que entrem em rota de colisão. O raciocínio a ser desenvolvido nessas situações haverá de ter uma estrutura diversa, que seja capaz de operar multidirecionalmente, em busca da regra concreta que vai reger a espécie. Os múltiplos elementos em jogo serão considerados na medida de sua importância e pertinência para o caso concreto.

Em sendo assim, é preciso estabelecer de plano que o grau no qual esses direitos serão aplicados se dará sempre em cada caso concreto. O que aqui se afirma é que o TST não exige qualquer disposição infraconstitucional ensejador da aplicação de tais direiros a particulares.

A exemplificar isso, recente julgado da segunda turma do Colendo TST proferido em recurso de revista nos autos nº TST-RR-267300-64.2003.5.07.0003, datado de maio de 2013, tratou da possibilidade de aplicação dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal na dispensa por justa causa de empregado do CREA/CE. Eis um excerto do acordão relatado pelo Ilustre Ministro José Roberto Freire Pimenta:

A controvérsia dos autos cinge-se em saber se se aplica aos processos administrativos instaurados no âmbito dos conselhos de fiscalização profissional, para apuração de falta grave, os princípios do contraditório e da ampla defesa e do devido processo legal. A jurisprudência desta Corte superior já firmou o entendimento de que os conselhos regionais e federais de fiscalização do exercício profissional não possuem natureza autárquica em sentido estrito, ao contrário, são autarquias sui generis, dotadas de autonomia administrativa e financeira, não lhes sendo aplicáveis as normas relativas à administração interna das autarquias federais. Logo, esses conselhos profissionais, como é o caso do reclamado, são considerados entes paraestatais. Nesse contexto, verifica-se que não se lhes aplica a Lei nº 9.784/99, que dispõe sobre normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, já que não pertencem à Administração Pública. Entretanto, essa tese não afasta a necessária observância dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, os quais protegem todos os brasileiros e estrangeiros, residentes aqui ou de passagem pelo território nacional. Com efeito, o artigo 5º, inciso LV, da Carta Magna assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Esse dispositivo é aplicável não só aos processos judiciais, mas também aos processos administrativos, inclusive aos procedimentos instaurados fora do Poder público. Trata-se da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, reconhecida pela doutrina moderna, conferindo-lhes aplicabilidade no âmbito privado, de modo que os direitos fundamentais assegurados pela Constituição devem ser observados tanto nas relações entre o Estado e cidadãos como nas intersubjetivas.[14] (Grifo Nosso).

Observa-se que a decisão afasta a natureza de direito público a tais entes, conferindo-lhes expressamente a natureza de direito privado. Ademais, embora incumbidas da fiscalização de atividades profissionais, também nega a aplicação da Lei Federal nº 9.784/99, a qual trata dos procedimentos administrativos. Enfim, não obstante afaste a empregadora supra das regras disciplinadoras dos entes públicos, vincula-a diretamente aos direitos fundamentais sem necessidade de qualquer disposição legislativa infraconstitucional. Perceba-se que o fundamento apresentado pela Corte para determinar a observância a tais normas passa ao largo da natureza jurídica da entidade, estando vinculada apenas à possibilidade de produção de lesões por ela.

Em outro julgado, datado de maio de 2014, proferido pela terceira turma em agravo de instrumento em recurso de revista e relatado pelo Eminente Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, autos nº TST-AIRR-103100-51.2008.5.15.0097, novamente o C.TST reiterou que os direitos fundamentais vinculam os entes privados porque eles também são capazes de subverter a dignidade do empregado. O caso trata de trabalhador que dirigia caminhão de lixo e era obrigado pela empresa a fazer suas refeições próximas ao veículo, além de não lhe ser disponibilizado local para a realização de suas necessidades fisiológicas. Segue-se trecho da decisum:

[...] Se a Carta Magna tem como um dos seus fundamentos o valor social do trabalho (art. 1º, IV), labor este que se presta ao sustento do empregado e ao progresso da sociedade, por meio da produção dos bens necessários à satisfação dos seus interesses, imperioso concluir que a preservação da saúde obreira deve ser garantida (por meio de todas as medidas que tornem o seu local de trabalho isento de riscos à integridade física e psicológica do laborante), sob pena de se tornar ineficaz (e, portanto, carente de força normativa) o postulado previsto no primeiro artigo da Carta Republicana, o que não se coaduna com a eficácia horizontal dos direitos fundamentais reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência majoritárias de nosso País. Nessa senda, menospreza os mencionados comandos normativos o empregador que exige de seu empregado (motorista de caminhão de lixo) que usufrua do seu intervalo intrajornada próximo ao veículo utilizado para o desempenho de suas atividades (fonte, portanto, de incontáveis moléstias passíveis de serem contraídas pelo ser humano), em local desprovido de sanitário destinado à higienização pessoal e à satisfação das necessidades fisiológicas do trabalhador.(Grifo nosso).{C}[15]

Nota-se mais uma vez que não há qualquer exigência de disposição legal infraconstitucional a condicionar o dever de observância dos direitos fundamentais pelos particulares, sendo suficiente a consagração constitucional e a possibilidade de experimentação de lesão pelo empregado. A desisão do Ministro funda-se tão somente no ato do empregador, inicialmente justificado por sua autonomia e por seu poder diretivo, mas que violou os limites da dignidade do empregado.

Por último, apresenta-se acórdão da terceira turma (autos TST-RR-1900-50.2012.5.03.0014) também de lavra do Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira que, malgrado reconheça a impossibilidade de extenção aos demais empregados da Petrobras, por decisão judicial, da gratificação extraordinária gerencial conferida aos ocupantes de cargo em comissão, expõe de forma cristalina o entendimento da Corte Trabalhista a respeito da eficácia horizontal dos direitos fundamentais: Senão, vejamos:

Com o advento da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu a dignidade da pessoa humana como vetor axiológico do ordenamento jurídico, todos os ramos do direito privado, inclusive o Direito do Trabalho, passam por nova conformação. Mesmo nas relações entre particulares, em semelhante situação jurídico-econômica, o mínimo existencial, sem o qual nenhum ser humano se realiza, passou a ser objeto de tutela. Com mais razão, nas relações trabalhistas, em que se identifica substancial fragilidade jurídica de uma das partes, espraia-se, com maior intensidade, o dirigismo contratual por parte do Estado. Foi neste contexto que floresceu na jurisprudência constitucional brasileira, o instituto da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Esses direitos, que, tradicionalmente, possuíam o caráter de garantia do particular contra o poder estatal, atualmente podem ser opostos também contra ato ilícito ou abuso de poder de entes privados, uma vez que, também nas relações contratuais, pode ocorrer a vulneração de direitos fundamentais.[16](Grifo Nosso).

O ministro reforça em sua decisão a necessidade de tutela a um mínimo existencial pertencente a cada ser humano. Por mínimo existencial deve ser entendido a parcela básica de direitos sem a qual fere-se a dignidade do trabalhador e que a ele é dada como legítima em razão de sua condição de pessoa humana. Observa-se ainda que originariamente os direitos fundamentais somente eram direcionados ao Estado porque apenas ele podia lesioná-los, realidade que não subsiste na atualidade.

Perceba-se que os três acórdãos analisados, entre os inúmeros existentes no banco de dados do portal eletrônico do TST, caracterizam-se por vincular diretamente os particulares aos direitos fundamentais sem necessidade de qualquer construção legislativa infraconstitucional. Em verdade, o posicionamento do C. TST é no sentido de que os direitos fundamentais colimam assegurar a existência dígna dos trabalhadores, de tal modo que seu mister não seja apenas instrumento de subsistência para si e de produção de riqueza para o empregador, mas também fonte de realização pessoal, pois assim se poderá assegurar valorizar o trabalho humano e prestar observância às funções sociais do contrato e da propriedade.

3 CONCLUSÃO

 Observa que a ordem jurídica inaugurada com a Constituição Federal de 1988 almeja a busca por direitos que vão além da simples existência do indivíduo, tendo em vista que a ele é garantido o direito à busca pela felicidade, realização pessoal e pleno desenvolvimento de suas faculdades. Uma das formas aptas a tal fim é o trabalho humano, tanto que foi elevado à fundamento e objetivo da República.

Pois bem. É notória a elevada carga constitucional a reger o contrato de emprego em virtude da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, a qual reza que tais direitos irradiam-se por todo o sistema jurídico e devem produzir reflexos em todos os atos que sejam nele praticados. Assim, limita-se a autonomia da vontade empregatícia com vistas a assegurar que tal pacto se opere dentro das margens dos direitos fundamentais e das funções sociais do contrato e da propriedade.

Assim, partindo-se de um estado embrionário no qual se admitia a incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas apenas de forma indireta, hoje, considerando que a CF/88 expressamente determinou a aplicação imediata das normas que lhes estruturem, associado ao princípio hermenêutico da máxima efetividade, a teoria aplicável passou a ser aquela que reza a eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações privadas.

Com efeito, diz-se teoria porque não há ainda uma estrutura legislativa expressa a seu respeito, estruturando-a e sistematizando-a, sendo ainda construção doutrinária e jurisprudencial, de modo que passará a ser instituto jurídico quando sua estrutura encontrar um arcabouço legislativo.

Indiscutivelmente, essa teoria é a que mais se aproxima dos fins almejados pelos direitos fundamentais, quais sejam, a proteção da dignidade, a busca pela felicidade e a realização existencial do indivíduo. Deveras, ela não tem o incoveniente de esperar a vontade parlamentar imprevisível de um país com desigualdade social tão acentuada como o nosso. Ademais, a doutrina é pacífica em asseverar que o Poder Constituinde Derivado é limitado e deve ser exercido nos limites impostos pelo Poder Constituinde Originário[17].

Atento a isso, o Tribunal Superior do Trabalho evolui sua jurisprudência no sentido da aplicação da teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações privadas. Tal ocorre porque, em essência, eles surgiram para limitar um poder opressor, o qual à época era o Estado absolutista. Contudo, a realidade demonstrou que paulatinamente o Estado passou a sujeito passivo de deveres prestacionais (direitos sociais) ao passo que os particulares passaram a gerir pequenas parcelas daqueles poderes de opressão. Em vista disso é que surgiram as primeiras fagulhas da teoria da eficácia privada dos direitos fundamentais para resguardar os particulares de lesões que não mais decorriam apenas do Estado, de modo que hodiernamente não há dúvida em se afirmar que o C.TST caminha sob a linha da aplicação da teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais também aos particulares.

Por tais razões, afirma-se que essa teoria é a que melhor traduz o espírito consagrado pela Constituição Federal de 1988, tanto pela sua aproximação à efetividade dos instrumentos de justiça quanto pela sua harmonia com a realidade brasileira, a qual clama aos brados por proteção. Assim, é certo que almejar a justiça e o desenvolvimento social de uma sociedade sem instrumentalizar com meios céleres e eficientes os órgãos guardiões de tais objetivos é, no mínimo, um triste retrocesso.

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[1] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. – 18. ed. rev, atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2014.

[2] VECCHI, Ipojucan Demétrius. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso da relação de emprego. Rev. TST, Brasilia, vol 77, nº 3, jul/set 2011.

[3] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho:história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. – 26ª ed.-São Paulo: Saraiva, 2011.

[4] Expressão latina cujo significado é “os contratos devem ser cumpridos.”

[5] Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5.º, XXIII. (DOU n. 191-A, de 05/10/1988).

[6] MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. – 4. ed. – São Paulo: Altlas, 2013.

[7] Lei n. 10.406, de 10/01/2002 – Novo Código Civil Brasileiro. (DOU, de 11/01/2002).

[8] GOMES, Fábio Rodrigues; SARMENTO, Daniel. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares: o caso das relações de trabalho. Rev. TST, Brasília, vol. 77, nº 4, out/dez 2011.

[9] GOMES; SARMENTO, op. cit., p. 69.

[10] GOMES; SARMENTO, op. cit., p. 71.

[11] Expressão latina atribuída a Thomas Hobbes e que indica que “o homem é o lobo do homem.”

[12] LENZA, op. cit., p. 172.

[13] NOVELINO, Marcelo (Org.). Leituras complementares de direito constitucional. Teoria da constituição. 1. ed. Salvador: Juspodivm, 2009.

[14] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Processo Nº TST-RR-267300-64.2003.5.07.0003, da 2ª Turma, Brasília, 15 de maio de 2013. Disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaDocumento/acordao.do?anoProcInt=2012&numProcInt=196425&dtaPublicacaoStr=24/05/2013%2007:00:00&nia=5869049>  Acesso em 16 jun 2014.

[15] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Processo Nº TST-AIRR-103100-51.2008.5.15.0097, da 3ª Turma, Brasília, 14 de maio de 2014. Disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaDocumento/acordao.do?anoProcInt=2014&numProcInt=31195&dtaPublicacaoStr=16/05/2014%2007:00:00&nia=6075674> Acesso em 16 jun 2014.

[16] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Processo Nº TST-RR-1900-50.2012.5.03.0014, da 3ª Turma, Brasília, 28 de maio de 2014. Disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaDocumento/acordao.do?anoProcInt=2013&numProcInt=173037&dtaPublicacaoStr=30/05/2014%2007:00:00&nia=6087063>  Acesso em 16 jun 2014.

[17] BERNARDES e FERREIRA (2012).

LENZA (2014).

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Sobre o autor
Maylton Rodrigues de Miranda

Bacharel em Direito (UESPI/2013).<br>Especialista em Direito do Trabalho (UNOPAR/2014).<br>Servidor do Ministério Público do Estado do Maranhão.

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