1) FURTO – art. 155 e 156.
O crime de furto demanda mais tempo para sua análise, porque dele se depreendem vários conceitos e princípios que serão usados nos outros crimes contra o patrimônio.
A definição do furto vem descrita no art. 155 CP.
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Bem jurídico tutelado à apenas o patrimônio. Diz-se que é apenas o patrimônio, porque há outros crimes contra o patrimônio em que se tutela outro bem jurídico, como, por exemplo, no roubo, em que além de se tutelar o patrimônio, se tutela a questão da liberdade individual. Mas no crime de furto isso não acontece, porque não pode haver violência, não pode haver grave ameaça. Por isso o único objeto da tutela jurídica é o patrimônio.
Princípio da Insignificância à No furto é perfeitamente aplicado Princípio da Insignificância, afastando a tipicidade fundamental, como uma única ressalva: insignificância é diferente de pequeno valor. Uma coisa é valor insignificante, outra coisa é o pequeno valor. Isso porque se a coisa for de valor insignificante não haverá sequer conduta típica de furto. Mas se a coisa, embora tenha valor significante, este valor seja pequeno, termos um furto, mas ele será considerado furto menos grave, um furto privilegiado nos termos do § 2º, que veremos mais adiante.
Valor insignificante # pequeno valorà Quando falamos de coisa de valor insignificante, estamos falando de um apagador, um pilot, uma caneta barata (e não uma Montblanc), etc. Portanto, esses comportamentos são atípicos, porque eles não chegam a gerar uma lesão ao bem jurídico que se tutela.
Nesse caso, poderia se fazer o seguinte questionamento: o que pode ser considerado insignificante? Até que valor a coisa pode ser considerada insignificante? Não há um valor pré-fixado, por isso que muitas pessoas são contrárias a aplicação do Princípio da Insignificância, pois não há critério para considerar a coisa como de valor insignificante. E isso provoca certo exagero na hora de aplicação da lei, pois pessoas mais desavisadas acabam por aplicar à insignificância aquilo que seria de pequeno valor. Por exemplo, R$ 100,00 não é um valor insignificante, isso corresponde pelo menos ao valor que uma família vive por 8 dias.
O Princípio da Insignificância não está na lei, pois o CP é de 1940 e as bases dele vêm sendo consolidadas nos últimos 30 anos.
A jurisprudência vem dizendo que pessoa que vive de pequenos furtos (coisas de valor insignificante) não pode se valer do Princípio da Insignificância. Ex.: hoje rouba um sabonete, amanhã um condicionador, depois um creme de corpo, etc., isso demonstra que ela é useira e viseira da arte do crime.
Quando falamos de furto, falamos de crime que só pode ser praticado com o dolo de subtrair, que é o animus furandi, é o chamado animus rem sib habendi, que é a vontade de ter a coisa para si. Sem o animus furandi, não existe o crime de furto.
Furto de uso
Por conta da necessidade do animus furandi para caracterizar o crime de furto, é que não temos o crime de furto de uso. O furto de uso é atípico, ele é o furto que a pessoa não pega a coisa para si, ela só pega a coisa pra usar e devolver. O furto de uso é atípico pela falta de animus furandi, mas a jurisprudência criou uma regra para evitar que as alegações de furto de uso fossem adiante. Para haver furto de uso é preciso que a coisa seja devolvida in loco e integralmente, isso significa que a coisa deverá ser devolvida ao mesmo local e nas mesmas condições em que foi retirada. Mas com esse raciocínio se desconsidera o dolo.
Ex.: “A” pegou o carro do amigo (sem ele saber) para dar uma volta no quarteirão e não o devolveu ao local, porque o carro morreu na ladeira. Por isso poderia se caracterizar o furto, já que ela não o devolveu ao local? Claro que não, isso não é furto, porque ela não teve o dolo de furtar. Sem o aninus furandi não existe o crime de furto. Mas pelo raciocínio da jurisprudência, entender-se-ia que há furto, porque ela não colocou o carro no mesmo local que ele estava antes.
A mesma coisa se diz de devolver a coisa integralmente. Ex.: O cara é morador de um prédio em que há várias bicicletas, e ele pega a bicicleta de outro morador para comprar pão, nisto ele cai com ela, empenando-a. Alguém diria que isso é furto, que é crime? Mas a coisa não foi restituída na sua integralidade, nas mesmas condições que foi pega.
Todavia, pelo raciocínio da jurisprudência, entender-se-ia que há furto nas duas situações.
Pergunta de concurso: A empregada pegou a jóia da patroa para ir a um casamento e a devolveria na 2ª feira. Mas ela foi roubada. Isso configura qual crime, apropriação indébita, furto, conduta atípica? Furto qualificado pelo abuso de confiança, segundo o gabarito. É furto porque como a coisa se perdeu, ela não a restituiu integralmente e o abuso de confiança porque ela, como empregada, pegou a jóia da patroa. Segundo o meu entendimento não há dúvida alguma que a pessoa que pegou a jóia é obrigada a ressarcir, mas dizer que houve crime é demais. Entretanto, em prova do MP e pela jurisprudência, se pegou a coisa e não devolveu é furto consumado.
Objeto material à O objeto material é a coisa alheia, coisa própria não pode ser objeto de furto. Se for coisa comum é furto de coisa comum descrito no art. 156.
Furto de coisa comum
Art. 156 - Subtrair o condômino, co-herdeiro ou sócio, para si ou para outrem, a quem legitimamente a detém, a coisa comum:
Furto de ar, de água, de energia
O que é coisa? Coisa é igual tanto para o Direito Penal, como para o Direito Civil. Mas coisa móvel é diferente do Direito Penal para o Direito Civil. Coisa móvel para o Direito Penal é aquela que pode ser levada de um lugar para o outro. Às vezes o Direito Civil, por uma ficção, diz que coisa móvel seriam imóvel, mas isso não se aplica ao Direito Penal.
É possível furto de ar, de água, de energia? Sim, desde que estejam individualizadas para uso, não estejam no seu estado natural.
Ex.: A água que veio do carro pipa e foi colocada na cisterna está individualizada para uso e tem valor econômico porque você pagou por ela, portanto pode ser objeto material do crime de furto. Mas a água em estado natural, como está na natureza, não pode ser objeto material do crime de furto.
Questão de concurso: Um cara pegou o boi reprodutor do outro na surdina para cobrir a vaca dele. Mas a vaca não ficou prenha. Existe conduta típica? Sim, furto de sêmem, pois o sêmem era de um boi reprodutor e de raça cara. Porém, no meu entender este gabarito está equivocado, pois é sêmem no estado que se encontra na natureza. O sêmem que tem valor econômico é aquele que está no banco de sêmem, por conta de toda a tecnologia que se tem que empregar para sua conservação, para mantê-lo em condições de fertilização. Mas saibam que o sêmem de animal reprodutor tem valor econômico, porque é similar ao furto de energia.
Furto de coisa de valor sentimental
E a coisa de valor meramente sentimental pode ser objeto material do crime de furto? Tem coisa de valor sentimental, mas que não é valor meramente sentimental, se agrega a ela um valor patrimonial.
Ex.: A louça antiga da minha vó, além do valor sentimental, tem valor patrimonial, pois se for vender para colecionador é caríssima. Mas o umbigo que as pessoas guardam de recordação não pode ser objeto de furto, porque o umbigo não tem valor patrimonial, só sentimental.
Crédito como objeto material do furto
Crédito pode ser objeto material do crime de furto? Desde que materializado em um título.
Res nullius, res derelictae e a res deperdita
Res nullius é coisa de ninguém, portanto não pode ser objeto material do crime de furto, pois não há patrimônio a ser protegido, já que é coisa de ninguém.
Res derelicta é a coisa abandonada, não pode ser objeto material do crime de furto, pois não há patrimônio a ser protegido.
Res deperdita é a coisa perdida. O titular dela ainda a deseja, ainda a tem como integrante de seu patrimônio. Ela pode ser objeto material do crime de furto? Ela pode ser objeto material de crime contra o patrimônio, pois ela integra o patrimônio de alguém, mas não pode ser objeto material de crime de furto, porque existe um tipo penal específico para ela, que é a apropriação de coisa achada, art. 169, II CP.
Apropriação de coisa achada
Art. 169, II - quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria, total ou parcialmente, deixando de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor ou de entregá-la à autoridade competente, dentro no prazo de 15 (quinze) dias.
Coisa perdida # coisa esquecida à Não confundir coisa perdida com coisa esquecida. Se eu vou a sua casa e esqueço uma coisa lá e você sabe que é minha e mesmo assim fica com ela, qual é o crime que você praticou? Não é apropriação indébita, porque para isso a pessoa tem que ter antes estado na posse mansa e pacífica da coisa e depois passar a ter coisa como dela. Coisa esquecida é crime de furto.
Questão OAB: Um homem morre na rua sem deixar sucessores, vem alguém e retira-lhe alguns pertences. Qual foi o crime cometido? Segundo meu Raciocínio: morreu sem deixar sucessores? Pelo menos há o Estado como seu sucessor. E pela Saisine a sucessão se opera no momento da morte, quando os bens são transmitidos, então na verdade a coisa tinha dono, que era o Município. Portanto, houve furto. Mas depois fui conversar com professores de Sucessões. Estes disseram que isso é controvertido. Muita gente entende que em relação ao Estado não se opera a Saisine, que só ocorre com a declaração de vacância. E se olharmos no CC/02 não iremos encontrar, a exemplo do que encontrávamos no CC/16, o Município no rol de herdeiros, pois ele está em outro artigo. Por isso se entende que em relação ao Município não se opera a sucessão no momento da morte, só com a declaração de vacância. Sendo assim é coisa de ninguém, por isso que o gabarito era atípico, porque se a coisa é de ninguém, não pode ser objeto material do crime de furto.
Furto # apropriação indébita
Qual é a diferença entre os crimes de furto e de apropriação indébita? Na apropriação indébita a pessoa tem que ter antes estado na posse da coisa de forma mansa e pacífica, essa posse é lícita, mas depois ela passa a ter coisa como dela.
Ex.: Eu peço emprestado o seu carro, mas depois eu não o devolvo mais. Isso é apropriação indébita. Já no furto o dolo é ab inicio, desde o início eu tenho a coisa de forma ilícita e quero tê-la de forma ilícita. No caso da empregada doméstica há furto ou apropriação indébita? Há furto, porque ela não tem posse e nem detenção de nada que é da patroa. A patroa é quem tem posse e a detenção dos bens que estão na casa. A empregada tem mera disposição transitória sobre o bem, ela comete furto famulato. Que é o furto do empregado com o patrão com o abuso de confiança. O pessoal de uma secretaria de um escritório de Advogados, por exemplo, tem posse do material que eles trabalham? Não.
Ex.: O caseiro que mora na mesma casa da patroa, se pegar alguma coisa de lá, comete apropriação indébita, pois ele está na posse e na detenção lícita da coisa. É diferente do caseiro que mora em outra casa no mesmo terreno. O fato deste caseiro que mora na casa dos fundos e poder entrar na casa, fazer arrumação, se ele pegar alguma coisa de lá, ele comete furto, porque ele não tem posse e nem detenção de nada que esteja na casa.
O mesmo se dá com o motorista. Existem 2 tipos de motorista: um que pega a patroa e a leva para os locais, usa o carro dela para fazer compras. Se ele some com o carro, trata-se de furto, porque ele não tem posse e nem detenção do carro. E é furto com abuso de confiança. Mas se o motorista fica com o carro em casa, leva pra casa dele, e um dia não devolve mais, haveria o crime de apropriação indébita.
Cuidado, porque não é todo furto de empregado doméstico ou de outro empregado que é furto com abuso de confiança. A confiança não é atribuída pelo tempo que a pessoa está prestando o serviço. Ex.: “A“ confia plenamente na Janaína, empregada da casa dele. Mas tem uma faxineira que trabalha pra ela há 5 anos. Entretanto, “A” só deixa que a mulher vá faxinar a casa se a Janaína estiver lá, caso contrário, ele cancela a limpeza. Isso não é confiança.
O costureiro Ronaldo Esper roubou vasos no cemitério e foi absolvido. Mas por quê? Ele confessou que subtraiu e houve a absolvição do furto. Ele não cometeu furto, porque se trata de res derelicta, é coisa abandonada, que ficou caracterizada porque a defesa entrou no cemitério e fotografou o cemitério todo depredado, abandonado. Mas isso só em casos de sepulturas em que nitidamente se vê que estão abandonadas, não é o caso das sepulturas que são cuidadas, pintadas. A defesa dele conseguiu provar através de fotos que as sepulturas de onde ele furtou os vasos estavam abandonadas.
O pai de “A” foi enterrado com o cordão de São Jorge, pois era o santo de devoção dele. E isso ficou constando na documentação do sepultamento. Anos depois, ao fazer a exumação do corpo, se descobriu que esse cordão foi tirado do corpo dele. Trata-se de furto, porque a coisa não estava abandonada, tanto é que eles fizeram constar na papelada.
Se uma pessoa está andando e deixa uma coisa cair. Outra pessoa vê a coisa caindo e fica com ela. Isso é furto ou apropriação de coisa achada? Existem duas posições: uns acham que é furto, porque ele sabia quem era o dono, já que ele viu cair. Mas outros acham que é apropriação de coisa achada, pois ela foi perdida pelo outro e foi achada pelo agente. E existem conseqüências de ordem prática extremamente relevantes, pois as penas dos dois crimes são, respectivamente, pena de 1 a 4 anos (furto) e pena máxima de um ano (apropriação de coisa achada).
A idéia pode ser objeto material de furto? Não, a idéia é objeto do crime contra a propriedade imaterial. É o caso dos direitos autorais.
Furto noturno
Furto noturno, natureza jurídica do art. 155, § 1º: causa de amento de pena. Qual é a ratio deste aumento de pena? Porque a coisa está mais vulnerável, já que as pessoas estão descansando, há a diminuição de vigilância que se exerce sobre a coisa, há maior facilidade para o crime. Se embora seja noite, as pessoas não estão descansando, não há o aumento de pena do § 1º. Ex.: As 3hs da manhã está tendo uma festa na casa de “A”, se acontecer um furto, existirá o aumento de pena do § 1º? Não, pois a coisa não está menos vulnerável que estaria durante o dia.
Art. 155, § 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.
Se não há ninguém morando no local e nem perto (a casa mais próxima está a 2 km de distância) e uma pessoa realiza o furto durante a noite, não se pode aplicar o aumento de pena do § 1º. A uma porque não há repouso, a duas porque não se vislumbra nenhuma vigilância que houvesse sobre a coisa (nem de dia e nem de noite).
Mas em um prédio, mesmo que não tenha porteiro, se houver um furto se aplica o aumento de pena do § 1º? Sim, pois nós todos exercemos vigilância sobre a coisa alheia, seja pela solidariedade, seja pela fofoca. Logo, mesmo que indiretamente por solidariedade um vizinho exerce a vigilância sobre a casa do outro, pois se ele vir que a casa está sendo assaltada, ele chama a polícia. E durante o repouso se diminui a vigilância.
A irmã de “A” trabalha a noite e descansa de dia. Se acontecer um furto na casa dela as 9hs da manhã, pode-se aplicar o aumento de pena do repouso noturno? Não, porque isso seria analogia in malan partem.
A palavra “noturno” significa ausência de luz solar, mas a palavra “repouso” é relativa, pois o repouso em uma cidade é diferente de um repouso na fazenda. As 5hs da manhã na cidade pode se considerar o aumento de pena do § 1º, mas na fazenda não, pois esta hora as pessoas já estão trabalhando na roça, com os animais.
E nos estabelecimentos comerciais, se acontecer um furto dentro dele, pode se considerar o aumento de pena repouso noturno? É óbvio que se uma pessoa foi contratada para fazer a segurança de lá naquele período não há aumento de pena pelo repouso noturno, pois não há diminuição da vigilância.
E nos estabelecimentos comerciais sem segurança, se houver um furto a noite pode se considerar o aumento de pena repouso noturno? Existem 2 correntes: sim, porque houve a diminuição da vigilância; não, porque com este dispositivo se quer proteger o lar, a casa que se mora, o lugar de repouso. Ligeiramente majoritário é não aplicar o aumento de pena repouso noturno.
O cara do “apoio”, que fica fazendo ronda na rua toda, se acontecer um furto em uma das casas, pela simples existência de um segurança no local pode-se descaracterizar o furto? Claro que não, aquilo é para intimidar, mas não necessariamente impedirá o furto. É diferente da contratação de um segurança particular para a casa. Neste último, pode-se dizer que houve uma diminuição da vigilância? Mas o cara que anda a rua toda não descaracteriza a diminuição da vigilância.
Furto privilegiado
O furto privilegiado está no art. 155, § 2º e trata do furto de pequeno valor e do réu primário.
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.
O que é coisa de pequeno valor? Podemos adotar um critério objetivo e um critério subjetivo. O critério objetivo é o valor da coisa em si. O critério subjetivo é o valor da coisa em relação ao patrimônio do seu titular. Se adotarmos o critério subjetivo, uma coisa de R$ 100,00 não poderá ser considerada coisa de pequeno valor para uma doméstica, enquanto que um Toyota Corolla zero é coisa de pequeno valor para um milionário.
Qual é o critério adotado para coisa de pequeno valor? É o critério objetivo. A coisa de pequeno valor mencionada no § 2º do art. 155 é o que não ultrapassa 1 salário mínimo. Uma bolsa de R$ 100,00 é considerada coisa de pequeno valor, mas uma bolsa de R$ 600,00 não é considerada coisa de pequeno valor.
Valor insignificante # pequeno valor. Coisa de pequeno valor é a que está no art. 155, § 2º, coisa de valor insignificante nem é conduta típica.
Para que tenhamos o privilégio, além de a coisa ser de pequeno valor, é preciso que o réu seja primário. O que significa criminoso primário? É o criminoso não reincidente, ele pode até ter antecedentes criminais, mas não pode ser reincidente. E os requisitos desse artigo são cumulativos, ou seja, além de a coisa ser de pequeno valor, é preciso que o réu seja primário.
Mas sendo a coisa ser de pequeno valor e o réu sendo primário, a concessão de privilégio é obrigatória ou facultativa? Esse “pode” do § 2º é “pode” ou “deve”? Esse “pode” é “pode” e é “deve”, dependendo da discussão.
O privilégio é direto subjetivo do réu, portanto o juiz é obrigado a aplicar o § 2º sempre que o réu for primário e tiver bons antecedentes. Só que esse parágrafo fala das possibilidades que o magistrado terá: 1ª) ele pode substituir a pena privativa de liberdade por multa; 2ª) ele pode substituir a pena de reclusão por detenção; ou 3ª) ele pode diminuir a pena. Ou seja, esse “pode” refere-se a uma das providências que pode ser adotada pelo magistrado, caso ele reconheça a causa de privilégio.
Ex.: O réu é primário e a coisa custa R$ 200,00, é ou não obrigatória a aplicação do § 2º? É obrigatória a aplicação do § 2º, mas o “pode” diz respeito a qual das 3 providências o magistrado poderá tomar no caso do parágrafo segundo, ou seja, o que o juiz fará aplicando ao § 2º.
Furto qualificado – art. 155, § 4º
Furto qualificado
§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:
Temos as 4 qualificadoras do furto, são figuras qualificadas porque o furto a incidirem essas qualificadoras, a pena será de 2 a 8 anos.
A primeira qualificadora é o furto com rompimento de obstáculo:
Art. 155, § 4º, I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;
O que é o obstáculo à subtração da coisa? Obstáculo à subtração da coisa é algo externo a coisa e que ali foi colocado para dificultar o acesso a ela. Ex.: O cofre é um obstáculo à subtração do dinheiro que está dentro dele; a redoma de vidro que cobre a coroa do imperador do Museu Imperial é para protegê-la do roubo e do furto.
Os vidros do carro são obstáculo à subtração da coisa? Na verdade o vidro foi ali colocado para nos proteger do tempo, da chuva, tanto é que se você quiser pode optar por um carro sem vidro, um conversível. Para a jurisprudência o vidro é obstáculo a subtração das coisas que estão dentro do carro e não obstáculo a subtração do carro em si.
Para aplicar essa qualificadora é preciso da seguinte situação: para chegar à coisa destrói-se o obstáculo a subtração dela. Pode acontecer de você entrar em um lugar sem precisar arrombar nada, mas para sair dali com a coisa você precise arrombar a janela ou porta. Ex: “A” entra em uma faculdade e se esconde para poder furtar o computador de lá. Quando todos fossem embora e a faculdade estivesse fechada, ele arromba a porta e sai com o computador. Estaria qualificado o crime? Existem duas correntes:
1ª – Para incidir a qualificadora na destruição do obstáculo é preciso que o agente destrua o obstáculo para que consiga chegar até a coisa. Esse posicionamento é majoritário.
2ª – A incidência da qualificadora pode também se dar nas situações em que o agente, para chegar até a coisa, destrói o obstáculo, como também naquelas em que o agente rompe o obstáculo mesmo depois de subtrair a coisa e para consumar o crime.
A segunda corrente diz que a lei menciona romper obstáculo a subtração, se você pra consumar a subtração precisa romper o obstáculo mesmo depois de ter chegado à coisa sem romper o obstáculo, ainda assim haverá a qualificadora. Essa é a corrente minoritária.
Uma questão de prova descrevia a situação de um fazendeiro que invade a fazenda do outro porque queria roubar a vaca premiada dele. Mas como eles não conseguem tirar a vaca, esquartejam-na e passam por cima da grade. Isso foi crime de dano ou de furto qualificado? Essa questão não tem rompimento de obstáculo, pois eles passaram por cima da cerca. Isso é crime de furto.
Para caracterizar a qualificadora do rompimento de obstáculo é imprescindível o exame de corpo de delito.
Art. 155, § 4º, II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
O que é o abuso de confiança? É praticar o furto se aproveitando da confiança que o outro tem. Lembrem-se que não se pode caracterizar o abuso de confiança pelo simples vínculo empregatício existente entre o patrão e o empregado. Se um empregado, ainda que seja um empregado doméstico, realiza um furto na casa do patrão, isso não necessariamente caracteriza um furto com abuso de confiança. Para que tenhamos um furto com abuso de confiança se faz imprescindível que efetivamente exista a relação de confiança e que efetivamente a pessoa tenha se prevalecido dessa confiança.
Ex.: Vamos imaginar que a Janaína (empregada doméstica), é a pessoa que a “A” disse que mais confia no mundo, depois de sair da casa de “A” volte de forma subreptícia durante a madrugada para cometer um furto. Nesse caso vai incidir o abuso de confiança? Mas o que essa confiança que ela tem na Janaína significou para que ele de forma subreptícia retirasse as coisas que tinham lá? Nada, ela entrou lá como um ladrão comum. Dissemos que para o abuso de confiança se faz imprescindível que exista a relação de confiança e que a pessoa tenha se prevalecido dessa confiança para cometer o furto.
Mas se a Janaína está lá trabalhando e a “A” dando aula na faculdade, e ela furta alguma coisa, dessa vez o furto foi com abuso de confiança, porque ela se prevaleceu de “A” confiar nela, de deixar as coisas na mão dela, de deixar os armários abertos para ela fazer o que quiser, para, assim, cometer o furto.
Mas se no primeiro exemplo ele tivesse dado a chave na mão da Janaína, pra que ela entrasse na casa dele e ela usando essa chave furtasse as coisas de “A” de madrugada, seria abuso de confiança, não? O fato de você ter dado a chave a ela não caracteriza certa confiança? Sim, mas se ela tivesse pego a chave sem “A” saber não haveria o emprego de confiança.
Ex.: “A” contratou uma pessoa indicada pela Janaína para trabalhar na casa dele nos fins de semana. No segundo fim de semana que ela estava lá “A” viajou. Se ela praticasse um furto lá, seria com abuso de confiança? Seria, porque ainda que não houvesse uma relação antiga entre as duas, se não houvesse confiança, ele não teria viajado e deixado a casa com ela. Ao mesmo tempo, “A” tinha uma faxineira que estava lá há 5 anos, mas quando a Janaína não estava lá, ela suspendia a faxina. Então, apesar dos 5 anos não havia confiança, porque ela não deixava a casa sozinha com a mulher.
Como é o nome do furto praticado pelo funcionário contra o seu patrão? Furto com famulato
O que é escalada? É a entrada através de meio anormal. A escalada tanto pode ser a entrada subindo como no subterrâneo, logo pode ser o crime do homem aranha como o crime do homem tatu. Se o cara usa um túnel para entrar na casa, esse crime é com escalada.
Mas qualquer dicionário nos diz que escalar é subir. Então, entrar por passagem subterrânea não estaria ampliando o conceito de escalada? E ampliação de conceito no Direito Penal não é proibida? No Direito Penal não se aplica a legalidade estrita? Sim, mas isso não importa, porque é o que se diz tanto na doutrina quanto na jurisprudência. A doutrina ampliou de tal forma o conceito, que ele foi encampado pela jurisprudência.
A escalada não precisa de corpo de delito, porque ela não deixa vestígios. Se você colocar e tirar uma escada, não ficará vestígio. Se você escalar um muro, não há vestígio.
A destreza é capacidade especial para furtar. É o crime do punguista, do batedor de carteira, no qual a vítima nem sente que foi furtada. Não há que se falar em destreza quando a vítima percebe, tanto não houve a capacidade especial, que a vítima percebeu.
É possível haver furto com destreza tentado? Para ter destreza é preciso que a vítima não perceba, mas se um terceiro percebe e impede a consumação, haveria tentativa do furto com destreza. Ex.: Eu estou no ônibus e uma pessoa tenta tirar a minha carteira do bolso com destreza. Se um terceiro percebe e impede a consumação, haveria a tentativa do furto com destreza. Ex.: “A” estava andando no Centro da cidade falando ao telefone, uma pessoa pegou o celular dele e nos primeiros instantes ele nem se deu conta. Ele só percebeu quando gritaram que tinham furtado o celular dele.
Furto com fraude # estelionato
A fraude é uma elementar do crime de estelionato. Qual é a diferença da fraude para o estelionato? No furto com fraude o agente usa a fraude para ludibriar a vítima para que ela diminua a vigilância que tem sobre a coisa para que ela realize a subtração. Ex.: A pessoa te pede água e enquanto você vai pegar a água, ela te furta. Ex.: O cara que finge ser da Net, da Sky e vai a sua casa, distrai a pessoa que está lá e comete o furto.
No estelionato a vítima faz a entrega espontaneamente da coisa. Ex.: O cara diz pra um comerciante que tem cerveja no caminhão que sobrou de uma festa e por isso ele vai vendê-la mais barata. O comerciante paga a ele, mas ao invés de descarregar o caminhão ele vai embora com a cerveja e com o dinheiro. Ex.: O cara que fingia ser da Net e leva o teu codificador, dizendo que de acordo com suas reclamações, precisavam retirar o aparelho para troca.
Mas se eles fossem da própria empresa e na qualidade de funcionários dela pegassem o material para levar para a empresa e depois decidissem ficar com ele, qual é o crime? É apropriação indébita, pois eles foram lá em nome da empresa, mas depois é que decidiram ficar com o equipamento para eles. E se eles já fossem lá com o intuito de ficar com o equipamento para eles, não devolver pra empresa? É furto.
Havia um caso que ocorreu a denúncia de uns caras que prestavam serviço para a Telemar. Eles tiraram toda a fiação que somava uma tonelada de fios de cobre avaliada em R$ 1.500,00. Depois disso, ao invés de levá-los para a empresa, eles levaram para casa. Qual é o crime? É apropriação indébita, pois eles foram lá em nome da empresa, mas depois é que decidiram ficar com os fios para eles.
Mas se eles já tivessem ido pra lá com intenção de ficar com os fios para eles? É furto, porque ab initio eles queriam o fio pra eles.
Existe uma diferença muito grande entre ir com vontade de praticar o crime ou ir pegar licitamente e depois ficar com aquilo pra você. Isso é difícil de provar, em geral. Neste caso dos fios foi fácil provar porque havia testemunha que eles receberam a ordem de ir para o local, eles foram, mas chegando lá, eles não devolveram os fios.
Questões para fixação do conteúdo:
1 - Plínio se faz passar por funcionário da Sky e dirige-se a casa de um assinante, dizendo ao mesmo que ali estava para buscar um equipamento por determinação da empresa.
Resp.: Ele não é funcionário da Sky, ele empregou uma fraude, e por isso ele conseguiu entrar na casa da vítima e fazer com que ela entregasse o aparelho na mão dele. Por isso é estelionato. No estelionato o dolo é ab initio, desde o início a pessoa está obrando com dolo. Estelionato, este é o crime do cara-de-pau. Em geral o estelionatário é educado.
2 - A resposta se alteraria caso Plínio fosse funcionário e, depois, ao ser entregue o aparelho decidisse do mesmo se apropriar.
Resp.: No início ele está com a posse lícita do aparelho, o dolo dele é subseqüente, por isso é que ele cometeu apropriação indébita.
3 - E se, na hipótese acima, Plínio já se dirigisse para o local pensando em ficar com o aparelho para ele.
Resp.: Estelionato. Desde o início ele, que é funcionário, quer ficar com o aparelho para ele. E a coisa foi entregue para ele, porque acharam que ia levar para a Sky. Ele fez a vítima acreditar que ia levar o aparelho para a empresa, mas ele não levou. Ele está tendo uma vantagem econômica mediante o ardil. Ele aplicou o ardil, que se caracterizou por dizer que vai levar a coisa para a empresa, quando não vai, e por isso a coisa foi entregue para ele, nas mãos dele. Então, sem dúvida trata-se de estelionato. Só tem furto quando a pessoa subtrai e ele não subtraiu nada, a coisa foi entregue para ele. Tanto no furto como o estelionato o dolo é ab initio, na apropriação indébita o dolo é subseqüente.
4 - Carla, a pretexto de fazer um test drive, dirige-se a uma concessionária e lá, quando a chave lhe é entregue, sai em disparada com o veículo.
Resp.: Apropriação indébita não pode ser porque ela nunca teve a posse lícita do bem, o dolo é subseqüente. O teste drive sempre é feito com o funcionário ao lado, o carro não nos é entregue, a posse sempre é vigiada. Mas antes que o funcionário entrasse no carro, ela arranca com o carro. A vítima não entregou a posse da coisa de forma desvigiada, ela todo tempo teve a posse vigiada da coisa. Portanto, trata-se de furto com fraude porque há a posse vigiada da coisa.
Quando a pessoa entrega o carro para o manobrista, ela não está entregando o carro para ele, ela está entregando o carro para ele estacionar, é diferente.
No estelionato a pessoa entrega o bem para a outra pensando que deve realmente entregar o bem para ela, para que ela fique com ele, ainda que temporariamente.
“A” entrega o carro para o guardador para que ele estacione onde quiser, ele não faz a mínima idéia onde ele vai guardá-lo. Se eles forem embora com o carro dele, que crime é esse? Ele está com a posse e a detenção lícita do carro, porque ele entregou o carro na mão dele. Ele está com a posse lícita do carro e ele tirou completamente a vigilância do carro. Na apropriação indébita não pode ter posse vigiada, é diferente do caso da churrascaria.
No caso da churrascaria ele não é guardador, ele é manobrista, você entrega o seu carro pra que ele estacione no local em que você está, você não perde a vigilância do carro. Apropriação indébita não é porque você não entrega o seu carro pra ele. Por isso que majoritariamente entende-se que é furto, já que você não tira a vigilância da coisa, vigilância não é contato visual.
No caso do estacionamento da churrascaria já vimos que não pode ser apropriação indébita, pois o agente não tem a posse e nem a detenção da coisa. A divergência está entre a capitulação em furto ou em estelionato. Uns, como eu, pensam que se a pessoa pegar o teu carro e falar que vai colocar no estacionamento, mas for embora, é furto com fraude, pois ela não perdeu a vigilância dele, ela ficaria no mesmo local em que o carro estava. Mas há quem pense que é estelionato, porque a vítima entregou o carro a ele.
Se o cara não é manobrista, mas se paz passar por manobrista e você entrega o carro? Continua a mesma discussão. Para uns será furto com fraude e para outros será estelionato.
No caso do guardador, não há dúvida, porque o carro fica com eles, e a vitima não faz a mínima idéia de onde estará o carro. Ela deixa o carro para que ele guarde onde ele quiser.
Obs.: A grande diferença entre os dois casos (o manobrista da churrascaria e o guardador) é a perda da vigilância. No caso do guardador ela perde a vigilância do carro dela e no caso do guardador ela entregou o carro para que ele colocasse no estacionamento da churrascaria.
Chave Falsa
§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:
III - com emprego de chave falsa;
A chave falsa é tudo aquilo que não é um meio normal para abrir a coisa, é a chave que não é verdadeira, são as gazuas, são os instrumentos específicos para furto, são as chaves-mixa ou chaves-mistas. A chave verdadeira subtraída do dono não é chave falsa. Se você subtrai a chave verdadeira do dono para cometer o furto, isso não é chave falsa.
Existe uma controvérsia se a ligação direta em automóvel seria chave falsa. Prevalece o entendimento que não é chave-falsa, pois aquilo não é para abrir, é para fazer com que se acione o motor do veículo. No STF há o entendimento que para impedir a qualificadora da chave falsa é imprescindível o exame de corpo de delito. E isso é difícil, pois nem sempre a chave falsa vai deixar vestígios. Por exemplo, se o cara usou uma chave-mixa e foi embora com o carro, como é que você vai saber que ele usou chave falsa? A menos que se apreenda a chave. Por isso que tem que haver a apreensão e a perícia para constatar se a chave falsa foi ou não usada.
Outra qualificadora do crime de furto é o concurso de pessoas, o que faz com que a pena que é de 1 a 4 anos passe a ser de 2 a 8 anos.
IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.
Tudo que será falado a partir de agora se aplica ao furto (art. 155, §4º, IV) e ao roubo (art. 157, §2º, II), pois assim como o furto é qualificado pelo concurso de pessoas, o roubo terá sua pena aumentada pelo concurso de pessoas.
Quando mencionamos o concurso de pessoas, falamos de co-delinqüência, que é a co-autoria e a participação. Se você tem co-autoria e participação, você tem mais de uma pessoa concorrendo para a prática do crime, o crime é praticado em concurso. Será que em qualquer situação onde exista concurso de pessoas, o furto será qualificado ou poderá ser furto simples?
Não estamos falando de quadrilha, que é um crime independente do furto. E esse concurso que menciono aqui é de 2 ou mais pessoas, é o concurso eventual, enquanto que na quadrilha são mais de 3 pessoas.
1ª situação: Plínio emprestou uma chave-mixa para que Paulo praticasse um furto.
2ª situação: Plínio e Paulo combinaram a prática de um furto, sendo que os dois se dirigiram ao local de onde a coisa foi subtraída, tendo Paulo subtraído e no mesmo local, entregue a Plínio, que a levou para local distante.
Nas duas situações os dois são co-delinquentes, eles estão contribuindo para o mesmo crime, e há, em ambas as situações, um furto praticado com concurso de pessoas.
Mas será que nesses dois crimes o furto é qualificado pelo concurso de pessoas? Quando quero saber se determinada situação está autorizando a aplicação de um dispositivo legal, é sempre necessário ver a ratio do dispositivo (a razão do dispositivo)? E qual é o motivo que leva a qualificação do crime de furto pelo concurso de pessoas? O fato de haver mais facilidade para a prática do crime, pois a coisa está mais vulnerável.
Nas duas situações houve concurso. Mas nas duas situações houve mais facilidade para a prática do crime de furto pelo fato de ter havido o concurso?
Na 1ª situação um emprestou uma chave-mixa para o outro, é óbvio que esse que emprestou concorreu. Mas qual a facilidade que ele deu por ser mais um? Qual é a diferença para a coisa (para a propriedade) de furtar com a minha chave-mixa ou furtar com a chave-mixa que alguém me emprestou? Nenhuma. E no roubo, qual é a diferença entre roubar com o revólver que você me emprestou ou com o meu revólver? Nenhuma. Para a vítima só o que interessa é que tem uma pessoa com o revólver apontado pra ela.
Por isso a 1ª corrente diz que em sendo a razão da causa de aumento a maior vulnerabilidade da coisa quando o crime é praticado em concurso, é preciso que as 2 ou mais pessoas contribuam diretamente no local da subtração para o furto, o que representaria maior vulnerabilidade para a coisa.
Diante disso, qual dessas duas situações seria a do furto qualificado? Em razão disso o furto qualificado só seria o da 2ª situação.
Mas essa corrente não é majoritária, ela é minoritária, embora seus precedentes sejam cada vez mais freqüentes no STJ. A 2ª corrente, amplamente majoritária, diz que não importa se as pessoas estejam in loco por ocasião da subtração ou não. Ela diz que não importa se houve execução direta por mais de uma pessoa ou não. Uma corrente que, portanto, vai dizer que basta a existência de concurso de pessoas para que se responda pelo crime e que esse crime seja qualificado. Essa 2ª corrente é a que revela a posição do STF sobre o tema. Para essa corrente haveria furto qualificado nas 2 situações. O fundamento é que o que o dispositivo penal faz é mencionar que houve concurso de pessoas, então basta qualquer concurso.
O STF entende também que não há bis in idem na responsabilização pelo crime de furto com concurso de pessoas e o crime de quadrilha em concurso material. Ex.: Se A, B, C e D são quadrilheiros e combinam e praticam um furto, respondem por quadrilha mais o furto qualificado pelo concurso de pessoas. Não há bis in idem, pois se tratam de crimes distintos com objetividades jurídicas igualmente distintas.
Furto qualificado
§ 5º - A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.
Esse dispositivo tem como fundamento a maior dificuldade que se tem de recuperar a coisa quando ela é transportada para outro Estado ou para outro país. Isso é inequívoco. Esta qualificadora é de cunho objetivo, não se pune a intenção de levar para outro Estado, pois você pode nem ter a intenção de levar para outro Estado no momento em que subtrai, mas se você leva posteriormente, vai aplicar a qualificadora.
Portanto, para aplicar essa qualificadora é preciso que efetivamente a coisa seja levada para outro país ou outro Estado, é preciso que efetivamente haja a transposição da fronteira de outro pais ou a divisa de outro Estado. E isso não tem nada a ver com o crime ser tentado ou consumado. O fato de o furto ser tentado ou ser consumado tem a ver com o momento em que ele tem a posse mansa e pacífica da coisa, sem vigilância. O furto estará consumado quando houver a posse mansa e pacífica da coisa, sair da esfera de vigilância da vítima, segundo entendimento majoritário.
A primeira coisa que se tem que fazer para aplicar esse dispositivo é questionar se houve a transposição da fronteira de outro país ou a divisa de outro Estado. Ou seja, primeiro se verifica se há a qualificadora. Se tiver havido a qualificadora, o crime pode estar consumado ou pode ser tentado.
Posso ter esse crime tentado? Claro. E como se faz para não confundir? Analisa em dois momentos.
Plínio subtraiu um carro em Nova Iguaçu.
- Quatro dias depois o levou para o Espírito Santo.
Há a qualificadora? Sim. O crime está consumado ou tentado? Consumado. Capitulação: Art. 155, § 5º.
- Quatro dias depois, ao tentar ingressar no Estado de São Paulo pela via Dutra, foi preso pela polícia federal, antes mesmo de entrar em SP.
Há a qualificadora? Não tem a qualificadora porque ele não entrou em SP. O crime está consumado ou tentado? O furto está consumado. Capitulação: art. 155 caput.
A situação agora, nos dois casos abaixo, vai mudar, porque a polícia a tudo assistiu e o persegue de forma ininterrupta. É diferente das duas situações anteriores em que já tinham se passado 4 dias.
- Imediatamente após subtrair, foi perseguido pela polícia que a tudo assistiu, sendo preso em flagrante antes mesmo de entrar no Estado de São Paulo.
Há a qualificadora? Não tem a qualificadora porque ele não entrou em São Paulo. O crime está consumado ou tentado? O furto só está tentado porque houve perseguição ininterrupta, então ele nunca teve a posse mansa e pacífica da coisa. Capitulação: art. 155 c/c art. 14.
- Na mesma situação acima, perseguido de forma ininterrupta, foi preso logo após entrar no Estado de São Paulo.
Há a qualificadora? Tem a qualificadora porque ele entrou em SP. Mas o furto não foi consumado, mas apenas tentado, pois ele não tem a posse tranqüila da coisa. Capitulação: art. 155, § 5º c/c art. 14.
Primeiro verifica se há a qualificadora, para depois ver se o crime está consumado ou tentado. Com isso vemos que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Isso porque pode-se ter a qualificadora e não estar consumado; pode-se ter a qualificadora e estar tentado; etc.
Dissemos que a razão pela qual se pune esse crime de forma mais grave quando se trata de veículo automotor transportado para outro Estado ou país é pela dificuldade de localização e recuperação da rés. Mas há situações de comarcas vizinhas que estão em territórios diferentes. Você pode estar no ES e dar um passo e estar na Bahia, você pode estar na Bahia e dar um passo e estar em outro Estado.
Um exemplo é o que acontece aqui no norte do RJ com o ES é Bom Jesus de Itabapoana, existe apenas uma pontezinha separando os dois Estados. O cara subtraiu o veículo em Bom Jesus e tinha a intenção de fazer o desmanche em Campos. Mas a polícia o viu e foi atrás. Na fuga, ele acabou passando para o outro Estado, que era fronteira, pois ele passou pela ponte. Nesse caso incide a qualificadora? Isso seria draconiano, pois aqui foi circunstância de fuga, seria de um rigor draconiano e iria contra os fundamentos que inspiraram o legislador a fazer a previsão dessa qualificadora.
E no caso de o veículo ser levado para o DF? Resposta: O Direito Penal nos tipos incriminadores ou nos tipos que prejudicam é de aplicação restritiva ou ampliativa? Está escrito DF? Não, então se for DF não incide. Tanto é assim, que o art. 40 da Lei 11.343/06 traz as causas de aumento de pena em caso de tráfico transnacional e quando é tráfico interestadual. Esta lei tomou cuidado, porque se tivesse colocado apenas tráfico entre os estados, quando fosse tráfico entre um estado e o DF, este artigo não poderia ser aplicado.
Art. 40 da Lei 11.343/06. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;
É diferente do CP, que não faz disposição expressa, pois não se colocou ingressar em outro Estado ou DF, por isso esta qualificadora não pode ser aplicada quando se trata do DF, não pode ter causa de aumento de pena.