Relatos sobre a tortura no Brasil

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O presente estudo trata das previsões legais do instituto da tortura no Brasil e os seus relatados no cenário social brasileiro.

Resumo: O presente estudo trata das previsões legais do instituto da tortura no Brasil como um crime hediondo, mas ainda retratado no cenário social brasileiro.

Palavras-chave: tortura, repressão, lei 9.455, constituição.

Sumário: Introdução; 1. Conceito de tortura; 2. A tortura no Brasil; 3. A previsão legal da proibição da prática de tortura no ordenamento brasileiro; 4. Considerações sobre a Lei da Tortura; 5. Da aplicação da lei de tortura; Conclusão; Referencias bibliográficas.

Introdução:

Pretende-se nesta pesquisa expor e analisar a “tortura” como instituto proibido no ordenamento jurídico brasileiro e, traçar um paralelo com a sua (in)aplicabilidade no cenário do País.

1. Conceito de tortura

A tortura pode ser conceituada como um meio de repressão violento e cruel, o qual utiliza de artifícios que causem dor e sofrimento, sejam eles, físicos ou psíquicos, com o fim de obter qualquer tipo de vantagem, informação ou mesmo para satisfazer prazer pela consternação de outrem.

Segundo a Associação Médica Mundial, a tortura se conceitua como:

A imposição deliberada, sistemática e desconsiderada de sofrimento físico ou mental, por parte de uma ou mais pessoas atuando por conta própria, ou seguindo ordens de qualquer tipo de poder, com o fim de forçar uma outra pessoa a dar informação, confessar, ou por outra razão qualquer. (MATIAS, 1978)

Esse meio é conhecido em toda a história, seja como uma forma de coação de escravos, seja como aplicação de pena em alguns ordenamentos jurídicos.

Como pena capital foi, muitas vezes, deliberadamente dolorosa. Dentre as penas mais cruéis incluem-se a roda, a ebulição até a morte, o esfolamento, o esventramento, a crucificação, a empalação, o esmagamento, o apedrejamento, a morte na fogueira, o desmembramento, a serração, o escafismo e o colar(técnica de linchamento que consiste em colocar um pneu em volta do pescoço ou do corpo do supliciado e, em seguida, atear fogo ao pneu).  Um exemplo de tortura na Grécia Arcaica é o história do touro de bronze, proposto para Fálaris, em meados do século 6 a.C.. As Cinco Punições são um exemplo que vem da China Antiga. (CAMPOS, 2000)

A Igreja católica teve grande participação na evolução de práticas de tortura, pois as pessoas que eram contra a igreja, eram punidos com a excomunhão e excluídos da comunidade eclesiástica.

A tortura foi proibida pela Terceira Convenção de Genebra (1929) e por convenção das Nações Unidas,2 adotada pela Assembléia Geral em 10 de dezembro de 1984 através da resolução n.º 39/46. A tortura constitui uma grave violação dos Direitos Humanos, não obstante ainda ser praticada no mundo, frequentemente coberta por uma definição imprecisa do conceito nas legislações locais.

2. A tortura no Brasil.

A tortura, no Brasil, como meio de obtenção de provas ou como forma de castigo a prisioneiros, foi muito empregada no período colonial e depois, muito utilizada durante a Ditadura Militar.

Durante o período de 1964 a 1985, as torturas eram realizadas com choques agressões físicas. A partir de 1968, começou a ser amplamente utilizada, para conseguir confissões das pessoas envolvidas na militância contra o governo militar. Apesar disso, nenhum torturador foi punido, pois o Congresso Nacional aprovou, em 1979, a Lei da Anistia. Com ela, as pessoas envolvidas em crimes políticos seriam perdoadas pela justiça, inclusive os torturadores.

No início do regime, os militares realizaram uma operação para verificar os suspeitos que estivessem ligados ao antigo governo ou a algum tipo de subversão. Foram tantas pessoas presas, que os presídios que existiam não foram suficientes. Com o AI-5, os jornais passaram a ser mais censurados e com a falta de divulgação da violência, os fatos de tortura tornaram-se cotidianos.

Em 1969, a tortura teve seu período mais difícil no país. As guerrilhas estavam com grande atuação e ocorriam muitos assaltos a banco e, com isso, a repressão se tornou mais forte. Nessa época, foram criados processos para esconder as atitudes dos militares. As mais diversas formas de tortura eram praticadas e isso provocou uma onda de suicídios. Elas eram tão violentas e marcantes, que o preso não desejava mais viver.

suicídio também foi utilizado pelos militares para justificar mortes de prisioneiros nos quartéis e presídios.

No depoimento abaixo, Frei Tito, que foi preso em novembro de 1969, tem sua história contada no livro Batismo de Sangue, sofreu torturas e assinala:

“O preso ao lado pressentiu minha decisão e pediu que eu me acalmasse. Havia sofrido mais do que eu (teve os testículos esmagados) e não chegara ao desespero.

Mas, no meu caso, tratava-se de impedir que outros viessem a ser torturados e de denunciar à opinião pública e à Igreja o que se passava nos cárceres brasileiros. Só com o sacrifício da minha vida isso seria possível”. (Betto, 1985)

Além disso, crianças sofreram torturas e o regime também foi responsável por centenas de abortos que ocorreram em mulheres.

estavam no livro Brasil: Nunca Mais. Publicado em 1985, o livro denunciava, com base em documentos produzidos pela Justiça Militar, a repressão política, as torturas, as prisões arbitrárias dos considerados inimigos do Estado, os “terroristas” e os “subversivos”.

Havia uma criminalização de certos setores da sociedade, tais como sindicalistas, operários, estudantes, militantes de esquerda. Para estes “terroristas”, eram sistematicamente negados o direto a ampla defesa, a um inquérito policial isento, a proteção de seus direitos civis e de sua dignidade humana.

Em nome da Segurança Nacional, sevícias eram aplicadas por agentes do Estado, que em tese deveriam ser os protetores da sociedade civil.

Passados quase 30 anos do fim da ditadura militar, o apelo do “nunca mais” não foi comprido. A mesma estrutura judicial e de descaso com setores da sociedade civil permaneceram intactos. A impunidade com os torturadores do passado deu carta branca para a continuidade da violência. Hoje, a população periférica, pobre, negra, e de alguns movimentos sociais, sofrem com a criminalização e consequente desmando da Justiça e violência policial.

3. A previsão legal da proibição da prática de tortura no ordenamento brasileiro.

O Estado brasileiro é signatário dos instrumentos internacionais de proteção dos Direitos Humanos relativos à tortura. Aderiu, sem demoras nem reservas, à Declaração Universal dos Direitos Humanos e ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

A Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela ONU em 1984, veio a ser aprovada e ratificada em 1991. Mas, "antes da Constituição Federal de 1988, a expressão "tortura" figurava apenas no Código Penal, meramente como circunstância agravante para qualificar o homicídio. Ou seja, não existia como delito autônomo, apenas como fim ou meio de execução de outros delitos", registrou o juiz Rui Stoco. Em âmbito regional, a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, aprovada pela OEA em 9 de dezembro de 1985, foi ratificada e promulgada pelo Brasil em 1989.

A adesão voluntária do Brasil a esses tratados internacionais legitimou o interesse da comunidade internacional sobre tais questões no Brasil e fortaleceu a capacidade processual dos atingidos por violações de direitos humanos. Assim, casos graves, como a tortura, passaram a ter o acompanhamento do sistema internacional e do interamericano de proteção dos direitos humanos, além das organizações não-governamentais que atuam no setor. Embora difícil de comprovar e dimensionar, é válido supor que essa supervisão internacional vem inibindo a ocorrência ainda maior da prática da tortura, quer pela sua capacidade direta de dissuasão, quer pelo caráter pedagógico da ação dos sistemas junto aos operadores do direito e formadores de opinião pública no Brasil.

Em abril de 1997, o Brasil aprova, afinal, a Lei 9.455/97, que puniu autonomamente as várias modalidades de tortura, prevendo os crimes e as penas respectivas. A lei contém poucos artigos e, no essencial, observa os conceitos da Convenção de Nova Iorque (ONU).

A tortura pode ser definida, no Brasil, em constranger alguém, causando-lhe sofrimento físico ou mental, empregando violência ou grave ameaça. Ainda, para que a tortura esteja caracterizada é necessário que a finalidade do torturador seja obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa, que a tortura seja realizada para provocar ação ou omissão de natureza criminosa ou em razão de discriminação racial ou religiosa.

 A Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes possui dois artigos importantes, conforme segue o trecho abaixo:

Art. 1º Qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido, ou seja, suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, por sua instigação, ou com seu consentimento ou aquiescência; (...)Art. 5º ninguém será submetido a tratamento á tortura, nem a tratamento cruel ou degradante. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL (2004)

A Carta Magna, ainda, prevê:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

4. Considerações sobre a Lei da Tortura

A Lei de Tortura, nº 9455, criada em 7 de Abril de 1997, define os crimes de tortura e dá as providências de sua constituição, as causas de aumento e as penas em abstrato.

O artigo primeiro desta legislação prevê que crime de tortura incide em constranger alguém utilizando meio violento ou de grave ameaça. Este tipo penal tem finalidades específicas que são: obter informações, provocar ações ou em razão de discriminação racial.

Além disso, a submissão de pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a práticas que gerem sofrimento seja psíquico seja físico, também é considerado crime de tortura.

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Leia-se:

Art. 1º Constitui crime de tortura:

I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:

a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;

b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;

c) em razão de discriminação racial ou religiosa;

II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

Pena - reclusão, de dois a oito anos.

                                               

A omissão em face destas condutas também está elencada como crime de tortura e é penalizada em com detenção de um a quatro anos.

                       Ressalta-se que o delegado que não instaura o inquérito policial para apurar crime de tortura, não responde por prevaricação, mas sim pela prática de omissão.

                       O tipo penal também prevê a penalização da conduta em reclusão de 2 a 8 anos, podendo ser aumentada nas seguintes situações: quando cometido por agente publico; contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 anos ou, se é cometido mediante sequestro.

                      

Consoante:

§ 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço:

 I - se o crime é cometido por agente público;

 II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos; 

 III - se o crime é cometido mediante seqüestro.

O § 6º prevê que o crime de tortura é inafiançável e insuscetível de                 graça e anistia.

O cumprimento das penas será inicialmente em regime fechado.

Destaca-se que a Lei de Tortura diverge da Convenção Interamericana de Combate à tortura, pois a nossa lei diz que a tortura pode ser praticada tanto por agentes do Estado quanto por particulares, na convenção só prevê a pratica por agentes do Estado. 

5. Da aplicação da lei de tortura

Apesar da vigência da Lei nº 9.455/97, há quase 18 anos, muitas são as notícias de maus tratos, tratamento cruel e degradante dos presos no âmbito das delegacias, hospitais psiquiátricos e até mesmo nos domicílios contra crianças e idosos.

O juiz Luciano Losekann, coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), vai além:

É muito difícil descobrir a tortura porque isso acontece em instituições fechadas. A palavra do presidiário não tem valor. O depoimento do agente público é supervalorizado.

Em 2005, o governo Lula criou o Plano de Ações Integradas para a Prevenção e Controle da Tortura no Brasil. Apenas 12 estados aderiram à medida, que previa a criação de Comitês Estaduais de Prevenção e Combate à Tortura - formados por entidades, sociedade civil e poder público. A intenção era discutir políticas públicas e fazer vistorias em prisões, delegacias e hospitais. O controle, no entanto, é zero.

Pelo protocolo da ONU, os governos estaduais deveriam criar mecanismos para atuar em conjunto com a União, exclusivamente para prevenção e combate à tortura. Só dois estados cumpriram o acordo. Em Alagoas, o órgão não saiu do papel e está subordinado ao governo estadual. No Rio, a lei que cria o mecanismo já foi sancionada pelo Executivo. Na próxima terça-feira, a Assembleia votará a criação dos seis cargos que vão compor a equipe técnica, vinculada ao Legislativo.

As visitas a presídios, delegacias, manicômios e abrigos do Rio começarão até o fim deste mês a um custo mensal de R$ 33.300, verba do Orçamento da Assembleia. Em cada vistoria, técnicos vão elaborar relatórios e os enviarão ao Comitê Estadual para Prevenção e Combate à Tortura e ao Ministério Público, podendo ou não denunciar os torturadores à Justiça.

Conclusão

De fato, a Constituição Federal, veda a tortura no ordenamento brasileiro. A legislação brasileira muito evoluiu e se aperfeiçoou no que consiste à consagração dos diplomas legais internacionais incorporados no texto constitucional.

A legislação brasileira muito evoluiu e se aperfeiçoou no que consiste à consagração dos diplomas legais internacionais incorporados na Carta Magna à aplicação automática de seu artigo 5º.

Destaca-se os valores da dignidade da pessoa humana, a prevalência dos Direitos Humanos e a proteção integridade física do indivíduo.

Por fim, percebe-se que realidade fática, no entanto, demonstra outro cenário. A tortura, ainda, é muito disseminada na cultura brasileira e é apontada, atualmente, em vários contextos.

Referencias bibliográficas

BETTO, FREI. Batismo de sangue. Guerrilha e morte de Carlos Marichella. Ed Rocco, 1985.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, Vol 1, 10ª. Ed, São Paulo: Saraiva, 2006.

BRASIL. Constituição Federal (1988). 6ª ed. Belo Horizonte: Mandamentos Editora, 2006.

CAMPOS, Vera Lúcia Toledo Pereira de Gois. A tortura e a violência policial. In Revista Intertemas; ano 2; vol. 2; maio de 2000

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Vol. I. Rio de Janeiro: ed. Impetus, 2006, 6ª ed.

MATIAS, Afonso Maria Ruiz. O cuidado médico dos presos. In Revista Concilium; São Paulo: Vozes; nº 140; 1978; p. 124.

MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 11ªEd São Paulo.; Atlas: 2002.

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Sobre as autoras
Daniela Moreira de Souza

Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, foi pesquisadora e bolsista FAPEMIG (2011), monitora de Direito Constitucional II (Julho de 2011 a novembro de 2012), coordenadora do Núcleo de Pesquisa Acadêmico da Puc Minas (NAP), diretora do IICCP (Instituto de Investigação Cientifica em Constituição e Processo) e extensionista na APAC - Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (março de 2012 a julho de 2013). OAB em Direito Penal, OAB/MG 148.192. Cursando o mestrado em Direito Penal/ PUC Minas

Leila Moreira de Souza

Analista jurídica do Ministério Público de Minas Gerais. Formada pela Universidade Federal de Minas Gerais

Isabella Fonseca Alves

Mestranda em Direito Processual pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Bacharel em Direito pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas- núcleo Praça da Liberdade), monitora de Direito Processual Civil III (março de 2012 a novembro de 2012), pesquisadora do Instituto de Investigação Científica Constituição e Processo, extensionista na APAC - Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (março de 2012 a julho de 2013). <br>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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