O Novo Código de Processo Civil (NCPC), sancionado pela Presidente da República, logo em seu primeiro livro, na parte geral, traz a expressão “Das Normas Processuais Civis”, portanto, de suma importância esclarecer o que seria “norma” para entender qual a intenção do novo código.
Para Ávila[1] norma “é o conteúdo de sentido de determinada prescrição normativa, em função do qual é delimitado o que um dado ordenamento jurídico determina, proíbe ou permite”.
Com efeito, Alexy[2] entende que o princípio, conjuntamente com a regra, seriam espécies do qual a norma é gênero, isto porque, tanto regra quantos os princípios, de maneira deontológica, descrevem o dever ser, por isso, conclui que: “a distinção entre regra e princípio é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda norma é ou uma regra ou um princípio”.
Destarte, o primeiro livro do NCPC estabelece os princípios e as regras processuais civis que regeram todo o código, não à toa o primeiro artigo estabelece que o “processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil”.
Deste modo, a descrição do “dever ser” do NCPC obrigatoriamente estará em consonância com a Constituição Federal, por isso Barroso[3] afirma que ocorre uma filtragem constitucional, posto que toda a norma jurídica deva ser interpretada, sob a ótica da Constituição, de modo a realizar os valores lá consagrados.
Evidente que toda e qualquer norma jurídica deve estar em conformidade com a Constituição Federal sob pena de padecer de vício de inconstitucionalidade, todavia, nessa quadra histórica, o legislador entendeu por bem reforçar a supremacia constitucional.
Como aduz Mitidiero[4] houve uma aproximação do Direito Processual Civil com o Direito Constitucional, notadamente pela nova teoria das normas, havendo a constitucionalização do processo, com a incorporação das normas processuais na Constituição, sendo o contrário também verdadeiro.
Em razão da filtragem constitucional repetiu-se a norma (de direito fundamental) do art. 5º, XXXV, da CF, cujo novo texto, em sua versão processual, determina que não “se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”, sem fazer referência expressa à lei, ou seja, a norma tornou-se ainda mais abrangente.
Outrossim, reiterou-se o inciso LXXVIII, do art. 5º da CF, estipulando que a solução integral do litígio terá que se dar em prazo razoável, “incluída a atividade satisfativa”, isto é, a tutela jurisdiciona deve ser entregue, definitivamente, em tempo razoável. Para tanto, os “juízes e os tribunais deverão obedecer à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão”.
Como não poderia deixar de ser o contraditório (art. 5º, LV, da CF) foi amplamente fortalecido no primeiro livro do NCPC, competindo ao juiz zelar por tal princípio, assegurando às “partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais”,
Ainda, na linha do contraditório, o NCPC proíbe que seja proferida decisão “contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”, com exceção, por óbvio, dos casos de tutela provisória de urgência, de tutela da evidência e mandado de pagamento de monitória.
E mais, o contraditório é reforçado, mais uma vez, ao não se permitir a decisão surpresa, pois o “juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.
Ademais, por forte influência constitucional (art. 1º, III e art. 37, caput, da CF) cabe ao juiz promover “a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”.
De outro lado, repisou-se a norma do art. 93, IX, CF, assegurando que todos “os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”, ressalvando-se que nos “casos de segredo de justiça, pode ser autorizada a presença somente das partes, de seus advogados, de defensores públicos ou do Ministério Público”.
Portanto, a intenção do Novo Código de Processo Civil é clara, almeja que suas normas jurídicas, ou seja, suas descrições do dever ser processual, tanto na forma de regra, quanto na forma de princípio, estejam conectadas com a Constituição Federal, não apenas no sentido negativo, qual seja de não contrariar a Constituição Federal, padecendo de inconstitucionalidade, mas, no sentido positivo, de concretizar a Constituição, de ser sua expressão processual, logo, o Novo Código de Processo Civil não tenciona apenas estar em mera conformidade com a Constituição, pretende ser a efetivação processual da promessa constitucional, tenciona ser a versão processual da Constituição, intenciona ser a norma que possibilita, no âmbito civil, a consagração da Constituição Federal.
[1] ÁVILA, Humberto. Repensando o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. Revista trimestral de direito público, v. 24, p. 159-180, 1999.
[2] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Malheiros: São Paulo. 2008. p. 90.
[3] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalzação do Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. THEMIS: Revista da ESMEC / Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará. Fortaleza, v. 4, n. 2, jul/dez. 2006. p. 38.
[4] MITIDIERO, Daniel. Bases Para a Construção de um Processo Civil Cooperativo: o Direito Processual Civil no Marco Teórico do Formalismo-Valorativo. Tese do Doutorado defendida perante a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre 2007. p. 31.