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O regime do anistiado:

um elo entre a democracia e a relação de trabalho

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01/02/2003 às 00:00
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6. OUTROS DIREITOS DO ANISTIADO

Além da prestação econômica, única ou continuada, o anistiado tem outros direitos que gravitam nas órbitas trabalhista, educacional e previdenciária.

Na esfera da relação de trabalho, o anistiado fará jus à readmissão ou a promoção na inatividade, todavia a indenização só retroagirá até 05.10.1988. A medida atinge todos os trabalhadores efetivos da administração pública, direta e indireta, que foram punidos ou demitidos em virtude de greve. Por disposição expressa do art. 8º do ADCT, a referida medida não favorece os grevistas vinculados aos ministérios militares. A readmissão é devida somente aos que foram punidos a partir de 1979. Em relação ao período anterior, a lei que instituiu o regime do anistiado assegura à reintegração ao trabalhador do setor público que foi punido por motivo de greve ou por ter realizado greve em atividade essencial de interesse da segurança nacional.

A Lei 10.559/2002 vai além e contempla com reintegração os trabalhadores que foram punidos de forma kafkiana, com base em legislação de exceção, em decorrência de instauração de processo administrativo no qual deixaram de ser observados os princípios da ampla defesa e do contraditório. Enquadra-se na referida situação todos os que foram impedidos de tomar conhecimentos dos fundamentos da decisão ou de outra forma não tiveram o direito de recorrer a um órgão revisor.

O anistiado político fará jus ainda aos benefícios indiretos (p. ex., planos de seguro, de assistência médica, odontológica e hospitalar, financiamento habitacional, etc) mantidos pelo órgão patronal a que estava vinculado na época da punição. Todavia, a legislação não permite ao anistiado acumular pagamentos ou indenização que têm a mesma causa.

Na esfera previdenciária, a medida mais relevante consiste na contagem do tempo de afastamento. Assim, o lapso temporal durante o qual o anistiado foi punido por motivação política, obrigado, em conseqüência, a afastar-se das suas atividades profissionais, será computado como tempo de efetivo serviço para todos os efeitos legais, não lhe sendo exigível, em relação ao referido período, qualquer valor referente às contribuições previdenciárias.

Na esfera da educação, a Lei 10.559/2002 possibilita ao anistiado, que estudava em escola pública, retomar a sua formação educacional que foi interrompida em decorrência do ato de motivação exclusivamente política. Com efeito, o legislador permite que o anistiado conclua seu curso em escola pública. Inexistindo esta, o anistiado terá prioridade para receber bolsa de estudo do poder público. O texto da lei referida assegura a validação do diploma em relação ao anistiado que concluiu seu curso em instituições de ensino do exterior, desde que estas sejam detentoras de "reconhecido prestígio internacional".


7. A COMPETÊNCIA FUNCIONAL DOS MINISTÉRIOS E A LEI 10.559/2002

O Ministro de Estado da Justiça tem papel relevante na aplicação da Lei 10.559/2002, tendo em vista que lhe cabe decidir sobre os pedidos de anistiados. Além do mais, nesse aspecto, suas decisões ou requisições deverão ser cumpridas pelos órgãos públicos, no prazo máximo de sessenta dias, exceto se o ato ministerial envolver despesas incompatíveis com as disponibilidades orçamentárias do órgão demandado.

Ao Ministro da Defesa compete efetuar as anistias aos militares, bem como é sua a atribuição de executar a reintegração, efetivar as promoções e determinar as reparações econômicas, tudo em 60 dias, contados do recebimento de expediente do Ministro da Justiça.

Ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão incumbe viabilizar o pagamento das reparações econômicas, devidas aos civis. Para isso o referido órgão tem o prazo de sessenta dias, a contar da comunicação oriunda do Ministério da Justiça.


8. OS LITÍGIOS ENVOLVENDO ANISTIADOS E A TRANSAÇÃO JUDICIAL

A existência de litígio judicial não impede o interessado de postular a declaração da sua condição de anistiado. Incumbe à Comissão de Anistia analisar o pleito do requerente, ainda que este figure como autor de uma ação judicial na qual se discuta o direito à reparação decorrente de punição com motivação exclusivamente política. É obrigatório, porém, que o anistiando comunique à Comissão de anistia sobre a existência da ação judicial, possibilitando o acesso dos membros da comissão às provas produzidas nos autos da ação judicial e, ainda, evitando que haja a duplicidade de ordens de pagamento, uma determinada pelo órgão judicial e a outra pelo Ministro da Justiça.

O anistiado, assim reconhecido nos termos da Lei 10.559/2002, que estiver em litígio judicial com o objetivo de reivindicar o direito à reparação prevista no art. 8º do ADCT, da Constituição Federal de 1988, poderá transigir com a União, as autarquias e fundações públicas federais. Se o trabalhador ao qual se referiu a anistia é falecido, vislumbra-se a legitimidade dos seus sucessores ou dependentes para a transação.

O Acordo deverá ser firmado pela Advocacia Geral da União ou, se for o caso, pelas procuradorias das autarquias ou fundações envolvidas. A homologação da transação incumbe ao juízo no qual tramita a ação judicial.


9. CONCLUSÃO

O Brasil ainda padece de problemas decorrentes da cruel desigualdade social, tais como má distribuição de renda, estrutura fundiária perversa, violência crônica e desrespeito aos direitos humanos de presos, mulheres, negros, índios, velhos e crianças. Todavia, não se pode deixar de reconhecer que a lei do anistiado político consolida a reconciliação democrática como traço novo no perfil do estado brasileiro. Ela serve de fio de esperança de um Estado que começa a reatar a paz entre os seus filhos. Ela promove a anistia tão ampla quanto possível. Por isso é correto afirmar-se que os infortúnios políticos do passado foram tão previsíveis quanto são previsíveis os efeitos dessa lei inspirada em razoável senso de justiça. O regime do anistiado político não é apenas um texto de reparação. Trata-se, mais do que se percebe, de um manifesto de condenação aos que se aboletaram do poder para atender conveniências políticas mesquinhas em detrimento dos direitos políticos fundamentais.

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9. BIBLIOGRAFIA

ABBAGNANO, Nicola. Diccionario de filosofia. 2ª ed. 9ª tiragem. México: Fondo de Cultura Económica, 1992.

ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1981.

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal (v. 1). 16ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 1992.

LECHNER, Norbert. Los pátios interiores de la democracia. Flacso: Chile, 1990.

NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal (v. 1). 23ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 1985.

URBANI, Giuliano. Dicionário de política [verbete: política]. 8ª ed., Brasília: Ed. UNB, 1995.

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Sobre o autor
Zéu Palmeira Sobrinho

Juiz do Trabalho da 21ª Região (RN), mestre e doutor em Ciências Sociais, professor da UFRN, membro do GESTO - Grupo de Estudos Seguridade Social e Trabalho da UFRN

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PALMEIRA SOBRINHO, Zéu. O regime do anistiado:: um elo entre a democracia e a relação de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3736. Acesso em: 24 abr. 2024.

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