~~O Estado de Exceção nos impede de ver os germes embutidos e sedutores tanto do fascismo quanto do totalitarismo. Mantêm-nos vislumbrados com as maravilhas da democracia formal e do Estado de Direito. Pois, em essência, não permite ao homem médio em sua vida comum perceber que é no ventre do Estado de Direito que está sendo gestada a besta da exceção. Porém, diferentemente de um filme de horror, a ficção se torna realidade e a criatura invernal devora a todos os despossuídos de poder. Não percebemos que é a na democracia ocidental – salvo as raríssimas “exceções” – que se operacionaliza cada dia mais as estruturas e superestruturas propícias ao Super-presidencialismo.
O Kaiserpresident é o gestor político-jurídico dos grupos de poder apossados pelo capital que mantém o Executivo distante das demandas sociais e dos interesses globais. Sob a forma-Estado Bonapartista, o Executivo é presa e predador: presa do capital nacional e internacional e predador das vítimas incontestes dos que podem mandar sem ter que obedecer à lei geral. A exceção – como se sabe – tem regras distintas para os donos do poder (mandatários, sobretudo, do Executivo que monopoliza o Legislativo e submete o Judiciário) e outras para os não-empoderados.
Culturalmente, nesse status político, não somos afetos ao diferente, ao inusitado (“lá onde havia o Outro, adveio o mesmo” – Baudrillard). O Poder Político aninhado no capital, descontrolado por regras beneplácidas e complacentes que o ausentam de toda forma de controle que não sejam as estabelecidas pelos próprios grupos de poder, não admite grupos distintos, com visões de mundo alternativas, porque esses grupos culturais poderiam se tornar detratores, rivais e inimigos. Não há cultura neutra – apenas para desfilar folclores e regionalismos – e, assim, o cultural em sentido político passa a formular proposições de caráter político; ainda que seja, inicialmente, apenas para requerer mais espaço para sua cultura florescer. Os ciganos nunca foram um ameaça política institucional – não têm partidos e nem projeto de poder –, no entanto, sempre foram perseguidos. Especialmente pelas religiões oficiais do Estado Moderno ocidental. Não pode haver, por óbvio, direito de sedição cultural, uma vez que rapidamente se tornaria sedução de poder de transformação.
É assim que vemos o totalitarismo como projeto de poder de um Estado Islâmico necrófito, muito além da autofagia da cultura do Islã, mas nos silenciamos ou calmamente ignoramos as ações da Igreja Oficial; como se fossem apenas um mal menor, secundário – uma exceção dentro da regra da salvação pela fé redentora dos pecados da própria civilização ocidental. Este é o caso específico de freiras católicas irlandesas que escravizaram dez mil jovens e crianças em suas lavanderias, de 1922 a 1996 (portanto, pelo lapso de tempo, não foi uma exceção). Além dos atos criminosos análogos à escravidão, ainda cometiam abusos físicos e sexuais. Nas chamadas Lavanderias Madalena, as meninas ficavam de seis a nove meses trancadas – sem contato com o mundo exterior – para serem “purificadas”. Este era um dos mecanismos de “enquadramento” utilizado pelo Estado para subjugar e adestrar as meninas. Porque, no Terrorismo de Estado purificado, eram tidas como párias pelo modelo de pureza mítica reinante.
Vinício Carrilho Martinez
Professor da Universidade Federal de São Carlos
Marcos Del Roio
Professor Titular de Ciências Políticas da UNESP/Marília
O Estado de Exceção nos impede de ver os germes da autocracia.
Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).
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