O Estado de Exceção provoca um sentimento de FUGA EM MASSA

26/03/2015 às 16:18
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A descrença absoluta nos leva a fugir do normal e da moral.

~~O Estado de Exceção no Brasil tem particularidades que o tornam ainda mais perverso e bizarro. Pois, além de ser teúdo e manteúdo do fascismo, provoca-nos o sentimento de fuga em massa da realidade. Fugimos da realidade imediata, pondo a culpa nos outros (vocês são petralhas e eu sou honesto; mas voto no político que “rouba e deixa roubar”); fugimos para outros países, especialmente para dentro das lojas de sonho de consumo. Somos o único país do mundo em que se compra uma caneta Mont Blanc parcelada em dez vezes, sem juros. Apreciamos e idolatramos vinhos franceses, mas nunca lemos Victor Hugo, Balzac (se é que ouvimos seus nomes). Ainda não fomos informados de que houve a Tomada da Bastilha (o quê?). Revolução Francesa? Sei... Entre nós, o Estado de Exceção provoca não só um sentimento de adesão política, mas, acima de tudo, de aderência cultural.
No Brasil, 81% acreditam ser fácil "descumprir a lei". E não pensam, evidentemente, que estão aplicando a Desobediência Civil de Thoreau, Tolstoi, Gandhi, Martin Luther King e outros. Também por isso apenas 32% acreditam no Judiciário, contra 33% que crêem na polícia. Acredita-se menos no Judiciário do que na polícia; por isso, a descrença absoluta nos leva a fugir do normal, a aderir às formas excepcionais de poder, manipulação, segregação e repressão da verdade dos fatos. Como não acreditamos na lei, na formalidade do Estado de Direito, na própria vigência da Constituição e muito menos nas instituições da República, adornamos para a desconfiança generalizada.
A polícia, se não for aquela que obriga o jovem a filmar a própria morte, é de carne e osso. O povo vê o policial, mas não enxerga as hostes do poder. Ninguém vê o HSBC suíço, mas todos sentem a conta bancária vazia. Ninguém se preocupa com a venda casada ou extorsiva do plano de saúde, só sentem a morte por falta de atendimento no serviço de saúde pública. Na República Velha, éramos chamados de “Bestializados” porque desdenhávamos da hipocrisia oficial: o povo sempre detestou as vestes do poder e seus salamaleques. Com o tempo, as elites aprenderam a diversificar a política de pão e circo.
A culpa pela descrença na seriedade do Poder Público, evidentemente, não é do povo. Mas, a responsabilidade em buscar uma saída para a gravíssima crise ética, política e institucional, com certeza, é sua. Das elites não virá nada. Como não há almoço grátis, temos de construir o que queremos como país, por nós mesmos. Enquanto isso, na base do cada um por si e as elites contra todos, continuamos a represar o desejo de mudança real. No Brasil, há um medo atroz de mudanças sociais, como ensinava o sociólogo Florestan Fernandes. Esse sentimento é tão grave e tão profundamente arraigado que não se muda, não por medo de perder os anéis do poder, mas porque não se admite perder espaços elitizados: arte, cultura, educação, consumo.
Mudar significaria conviver com outros que não da mesma espécie; parte da elite quando se refere às raças brasileiras, mesmo sob a miscigenação, no fundo quer dizer espécies. Talvez Gilberto Freyre não fale em espécies, tão declaradamente, mas a lógica da Casa Grande $ Senzala e dos Sobrados e Mocambos é de segregação, evitando-se a contaminação étnica. Por isso, não se vê na origem da miscigenação os estupros das negras e mulatas: “somos de espécies diferentes”. A violência contra a mulher negra era a da mulher traída e não pelo senhor de escravos. O que nos ajuda a pensar o racismo, o preconceito e o machismo especialmente contra as mulheres negras (e mais ainda quando vem de mulheres brancas). Essa é a origem do que somos e do Gilberto Freyre decantou como “democracia racial”.
Vinício Carrilho Martinez
Professor da Universidade Federal de São Carlos
Marcos Del Roio
Professor Titular de Ciências Políticas da UNESP/Marília
 

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Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

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