O revigoramento da cláusula resolutiva expressa nas promessas de compra e venda

30/03/2015 às 14:39
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A Lei Federal n. 13.097/2015, em seu art. 62, renova a eficácia da cláusula resolutiva expressa nos contratos de promessa de compre e venda de imóveis não loteados.

A Lei Federal n. 13.097/2015, dentre outras providências, alterou o Decreto-Lei n° 745, de 7 de agosto de 1969, pretensamente modificando o regime jurídico da cláusula resolutiva expressa nos contratos de promessa de compra e venda de imóveis não loteados.

 

A cláusula resolutiva expressa, conforme dispõe o art. 474 do Código Civil[1] é a disposição contratual que prevê a extinção do vínculo contratual pelo inadimplemento das obrigações ajustadas por parte de um dos contratantes.

 

No sentido bruto extraído do texto normativo, a extinção do contrato independeria, inclusive, de interpelação judicial, que apenas seria necessária no caso de inexistência da Cláusula resolutiva expressa (cláusula resolutiva tácita).

 

Entretanto, nos contratos de promessa de compra e venda de imóveis, a jurisprudência consolidou o entendimento de que, mesmo diante de cláusula resolutiva expressa, não só é necessária a interpelação da parte inadimplente, como também é “imprescindível a prévia manifestação judicial na hipótese de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel para que seja consumada a resolução do contrato, ainda que existente cláusula resolutória expressa, diante da necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva a nortear os contratos[2]”.

 

Essa orientação jurisprudencial havia sepultado qualquer efeito prático da cláusula resolutiva expressa naquele tipo contratual. Até a entrada em vigor da Lei Federal n. 13.097/2015, qualquer contrato de promessa de compra e venda de imóvel só poderia ser rescindido através de acordo entre as partes ou mediante decisão judicial, ainda que o inadimplemento fosse absoluto e substancial, como por exemplo quando poucas ou nenhuma parcela é paga pelo promissário comprador e a mora persiste mesmo após a interpelação. A consequência é um verdadeiro gargalo negocial, vez que as ações que visam obter a declaração de rescisão contratual da promessa de compra e venda inadimplida, podem levar anos para serem julgadas, face ao notório assoberbamento das instâncias judiciais.

 

Uma das fontes da ineficácia da cláusula resolutiva expressa se encontra no art. 1º do Decreto-Lei n° 745, de 7 de agosto de 1969, que assim dispunha quantos aos contratos de promessa de compra e venda de imóveis não loteados (artigo 22 do Decreto-Lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937)[3]:

 

Art. 1º Nos contratos a que se refere o artigo 22 do Decreto-Lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937, ainda que deles conste cláusula resolutiva expressa, a constituição em mora do promissário comprador depende de prévia interpelação, judicial ou por intermédio do cartório de Registro de Títulos e Documentos, com quinze (15) dias de antecedência.

 

Apesar de não impor a manifestação judicial para a rescisão contratual, o dispositivo mitigava a eficácia da cláusula resolutiva expressa, impondo a interpelação para a constituição da mora do promissário comprador.

 

Conforme determinado pelo art. 62 da Lei Federal n° 13.097/2015, o dispositivo passou a ter esta redação:

 

Art. 1º Nos contratos a que se refere o art. 22 do Decreto-Lei no 58, de 10 de dezembro de 1937, ainda que não tenham sido registrados junto ao Cartório de Registro de Imóveis competente, o inadimplemento absoluto do promissário comprador só se caracterizará se, interpelado por via judicial ou por intermédio de cartório de Registro de Títulos e Documentos, deixar de purgar a mora, no prazo de 15 (quinze) dias contados do recebimento da interpelação.

 

Parágrafo único.  Nos contratos nos quais conste cláusula resolutiva expressa, a resolução por inadimplemento do promissário comprador se operará de pleno direito (art. 474 do Código Civil), desde que decorrido o prazo previsto na interpelação referida no caput, sem purga da mora.

 

Denota-se que a intenção do legislador foi no sentido de revigorar a eficácia da cláusula resolutiva expressa, dando-lhe novo significado no contexto sistemático no ordenamento jurídico pátrio.

 

Com a alteração o legislador busca, através da inserção das novas regras, condicionar e modificar a interpretação jurisprudencial até então predominante. O problema que deflui dessa aspiração é que a jurisprudência, atualmente, baseia-se na “necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva”, para afastar a eficácia da cláusula resolutiva expressa. Válido portanto, cogitar que a jurisprudência continue afastando a eficácia da cláusula resolutiva expressa, invocando uma suposta prevalência do princípio da boa-fé objetiva sobre as novas regras.

 

Essa não parece ser, contudo, a melhor solução sistemática. Cumpre recorrer aos princípios para interpretar e integrar as regras infraconstitucionais, ou bloqueá-las, quando no caso concreto, a aplicação resultar em afronta a razoabilidade de acordo com os valores subjacentes à norma.

 

Na verdade, ao invocar a boa-fé objetiva para afastar a eficácia da clausula resolutiva expressa em todos os contratos de promessa de compra e venda de imóveis não loteados, a jurisprudência tolhe as precípuas funções do princípio, afastando-o do caso concreto e aplicando-o como se fosse uma regra. As razões contrárias para tal procedimento são bem expostas nas lições de Humberto de Ávila[4]:

 

O aplicador só pode deixar de aplicar uma regra infraconstitucional quando ela for inconstitucional, ou quando sua aplicação for irrazoável, por ser o caso concreto extraordinário. Ele não pode deixar de aplicar uma regra infraconstitucional simplesmente deixando-a de lado e pulando para o plano constitucional, por não concordar com a consequência a ser desencadeada pela ocorrência do fato previsto na sua hipótese. Ou a solução legislativa é incompatível com Constituição, e, por isso, deve ser afastada por meio da eficácia bloqueadora dos princípios, sucedida pela sua eficácia integrativa, ou ela é compatível com o ordenamento constitucional, não podendo, nesse caso, ser simplesmente desconsiderada, como se fora um mero conselho, que o aplicador pudesse, ou não, levar em conta como elemento orientador da conduta normativamente prescrita.

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É relevante o fato de que o legislador, através do art. 62 da Lei Federal n. 13.097/2015, tenha expressamente condicionado a interpretação dos efeitos da inserção de cláusula resolutiva expressa nos contratos de promessa de compra e venda de imóveis não loteados, visando afastar qualquer dúvida quanto à sua aplicação. Não há, prima facie, nenhuma possibilidade do dispositivo ser considerado inconstitucional, e, apenas em alguns casos, pode se considerar que a sua aplicação afronte a boa-fé objetiva, já que, em muitos casos, a má-fé se encontra do lado do promitente comprador inadimplente e que recusasse a acatar a rescisão do contrato.

 

Por isso, o princípio da boa-fé objetiva não pode ser utilizado genericamente para, em todos os casos, afastar a regra infraconstitucional contida no art. 1º do Decreto-Lei n° 745, de 7 de agosto de 1969.

 

Resta saber quais os efeitos práticos que a alteração legislativa trará no cotidiano negocial. Entende-se que o objetivo é permitir a resolução do contrato em caso de inadimplemento independentemente de manifestação judicial, bastando, para tanto, a prévia interpelação sem a correspondente purga da mora. Assim, possibilitar-se-ia a concessão liminar de reintegração da posse em favor do vendedor e em detrimento do comprador inadimplente, sem necessidade de condicioná-la a uma prévia rescisão do contrato mediante pronunciamento judicial.

 

Certamente que o juiz deverá harmonizar esse novo regime jurídico com a necessidade de preservação dos direitos dos promissários compradores, especialmente o de devolução das parcelas pagas, observados os descontos referentes às multas e despesas administrativas estipuladas contratualmente em consonância com a jurisprudência. Essa preocupação deve ser ainda mais presente nas relações de consumo, por força do art. 53 do CDC. A solução pode ser o condicionamento da reintegração de posse à previa consignação dos valores pagos pelos promissários compradores, ou ao oferecimento de caução para garantir futuro ressarcimento.

 

Ressalve-se que nada impede que o juiz identifique o abuso de direito ou a violação da boa-fé objetiva na aplicação da cláusula resolutiva expressa e intervenha na relação contratual para reestabelecer a equidade. Contudo, tal interferência deve, doravante, ser admitida não como regra, mas como excepcionalidade justificada pela análise do caso concreto, sempre em consonância e embasada pela aplicação dos princípios protetivos constantes no Código Civil e principalmente da Constituição Federal. Do contrário, a ineficácia da cláusula resolutiva expressa seguirá sendo utilizada pelo promissário comprador de má-fé, que, valendo-se da morosidade no trâmite da ação de rescisão contratual, locupleta-se ilicitamente com a fruição do imóvel até o sempre distante desfecho processual.

 

Roga-se, portanto, que a praxe judiciária não relegue, novamente, a cláusula resolutiva expressa à qualidade letra morta nos contratos de promessa de compra e venda, contrariando a expressa e legítima vontade democrática exteriorizada através do art. 62 da Lei Federal n° 13.097/2015.

 


[1] Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.

[2] STJ; AgRg-REsp 1.337.902; Proc. 2012/0167526-0; BA; Quarta Turma; Rel. Min. Luis Felipe Salomão; Julg. 07/03/2013; DJE 14/03/2013.

[3] Art. 22. Os contratos, sem cláusula de arrependimento, de compromisso de compra e venda e cessão de direitos de imóveis não loteados, cujo preço tenha sido pago no ato de sua constituição ou deva sê-lo em uma, ou mais prestações, desde que, inscritos a qualquer tempo, atribuem aos compromissos direito real oponível a terceiros, e lhes conferem o direito de adjudicação compulsória nos termos dos artigos 16 desta lei, 640 e 641 do Código de Processo Civil. 

 

[4] ÁVILA, Humberto. “NEOCONSTITUCIONALISMO”: ENTRE A “CIÊNCIA DO DIREITO” E O “DIREITO DA CIÊNCIA”. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 17, janeiro/fevereiro/março, 2009.

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Sobre o autor
Fábio Neffa Alcure

Advogado - Especialista em Direito Civil

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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