O excesso na legítima defesa

30/03/2015 às 15:18

Resumo:


  • Excludentes de ilicitude são situações previstas em lei nas quais a conduta do agente, embora típica, não é considerada ilícita, como no caso da legítima defesa, estado de necessidade e estrito cumprimento do dever legal.

  • A legítima defesa ocorre quando um indivíduo utiliza meios necessários e moderados para repelir uma agressão injusta, atual ou iminente, a direito seu ou de terceiros.

  • O excesso na legítima defesa acontece quando o agente ultrapassa os limites necessários para a defesa, podendo responder penalmente pelo excesso cometido, seja ele doloso ou culposo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente artigo trata do excesso na legítima defesa que, assim como todas as demais causas de excludentes de ilicitude, deve obedecer aos limites legais, não podendo o agente exceder do seu direito de defesa.

Palavras-Chave: Excludentes de Ilicitude; legítima defesa; excesso.

Sumário: 1- Introdução. 2- Conceito de Crime. 3- Excludente de Ilicitude. 4- Legítima defesa. 5- Excesso na legítima defesa. 6- Referências.

1. Introdução

Em cada uma das hipóteses de causas excludentes da ilicitude verifica-se a existência de requisitos, traçados pela própria lei, que devem ser obedecidos pelo agente.

Na legítima defesa o agente se utiliza dos meios necessários para repelir a injusta agressão, própria ou de terceiros, entretanto, deve se ater a utilizá-los de modo moderado a fim de que não ocorra o excesso, causando lesão desnecessária a bem jurídico de terceiro.

2. Conceito de Crime

O conceito de crime é o tema inicial para a compreensão dos principais institutos do Direito Penal.

Podemos conceituar crime levando em conta três critérios: material, legal e formal ou analítico. Tendo como base o critério legal, o próprio legislador nos fornece o conceito de crime, onde apesar do Código Penal não conter nenhum dispositivo o definindo, esta tarefa ficou a cargo do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal – LICP (Decreto-lei 3.914, de 9 de dezembro de 1941):

“Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”.

Diante disso, tendo como base o critério legal, teremos um crime quando o preceito secundário cominar em pena de reclusão ou detenção e contravenção penal quando o preceito secundário cominar pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

3. Excludente de Ilicitude

Ilicitude é a contrariedade entre o ordenamento jurídico e o fato típico praticado pelo agente.

Fato típico é o comportamento humano, seja ele positivo ou negativo, que culmina em um resultado previsto na lei penal como infração. É aquele fato que se enquadra perfeitamente nos elementos contidos no tipo penal.

Um fato típico pode ser considerado lícito, desde que o agente demonstre ter agido acobertado por uma causa de exclusão da ilicitude. Se presente uma excludente da ilicitude, estará excluída a infração penal praticada onde neste caso um crime e uma contravenção penal deixam de existir, pois o fato típico não é contrário ao ordenamento jurídico.

            O Código Penal possui causas específicas e genéricas de exclusão da ilicitude. As causas específicas encontram-se previstas na parte especial do Código Penal, aplicando-se a determinados crimes a que se referem onde podemos citar, dentre outros, o artigo 128.

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário

 I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

No código penal em sua parte geral estão elencadas as causas genéricas de exclusão da ilicitude, que se aplicam a qualquer espécie de infração penal.

Exclusão de ilicitude

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade;

II – em legítima defesa;

III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Parágrafo único. O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

Deste modo, como já expressamente dito no artigo citado, não haverá crime quando o agente pratica algum fato típico acobertado por uma destas excludentes de ilicitude, sejam elas específicas ou genéricas.

4. Legítima defesa

O instituto da legítima defesa é inerente à condição humana. Acompanha o homem desde o seu nascimento, subsistindo durante toda a sua vida, por lhe ser natural o comportamento de defesa quando injustamente agredido por outra pessoa. [1]

O próprio código Penal nos traz o conceito de legítima defesa nos termos do seu artigo 25.

“Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.”

Com tal instituto o legislador autorizou os indivíduos a defenderem direitos próprios e de terceiros, haja vista que não seria correto exigir uma submissão a um ato injusto para somente depois buscar a reparação do dano perante o Poder Judiciário, pois muitas vezes este se mostra irreparável.

A legítima defesa requer a ocorrência dos seguintes elementos:

a) Injusta agressão - É a ação ou omissão humana que causa lesão ou coloca em perigo um bem jurídico consagrado pelo ordenamento jurídico.

b) Atual ou iminente – É aquela que está ocorrendo ou aquela que está prestes a ocorrer.

c) Direito próprio ou alheio - O agente pode repelir injusta agressão a direito seu ou de outrem.

d) Reação com os meios necessários – são aqueles que o agente tem a sua disposição e se utiliza para repelir a injusta agressão, devendo sempre optar pelo meio menos lesivo.

e) Uso moderado dos meios necessários – Não deve haver excesso, o agente deve empregar moderadamente os meios necessários para apenas fazer cessar a injusta agressão.

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5. Excesso na legítima defesa

A legítima defesa, assim como todas as demais causas de excludentes de ilicitude, deve obedecer aos limites legais, não podendo o agente exceder do seu direito.

Excesso é a desnecessária intensificação de um fato típico inicialmente amparado por uma causa de justificação. Pressupõe, portanto, uma excludente da ilicitude, a qual desaparece em face de o agente desrespeitar os seus limites legalmente previstos, suportando a punição pelas abusivas e inúteis lesões provocadas ao bem jurídico penalmente tutelado. [2] O artigo 23 do Código Penal em seu parágrafo único preceitua que:

Exclusão de ilicitude

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade;

II – em legítima defesa;

III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Parágrafo único. O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

Ainda que o excesso seja admitido em relação a todas as causas genéricas de exclusão da ilicitude (art. 23, parágrafo único do CP), é mais comum a sua configuração na legítima defesa, como por exemplo, no caso em que o agente, depois de repelida a injusta agressão por legítima defesa, continua a ofender o bem jurídico do terceiro.

Recentemente, jornais de grande circulação do Rio de Janeiro noticiaram que um sargento da Polícia Militar (PMERJ) foi preso suspeito de executar um criminoso em uma tentativa de assalto.

O policial, que estava de folga, foi surpreendido na Pavuna, zona norte do Rio, por três criminosos que tentaram roubar seu veículo. Ao reagir houve intensa troca de tiros culminando na morte de um dos criminosos e na fuga dos demais.

No veículo do policial puderam ser contabilizadas 15 perfurações efetuadas por arma de fogo, entretanto a perícia realizada pela Polícia Civil constatou que das 15 perfurações, 12 foram efetuadas de dentro para fora, ou seja, pelo próprio policial.

Conforme noticiado pelos jornais local, a perícia realizada pela Polícia Civil apontou ainda que o criminoso que veio a óbito, após ser alvejado por seis disparos de arma de fogo e já se encontrar caído ao solo, supostamente sem chance de reação, foi alvejado por mais três disparos a “queima roupa”, um no ombro, um na clavícula e um na nuca. 

Diante dos fatos o delegado responsável pelo caso efetuou a prisão em flagrante do policial, sob o fundamento de ter havido excesso na legítima defesa ao realizar no indivíduo mais três disparos a queima roupa. [3]

O excesso ocorre quando o agente extrapola os limites traçados pela lei, respondendo pelas lesões provocadas inutilmente, seja na forma culposa ou dolosa, onde de acordo com o artigo 25 do Código Penal, podemos elencar três hipóteses:

a) O agente usa meio desnecessário;

b) O agente usa imoderadamente o meio necessário;

c) O agente usa, imoderadamente, meios desnecessários.

Assim, é possível que uma pessoa, inicialmente em situação de legítima defesa, estado de necessidade e demais excludentes da ilicitude, exagere e, em razão disso, cometa um crime, doloso ou culposo, conforme a natureza do excesso.

Guilherme de Souza Nucci nos ensina em seu livro Manual de Direito Penal, que deve ser razoável a proporção entre a defesa empreendida e o ataque sofrido, que merece ser apreciada no caso concreto, de modo relativo, consistindo na medida dos meios necessários. Se o meio fundamentar-se, por exemplo, no emprego de arma de fogo, a moderação basear-se-á no número de tiros necessários para deter a agressão. [4]

A escolha do meio defensivo e o seu uso importarão na eleição daquilo que constitua a menor carga ofensiva possível, pois a legítima defesa foi cria da para legalizar a defesa de um direito e não para a punição do agressor (cf. Jardim Linhares, Legítima defesa, p. 368)

6. Referências

BRASIL. Decreto-lei 3.914, de 9 de dezembro de 1941. Lei de introdução ao Código Penal. Brasília, 1941.

BRASIL. Decreto-Lei n 2848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, 1940.

MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado. Parte geral. 5 ed. São Paulo: Método, 2011.

STEFAM, André. Direito penal esquematizado. Parte geral. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014

http://extra.globo.com/casos-de-policia/pm-preso-acusado-de-executar-bandido-na-pavuna-15665409.html

http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2015-03-21/pm-mata-suspeito-em-tentativa-de-assalto-na-pavuna.html

Notas

[1] MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado. Parte geral. 5 ed. São Paulo: Método, 2011, p. 399.

[2] MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado. Parte geral. 5 ed. São Paulo: Método, 2011, p. 430.

[3] http://extra.globo.com/casos-de-policia/pm-preso-acusado-de-executar-bandido-na-pavuna-15665409.html

[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 237.

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Sobre o autor
Rafael P. Assumpção Júnior

Advogado atuante em Direito do Consumidor, Cível e Família. Pós graduando em Ciências Penais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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