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A circulação jurídica como hipótese de incidência do ICMS no regime de substituição tributária progressiva

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O ICMS tem como característica a conjunção de várias hipóteses de incidências dando nascimento à obrigação tributária. Dentre elas destaca-se a circulação de mercadorias.

À expressão "circulação de mercadorias" são aplicadas os mais variáveis entendimentos. Genericamente, o vocábulo circulação expressa a idéia de movimento, de algo que encontra-se em posição não estática, que passa de um lugar para outro. Entretanto, este não é o seu sentido jurídico.

Na seara tributária, especificamente no campo de incidência do ICMS, circular extrapola o sentido meramente físico para alcança seus aspectos jurídicos. Neste sentido, "circulação de mercadorias" é aquela que apresenta conseqüências jurídicas. A mera circulação física é imprópria para alcançar a hipótese de incidência do ICMS abstratamente prevista em lei. Ver-se, então, que a mercadoria que circula e que faz nascer a obrigação tributária não se movimenta apenas fisicamente, mas circula essencialmente sob o aspecto jurídico.

Tal fato decorre da possibilidade de desconexão das duas realidades que envolvem a circulação de mercadorias: a circulação jurídica pode ou não coincidir com a circulação física.

Geraldo Ataliba e Cleber Giardino, citados por José Eduardo Soares de Melo explicam o que é circular para o direito:

Circular significa, para o Direito mudar de titular. Se um bem ou uma mercadoria mudam de titular, circula para efeitos jurídicos. Convenciona-se designar por titularidade de uma mercadoria, à circunstância de alguém deter poderes jurídicos de disposição sobre a mesma, sendo ou não seu proprietário (disponibilidade jurídica). [1]

Aliás, Sacha Calmon também segue o mesmo entendimento quando diz que a mera e estrita saída física de mercadorias não caracteriza o fato gerador jurígeno do ICMS, necessária a circulação econômica e, principalmente, a jurídica, que se perfaz somente quando ocorre alteração na titularidade da "res". [2]

Para o nascimento da obrigação tributária decorrente da circulação de mercadorias faz-se necessário a mudança de titularidade (circulação jurídica), pouco importando se houve ou não a circulação física. O contrário também é verdade, a mera circulação física sem mudança de titularidade não é prevista como regra-matriz de incidência do ICMS.

A importância da caracterização do alcance da expressão "circulação de mercadorias" fica patente na substituição tributária progressiva, posto que o tributo que, em tese, só seria devido quando da ocorrência concreta da hipótese de incidência é "antecipadamente" cobrado.

É claro que a unanimidade da doutrina apega-se aos aspectos físicos da circulação de mercadorias ou produtos para descrever a antecipação do tributo de fato gerador futuro. Só faz sentido esposar tal entendimento se a circulação for meramente física. Neste caso sim, a hipótese de incidência abstratamente prevista em lei (circulação física) ainda não ocorreu quando da cobrança do tributo. Apenas na primeira operação verifica-se a ocorrência da circulação física, ficando as operações subsequentes na expectativa da ocorrência da circulação física.

Posição oposta vislumbra-se quando à circulação de mercadorias ou produtos empresta-se a idéia de circulação jurídica. Neste caso, a lei expressamente elege a primeira circulação jurídica como o evento necessário para a ocorrência do fato gerador.

É de suprema importância para a caracterização da hipótese de incidência que o aspecto temporal da ocorrência concreta do fato típico tributário, que implicará no nascimento da obrigação, seja explicitamente descrito na norma que tipifica a regra-matriz de incidência. Com maestria, o mestre Paulo de Barros Carvalho diz:

Sobrepensados esses aspectos, desponta a natural necessidade de que a norma tributária revele o marco de tempo em que se dá por ocorrido o fato, abrindo-se aos sujeitos da relação o exato conhecimento da existência de seus direitos e de suas obrigações.

Compreendendo o critério temporal da hipótese de tributária como o grupo de indicações, contidas no suposto da regra, e que nos oferecem elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra devedor e credor, em função de um objeto – o pagamento de certa prestação pecuniária. [3]

Assim, a norma jurídica tributária tem como critério temporal da hipótese de incidência do ICMS das mercadorias e produtos sujeitos ao regime de substituição tributária a ocorrência da primeira circulação jurídica. Ocorrido esta, nasce a obrigação tributária, independentemente da ocorrência das circulações jurídicas e físicas posteriores.

Na primeira operação encontram-se aglutinados as circulações jurídica e física. É patente que nesta operação ainda não houve a circulação física até o consumidor final, mas a lei estabeleceu a ocorrência da primeira circulação jurídica como hipótese de incidência do ICMS das mercadorias e produtos sujeitos ao regime de substituição tributária.

Então, a circulação jurídica ocorrida na primeira operação é o fato gerador que fará nascer a obrigação tributária decorrente das mercadorias e produtos sujeitos ao regime de substituição tributária. Não haverá, neste caso, fato gerador presumido, posto que a própria lei estabeleceu como aspecto temporal da hipótese de incidência a ocorrência da circulação jurídica decorrente da primeira operação. E esta primeira operação não se presume. Quando da sua ocorrência estabelece-a o vínculo jurídico obrigacional tributário das operações cujas mercadorias e produtos estão sujeitos ao regime de substituição tributária, em sua forma progressiva.

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Assim, estabelecido o momento da ocorrência (aspecto temporal) da hipótese de incidência do ICMS no regime de substituição tributária progressiva, afastará a presunção da ocorrência do fato gerador. O fato concreto (circulação jurídica) se amolda à hipótese de incidência hipoteticamente prevista em lei, dando nascimento à obrigação tributária decorrente da substituição tributária já na primeira circulação jurídica.

Mas, se a lei abstratamente previu que a hipótese de incidência do ICMS no regime de substituição tributária progressiva é a primeira circulação jurídica das mercadorias e produtos, qual a natureza tributária das circulações jurídicas e físicas posteriores? Se no caso da substituição tributária progressiva o legislador elegeu a hipótese de incidência do tributo a primeira circulação jurídica deve-se entender que as circulações posteriores (jurídicas e físicas) estariam no campo da não incidência do tributo.

Entre o produtor ou distribuidor e o consumidor final há várias operações de circulação jurídica e física. Genericamente, a cada circulação jurídica há a incidência do ICMS. Porém, no regime de substituição tributária progressiva a incidência do ICMS se dará na primeira circulação jurídica, afastando do campo de incidências do ICMS as circulações jurídicas subsequentes.


Notas

01. José Eduardo Soares de Melo. ICMS Teoria e Prática. 4º ed. São Paulo: Dialética, 2000, p.16.

02. Sacha Calmon Navarro Coêlho. Manual de Direito Tributário. 2º ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.308.

03 Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário. 8º ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1966, p. 176-177.

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Sobre o autor
Alexandre Henrique Salema Ferreira

Professor de Direito Tributário e de Direito Financeiro do Curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Auditor Fiscal da Receita Estadual da Paraíba, Mestre em Ciências da Sociedade pela UEPB e Especialista em Auditoria Fiscal-contábil pela UFPB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Alexandre Henrique Salema. A circulação jurídica como hipótese de incidência do ICMS no regime de substituição tributária progressiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3771. Acesso em: 22 nov. 2024.

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