Capa da publicação Caso Ellwanger: antissemitismo é racismo
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O caso Ellwanger sob a perspectiva da técnica racional da ponderação de Robert Alexy

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Resumo:


  • O "Caso Ellwanger" no STF decidiu que antissemitismo é crime de racismo, envolvendo a colisão entre liberdade de expressão e dignidade humana.

  • A decisão foi fundamentada na teoria da colisão e da ponderação principiológica de Robert Alexy, prevalecendo o princípio da dignidade humana.

  • O julgamento reflete o compromisso do Brasil contra o racismo, destacando a importância da dignidade humana sobre a liberdade de expressão em casos de conteúdo discriminatório.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

5. A COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E A PONDERAÇÃO:

É quando ocorre a colisão de direitos fundamentais, num impasse de um caso concreto como o caso Ellwanger, que o caráter de "mandatos de otimização", bem como o método da ponderação de Alexy, fica mais evidente. Diante do embate entre princípios, é preciso que se pondere racionalmente sobre qual princípio deverá prevalecer sobre o outro, cumprindo o princípio da máxima proporcionalidade, no qual um princípio só deve ser afetado de acordo com o grau de importância de satisfação de um princípio oposto.

Este princípio tem três premissas: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Primeiramente, na adequação, a ponderação exige a comprovação do grau de não cumprimento ou prejuízo de um princípio. Nessa fase é indispensável a identificação de todos os elementos fundamentais que compõe as colisões, para que a ponderação ocorra sem distorções. (ALEXY: 1999, p. 69). Ou seja, nesta primeira etapa, devem-se identificar as normas que se encontram em conflito, observando quais condutas são adequadas para que se alcance um objetivo determinado.

Para Luís Virgílio Afonso da Silva:

"Adequado, então, não é somente o meio com cuja utilização um objetivo é alcançado, mas também o meio com cuja utilização a realização de um objetivo é fomentada, promovida, ainda que o objetivo não seja completamente realizado.… Dessa forma, uma medida somente pode ser considerada inadequada se sua utilização não contribuir em nada para fomentar a realização do objetivo pretendido."

(AFONSO DA SILVA, Luis Virgílio, 2002, p. 26).

A segunda etapa – necessidade determina que, para que se alcance um objetivo, deve-se analisar todas as possíveis condutas que podem ser tomadas para a efetivação deste, e destas condutas deve se escolher aquela que menos atinge e limite os direitos fundamentais/princípios que estão em questão, evitando que estes acabem por ser sacrificados desnecessariamente:

"Suponha-se que, para promover o objeto O, o Estado adore a medida M1, que limita o direito fundamental D. Se houver uma medida M2, que, tanto quanto M1 seja adequada para promover com igual eficiência o objetivo O, mas limite o direito fundamental D, não é necessária."

(AFONSO DA SILVA, 2002, p. 28).

Na última etapa, a proporcionalidade no sentido estrito, deve haver um sopesamento entre a restrição que será sofrida por determinado direito em detrimento da importância da realização do outro direito que com ele colide:

"Destaca-se que, para alguns, o que a proporcionalidade em sentido estrito faz é uma relação de custo-benefício da norma avaliada, ou melhor, o ônus imposto pela norma deve ser inferior ao benefício por ela engendrado, sob pena de inconstitucionalidade – nada mais que uma autêntica ponderação."

(SARMENTO, 2003, p. 89-90).

O método da ponderação mostra-se, portanto, como uma forma de harmonização do uso dos direitos fundamentais indispensável na fundamentação de decisões judiciais contemporâneas. Desta forma, "deve-se reverenciar ao principio da proporcionalidade em sua tríplice dimensão" (SARMENTO, 2001. p. 60.)


6. COLISÃO DE DIREITOS NO CASO ELLWANGER

Tendo todos os esclarecimentos necessários a respeito da teoria da colisão de direitos e da lei da ponderação, toma-se agora o habeas corpus 82.424-2, referente ao "caso Ellwanger". Ellwanger, como já foi dito anteriormente, foi um escritor acusado e condenado por crime de racismo, devido à publicação de livros com conteúdo anti-semita, pelo Superior Tribunal de Justiça, desta forma foi impetrado um Habeas Corpus em favor do escritor, no documento o advogado de defesa alegava que os judeus não poderiam ser considerados uma raça, logo, a imprescritibilidade do crime era ilegítima e estava interferindo no direito fundamental da liberdade de expressão garantido pela Constituição Brasileira de 1988:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

[...]"

Obviamente o autor dos livros, com sua condenação e prisão, teve seu direito à liberdade de expressão tolhido, porém, isso ocorreu devido ao fato de que os livros continham informações deturpadoras e ofensivas em relação aos judeus. O autor, por vezes, no livro "Holocausto judeu ou alemão, nos bastidores da mentira do século" apresenta um tom apodítico irônico e agressivo, como é possível perceber nesse trecho do livro:

"Conforme procurarei demonstrar, adiante, com estudos feitos por cidadãos de países que lutaram contra a Alemanha, tanto o número de 6 milhões de judeus mortos como as respectivas histórias de câmaras de gás não passam de uma grosseira mentira, cuja maior vítima é justamente a Alemanha [...]Vamos, porém, dar algum desconto aos alemães, pois se se houve um holocausto, esse foi com o seu povo, bombardeado em massa [...]"

Nota-se, portanto, que houve interferência na liberdade de expressão, pois a importância da realização do princípio da dignidade humana era superior, tendo emvista o enorme desrespeito aos judeus contido no livro, bem como o fato de que a dignidade da pessoa humana é um dos valores mais expressivos, sobre o qual se assenta o Estado Democrático de Direito.

"A pessoa humana expressa a fonte e a base mesma do direito, revelando-se, assim, critério essencial de legitimidade da ordem jurídica. Ou como diz Jose Castan Tobeña, 'o postulado primário do Direito... é o valor próprio do homem como valor superior e absoluto, ou o que é igual, o imperativo de respeito à pessoa humana' "

(FARIAS, 2008, p. 55).

O resultado da votação a respeito da negação ou concessão do habeas corpus à Siegfried reflete a importância dada ao princípio da dignidade humana em detrimento da liberdade de expressão. Por oito votos à três o habeas corpus foi negado.

Os argumentos usados pelos três ministros - Carlos Ayres Brito, Moreira Alves e Marco Aurélio - que votaram a favor de Ellwanger, basicamente foram que a liberdade de expressão deveria prevalecer e que os judeus não seriam uma raça. Argumentos estes facilmente rebatidos pelos outros oito ministros, Maurício Corrêa, por exemplo, afirma que nesse caso, trata-se de raças sim, um indivíduo que se mostra pró-nazista - como se apresenta Ellwanger, é defensor do ideal de Hitler, e este pregava o discurso da superioridade de raças - a raça ariana, os alemães puros, seriam superiores a todas as outras, incluindo os judeus, o Holocausto foi, portanto, um massacre ocorrido em razão da discriminação dos judeus como raça, logo, o escritor cometeu crime de racismo. De forma análoga, Nelson Jobim, reafirma que houve crime de racismo, e sustenta que, em suas palavras proferidas no julgamento, "o ódio racial, causa lesão a uma política de igualdade, que é uma política democrática, e a igualdade, portanto, é pré-condição para a democracia, e o objetivo da liberdade de opinião. As opiniões consubstanciadas no preconceito e no ódio racial não visam contribuir para nenhum debate inerente as deliberações democráticas para o qual surge a liberdade de opinião... Os crimes de ódio não tem intenção de transmitir ou receber comunicação alguma para qualquer tipo de deliberação, o objetivo seguramente é outro... quer, isto sim, impor condutas anti-igualitárias, de extermínio, de ódio, de linchamento... Convictamente entendendo que este tribunal está exatamente no exercício de saber do que se trata e contextualiza a liberdade de opinião, para que ela não seja o apanágio de qualquer desgraça que o futuro possa trazer no retorno de bandeiras que o século XX desonrou."

Por fim, o voto do ministro Carlos Veloso resume e justifica o resultado da deliberação ocorrida no Supremo Tribunal Federal:

"(...) os postulados da igualdade e da dignidade pessoal dos seres humanos constituem limitações externas à liberdade de expressão, que não pode, e não deve, ser exercida com o propósito subalterno de veicular práticas criminosas, tendentes a fomentar e a estimular situações de intolerância e de ódio público.

(Habeas Corpus Nº 82.424-2. Supremo Tribunal Federal, p. 689-690.)

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CONCLUSÃO

O caso Ellwanger deixa nítida a aplicação prática da teoria da ponderação de Robert Alexy, evidenciando suas três etapas. Na primeira etapa há a identificação dos princípios em conflito, para se achar o melhor meio de efetivar determinado objetivo, estes princípios são, portanto, o da liberdade de expressão e o da dignidade da pessoa humana.

Na segunda etapa:

"Um ato estatal que limita um direito fundamental é somente necessário caso a realização do objetivo perseguido não possa ser promovido, com a mesma intensidade, por meio de outro ato que limite, em menor medida, o direito fundamental atingido."

(AFONSO DA SILVA, 2002, p. 28)

Desta forma, identifica-se, portanto, que é necessário que se negue o habeas corpus (ato estatal), para que se garanta o respeito à comunidade judia (objetivo).

Na terceira etapa:

"Necessário é ainda um terceiro exame, o exame da proporcionalidade em sentido estrito, que consiste em um sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva.”

(AFONSO DA SILVA, 2002, p. 40).

Sendo assim, observa-se, a partir do resultado da votação o princípio da dignidade humana tem mais importância em detrimento da liberdade de expressão.

Além de ficar evidente o uso da ponderação, fica também evidente que o Brasil assume um compromisso contra o racismo, como afirma Cristiano Paixão, visto que o país foi um dos últimos a abolir a escravatura e, em um passado recente - mais especificamente na era Vargas, durante o Estado Novo - houveram muitos casos de anti-semitismo. Sendo assim, quando os constituintes se reuniram para elaborar a Constituição de 1988, existiu sim uma preocupação com a existência do preconceito. Neste sentido, a decisão do STF se mostra muito importante na reafirmação da luta contra a discriminação de qualquer grupo humano.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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______. Teoria de losDerechosFundamentales . Madri: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2001.

BOBBIO, Norberto. Elogio da serenidade. 1 ed.São Paulo: Editora UNESP, 2002. 210. p.

_______. Quinze anos depois. Revista USP, nº 61 (março-abril-maio 2004), p. 229.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.7 ed., São Paulo: Editora Malheiros, 1997. 755. p.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2003. 1522. p.

CASTAN, S. E. Holocausto judeu ou alemão? – Nos bastidores da mentira do século. 29 ed. Porto Alegre: Revisão, 1989. 323. p.

FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e comunicação. 3ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008. 186p.

GALINDO, George Rodrigo Bandeira. Direitos fundamentais. Analise de sua concretização constitucional. 1. ed. Curitiba: Jurua, 2003. 250. p.

JÚDICE, Mônica Pimenta. Robert Alexy e a sua teoria sobre os princípios e regras. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2007-mar-02/robert_alexy_teoria_principios_regras>. Acesso em julho, 2014.

SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. 220. p.

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STF - HABEAS CORPUS: HC 82424 RS. Disponível em <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/770347/habeas-corpus-hc-82424-rs> Acesso em julho, 2014.

STF nega Habeas Corpus a editor de livros condenado por racismo contra judeus. Disponível em <https://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=61291> Acesso em: julho, 2014.

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 1412. p.

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Sobre os autores
Maíza Gisele Mendes Barros

Estudante de Direito da Universidade Federal do Piauí.

Renan Barros Moura Costa

Estudante de Direito da Universidade Federal do Piauí.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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