5. A COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E A PONDERAÇÃO:
É quando ocorre a colisão de direitos fundamentais, num impasse de um caso concreto como o caso Ellwanger, que o caráter de "mandatos de otimização", bem como o método da ponderação de Alexy, fica mais evidente. Diante do embate entre princípios, é preciso que se pondere racionalmente sobre qual princípio deverá prevalecer sobre o outro, cumprindo o princípio da máxima proporcionalidade, no qual um princípio só deve ser afetado de acordo com o grau de importância de satisfação de um princípio oposto.
Este princípio tem três premissas: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Primeiramente, na adequação, a ponderação exige a comprovação do grau de não cumprimento ou prejuízo de um princípio. Nessa fase é indispensável a identificação de todos os elementos fundamentais que compõe as colisões, para que a ponderação ocorra sem distorções. (ALEXY: 1999, p. 69). Ou seja, nesta primeira etapa, devem-se identificar as normas que se encontram em conflito, observando quais condutas são adequadas para que se alcance um objetivo determinado.
Para Luís Virgílio Afonso da Silva:
"Adequado, então, não é somente o meio com cuja utilização um objetivo é alcançado, mas também o meio com cuja utilização a realização de um objetivo é fomentada, promovida, ainda que o objetivo não seja completamente realizado.… Dessa forma, uma medida somente pode ser considerada inadequada se sua utilização não contribuir em nada para fomentar a realização do objetivo pretendido."
(AFONSO DA SILVA, Luis Virgílio, 2002, p. 26).
A segunda etapa – necessidade determina que, para que se alcance um objetivo, deve-se analisar todas as possíveis condutas que podem ser tomadas para a efetivação deste, e destas condutas deve se escolher aquela que menos atinge e limite os direitos fundamentais/princípios que estão em questão, evitando que estes acabem por ser sacrificados desnecessariamente:
"Suponha-se que, para promover o objeto O, o Estado adore a medida M1, que limita o direito fundamental D. Se houver uma medida M2, que, tanto quanto M1 seja adequada para promover com igual eficiência o objetivo O, mas limite o direito fundamental D, não é necessária."
(AFONSO DA SILVA, 2002, p. 28).
Na última etapa, a proporcionalidade no sentido estrito, deve haver um sopesamento entre a restrição que será sofrida por determinado direito em detrimento da importância da realização do outro direito que com ele colide:
"Destaca-se que, para alguns, o que a proporcionalidade em sentido estrito faz é uma relação de custo-benefício da norma avaliada, ou melhor, o ônus imposto pela norma deve ser inferior ao benefício por ela engendrado, sob pena de inconstitucionalidade – nada mais que uma autêntica ponderação."
(SARMENTO, 2003, p. 89-90).
O método da ponderação mostra-se, portanto, como uma forma de harmonização do uso dos direitos fundamentais indispensável na fundamentação de decisões judiciais contemporâneas. Desta forma, "deve-se reverenciar ao principio da proporcionalidade em sua tríplice dimensão" (SARMENTO, 2001. p. 60.)
6. COLISÃO DE DIREITOS NO CASO ELLWANGER
Tendo todos os esclarecimentos necessários a respeito da teoria da colisão de direitos e da lei da ponderação, toma-se agora o habeas corpus 82.424-2, referente ao "caso Ellwanger". Ellwanger, como já foi dito anteriormente, foi um escritor acusado e condenado por crime de racismo, devido à publicação de livros com conteúdo anti-semita, pelo Superior Tribunal de Justiça, desta forma foi impetrado um Habeas Corpus em favor do escritor, no documento o advogado de defesa alegava que os judeus não poderiam ser considerados uma raça, logo, a imprescritibilidade do crime era ilegítima e estava interferindo no direito fundamental da liberdade de expressão garantido pela Constituição Brasileira de 1988:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
[...]"
Obviamente o autor dos livros, com sua condenação e prisão, teve seu direito à liberdade de expressão tolhido, porém, isso ocorreu devido ao fato de que os livros continham informações deturpadoras e ofensivas em relação aos judeus. O autor, por vezes, no livro "Holocausto judeu ou alemão, nos bastidores da mentira do século" apresenta um tom apodítico irônico e agressivo, como é possível perceber nesse trecho do livro:
"Conforme procurarei demonstrar, adiante, com estudos feitos por cidadãos de países que lutaram contra a Alemanha, tanto o número de 6 milhões de judeus mortos como as respectivas histórias de câmaras de gás não passam de uma grosseira mentira, cuja maior vítima é justamente a Alemanha [...]Vamos, porém, dar algum desconto aos alemães, pois se se houve um holocausto, esse foi com o seu povo, bombardeado em massa [...]"
Nota-se, portanto, que houve interferência na liberdade de expressão, pois a importância da realização do princípio da dignidade humana era superior, tendo emvista o enorme desrespeito aos judeus contido no livro, bem como o fato de que a dignidade da pessoa humana é um dos valores mais expressivos, sobre o qual se assenta o Estado Democrático de Direito.
"A pessoa humana expressa a fonte e a base mesma do direito, revelando-se, assim, critério essencial de legitimidade da ordem jurídica. Ou como diz Jose Castan Tobeña, 'o postulado primário do Direito... é o valor próprio do homem como valor superior e absoluto, ou o que é igual, o imperativo de respeito à pessoa humana' "
(FARIAS, 2008, p. 55).
O resultado da votação a respeito da negação ou concessão do habeas corpus à Siegfried reflete a importância dada ao princípio da dignidade humana em detrimento da liberdade de expressão. Por oito votos à três o habeas corpus foi negado.
Os argumentos usados pelos três ministros - Carlos Ayres Brito, Moreira Alves e Marco Aurélio - que votaram a favor de Ellwanger, basicamente foram que a liberdade de expressão deveria prevalecer e que os judeus não seriam uma raça. Argumentos estes facilmente rebatidos pelos outros oito ministros, Maurício Corrêa, por exemplo, afirma que nesse caso, trata-se de raças sim, um indivíduo que se mostra pró-nazista - como se apresenta Ellwanger, é defensor do ideal de Hitler, e este pregava o discurso da superioridade de raças - a raça ariana, os alemães puros, seriam superiores a todas as outras, incluindo os judeus, o Holocausto foi, portanto, um massacre ocorrido em razão da discriminação dos judeus como raça, logo, o escritor cometeu crime de racismo. De forma análoga, Nelson Jobim, reafirma que houve crime de racismo, e sustenta que, em suas palavras proferidas no julgamento, "o ódio racial, causa lesão a uma política de igualdade, que é uma política democrática, e a igualdade, portanto, é pré-condição para a democracia, e o objetivo da liberdade de opinião. As opiniões consubstanciadas no preconceito e no ódio racial não visam contribuir para nenhum debate inerente as deliberações democráticas para o qual surge a liberdade de opinião... Os crimes de ódio não tem intenção de transmitir ou receber comunicação alguma para qualquer tipo de deliberação, o objetivo seguramente é outro... quer, isto sim, impor condutas anti-igualitárias, de extermínio, de ódio, de linchamento... Convictamente entendendo que este tribunal está exatamente no exercício de saber do que se trata e contextualiza a liberdade de opinião, para que ela não seja o apanágio de qualquer desgraça que o futuro possa trazer no retorno de bandeiras que o século XX desonrou."
Por fim, o voto do ministro Carlos Veloso resume e justifica o resultado da deliberação ocorrida no Supremo Tribunal Federal:
"(...) os postulados da igualdade e da dignidade pessoal dos seres humanos constituem limitações externas à liberdade de expressão, que não pode, e não deve, ser exercida com o propósito subalterno de veicular práticas criminosas, tendentes a fomentar e a estimular situações de intolerância e de ódio público.
(Habeas Corpus Nº 82.424-2. Supremo Tribunal Federal, p. 689-690.)
CONCLUSÃO
O caso Ellwanger deixa nítida a aplicação prática da teoria da ponderação de Robert Alexy, evidenciando suas três etapas. Na primeira etapa há a identificação dos princípios em conflito, para se achar o melhor meio de efetivar determinado objetivo, estes princípios são, portanto, o da liberdade de expressão e o da dignidade da pessoa humana.
Na segunda etapa:
"Um ato estatal que limita um direito fundamental é somente necessário caso a realização do objetivo perseguido não possa ser promovido, com a mesma intensidade, por meio de outro ato que limite, em menor medida, o direito fundamental atingido."
(AFONSO DA SILVA, 2002, p. 28)
Desta forma, identifica-se, portanto, que é necessário que se negue o habeas corpus (ato estatal), para que se garanta o respeito à comunidade judia (objetivo).
Na terceira etapa:
"Necessário é ainda um terceiro exame, o exame da proporcionalidade em sentido estrito, que consiste em um sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva.”
(AFONSO DA SILVA, 2002, p. 40).
Sendo assim, observa-se, a partir do resultado da votação o princípio da dignidade humana tem mais importância em detrimento da liberdade de expressão.
Além de ficar evidente o uso da ponderação, fica também evidente que o Brasil assume um compromisso contra o racismo, como afirma Cristiano Paixão, visto que o país foi um dos últimos a abolir a escravatura e, em um passado recente - mais especificamente na era Vargas, durante o Estado Novo - houveram muitos casos de anti-semitismo. Sendo assim, quando os constituintes se reuniram para elaborar a Constituição de 1988, existiu sim uma preocupação com a existência do preconceito. Neste sentido, a decisão do STF se mostra muito importante na reafirmação da luta contra a discriminação de qualquer grupo humano.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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