Segundo Tratado sobre o Governo Civil

02/04/2015 às 16:24

Resumo:


  • John Locke foi um influente filósofo do século XVII, considerado o "pai" do empirismo e uma figura chave no desenvolvimento do liberalismo político.

  • Locke argumentou contra o direito divino dos reis e a favor da ideia de que o conhecimento é derivado da experiência sensorial, além de defender a propriedade privada e os direitos individuais.

  • Seus trabalhos, especialmente "Dois Tratados sobre o Governo", tiveram um impacto profundo no Iluminismo e nas fundações de governos democráticos modernos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Análise das ideologias políticas de John Locke, visando o melhor esclarecimento do início do governo, e da importância da convivência do homem na sociedade em detrimento da convivência no estado de natureza.

John Locke, nascido em 1632 em Wrington, Reino Unido, foi um importante filósofo britânico, cujas teorias lideraram uma nova doutrina chamada empirismo.  Essa doutrina se baseia na observação do mundo como influência para experiências científicas, e também descarta as explicações baseadas na fé. Além de filósofo, Locke, foi um notório ideólogo do liberalismo e teórico do contrato social. Baseando a sua vida para os estudos do pensamento político e desenvolvimento intelectual.

Filho de um humilde advogado, John Locke recebeu uma educação puritana. Estudou Filosofia, Medicina e Ciências Naturais na Universidade de Oxford. Seu interesse pela filosofia foi despertado por meio de escritos de Descartes, e através da amizade com Robert Boyle desenvolveu uma inclinação para as ciências naturais. Por meio do sucesso de seus novos métodos empíricos Locke se focou na medicina, propiciando um relacionamento com o futuro Conde de Shaftesbury, o que levou Locke a ser responsável pelo esboço das Constituições fundamentais do Estado de Carolina. Mais tarde, Shaftesbury apoiou o Duque de Monmouth, o qual iniciou uma rebelião para assumir o trono, sendo ambos condenados e John Locke acusado de conspiração. Locke deixou a Inglaterra e se exilou na Holanda, porém, apesar de ser inocente, só voltou para seu país natal 5 anos depois. Essa foi a época mais criativa e dedicada a produção das obras dele, tornou-se, então, um teórico altamente respeitado pela sociedade, sendo oferecido um cargo de embaixador, que teve que recusar devido a sua saúde precária. No entanto, Locke foi nomeado ministro do Comércio em 1696, falecendo em 28 de outubro de 1704 na Inglaterra.

No Primeiro Tratado sobre o Governo Civil, Locke critica a tradição que afirmava o direito divino dos reis, declarando que a vida política é uma invenção humana completamente independente das questões divinas. Já no Segundo Tratado sobre o Governo Civil, expõe sua teoria do Estado liberal e a propriedade privada.

No Primeiro Tratado Sobre o Governo Civil John Locke defendia a Revolução de 1688, também conhecida como Revolução Gloriosa, a qual estabeleceu uma monarquia parlamentarista na Inglaterra. Esse justificava os princípios dos Whigs (membros de um partido político inglês a favor do progresso e da reforma), criticando, então, o poder divino dos monarcas absolutistas.

O Segundo Tratado Sobre o Governo Civil é um relato do estado de natureza. Afirma que homens são livres e iguais, e o estado de natureza, no qual viviam inicialmente, possui uma lei para governá-lo, a razão, a que todos estão sujeitos. Locke defende que sendo todos iguais e independentes, ninguém deve prejudicar o outro em sua vida, saúde, liberdade ou posses. Todos são obras do criador onipotente e infinitamente sábio, enviados ao mundo por sua ordem e a seu serviço. Um homem que transgride a lei da natureza declara viver sob outra regra que não aquela da razão e da equidade comum, e assim, torna-se perigoso ao gênero humano, podendo, então, sofrer punição.

O estado de natureza não é como em Hobbes, essencialmente um estado de guerra, ou seja, o uso de força sobre outro, em que não há um superior comum a quem apelar socorro. John Locke admite que se todo homem tiver o poder executivo da lei em suas mãos, a natureza doentia, a paixão e a vingança podem levar o indivíduo longe demais na punição do próximo, e então, prevalecerá à confusão e a desordem. A solução para isso é o estabelecimento de um governo, contudo, não absoluto. O homem é feito para viver em conjunto, em sociedade, a qual só existe se os homens concordarem em desistir de seus poderes naturais e erigir uma autoridade comum para decidir disputas e punir ofensas. Isso pode, somente, ser realizado através de acordos e consentimentos.

A essência da liberdade política é que um homem não deverá estar sujeito à vontade inconstante, incerta, desconhecida e arbitrária de outrem. Uma lei, no entanto, não tem por objetivo abolir ou restringir, mas preservá-la, pois a liberdade deve ser livre de restrição e violência, o que não pode existir onde não há lei.

John Locke foi um notório iluminista, ou seja, lutou contra os ideais absolutistas, rejeitando o conceito de ideias inatas. Ele afirmava que a experiência é a base de todo o conhecimento. E afirmou que o governo nasce de um entendimento entre governantes e governados, defendendo que a soberania não reside no Estado, mas sim na população.

Locke também apoiou a separação da Igreja do Estado e a liberdade religiosa, recebendo por estas ideias forte oposição da Igreja Católica. Segundo ele, o poder deveria ser dividido em três: Executivo, Legislativo e Judiciário, sendo função do Poder Legislativo representar o povo. Embora defendesse que todos os homens fossem iguais, Locke foi um defensor da escravidão. Não a relacionava à raça, mas sim aos vencidos na guerra. De acordo com Locke, os inimigos e capturados poderiam ser mortos, mas como suas vidas são mantidas, devem trocar a liberdade pela escravidão.

A importância do pensamento do importante filósofo John Locke não é ter sido original ou particularmente radical ou avançado, mas ter resumido e consolidado a obra de toda uma geração ou mais de pensadores políticos.

O Segundo Tratado sobre o Governo Civil foi escrito por John Locke no final do século XVII, baseado em três movimentos ocorridos na Idade Moderna dos quais Locke foi propulsor, esses foram: o Contratualismo, o Liberalismo e o Empirismo.

Sustentado por essas ideias, Locke entendia por poder político o direito de fazer leis aplicando desde uma pena menos severa, a fim de regulamentar e preservar uma propriedade e empregar a força de uma comunidade para a execução dessas leis, até a pena de morte. Defendia a república contra as depredações do estrangeiro, tendo em vista o bem público.

Inserido no contexto do Iluminismo, Locke utilizou dessas teorias para a criação de suas próprias. Uma delas foi definida como o estado de natureza, que consistia na igualdade e condição natural dos homens, onde eles sejam livres para decidir seus atos e dispor de seus bens e pessoas como bem entenderem sem pedir autorização de nenhum outro indivíduo. Dentro desse estado em que a igualdade e a reciprocidade são fundamentais e todas as vantagens comuns da natureza devem ser equivalentes entre si, a menos que exista um soberano, todos possuem os mesmos direitos e deveres. Caso haja um soberano, deverá ser escolhido por todos. Esse estado é regido por um direito natural imposto a todos, logo, ninguém deve lesar o outro em sua vida, sua saúde, sua liberdade ou seus bens. Visando que todos os homens foram criados por Deus, esses o pertence, fazendo-os sua propriedade, enviados ao mundo por sua ordem e a seu serviço.

Dizia que todos são “obrigados não apenas a conservar sua própria vida”, mas também “velar pela conservação do restante da humanidade”, por isso, cabe a cada um certificar-se da “execução” da lei da natureza, o que significa que todos estão permitidos a punir aqueles que transgridem tal lei. Se qualquer pessoa no estado de natureza pode refrear o outro por alguma violação que ele tenha cometido, todos também podem fazê-lo, pois, no estado de natureza, não há superioridade ou jurisdição. No entanto, Locke acredita que a má natureza, a paixão e a vingança possam levar o homem longe demais ao punir o infrator. De tal modo que Deus criou o governo para conter a violência e a parcialidade dos indivíduos.

Segundo John Locke, “o governo civil é a solução adequada para as inconveniências do estado de natureza, que devem certamente ser grandes quando os homens podem ser juízes em causa própria, pois é fácil imaginar que um homem tão injusto a ponto de lesar o irmão dificilmente será justo para condenar a si mesmo pela mesma ofensa.” Esse “poder” adquirido de um sobre o outro não pode ser confundido com um poder arbitrário, é usado apenas para infligir a pena proporcional à ação do transgressor. Além disso, acreditava que o ofensor causava algum dano injusto à vítima da transgressão e, assim, tal vítima também tinha o direito de punir o seu transgressor, possuía um direito próprio de buscar a reparação por parte do autor da infração.

Locke não concordava com a punição dada a estrangeiros que houvessem cometido algum crime no país alheio. Para ele, as leis de certo país não se aplicam a um estrangeiro e, portanto, ele não seria obrigado a respeitá-las.

Outra teoria criada por John Locke foi a teoria do estado de guerra, a qual foi definida como um estado de inimizade e destruição. Tal teoria dizia que é justo que se tenha o direito de destruir aquele que me ameaça com a destruição, o que nos remete hoje um pouco a ideia do “olho por olho e dente por dente”. Segundo a lei fundamental da natureza, se nem todos os homens podem ser amparados, dá-se preferência ao inocente. Locke diz que se pode acabar com o indivíduo que lhe faz guerra pela mesma razão que se mata um lobo, pois pessoas assim seguem uma lei de força e de violência e, portanto, podem ser tratados como animais selvagens. Aquele homem que coloca outro ser sobre seu poder absoluto entra em estado de guerra com ele, pois tal ato corresponde a uma declaração de intenção contra sua vida. Aquele que no estado de natureza retirasse a liberdade que pertence a alguém pode ser entendido como tendo a intenção de retirar tudo o mais, pois a liberdade é a base de todo o resto. Portanto, conclui-se que se pode tratá-lo como alguém que entrou em estado de guerra.

John Locke, então, comparou o estado de natureza e o estado de guerra, concluindo que a diferença entre eles está no fato de que enquanto no estado de natureza um respeita o outro e a igualdade prevalece, no estado de guerra um impõe força sob o outro, obrigando-o a chamar por socorro, sendo que em ambos os estados ocorre a inexistência de um superior. É a inexistência de tal recurso que dá ao indivíduo o direito de guerra ao agressor, ou seja, a liberdade de matá-lo. A vontade de se ter um juiz com autoridade coloca a sociedade em estado de natureza; já o uso da força sem direito sobre a pessoa de um homem provoca um estado de guerra, haja ou não um juiz comum. 

Definiu também que a lei tem por finalidade proteger e reparar os inocentes, através de sua aplicação justa a tudo o que está sob sua tutela; quando a violência e danos são causados, ainda que pelas mãos daqueles que deveriam administrar a justiça, é o mesmo que entrar em guerra contra as vítimas, às quais, não tendo ninguém a quem recorrer na terra, só resta apelar ao céu.

Homens vivendo segundo a razão, sem um superior comum na terra, com autoridade pra julgar entre eles, é o estado de natureza. Evitar o estado de guerra é uma das razões principais porque os homens abandonaram o estado de natureza e se reuniram em sociedade.

Em relação à escravidão, esse filósofo iluminista afirmou que a liberdade natural do indivíduo devia estar livre de qualquer poder superior na terra, desconhecendo outra regra além da lei da natureza. A liberdade do homem na sociedade não deve estar atrelada ao legislativo exceto se consentido pela comunidade civil.

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Mas essa liberdade se submetida a um governo, que consistia em possuir uma regra permanente a qual todos deveriam obedecer e era instituída pelo poder legislativo nela estabelecido.

 A escravidão é condenada pelo autor. A liberdade natural, para ele, visa prioritariamente defender a própria vida do ser humano e este não está subordinado a nenhum poder terreno a não ser ao poder divino, e diz que essa liberdade do indivíduo contido no contexto da sociedade não deve ser ferido na sua própria liberdade em relação àquilo que foi estabelecido pelo consenso de toda a comunidade. E como o homem não é o proprietário de sua vida, este também não tem o direito de escravizar ninguém.

A condição de escravidão é o estado de guerra continuado entre um conquistador e seu prisioneiro. Portanto, caso haja um pacto entre eles, em que um exercita um poder limitado enquanto o outro obedece, o estado de guerra e a escravidão deixam de existir, já que ninguém pode concordar em ceder a outro um poder que não tem sobre si mesmo.

Locke considera em seguimento ao Gênesis, que Deus deu a Terra aos homens em comum, para que estes se utilizassem desta para a subsistência e a conveniência. “Embora a terra e todas as criaturas inferiores sejam comuns a todos os homens, cada homem tem uma propriedade em sua própria pessoa; a esta ninguém tem qualquer direito senão ele mesmo.”

Em continuidade, ele nos diz que aquele espaço ao qual o indivíduo incorporou para si através do trabalho é de sua propriedade exclusiva e não lhe pode ser contestada (salvo problemas de escassez), pois se necessitássemos do consentimento de todos para apropriarmo-nos de uma macieira, por exemplo, morreríamos de fome. Assim o é também com a terra: “a extensão de terra que um homem lavra, planta, melhore, cultiva, cujos produtos usa, constitui sua propriedade.”

O conceito de propriedade em Locke é que ela é um direito natural, ou seja, já existia no estado de natureza.

Para Locke, a aquisição da propriedade individual não se dava mediante apropriação, mas por individuação: Deus, que deu o mundo aos homens em comum, deu-lhes também a razão, para que se servissem dele para o maior benefício de sua vida e de suas conveniências. A terra e tudo o que ela contém foi dada aos homens para o sustento e o conforto de sua existência. (...) O trabalho de removê-los daquele estado comum em que estavam fixou meu direito de propriedade sobre eles.

Quanto aos problemas relativos à escassez das terras, Locke considera impossível tal contestação, pois o espaço dado por Deus a cada um dos homens para usufruto é mais do que suficiente para sua satisfação, e no caso de desacordo com qualquer outro homem, permite modificação, podendo aquele que teve sua propriedade disposta a terceiro, trocá-la por outra tão produtiva quanto a anterior.

Explicando melhor a ideia de propriedade e proprietário, o autor deixa claro que quando um homem tira algo do estado em que a natureza o colocou, mistura nisso o seu trabalho, tornando-o sua propriedade. Uma vez removido este objeto do estado comum em que a natureza o deixou, através do seu trabalho, adiciona-lhe algo que excluiu o direito comum dos outros indivíduos e fixou o direito desse primeiro homem de propriedade sobre ele.

Mais especificamente, para Locke o fundamento da propriedade está no próprio homem, em sua capacidade de transformar em seu benefício o mundo externo, com sua energia pessoal.

Retornando à questão do trabalho, Locke nos chama a atenção não só para o acúmulo de propriedade, mas também para a sua valorização: “considere qualquer um a diferença que existe entre um acre de terra plantado (...) e um acre da mesma terra em comum sem qualquer cultura e verificará que o melhoramento devido ao trabalho constitui a maior parte do valor respectivo.” Acrescenta também que a terra em que um homem trabalha, pode ser considerada sua propriedade.

Ao longo do tempo, com o crescimento populacional, a escassez passou a ser iminente, o que culminou em pactos e leis fixando os limites dos respectivos territórios, dando ênfase à legitimidade de sua posse.

Ao dizer que o homem só podia ter a terra que pudesse cultivar, mas que poderia ter quanto ouro e prata quisesse, beneficiava os interesses burgueses, prejudicando a aristocracia rural.

Esses interesses defendidos pelo iluminista ficam ainda mais claros nas diversas passagens em que ele mostra preocupação com a expansão colonial inglesa.

Afirmava também que o direito de propriedade está limitado à capacidade de consumo do proprietário, com esse pensamento ele parece estar munido de ideais socializantes.

Em seguida Locke nos explica o surgimento do dinheiro, advindo da necessidade de se acumular bens sem o problema do processo de troca sem o perecimento de seus bens com o tempo. Ele substitui o que aos poucos foi sendo substituída pela moeda. Assim foi instituído o dinheiro – algo duradouro que o homem podia guardar sem sua deterioração e que pudesse utilizar na troca por coisas necessárias à vida.

“Como os diferentes graus de indústria dos homens podiam fazê-los adquirir posses em proporções diferentes, esta intervenção do dinheiro deu-lhes a oportunidade de continuar a aumentá-las.” Locke, então, concluiu que o dinheiro, sendo durável, incitava os homens a estender suas posses sobre terras mais vastas.

Os homens tornaram possível a divisão da terra em posses particulares fora dos limites da sociedade, atribuindo valor, apenas, ao ouro e à prata, concordando com a circulação da moeda. Pois nos Estados a legislação regula o direito de propriedade determinada por constituições positivas.

“O direito e a conveniência andavam juntos. Como cada homem tinha o direito a tudo em que podia aplicar o seu trabalho, não tinha a tentação de trabalhar mais do que para o que pudesse usar. Isso não deixava espaço para controvérsia quanto ao título, nem para a usurpação do direito dos outros. A parte que cada um talhava para si era facilmente reconhecível; era tão inútil quanto desonesto talhar uma parte grande demais ou tomar mais que o necessário.”        

Na filosofia política de Locke a propriedade aparece como destaque, sendo inclusive a principal razão para a instituição do governo civil, o fim principal da união dos homens em comunidades. Era tão grande a importância conferida à propriedade que chegava ao ponto de apenas considerar cidadão o proprietário.

Nem mesmo ele considerava o direito de propriedade como o único direito natural, embora é evidente que o via em um patamar superior aos demais. Por várias vezes percebemos, ainda, que Locke utiliza o termo propriedade para designar também a vida e a liberdade.

A propriedade para Locke tinha feições absolutas. No Segundo Tratado, afirma que nenhum governo pode tirar toda ou parte da propriedade de seus súditos sem o seu consentimento. Justifica dizendo que "se qualquer um reivindicar o poder de estabelecer impostos e impô-los ao povo por sua própria autoridade e sem tal consentimento do povo, está assim invadindo a lei fundamental da propriedade e subvertendo a finalidade do governo".

Aparentemente, Locke estabelece limites ao direito de propriedade. Um primeiro limite consiste em uma obrigação moral em relação aos demais, pela qual se deve deixar aos outros o suficiente para sobreviverem. Mas, de fato, isso não implica em limite algum, pois inúmeras vezes ele se refere às vastas extensões territoriais e alega que há terra o suficiente para todos.

Outro suposto limite diz respeito a não se apropriar daquilo que não se pode gozar.  De acordo com sua teoria, com o surgimento da moeda isso não consiste mais em problema algum, pois esta não é perecível e pode ser acumulada e guardada indefinidamente.

Uma terceira limitação se refere ao papel do trabalho na aquisição de propriedade. À primeira vista, pode parecer que a legitimidade da apreensão se restringe àquilo que o trabalho do seu corpo pode executar. Locke admitia a alienação do trabalho, como ficou claro na passagem descrita a seguir:

“Sobre as terras comuns que assim permanecem por convenção, vemos que o fato gerador do direito de propriedade, sem o qual essas terras não servem para nada, é o ato de tomar uma parte qualquer dos bens e retirá-la do estado em que a natureza a deixou. E este ato de tomar esta ou aquela parte não depende do consentimento expresso de todos. Assim, a grama que meu cavalo pastou, a relva que meu criado cortou, e o ouro que eu extraí em qualquer lugar onde eu tinha direito a eles em comum com outros, tornaram-se minha propriedade sem a cessão ou o consentimento de ninguém. O trabalho de removê-los daquele estado comum fixou meu direito de propriedade sobre eles.”

No que tange ao direito de herança, Locke reconhece o direito dos filhos, porém de forma subsidiária à livre disposição do proprietário, como registrado no Primeiro Tratado quando diz que "esta coisa, a possessão, é transmitida naturalmente aos seus filhos”.

No que se trata da propriedade, vislumbramos teorias essencialmente capitalistas coexistindo com ideias aparentemente comunistas.

Em suma, Locke apresenta que como Deus é o Pai Criador e os homens são os seus filhos significa que os homens são seus herdeiros, logo todos os homens têm direito a propriedade privada.

Em relação aos fins da sociedade política e do governo, Locke nos traz novos ensinamentos.

Diz que o homem é livre no estado de natureza, mas preferem renunciar sua liberdade para a dominação de outro poder porque ainda que no estado de natureza ele tenha tantos direitos, as qualidades deles são precárias e é constantemente exposto às invasões de outros. No estado de natureza, todos são soberanos e iguais e ninguém exerce papel mais importante que o outro ou tem poder maior, mas a maior parte não respeita estritamente, nem a igualdade nem a justiça, o que torna o gozo da propriedade que ele possui neste estado muito perigoso e muito inseguro. Isso faz com que ele deseje abandonar esta condição para viver em sociedade com outros que já estão reunidos.

O objetivo fundamental da união dos homens em sociedade e da sua submissão a governos é a preservação de sua propriedade. O estado de natureza, no entanto, é carente de muitas condições: carece de uma lei estabelecida, fixada, conhecida e aceita pelo consentimento geral, para que se tenha estabelecido um padrão de certo e errado. Falta, também, no estado de natureza, um juiz conhecido e imparcial, com autoridade para impor todas as diferenças segundo a lei estabelecida, pois nesse estado todos são juízes e executores da lei da natureza.

Assim, conclui-se que é raro os homens, em qualquer número, permanecerem um tempo apreciável nesse estado.

Locke diz que encontramos aí, a base jurídica inicial dos poderes executivo e legislativo.

Acrescenta, ainda, que no estado de natureza o homem detém dois poderes: “O primeiro é fazer o que ele acha conveniente para sua própria preservação e para a dos outros dentro dos limites autorizados pela lei da natureza; em virtude desta lei, comum a todos, cada homem forma, com o resto da humanidade, uma única sociedade distinta de todas as outras criaturas (...).”

O outro poder que o homem tem no estado de natureza é o poder de punir os crimes cometidos contra aquela lei. A ambos ele renuncia quando se associa a uma sociedade privada, se posso chamá-la assim, ou particular, para se incorporar a uma comunidade civil separada do resto da humanidade.”

Por último, Locke nos diz que embora os homens ao entrarem na sociedade, renunciem à igualdade, à liberdade e ao poder executivo do estado de natureza, ele garante a cada um sua propriedade, deixando os defeitos do estado de natureza para trás.

John Locke ainda nos mostra, em seu livro, os poderes legislativo, executivo e federativo da comunidade civil; explica que o poder legislativo é aquele que tem competência para prescrever segundo que procedimentos a força da sociedade deve ser empregada para preservar a comunidade e seus membros.

O legislativo não precisa estar sempre em funcionamento se não há trabalho a fazer, uma vez que há pouco tempo para fazer aquelas leis que serão executadas de maneira contínua e que permanecerão em vigor por tempo indefinido.

Locke julga tentador o fato de a mesma pessoa que tenha o poder de executar as leis também tenha o poder de legislar, pois se essa pessoa se isentar da obediência das leis que fez e adequar a lei a sua vontade, tanto no momento de fazê-la quanto no ato de sua execução, ela teria interesses diferentes do resto da sociedade, contrários a finalidade do governo.

Por isso, ele diz que nas comunidades civis bem organizadas, o poder legislativo deve ser confiado a várias pessoas que estão habilitadas à legislar, ficando elas mesmas sujeitas às leis que fizeram, assim, visam melhor o bem público.

O filósofo deixa claro, em seguida, que como as leis são feitas em um tempo muito breve é necessário que se assegure sua execução sem interrupção ou descontinuidade; é preciso que haja um poder que tenha uma existência contínua e que garanta a execução das leis assim que são formuladas. Portanto, frequentemente, o poder legislativo e o executivo ficam separados.

Locke diz que há outro poder que se pode chamar de natural, porque corresponde ao que cada homem possuía naturalmente antes de entrar em sociedade.

Esse poder permite que a sociedade forme um corpo único, corpo este que permanece no estado de natureza em referência ao restante de toda a humanidade, como se encontravam anteriormente.

Assim, a comunidade constitui um corpo único e completo no estado de natureza em relação a qualquer outro estado ou a todas as outras pessoas que não pertençam a sua comunidade.

Este poder citado tem habilidade para declarar guerra e paz, ligas e alianças e todas as transações com todas as pessoas e todas as comunidades que estão inseridas em outro contexto que não dentro da comunidade civil, tal poder pode ser chamado de federativo.

Os poderes executivo e federativo, embora distintos entre si, o primeiro visando a execução das leis internas da sociedade sobre aqueles que fazem parte dela, e o segundo implicando na administração da segurança e do interesse do público externo, com todos aqueles que podem lhe trazer benefícios ou prejuízos, estão quase sempre unidos.

J. Locke ainda completa seu raciocínio e teoria com as seguintes palavras: “ (...) E ainda que este poder federativo, faça ele uma boa ou má administração, apresente uma importância muito grande para a comunidade civil, ele se curva com muito menos facilidade à direção de leis preexistentes, permanentes e positivas; por isso é necessário que ele seja deixado a cargo da prudência e da sabedoria daqueles que o detêm e que devem exercê-lo visando o bem público. As leis que dizem respeito aos súditos entre eles, uma vez destinadas a reger seus atos, é melhor que os precedam. Mas a atitude adotada diante dos estrangeiros depende em grande parte de seus atos e da flutuação de seus projetos e interesses. Portanto, devem ser deixados em parte à prudência daqueles a quem foi confiado este poder, a fim de que eles o exerçam com o melhor de sua habilidade para o benefício da comunidade civil.”

E embora, como anteriormente dito, os poderes executivo e federativo sejam intimamente diferentes em si, quase nunca devem ser separados e colocados ao mesmo tempo nas mãos de indivíduos distintos; e como ambos necessitam da força da sociedade para o seu pleno exercício, é totalmente necessário o aparecimento de um elo hierárquico ou que os poderes executivo e federativo sejam confiados a distintas pessoas.

Isto equivaleria a submeter a força do povo a comandos diferentes e resultaria, algum dia, em desordem.

Com esse raciocínio, o autor explicita sua opinião e legado de que o poder executivo vem sempre atrelado ao federativo e necessita dele, e vice-versa. Assim como, o poder legislativo deve estar em diferentes mãos do poder executivo para que o bem público não seja prejudicado.

Na tentativa de combater o absolutismo defendido na obra “o Patriarca “do sir. Robert Filmer, Locke escreve “O Primeiro e Segundo Tratado sobre o governo civil” onde, desvenda o verdadeiro sentido do poder político e de como deve se formar um governo justo e livre.

Com o uso de um vocabulário simples, para que todos conseguissem compreender, citações bíblicas, já que as pessoas estavam sendo manipuladas por um imperador que se dizia representante divino, e demonstrações reais sobre suas teorias. John Locke  fala sobre a propriedade privada, escravidão, divisão dos poderes políticos, o estado natural do homem, entre outras exposições  sobre o cotidiano.

Sempre se baseando no bem comum, ele prezava o direito de liberdade, no qual todos deveriam ser livres, a menos que isso colocasse em risco a própria pessoa ou os cidadãos.

Essa sua obra foi contra todos os costumes ate então vividos. Um choque para a maioria, porém para outros foi apenas a continuação do movimento iluminista. Sendo a razão a principal modeladora desse pensamento.

A liberdade de expressão concedida a Locke, por residir no Reino Unido, onde a igreja já havia perdido muito do seu poder, ajudou a desenvolver e espalhar sua ideia pelo mundo. Contou com o auxilio de Edward Gibbon outro filosofo inglês.

Com a chegada do Iluminismo muitas revoluções começaram a ocorrer, sempre buscando a liberdade e um governo distinto do imperialismo.

É difícil pensar em como as pessoas daquela época se sentiram com a implantação desse novo movimento, afinal, desde pequenos, a sociedade mundial, em sua maior parte, é incentivada a leitura e a busca continua pelo conhecimento.

Hoje em dia as histórias antigas sobre a época do absolutismo não parecem reais, pois chega a ser impossível muitos aceitarem o fato de que em tempos passados o povo, sem revoltas, obedecia um ditador apenas por este alegar ter sido escolhido por um deus e representa-lo na Terra e, portanto ,ter poder divino.

Assim como com o passar dos anos, a nova geração não irá acreditar que realmente houve uma época em que não havia desigualdade social, problemas de segurança pública, uma vida sem tecnologia ou internet.

Dessa forma, podemos concluir que o avanço social e político está diretamente ligado com a ação humana, visando o bem comum, como foi o caso descrito por Locke. Apesar de inerente ao homem, as ações sociais na contemporaneidade são marcadas pelo ato de se eximir. Por conseguinte, a humanidade estará fadada a sua completa estagnação até que um novo Locke revele-se.

BIBLIOGRAFIA

Locke, John// Segundo Tratado Sobre o Governo Civil

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Sobre a autora
Bruna de Sá Dinelli

Estudante de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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