Tridimensionalidade do Direito diante dos fundamentos de Miguel Reale

Resumo:


  • A Teoria tridimensional do Direito de Miguel Reale propõe que o direito é composto por três elementos interdependentes: fato, valor e norma.

  • Essa teoria rompe com visões unilaterais anteriores, integrando os aspectos sociológico, ético e jurídico em uma compreensão mais abrangente do fenômeno jurídico.

  • O tridimensionalismo de Reale é considerado concreto e dinâmico, enfatizando a interação dialética entre os três elementos como essencial para a experiência jurídica.

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O artigo a seguir trata acerca da teoria tridimensional do Direito, desenvolvida por Miguel Reale, que nos trás uma nova visão da realidade jurídica, partindo do pressuposto de que o direito é compreendido sob três aspectos: fato, valor e norma.

Miguel Reale (1910–2006), um dos mais conhecidos juristas brasileiros, concebeu a Teoria Tridimensional do Direito, uma nova visão acerca da realidade jurídica, partindo do pressuposto de que o direito é compreendido sob três aspectos epistemológicos: fato, valor e norma. Contudo, a história nos mostra que nem sempre o direito foi visto sob a perspectiva unitária desses três fatores, pois ele sempre foi analisado sob um enfoque unilateral de cada um dos aspectos, de forma setorizada.


DIREITO – FATO, VALOR E NORMA

A tridimensionalidade corresponde a uma característica de toda conduta ética, uma vez que toda conduta implica o fato de uma ação subordinada a uma norma resultante de um valor que se quer realizar, sendo, portanto, uma qualidade genérica da conduta e do direito.

A história nos mostra como os significados da palavra "direito" se delinearam segundo os três aspectos fundamentais: o valor, como intuição primordial; a norma, como ordenamento da conduta social; e o fato, como uma condição social e histórica da conduta.

Antigamente, a correlação entre os aspectos fático, axiológico e normativo não era claramente percebida pelos juristas. Estes eram, antes, inclinados a compreender o fenômeno jurídico por meio de um ou dois dos aspectos citados, de forma setorizada. Foi apenas a partir do segundo pós-guerra que surgiram as primeiras doutrinas que perceberam a questão da interdependência e correlação dos três elementos (fato, valor e norma). Foi nesse momento histórico que surgiu a chamada Tridimensionalidade Genérica.

A – Tridimensionalidade Genérica – Esta teoria concebe cada um dos três elementos de forma abstrata ou separada, fazendo corresponder a cada um deles um ramo distinto e autônomo do saber jurídico, qual seja: (fato) o sociologismo jurídico; (valor) o moralismo jurídico; (norma) o normativismo jurídico. Não se reconhece, portanto, que exista uma correlação ou implicação entre esses três fatores como algo essencial ao direito.

Segundo Miguel Reale, o jurista e professor alemão Gustav Radbruch concebia o direito como um fato cultural, estudado sob três formas: a factual ou empirista, a gnoseológica e, por fim, o seu valor final. Foi essa tricotomia que deu base à Tridimensionalidade Genérica.

B – Tridimensionalidade Específica – Por volta de 1940, na Alemanha, com Wilhelm Sauer, e no Brasil, com Miguel Reale, surgiram as primeiras tentativas de demonstrar que fato, valor e norma devem ser considerados fatores essenciais da experiência jurídica.

Insta salientar que, na Tridimensionalidade Específica, os três fatores se encontram indissoluvelmente unidos entre si, não podendo ser apresentados de forma isolada, como ocorre na Tridimensionalidade Genérica.

Miguel Reale se insurgiu contra essa generalidade, sustentando que o direito é tridimensional, quer o estudo seja filosófico, sociológico ou científico, sendo que a diferença entre eles está na perspectiva de análise. Ao se questionar sobre como os três elementos se correlacionam em uma unidade essencial à experiência jurídica, Reale aduz que essa unidade só pode ser um processo dialético, no qual o elemento normativo integra e supera a correlação fático-axiológica.

O tridimensionalismo de Miguel Reale distingue-se dos demais por ver a tridimensionalidade como requisito essencial do direito e pela concreção histórica do processo jurídico. Trata-se do que se pode chamar de tridimensionalismo concreto e dinâmico.

A seguir, iremos verificar duas teses acerca do tridimensionalismo concreto e dinâmico:

1ª Tese – Dimensões essenciais – Quanto à primeira tese, temos a afirmação básica de que, no direito, há três dimensões essenciais: o fato, o valor e a norma, que sempre estarão presentes e correlacionados na expressão jurídica. Diante do fenômeno jurídico, qualquer que seja sua manifestação, requer-se a participação dialética do fato, do valor e da norma, elementos constitutivos da realidade jurídica.

Assim, o direito só se constitui quando determinadas valorações dos fatos sociais culminam em uma integração de natureza normativa, ou seja, as normas representam a integração de fatos sociais segundo múltiplos valores.

Quais os reais significados dos três elementos?

O fato é um acontecimento social que envolve interesses básicos para o ser humano e que, por isso, se enquadra no conjunto de assuntos regulados pela ordem jurídica. Miguel Reale chama a atenção para a distinção existente entre as duas acepções que a palavra “fato” comporta na teoria tridimensional: o direito como fato histórico-cultural — um fenômeno social — e o fato como dimensão do direito. Importa distinguir o fato do direito, entendido global e unilateralmente como um acontecimento histórico, do fato enquanto fator ou dimensão daquela experiência. O fato indica uma circunstância de cada momento no desenrolar do processo jurídico. Nessas acepções, fato é tudo aquilo que, em determinado contexto jurídico, corresponde ao já dado ou ao já posto no meio social e que, valorativamente, se integra na unidade ordenada da norma jurídica, resultando na dialeticidade dos três fatores.

O valor corresponde ao elemento moral do direito. Se toda obra humana é impregnada de valores, o direito também o é. Ele protege e busca realizar valores ou bens fundamentais à vida social.

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A norma consiste no comportamento ou na organização social imposto aos indivíduos.

Ainda de acordo com Miguel Reale, em todo e qualquer fenômeno jurídico há a existência de um fato subjacente, sobre o qual incide um valor que lhe confere determinado significado, direcionando a ação dos homens para a realização de um objetivo. Por fim, há uma regra ou norma que tem a finalidade de integrar um elemento ao outro — por exemplo, o fato ao valor. Assim, sempre que surge uma norma jurídica, ela mede o fato e o valora.

O Direito congrega os três elementos, sendo uma integração normativa de fatos segundo valores.

Como bom exemplo, segundo Paulo Nader, temos o disposto no art. 548. do Código Civil: “É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.” Neste caso, o fato seria a circunstância de alguém querer doar todos os seus bens a outrem, sem reservar o suficiente para a própria subsistência. O valor tutelado pela lei, nesse caso, é o valor vida, que visa impedir um fato anormal que poderia colocá-lo em risco. A norma expressa um dever jurídico: não realizar a doação sem reservar parte para a própria subsistência.

Como vemos, fato, valor e norma se encontram intimamente ligados. Há uma interdependência entre os três: eles se implicam e se exigem reciprocamente. Em suma, o direito apenas se constitui quando determinadas valorações dos fatos sociais resultam em uma integração de natureza normativa.

2ª Tese – Dialética de complementaridade – Agora, iremos verificar a segunda parte da teoria de Reale.

Fato, valor e norma formam uma correlação de natureza funcional e dialética, dada a implicação-polaridade existente entre o fato e o valor, cuja tensão resulta no momento normativo.

Os elementos se implicam e se exigem de forma recíproca, resultando na interação dinâmica e dialética dos três elementos. É o que Reale chama de dialética de complementaridade, na qual fato e valor se correlacionam de tal modo que cada um se mantém irredutível ao outro e distinto, mas se exige mutuamente, resultando na origem da estrutura normativa como momento de realização do direito.

A dialética de Reale compreende o processo histórico como um processo sempre aberto, no qual os fatores opostos, em uma ação mútua, se implicam e se completam, sem que um se reduza ao outro, correlacionando-se e mantendo-se distintos.

Em suma, o direito é uma norma social na forma que lhe é dada por uma norma, segundo uma ordem de valores. Vale lembrar que o fato, o valor e a norma não existem separadamente, sendo a norma um enunciado resultante da correlação entre fato e valor, bem como o ponto de partida da norma é o fato, em direção a um determinado valor, sendo este o ponto de chegada.

Cremos que, desde a origem da norma jurídica, o direito se caracteriza por sua tridimensionalidade e, em decorrência disso, o ordenamento jurídico da convivência social também se estabelece numa estrutura tridimensional. Desse modo, podemos concluir com a noção inicial do direito como sendo uma ordenação heterônoma, coercível e bilateral das relações sociais de convivência, segundo a integração normativa de fatos e valores.


Referências Bibliográficas

ACADEMIA Brasileira de Letras. Miguel Reale. 2007.

REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª ed., Editora Saraiva, 2003.

NADER, Paulo. Introdução ao Estudo de Direito.30ª ed., Editora Forense, 2008.

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