As teias de aranha, a Lei e a imprensa brasileira

06/04/2015 às 08:55
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A História judiciária brasileira demonstra que existe uma nefasta continuidade entre o que ocorria antes e o que ocorreu durante e depois do julgamento do Mensalão Petista.

Advogado há 1/4 de século, tenho estudado os fenômenos jurídicos que sacodem o nosso país desde a Colônia. Estou sempre a procura de padrões sutis que demonstrem  a profunda continuidade que existe na prática judiciária brasileira. Os discursos jornalísticos acerca de rupturas raramente são capazes de me enganar.

A imprensa construiu o Mensalão Petista alegando que o caso era o maior escândalo de corrupção do país até aquele momento. Solucionado o processo respectivo no STF com a condenação e prisão dos réus adveio o escândalo na Petrobrás, que rapidamente passou a ser considerado pelos jornalistas como… o maior caso de corrupção de nossa história. Os saudosistas começaram a dizer que durante a Ditadura não existia corrupção e, subsequentemente, ocorreram passeatas exigindo o Impedimento de Dilma Rousseff e/ou uma intervenção militar. Resolvi fazer uma pesquisa e descobri que há casos de corrupção bem mais escabrosos durante a Ditadura http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/o-escandalo-da-petrobras-e-a-historia-da-corrupcao-em-sao-paulo que foram convenientemente esquecidos pela imprensa e pelos inimigos da presidenta.

O próprio julgamento do Mensalão Petista foi “vendido” à população como um marco na história judiciária do país. A impunidade teria deixado de existir, a Lei finalmente teria alcançado os poderosos. A hipocrisia dos jornalistas neste caso é evidente, pois o Mensalão Mineiro  (que deveria ter sido chamado de Mensalão Tucano) não teve o mesmo desfecho. O STF se recusou a julgar a cepa tucana original de onde nasceu o Mensalão Petista e o processo provavelmente vai prescrever na Justiça de Minas Gerais. A Lei não alcançará os poderosos do PSDB, a impunidade está sendo garantida.

A espetacularização da sentença do Mensalão Petista revelou discrepâncias importantes na própria aplicação da Lei. A CF/88 garante a presunção de inocência e obriga o órgão acusador a provar a materialidade do delito, a autoria deste pelo réu e a culpa ou dolo do mesmo. Não havia provas contra José Dirceu e ele foi condenado por presunções, com base numa teoria jurídica alemã não autorizada pelos princípios de Direito Penal existentes na CF/88, com base na literatura (e não no rigor da Lei, como exige a CF/88) e porque ele não fez prova de sua inocência. A pérola de Luiz Fux foi posteriormente removida do julgamento, mas a prova em vídeo dela pode ser vista na internet.

Como disse há algum tempo:

“Não vejo nenhuma mudança cultural ou jurídica. Durante o período da Colonia, Tomás Antônio Gonzaga foi condenado com base em suspeitas e suposições (a Devassa aberta por ocasião da Inconfidência Mineira nada provou contra ele). Na fase do Império, as Devassas abertas por ocasião da Revolta dos Quebra-Quilos foram usadas para incriminar adversários políticos que sequer haviam participado da conjuração (vide Rodolpho Teófilo, autor do romance "Os brilhantes", citado pela historiadora Maria Verônica Secreto no livro "(Des)medidos", Mauad X, 2011). Nos anos 1920 os réus (vagabundos, comunistas e desafetos de policiais) também podiam ser condenados por suspeitas e suposições como afirma Paulo Sérgio Pinheiro no seu livro As Estratégias da Ilusãohttp://www.midiaindependente.org/pt/red/2005/12/340089.shtml, idem para as execuções sem condenação e processo que ocorreram durante a Ditadura (o caso de Vladimir Herzog é exemplar)." http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2012/10/513328.shtml

O tratamento dispensado pelo juiz Sérgio Moro aos suspeitos de participarem no escândalo da Petrobás é saudado pela imprensa como um novo marco. Os jornalistas reiteram neste momento a ladainha utilizada durante o julgamento do Mensalão Petista. A Lei finalmente chega aos poderosos e a impunidade deixa de existir... Sérgio Moro, este “justiceiro imaculado de toga”, foi elevado ao pedestal outrora ocupado por Joaquim Barbosa. Os abusos cometidos por ele, entretanto, tem sido criticados por vários juristas. A conduta dele me fez lembrar um personagem de Machado de Assis http://www.jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/vidas-literariamente-paralelas-simao-bacamarte-e-sergio-moro .

Desta vez, porém, a atenção da imprensa deveria estar dividida. O caso da Petrobrás foi atropelado por dois outros escândalos ainda maiores: o do Swisleaks e a Operação Zelotes. O primeiro diz respeito aos brasileiros que enviaram fortunas, possivelmente de forma irregular, para o HSBC da Suíça. Donos de empresas de comunicação, artistas, intelectuais, delegados, políticos e milionários estão na lista vazada para a imprensa. O segundo caso se refere à sonegação fiscal bilionária de bancos, siderúrgicas, empresas de comunicação, etc...

Dos três casos citados (Petrobrás, Swisleaks e Operação Zelotes), apenas um envolve membros do PT (o da Petrobrás). É exatamente este que a imprensa escolheu para continuar seguindo. Os dois outros (Swisleaks e Operação Zelotes) tem sido esquecidos, abafados ou deliberadamente escondidos do “respeitável público”, quer porque envolvem as empresas de comunicação e seus donos, quer porque os sonegadores administram generosos orçamentos de publicidade que ajudam a sustentar os lucros de jornais, revistas, rádios e redes de TV.

O padrão é evidente. Quando o réu um inimigo dos donos do poder econômico o rigor da Lei o alcança. Se for necessário, a própria Lei nestes casos é interpretada de maneira distorcida para garantir uma condenação desejada e, no entanto, desprovida de sólido embasamento jurídico. Quando o réu é um dos donos do poder econômico ou seu dileto “amigo” o caso é encaminhado para a prescrição. Caso seja julgado, o réu é absolvido de maneira temerária apesar das provas. Se as provas forem muitas e indiscutíveis elas podem ficar indefinidamente lacradas num cofre (como ocorreu com os HDs dos computadores de um banqueiro ligado ao PSDB) ou o réu é condenado e ganha uma prisão domiciliar (como ocorreu no caso do ex-presidente do TRT/SP, por exemplo).

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Há casos, porém, em que os suspeitos nem mesmo são denunciados e a imprensa aplaude o resultado. Foi o que ocorreu no caso do Trensalão Tucano de São Paulo. O Ministério Público denunciou apenas os empresários que superfaturaram bens e serviços para o Metrô e CPTM. Os políticos tucanos que provavelmente receberam propina decorrente do superfaturamento foram prévia e preventivamente inocentados. Contra eles ninguém sequer cogitou a aplicação da mesma teoria do domínio do fato utilizada para condenar José Dirceu.

Há quase dois séculos D. José Joaquim da Cunha de Azevedo Coutinho (1742-1821) disse que:

“As leis são teias de aranha que servem para apanhar insetos, mas que se deixam romper pela pressão de qualquer corpo mais pesado!” (O Brasil Anedótico, obras completas de Humberto de Campos, livraria José Olympio, Rio de Janeiro, 1936,  p. 58)  

As palavras dele continuam se ajustando perfeitamente à realidade jurídica e judiciária do Brasil. Uma única observação necessária: nos dias de hoje a imprensa é o corpo mais pesado que rompe as teias de aranha da Lei e que joga nas mesmas os insetos considerados 

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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