A doutrina majoritária, ao que parece, entende que a inversão do ônus da prova é técnica de julgamento, a ser aplicada quando da prolação da sentença pelo Magistrado. Somente no momento de sentenciar é que, analisando a prova colhida, e, principalmente, a ausência dela, é que o Magistrado atribuiria o ônus de tê-la produzido a uma das partes.
Extraí-se da obra Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, a idéia de que “(...) A inversão do ônus da prova é direito de facilitação da defesa e não pode ser determinada senão após o oferecimento e valoração da prova, se e quando o julgador estiver em dúvida. (...)” (MATOS, Cecília. O Ônus da Prova no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, RT, vol. 11, jul/set. 1994 apud GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelosa autores do anteprojeto. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 151).
A ideia até aqui exposta, contudo, em que pese adotada pela maioria, já está em tempo de ser revista.
Adotando-se a ideia de que, somente no momento de sentenciar o Magistrado venha a atribuir o ônus da prova a uma das partes, sempre em benefício da outra, já que a ausência da prova favorece a esta, corre-se o risco de que a primeira, a parte prejudicada, venha a ser surpreendida com a imputação do ônus da prova a ela.
A prática revela que o consumidor, quando do ajuizamento da ação, já postula, em sua petição inicial, a inversão do ônus da prova. O fornecedor do produto ou serviço, por sua vez, quando da apresentação da defesa, procura se desvencilhar de tal ônus, atribuindo-o ao consumidor, com a alegação de que não é ele hipossuficiente, ou de que suas alegações não são verossímeis. Vale dizer, cada uma das partes atribui o ônus da prova à outra e tem, assim, a expectativa de que não precise trazer tal prova aos autos.
Bastante razoável, portanto, que no momento do despacho saneador, em que fixados os pontos controvertidos, determine o julgador a qual das partes caberá o ônus da prova respectiva. Assim, evita-se que qualquer das partes seja surpreendida com a atribuição do ônus de produzir uma prova, que, por acreditar ser da alçada de seu adverso, não diligenciou fazê-lo no momento oportuno.
Certamente, ao fixar os pontos controvertidos, o Magistrado já analisou a petição inicial e a contestação, bem como os documentos que as instruíram, e, via de regra, tem já condições de avaliar se as alegações do consumidor são verossímeis, bem como se é ele hipossuficiente frente ao fornecedor do produto ou serviço, sendo de todo viável, já neste momento, a distribuição do ônus da prova.
Cientes ambas as partes, antes do início da fase de instrução, daquilo que cada uma deverá provar, poderão agir com mais diligência para a salvaguarda de seus direitos e acolhimento de suas pretensões, facilitando, inclusive, a formação do convencimento do Juiz e a distribuição da Justiça.
Somente assim, poderá o julgador fundamentar sua decisão na prova efetivamente produzida pelas partes, cientes que tal ônus lhes incumbia. Certamente, o julgamento calcado em provas trará mais segurança jurídica do que aquele que tiver por base o ônus da prova não produzida, e, portanto, fundado em presunções.
Diga-se, por fim, que a fixação do ônus da prova, antes do início da instrução, apresenta-se como verdadeira atitude de lealdade processual do Magistrado para com as partes.
Inconcebível que, já tendo o Magistrado formado opinião, ou, ainda, tendo a impressão de que o ônus de produzir certa prova é do autor ou do réu e vendo-o inerte, por ter argumentado nos autos que tal ônus competia à parte adversa, não advirta-o de que a falta da prova virá em seu prejuízo.
Conclui-se, assim, que o requerimento de inversão do ônus da prova deve ser apreciado quando do despacho saneador, a fim de que ambas as partes adentrem a fase processual de instrução já cientes do ônus que lhes incumbe. A inversão do ônus da prova, portanto, não é técnica de julgamento, mas sim, de instrução.
Bibliografia
GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelosa autores do anteprojeto. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.