V) DAS NORMAS DE PROTEÇÃO MÍNIMA DO TRABALHADOR
Se, de uma forma global, através da fundamentação supra, entendemos como inválidas todas as normas jurídicas criadas de negociação coletiva de trabalho que afrontem regras já fixadas em lei, ante o princípio da legalidade e à forma taxativa como o artigo 7º da CF/88 trata os casos de redução de direitos através de negociação coletiva, maior razão tem a afirmação da invalidade de normas coletivas que afrontem normas jurídicas previstas em lei de natureza de proteção mínima do trabalhador.
Analisemos com mais profundidade :
a) Do conceito de "norma de proteção mínima do trabalhador"
Muito se fala a respeito de normas de proteção mínima do trabalhador, mas pouco foi estudado a respeito de critérios objetivos para o enquadramento de determinada norma jurídica na "classe das normas de proteção mínima do trabalhador".
Em realidade, a expressão "preteção mínima do trabalhador" está diretamente relacionada à limitação do poder de subordinação inerente à relação jurídica empregatícia a fim de zelar pela higidez física do trabalhador.
O valor contido em tais normas de "proteção mínima do trabalhador" relaciona-se ao próprio princípio da indisponibilidade do direito à vida, fixado no "caput" do artigo 5º da CF/88.
Importante salientar que a proteção ao direito à vida, direito esse de natureza individual de cada indivíduo, refere-se não somente ao impedimento de atos de ceifem de forma instantânea a vida do ser humano, como também aqueles atos que de forma gradativa diminuam a expectativa de vida do ser humano.
E, ressaltemos, o conceito de vida é por nós, e pela Constituição Federal, tratado como "vida com qualidade física" e não como mera sobrevida, o que leva à necessidade de proteção do indivíduo contra qualquer situação que seja capaz de lhe causar qualquer doença que possa reduzir a sua qualidade física de vida.
E é nesse contexto que definimos como requisitos objetivos para o enquadramento de determinada norma na classe das "normas de proteção mínima do trabalhador" os seguintes :
- tratar de condição que evite situação que ceife instantaneamente a vida do indivíduo, isto é, que lhe cause a morte de forma instantânea; ou
- tratar de condição que evite situação que seja capaz de causar qualquer doença ao trabalhador, seja de que gravidade for, reduzindo-lhe a qualidade de vida.
b)O artigo 5º, "caput", e a indisponibilidade do direito à vida
Tendo o "direito à vida" o sentido de direito à vida com qualidade física plena, qualquer situação que leve o cidadão à potencialidade de contrair mal físico que lhe reduza a capacidade de vida plena afronta o princípio constitucional da indisponibilidade do direito à vida.
São vários os textos do direito positivo que zelam pelo direito à vida. Citemos alguns exemplos :
- o artigo 71, "caput", da CLT, ao determinar intervalo intrajornada mínimo de 1(uma) hora para refeição e descanso a todo trabalhador que laborar em jornada superior a 6(seis) horas
- o inciso XV do artigo 7º da CF/88, que impõe o repouso semanal remunerado
- o inciso XXII do artigo 7º da CF/88, que prevê a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
- o artigo 72 da CLT, que determina a concessão de intervalo de 10(dez) minutos a cada período de 90(noventa) minutos nos serviços permanentes de mecanografia
c) Das normas de proteção mínima ao trabalhador e a negociação coletiva
Não só ante o princípio da legalidade (inciso II do artigo 7º da CF/88), mas também ante o princípio da indisponibilidade do direito à vida, é inválida qualquer norma oriunda de negociação coletiva que reduza a extensão de normas de proteção mínima do trabalhador.
VI - CONCLUSÕES
Ante o todo exposto, chegamos às seguintes conclusões :
a)O inciso XXVI do artigo 7º da CF/88 não revela qualquer modificação do modelo de direito do trabalho constituído na Consolidação das Leis do Trabalho, mesmo porque redações praticamente idênticas ao do inciso citado constam nas Constituições Federal de 1934, de 1937, de 1964 e na Emenda Constitucional de 1969;
b)A simples interpretação gramatical isolada do inciso XXVI do artigo 7º da CF/88 não nos leva à verdade da conteúdo da norma jurídica (3) extraída do referido texto constitucional;
c) Através de uma análise sistemática da Constituição Federal, o reconhecimento dos instrumentos coletivos previsto no inciso XXVI do artigo 7º da CF/88 não afasta a existência de limites, como o atendimento ao princípio da legalidade e ao princípio da indisponibilidade do direito à vida, motivo pelo qual o campo de atuação da negociação coletiva envolve as lacunas da lei e os casos taxativamente previstos em lei para redução de direitos trabalhistas por força de negociação coletiva, sendo inválidas as normas oriundas de negociação coletivo que afrontem regras já fixadas pela lei;
d)As normas de proteção mínima do trabalhador são aquelas que tratam de :
- tratar de condição que evite situação que ceife instantaneamente a vida do indivíduo, isto é, que lhe cause a morte de forma instantânea; ou
- tratar de condição que evite situação que seja capaz de causar qualquer doença ao trabalhador, seja de que gravidade for, reduzindo-lhe a qualidade de vida.
e) Não só ante o princípio da legalidade (inciso II do artigo 7º da CF/88), mas também ante o princípio da indisponibilidade do direito à vida, é inválida qualquer norma oriunda de negociação coletiva que reduza a extensão de normas de proteção mínima do trabalhador.
NOTAS
01. BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. São Paulo : Celso Bastos Editora, 2ª edição, revista e ampliada. 1999, p.59
02. emendas à constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções
03. Norma jurídica entendida como proposição extraída de um enunciado prescritivo
BIBLIOGRAFIA
BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. São Paulo : Celso Bastos Editora, 2ª edição, revista e ampliada
VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo : Editora Max Limonad, 1997
VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 4a. edição, revista, atualizada e ampliada, 2000