4. Implicações práticas da aplicação do Código de Defesa do Consumidor à atividade médica
O Direito é uma ciência em constante movimento, uma vez que intrinsecamente ligada ao desenvolvimento da sociedade. A comparação com sistemas jurídicos diversos é importante, enquanto proporciona uma visão mais ampla da forma como o assunto é tratado por outras culturas, por diferentes sociedades, e auxilia na construção de modelos legislativos mais aperfeiçoados e, por conseqüência, mais eficazes, uma vez que mais capazes de atender aos anseios do grupo social a que se destinam.
Uma vez definidos os pontos essenciais no item 2, e dirimidas as dúvidas quanto à aplicabilidade ou não do Código de Defesa do Consumidor ao exercício da atividade médica, podemos passar ao exame concreto das maiores inovações trazidas por este novo diploma legal ao ordenamento jurídico brasileiro, e de alguns dos elementos de intersecção entre direito e medicina.
Estas considerações preliminares quanto à conceituação da atividade médica como relação de consumo assume especial importância quando se passa a analisar suas implicações práticas, sob o ponto de vista jurídico-processual. Uma vez estando pacífica a idéia de que o Código de Defesa do Consumidor é instrumento legal apropriado para reger a relação médico x paciente, podem ser identificadas de forma mais clara as suas conseqüências jurídicas imediatas.
4.1 O dano moral. Fundamentos jurídicos e sua quantificação.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, que trata de relacionar os direitos básicos do consumidor, elenca em seus incisos VI e VIII, respectivamente, "a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos", e "a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência".
Além do abrigo constitucional do artigo 5º, X [13], bem se percebe que devidamente albergada na legislação inferior específica a reparação por danos morais. Vale dizer que o fato danoso, causador de prejuízos extrapatrimoniais, quais sejam, aqueles que extrapolam a esfera facilmente quantificável dos danos materiais, com conseqüências sobre a moral, a psique, e a auto-estima do ofendido, deve ser aferido e, na medida do possível, reparado, através de uma condenação pecuniária.
Caio Mário da Silva Pereira [14], quando lecionando sobre o tema, assevera:
"(...)
O fundamento da reparabilidade pelo dano moral está em que, a par do patrimônio no sentido técnico, o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo conformar-se a ordem jurídica em que sejam impunemente atingidos. Colocando a questão em termos de maior amplitude, Savatier oferece um definição de dano moral como ´qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária´, e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legítima, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor-próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições, etc. (Traité de la Responsabilité Civile, vol. II, n.º 525)
(...)
O ponto de partida para a sustentação do ressarcimento do dano moral está na distinção do que seja o prejuízo, no caso do dano material e moral. A dificuldade de avaliar, responde De Page, ´não apaga a realidade do dano, e por conseguinte não dispensa a obrigação de repará-lo´ (Traité Élémentaire, vol. II, n.º 915 - bis)
(...)
Quando se cuida de dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-se deslocado para a convergência de duas forças: ´caráter punitivo´ para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o ´caráter compensatório´ para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal sofrido...
(...)
Admitir, todavia, que somente cabe reparação moral quando há um dano material é um desvio de perspectiva. Quem sustenta que o dano moral é indenizável somente quando e na medida em que atinge o patrimônio está, em verdade, recusando a indenização do dano moral. O que é preciso assentar, e de maneira definitiva, como faz Wilson de Melo da Silva, é que ´na ocorrência de lesão manda o direito ou a eqüidade que se não deixe o lesado ao desamparo de sua própria sorte´...
Para aceitar a reparabilidade do dano moral é preciso convencer-se de que são ressarcíveis bens jurídicos sem valor estimável financeiramente em si mesmos, pelo só fato de serem ofendidos pelo comportamento jurídico do agente.
(...)
A meu ver, a aceitação da doutrina que defende a indenização por dano moral repousa numa interpretação sistemática de nosso direito, abrangendo o próprio art. 159 do Código Civil que, ao aludir à ´violação de um direito´ não está limitando a reparação ao caso de dano material apenas...
A Constituição Federal de 1988 veio pôr um pá de cal na resistência à reparação do dano moral. O art. 5.º, n.º X, dispôs: ´são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação´. Destarte, o argumento baseado na ausência de um princípio geral desaparece. E assim, a reparação do dano moral integra-se definitivamente em nosso direito positivo.
É de acrescer que a enumeração é meramente exemplificativa, sendo lícito à jurisprudência e à lei ordinária aditar outros casos.
(...)
No mesmo sentido a Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078, de 1991) assegura a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais (art. 6.º, n.º VI)... " (Original sem grifos e/ou realces)
O valor a ser estipulado em sede de sentença para fins de indenização, isto é, o quantum, a liqüidação a ser determinada em ação que busca reparação para danos morais, exige do magistrado a observação de parâmetros importantes, tanto quanto distintos dos parâmetros utilizados para fins de apuração do valor da indenização a ser apurada em ação que busque indenização por danos materiais.
Assim é que na determinação da indenização por danos morais, os parâmetros utilizados pelo Magistrado devem observar entre outras tantas que o caso concreto indicar, duas variáveis específicas: a uma, a condição financeira do ofensor, sua saúde econômica; a duas, a função compensatória que deve a quantificação do valor indenizatório representar para o ofendido.
É que a indenização por danos morais, que muitas vezes causam no ofendido dano de tal monta irreparável que toda a fortuna colocada à sua disposição mostra-se insuficiente para fins da reparação pretendida. Nestes casos, tem aquele no Estado o substituto direto, da justiça com mãos próprias, que em priscas eras imporia fosse o ofendido buscar via autotutela, a reparação do dano moral sofrido.
Desta sorte, o ofensor tem que efetivamente sentir o constrangimento legal que lhe é imposto por força condenação indenizatória por perdas e danos morais causado ao ofendido. O ofensor tem que perceber, via indenização, o caráter punitivo da mesma, sem o que estará pronto a agredir, a desrespeitar a esfera moral de tantos quanto acredite que deva.
Por outro lado, a quantia a ser estipulada para fins de indenização tem que ser de tal monta que cause no ofendido o prazer interior supostamente equivalente ao constrangimento que tenha lhe causado o ato ilícito praticado pelo ofensor. Só assim, estará se dando pela via judicial a reparação perseguida a título de dano moral.
Se os parâmetros utilizados pelo magistrado para fins de quantificação do valor da condenação/indenização são efetivamente subjetivos e variáveis caso a caso, isso não implica que em função da dificuldade aparente devam ser os mesmos ignorados, ao revés, devem ser levados na mais alta conta, sem o que não se estará a fazer justiça.
A estipulação de um valor que não revele em si efetiva punição ao ofensor, ainda que seja a sentença para considerar procedente a ação proposta, mais agravará os danos morais do que os reparará, pois que estará a mostrar à sociedade, ao ofendido e principalmente ao próprio ofensor, o desleixo e o pouco valor que foi dado aos direitos de personalidade do ofendido, direito à honra e a moral, nas palavras de José Afonso da Silva [15], "direitos fundamentais do homem", quando se sabe serem estes os direitos mais caros a qualquer indivíduo.
Neste sentido, se pronuncia novamente Caio Mário da Silva Pereira [16], verbis:
" (...)
Incorporado que está o princípio da reparação por dano moral, como princípio geral, em nosso direito positivo, cabe estabelecer critérios em que o juiz deva se basear.
(...)
É preciso entender que
, a par do patrimônio, como ´complexo de relações jurídicas de uma pessoa, economicamente apreciáveis´ (Clóvis Beviláqua, Teoria Geral do Direito, § 29), o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, o bom conceito de que desfruta na sociedade, os sentimentos que exornam a sua consciência, os valores afetivos, merecedores todos de igual proteção da ordem jurídica.... Mais desenvolvidamente Yves Chartier cogita das numerosas hipóteses em que pode ocorrer o prejuízo moral: atentados não físicos à pessoa; atentado à honra; à consideração e à reputação; difamação e injúria; ofensa à memória de um morto; atentado contra a vida privada; preservação da imagem, do nome e da personalidade...O PROBLEMA DE SUA REPARAÇÃO DEVE SER POSTO EM TERMOS DE QUE A REPARAÇÃO DO DANO MORAL, A PAR DO CARÁTER PUNITIVO IMPOSTO AO AGENTE, TEM DE ASSUMIR SENTIDO COMPENSATÓRIO. Sem a noção de equivalência, que é própria da indenização do dano material, corresponderá à função compensatória pelo que tiver sofrido. Somente assumindo uma concepção desta ordem é que se compreenderá que o direito positivo estabelece o princípio da reparação do dano moral. A isso é de se acrescer que na reparação do dano moral insere-se uma atitude de solidariedade à vítima.
A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo as circunstâncias de cada caso, E TENDO EM VISTA AS POSSES DO OFENSOR e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena se torne inexpressiva." (Original sem grifos e/ou realces)
4.2 A controvérsia sobre a inversão do ônus da prova
O ônus da prova dos fatos alegados em juízo está distribuído de forma a determinar que cabe ao autor a prova dos fatos constitutivos de direito seu, enquanto à parte adversa incumbe a insurreição relativa à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo das pretensões que contra si são imputadas. Neste ponto, também convergem as legislações brasileira [17] e espanhola [18].
Este também é o posicionamento majoritário da doutrina, que admite o deslocamento do ônus da carga probatória, a depender do tipo de obrigação aplicável ao caso concreto, se de meio ou de resultado.
Em sendo uma obrigação dita de meio, cabe ao credor comprovar que o devedor não foi suficientemente diligente a ponto de utilizar todos os meios disponíveis para a consecução ou adimplemento da obrigação. Ao primeiro, a lei impõe a comprovação dos fatos constitutivos de seu direito, e ao segundo, a prova dos fatos impeditivos, capazes de isentá-lo da responsabilidade que lhe é demandada.
Diferente é o caso da obrigação de resultado, uma vez que a insatisfação com relação ao fim atingido pode ser suficiente para demonstrar o descumprimento da obrigação. O que importa, neste caso, é que o objetivo contratado não foi atingido, independentemente da diligência do devedor, e do correto emprego de todas as técnicas e equipamentos existentes e à disposição deste. A este último é imposto demonstrar o caso fortuito e a força maior, além de seus esforços, que impediram a concretização dos resultados.
O Código de Defesa do Consumidor, por seu turno, atribui ao juiz o poder de - a seu critério - inverter o ônus da carga probatória, acaso venha a considerar o consumidor hipossuficiente, ou verossímeis suas alegações [19].
Esta hipossuficiência não é necessariamente de caráter econômico. Pode ser também técnica, ou seja, aquelas situações em que o consumidor não disponha dos meios adequados para efetivamente comprovar o que funcionou de forma errada (ou mesmo não funcionou) em um equipamento ou na prestação de um serviço. São casos em que o fornecedor ou prestador do serviço está mais habilitado a demonstrar que o resultado indesejado não é resultante de sua atividade, que foi exercida de forma tecnicamente correta, de forma prudente e diligente.
Ainda que implícito, necessário se faz lembrar que o poder do juiz, ao determinar ou não a inversão do ônus probatório, deve ser exercido observando critérios de bom senso e parâmetros de razoabilidade.
Hildegard Giostri [20] diz que, com relação à atividade médica, a prática tem demonstrado que, independentemente do tipo de obrigação, a prova incumbe ao credor:
"No âmbito prático, na área da responsabilidade médica, o que se tem visto é que tanto nas obrigações de meio quanto nas de resultado, a carga probatória incumbe ao credor, em especial quando atua uma pretensão de um cumprimento não atingido e, isto, tanto num caso quanto no outro, ou seja, tanto nas obrigações de resultado quanto nas de meio.
O que quer dizer que, no caso de uma prestação obrigacional de resultado, o descumprimento se verificará pela falta do resultado avençado preteritamente (ou, no caso das cirurgias plásticas, de um resultado que "não agrade" ao paciente, mesmo que tecnicamente bem-sucedido). Então, o conteúdo da prova é o próprio descumprimento do fato, em sentido material."
Este entendimento se coaduna com o preceito excetuante do § 4º do art. 14 do CDC, que diz:
Art. 14 – O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (...)
§ 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
4.3 A publicidade, seus efeitos e conseqüências
O exercício da medicina, enquanto atividade econômica adstrita aos ditames do Código de Defesa do Consumidor, também tem regulamentado o uso da publicidade como ferramenta de promoção. A publicidade, por definição, é toda forma de divulgação e/ou difusão de informações, com a finalidade de, direta ou indiretamente, influenciar favoravelmente determinado público consumidor de produtos e/ou serviços, seja com finalidade lucrativa ou não, ainda que esta segunda modalidade seja mais rara.
Adalberto Pasqualotto, em percuciente análise [21], complementa:
"Como técnica persuasiva que é, a publicidade deve reservar o seu poder de convencimento à mensagem, que é o seu conteúdo, tendo o dever de apresentar-se formalmente ostensiva.
A publicidade sempre tem uma intenção argumentativa. A técnica publicitária de argumentação, porém, não é necessariamente racional, apesar de muitas vezes o discurso apresentar aparente lógica. Os apelos emotivos, afetivos, cômicos, irônicos, freqüentemente são usados, sempre com a intenção de confortar o destinatário da mensagem, buscando captar a sua adesão. No fundo, é um processo de cooptação.
Admite-se que seja assim (respeitados os limites da enganosidade e da abusividade). Mas os recursos técnicos tendentes ao convencimento devem limitar-se ao conteúdo da mensagem, não podendo estender-se ao modo de empregá-los. Já porque a mensagem é persuasiva, deve ser identificada desde logo, possibilitando ao destinatário que se previna e resista aos argumentos – ou ceda, se quiser. Em outras palavras, a lei admite o assédio honesto e declarado ao consumidor, rechaçando a clandestinidade.
Esse dever de identificação, ademais de ser legal, deriva de um princípio de lealdade e da boa-fé objetiva. Como se concede ao anunciante a persuasão, exige-se-lhe que não esconda o seu emprego."
Na hipótese em questão, ainda que a matéria tenha regulamentação específica no Código de Ética Médica [22] (principal argumento corporativo dos que desejam a discussão longe do âmbito jurídico), o Código de Defesa do Consumidor – ao reconhecer a vulnerabilidade do paciente com relação à falta de conhecimentos específicos, especializados, que lhe permitam maior mobilidade para a tomada de decisões com relação aos destinos da relação de consumo a que está submetido – dota o paciente/consumidor de elementos jurídicos que lhe garantem uma maior segurança, tanto na condução da própria relação em si, como também lhe dando parâmetros e meios eficazes para a busca de eventual reparação, caso entenda (e comprove) ter sido lesado em sua boa-fé, em suas esperanças, ou mesmo em sua ignorância.
No já multimencionado Código de Defesa do Consumidor, a publicidade é disciplinada pelos artigos 36 a 38 [23] que, respectivamente, elencam os seus princípios básicos, tratam da publicidade enganosa, e do ônus da prova relativo ao conteúdo veiculado.
Não se limita o diploma legal a ser meramente enunciativo. Tipifica ainda como crimes a publicidade enganosa e abusiva, bem como a falta de organização dos dados fáticos, técnicos e científicos que compõem o anúncio, impondo sanções aos infratores [24].
Impõe, ainda, penalidades administrativas, e determina a realização de contrapropaganda em alguns casos [25].
Segundo a revista virtual Consultor Jurídico [26], recentemente, em maio de 2002, ao julgar a Apelação nº 334.114-0, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais condenou determinada Clínica Médica, bem como profissional que nela atendia por danos morais e materiais. A condenação foi gerada por causa de um diagnóstico e tratamento equivocado a um ex-paciente. A Justiça também levou em consideração a "propaganda enganosa", sobre diagnóstico correto e tratamento eficaz, feita na mídia.
O ex-paciente morreu durante a tramitação do processo. De acordo com a decisão, foi concedido à viúva e seu filho menor o direito de receber indenização equivalente a R$ 40 mil por danos morais e R$ 6 mil por danos materiais.
Segundo o processo, a doença foi diagnosticada como colagenose mista e lupus eritematoso disseminado. Mas o ex-paciente sofria de leucemia mielóide crônica. A clínica cobrou R$ 8.998,00 para tratar do enfermo. O ex-paciente pagou apenas R$ 6 mil. Quando constatou o erro, entrou na Justiça com ação de indenização.
Os juízes consideraram que a clínica e o médico fizeram propaganda enganosa na mídia quando prometeram diagnósticos precisos e tratamentos eficazes. A turma julgadora considerou que houve infração ao Código de Defesa do Consumidor. Além disso, afirmaram que o Código de Ética Médica foi ferido com a divulgação de assunto médico de forma promocional.
O relatório do acórdão assevera que "a responsabilidade da clínica médica em indenizar o seu paciente pelos danos materiais e morais sofridos decorre da falsa promessa de diagnóstico e tratamento eficaz a ele feita, mormente se o diagnóstico foi totalmente equivocado, assim como o tratamento ministrado".
Segundo o relator, os danos morais foram causados pela "falsa esperança inculcada" ao ex-paciente mediante a veiculação de propaganda enganosa. "No afã de se curar, procurou a clínica, iludindo-se quanto aos resultados prometidos". Para o juiz, o ex-paciente teve uma decepção, "ao perceber que havia sido logrado, pois o médico a quem confiara os cuidados de sua saúde sequer diagnosticara corretamente a doença". O relator afirmou ainda que o tratamento foi "equivocado e inútil."
A decisão confirmou integralmente a sentença do juiz da 14ª Vara Cível de Belo Horizonte, reforçando o entendimento da plena aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à atividade médica, seja ela direta ou correlata..
4.4 Outros aspectos relevantes
Tendo em vista esta sujeição da atividade médica às regras previstas pelo Código de Defesa do Consumidor, cumpre destacar algumas particularidades que podem ser aplicadas ao cotidiano das relações aqui em estudo.
Um destes aspectos se refere justamente à prescrição pela busca da reparação de danos causados pela má prestação do serviço. O artigo 27 daquele diploma legal limita em cinco anos o prazo prescricional, vale dizer, iniciada sua contagem a partir da data do conhecimento do dano e de sua autoria, e não necessariamente a partir da ocorrência do fato danoso.
Esta distinção é especialmente importante quando se trata de situações em que o dano causado não é visível ou imediatamente identificável, tais como o esquecimento de material cirúrgico dentro do corpo do paciente, a remoção equivocada de determinado órgão no lugar de outro, ou mesmo a realização de tratamento ou procedimento inadequado ao quadro clínico do paciente, situações em que, via de regra, só vêm apresentar conseqüências após a passagem de determinado lapso de tempo.
Outro elemento de especial interesse para a classe médica, considerando a possibilidade da existência de demandas judiciais, é com relação à definição da competência de foro para julgamento da ação. O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 101, dispõe que a ação pode ser proposta no domicílio do autor.
Este é um elemento que assume substancial importância para aqueles casos em que pacientes vindos do interior de determinado Estado são atendidos por médicos na capital deste, ou de pacientes que viajam para outros Estados, em busca de centros médicos mais avançados. Não é difícil que um paciente que resida em Minas Gerais ou Paraná venha a procurar um hospital especializado, ou profissional conceituado em determinada área de atuação, residente em São Paulo. Ou que um paciente que resida na Bahia busque atendimento específico de um profissional atuante na cidade de Recife.
São situações que, longe de representarem um devaneio, podem se transformar em obstáculos concretos à defesa do profissional, acaso venha este a ser instado a comparecer em juízo, com todas as providências daí decorrentes, como contratação de advogado, viagem para comparecimento a audiências, maior dispêndio de tempo e de recursos financeiros, etc. Entretanto, esta situação decorre de comando legal objetivo, e de aplicação plena confirmada pelos Tribunais Superiores, consoante demonstrado pelo acórdão a seguir transcrito:
"Código de Defesa do Consumidor – Competência – Responsabilidade do fornecedor de serviços – Médico – A ação de responsabilidade por dano decorrente da prestação de serviço médico pode ser proposta no foro de domicílio do autor (art. 101, I, do CDC), ainda que a responsabilidade do profissional liberal dependa da prova de sua culpa (art. 14, § 4º, do CDC). Recurso não conhecido." (STJ – Acórdão: REsp. 80276/SP – REsp. – Decisão: por unanimidade, não conhecer do recurso – 4ª T. – Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar – 12.2.96).
Com relação ao custo dos serviços, existe disposição legal específica vedando a execução dos serviços médicos sem prévia elaboração de orçamento, e condicionada à expressa manifestação autorizativa, sendo ressalvada apenas as práticas e/ou procedimentos já usuais entre o médico e seu paciente (neste caso, seu cliente).
Este orçamento deve englobar todos os custos, discriminando a parte relativa ao gasto com materiais, equipamentos, contratação de terceiros, o valor dos honorários propriamente ditos, bem como validade da proposta (mínima de 10 dias), e condições de pagamento, sendo especificadas – quando possível - as datas de início e término dos serviços ou tratamento.
A matéria é regulada pelos artigos 39 e 40 do Código de Defesa do Consumidor, sendo corroborada pelos artigos 46 [27] e 90 [28] do Código de Ética Médica, indo mais além neste último caso, uma vez que o Código de Ética condiciona a apresentação de orçamento prévio ao pedido do paciente, e o CDC torna tal prática mandatória.
Há, ainda, no Código de Defesa do Consumidor, toda uma gama de infrações penais, tipificadas nos artigos 61 a 80, cuja transcrição se faz despicienda. Os aplicáveis ao presente estudo vão desde a cobrança de dívidas mediante constrangimento, até dificultar o acesso a bancos de dados (fichas médicas) e informações.
De ser salientado, todavia, que o Código considera como circunstância agravante o fato de os crimes ali tipificados serem praticados em operações que envolvam alimentos, medicamentos ou quaisquer outros produtos ou serviços essenciais. Certamente, não há como deixar de incluir nesta categoria os serviços médicos.