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O uso do equipamento de proteção individual para bombeiros durante o atendimento de ocorrências de incêndio

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14/04/2015 às 22:23
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3. Os Efeitos do Calor no Desempenho Físico

Os seres humanos conseguem tolerar um declínio de temperatura corporal profunda de 10ºC, porém um aumento de apenas 5ºC. Tecnicamente, a temperatura representa a energia cinética média das moléculas de uma substância. (McARDLE et al., 2011)

Como os músculos esqueléticos em contração produzem grandes quantidades de calor, o exercício prolongado num ambiente de calor, o exercício prolongado num ambiente quente/úmido representa um sério desafio para a homeostasia da temperatura. (POWERS, 2000).

Bombeiros estão expostos a diferentes níveis de calor em dois contextos básicos: as condições ambientais e a exposição ao fogo (FA-314, 2008).

Bombeiros fazem quase todas as suas atividades de rotina em ambientes abertos. Em dias de calor extremo, conferência de viaturas e equipamentos, treinamentos físicos e técnicos, vistorias e outras atividades administrativas, tudo será executado sob altas temperaturas. Nessas situações, muitas vezes os bombeiros já estão sofrendo efeitos do calor sobre o organismo antes mesmo do atendimento de qualquer ocorrência. (DINIZ FILHO, 2011)

Apesar dos efeitos severos do clima sobre a temperatura ambiente, a mais crítica exposição ao calor enfrentada pelos bombeiros se dá mesmo nos ambientes em chamas, seja combatendo o incêndio ou efetuando salvamentos. (DINIZ FILHO, 2011)

Uma pesquisa feita em parceria pelo Instituto Americano de Padronização e Tecnologia (NIST) e pela United States Fire Administration (USFA) analisou o ambiente de incêndio, tanto em incêndios simulados em laboratório como equipando bombeiros em ocorrências reais com sensores de temperatura, a fim de medir a temperatura ambiental durante a ação de combate a incêndios no interior de edifícios. O estudo dividiu em quatro classes as condições normalmente enfrentadas pelos bombeiros durante o combate a incêndios:

a) Classe I – encontrada em um pequeno foco de incêndio em um único cômodo, com temperatura no ambiente até 60° C e radiação térmica até 0,05 watts/cm2 e pode durar até 30 minutos.

b) Classe II – condição existente em um cômodo que esteve totalmente tomado pelas chamas logo após o incêndio ter sido controlado. Neste caso, as temperaturas ambientais, variando de 40° C a 95° C e radiação térmica de 0,05 a 0,100 watts/cm2, podem ser encontradas por até 15 minutos.

c) Classe III – ocorre em local que está totalmente envolvido pelas chamas. Temperaturas ambientais de 95° C a 250° C e radiação térmica de 0,175 a 4,2 watts/cm2 são encontrados por até 5 minutos.

d) Classe IV - ocorrem durante processos velozes e violentos de combustão como “backdraft” ou “flash-over”, onde as temperaturas ambientais podem variar de 250 ° C a mais de 800 ° C e a radiação térmica de 0,175 a 4,2 watts/cm2, durando cerca de 10 segundos. (DINIZ FILHO, 2011)

Bombeiros enfrentam exposições particularmente severas durante a queima de combustíveis líquidos e em incêndios com produtos químicos que podem atingir temperaturas ambientais superiores a 1000° C e radiação térmica de 5,0 watts/cm2. (DINIZ FILHO, 2011)

Figura 02 – Condições térmicas enfrentadas pelos Bombeiros durante um incêndio

Fonte: FA 314, 2008.

Quanto mais prolongado o período de exposição às condições de temperatura elevada, maior a chance de ocorrência de doenças e lesões relacionadas ao calor, exigindo monitoramento contínuo sobre o efetivo, a fim de que sejam tomadas as medidas adequadas antes que estas se instalem. Nenhum sinal deve ser desconsiderado e qualquer integrante do efetivo que o apresente deve ser encaminhado parauma área de repouso e monitoramento médico. Mesmo que os problemas com o calor tenham sido em um dia anterior, o efeito cumulativo pode aumentar a chance de um problema grave no dia seguinte dia. (DINIZ FILHO, 2011)

3.1. Aclimatação

Dentre as atividades desenvolvidas em ambientes desfavoráveis para aspessoas nenhuma oferece maior ameaça à saúde do que as atividades laborais ou exercícios físicos, realizados de maneira pesada, prolongada e intensa em ambientes quentes e úmidos. Nessas condições, quase sempre o desempenho fica prejudicado. Nos casos extremos a saúde é ameaçada. (MAUGHAM; BURKE, 2004)

Segundo estudos realizados pelas forças armadas dos Estados Unidos Headquarter (2003), adaptações biológicas ao estresse térmico incluem tanto aclimatação ao calor como a aquisição de tolerância térmica adquirida. A grandeza de ambas adaptações depende da intensidade, duração, frequência e número de exposições ao calor. Estas duas adaptações se complementam uma à outra: a aclimatação ao calor reduz a tensão fisiológica enquanto a tolerância térmica adquirida melhora a resistência a lesão tecidual a determinada tensão térmica.

A tolerância térmica adquirida refere-se a adaptações celulares induzidas pela exposição ao calor que protegem tecidos e órgãos de lesões provocados por altas temperaturas. Isso permite que um indivíduo se torne mais resistente a lesões ou doença provocadas pelo calor se posteriormente sofrer exposições a calor mais intenso. O processo de aclimatação ao calor descrita acima irá ajudar a induzir esta tolerância nos indivíduos. Em suma, a tolerância térmica adquirida está associada às proteínas de choque térmico ou HSP (do inglês heatshockproteins), que fornecem proteção e aceleram o reparo de células de exposições ao calor e a outros fatores estressantes. (HEADQUARTER, 2003)

A aclimatação ao calor é necessária, mesmo para indivíduos em boa forma. Um processo sistemático de aclimatação ao calor melhora drasticamente a capacidade de trabalho e conforto físico. A Aclimatação exige exercício aeróbio em ambiente quente. Simplesmente realizar atividades normais ao ar livre não é suficiente. A aclimatação ao calor é induzida quando as exposições são suficientemente repetidas a um calor estressante para elevar as temperaturas de núcleo e da pele e provocar sudorese profusa. A tensão fisiológica é maior durante a parte inicial do processo de aclimatação, porém o desgaste fisiológico diminui a cada dia subsequente de aclimatação ao calor. (McARDLE et al., 2011)

Tabela 06 – Adaptações Fisiológicas com a Aclimatação

AJUSTES FISIOLÓGICOS DURANTE A ACLIMATAÇÃO AO CALOR

Resposta a Aclimatação

Efeito

-Melhor fluxo sanguíneo cutâneo

-Transporte do calor metabólico dos tecidos profundos (núcleo) para a concha

-Distribuição efetiva do débito cardíaco

-Circulação apropriada para a pele e so músculos, a fim de atender ás demandas do metabolismo e da termorregulação; maior estabilidade na pressão arterial durante o exercício

-Queda no limiar para o inicio da sudorese

-O esfriamento por evaporação começa precocemente durante o exercício

-Distribuição mais efetiva do suor sobre a superfície da pele

-Utilização ótima da superfície corporal efetiva para o esfriamento evaporativo

-Maior produção de calor

-Maximiza o esfriamento evaporativo

-Menor concentração de sal no suor

-O suor diluído preserva os eletrólitos no líquido extracelular

-Queda nas temperaturas cutâneas e central e na frequência cardíaca para um exercício padronizado

-Libera uma maior proporção do débito cardíaco para os músculos ativos

-Menor dependência do catabolismo dos carboidratos durante o exercicio

-Preservação dos carboidratos

Fonte: McArdle et al., 2011.

3.2 Estado de Treinamento

Embora bombeiros bem condicionados também possam sofrer desgaste em decorrência dos efeitos do calor, é notório que o risco de lesão e doenças provocadas pelo calor é muito maior em bombeiros com excesso de peso e que não fazem exercícios físicos regularmente. Programas de condicionamento físico com vistas ao desenvolvimento da aptidão cardiovascular e muscular podem ser de grande benefício no aumento da capacidade termorreguladora. (FA 314, 2008)

3.3 A Desidratação

Em bombeiros durante o atendimento de ocorrências de combate a incêndio, assim como em atletas de provas de endurance, o mecanismo de desidratação se dá principalmente pela perda de suor, que pode chegar a ser de até dois litros/hora, sendo que fatores como as condições ambientais, condicionamento físico, aclimatação, grau de intensidade de esforço e tempo de exposição influenciam o volume da perda. (NFPA 1584, 2003)

Desidratação leve e moderada causa sinais e sintomas como fadiga, perda de apetite, sede, pele vermelha, intolerância ao calor, tontura e aumento da concentração da urina. A desidratação grave causa pele seca e murcha, olhos afundados, visão fosca, delírio, espasmos musculares, choque térmico e coma, podendo evoluir para óbito. (CARVALHO; MARA, 2010).

Segundo Grandejean e Campbell (2004), o corpo tenta manter-se em equilíbrio ainda que sofra grandes variações no consumo e perda de fluidos e eletrólitos. No entanto, as condições físicas e o estresse ambiental podem levar o organismo a ultrapassar os limites dos mecanismos que produzem esse equilíbrio, levando a perda do balanço de fluidos e eletrólitos. Desequilíbrios de fluídos e sais, desidratação e toxicidade da água são definidos com base na quantidade de sal e água perdida ou ganha.

A primeira reação orgânica à desidratação é o estímulo aos centros da sede do cérebro, provocando maior ingestão de líquidos. Se a ingestão não for suficiente para compensar a água eliminada pode haver um agravamento da desidratação, com diminuição da transpiração e redução na produção de urina. (WILLIAMS, 2002)

O corpo humano perde água através de quatro meios básicos: na urina, nas fezes, durante a expiração, e através da transpiração. Em condições normais, não extenuantes a maior parte da água é descarregada a partir do corpo através da micção. Apesar de não ser totalmente precisos, de uma forma básica em que uma pessoa pode monitorar seu próprio nível de hidratação é observar as características de sua urina. Um corpo bem hidratado apresenta a urina com cor clara, com pouco ou nenhum odor, e em um volume razoável. Urina, que é escura (tipicamente amarela), tem um odor forte, em pouco volume é indicativo de desidratação cujo corpo precisa de reposição de fluidos. Da mesma forma, muito freqüentes de grandes volumes de urina clara pode indicar um corpo que é mais hidratada. (CARVALHO; MARA, 2010)

Durante os períodos de trabalho intensos ou quando expostos a altas temperaturas ambientais, a maior parte da água perdida do corpo é em decorrência da transpiração. Transpiração ocorre como resultado do corpo em manter a regulação da temperatura corporal constante através do arrefecimento que ocorre da evaporação da transpiração. A quantidade de suor produzido vai variar de pessoa para pessoa, dependendo de alguns fatores:

• O nível de aptidão física;

• O nível de esforço físico que o indivíduo está realizando;

• A temperatura ambiente que a pessoa está atuando, e

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• O tipo de roupas e equipamentos de proteção que está sendo usado.

3.4 O Ambiente de Atuação dos Bombeiros

O estudo do ambiente de trabalho dos bombeiros e a difusão de conhecimentos sobre os efeitos da exposição a condições extremas de temperatura sobre o corpo humano é o primeiro passo para o desenvolvimento de melhores práticas de trabalho e adoção de estratégias para prevenção de doenças e lesões relacionadas a essas variáveis. (FA 314, 2008)

Bombeiros estão expostos a diferentes níveis de calor em dois contextos básicos: as condições ambientais e a exposição ao fogo (FA-314, 2008)

Bombeiros enfrentam exposições particularmente severas durante a queima de combustíveis líquidos e em incêndios com produtos químicos que podem atingir temperaturas ambientais superiores a 1000° C e radiação térmica de 5,0 watts/cm2. (DINIZ FILHO, 2011).

Definir o ambiente de atuação dos bombeiros é um primeiro passo importante no desenvolvimento de práticas de trabalho e estratégias eficazes para protegê-los de doenças relacionadas ao estresse e lesões relacionadas pelo calor.

Os Bombeiros durante as atividades de combate a incêndio estão expostos a níveis variáveis ​​de calor em dois contextos básicos: condições ambientais e condições de exposição ao fogo. Compreender o papel e o impacto de ambas as situações é importante.


4. A Hidratação Recomendada

Ainda que adequadamente pré-hidratados antes da emergência, será sempre necessário que os bombeiros façam a reposição dos líquidos perdidos na ocorrência durante e após o atendimento.

Eventos com duração entre uma e três horas são realizados geralmente entre 60 e 90% do consumo máximo de oxigênio, devendo ocorrer reposição hídrica e do substrato energético. Nesses casos, a reposição de sódio é indicada para melhorar a palatabilidade e aumentar a absorção de glicose, mas não com a preocupação de evitar a hiponatremia. Em eventos de mais de três horas de duração, como ultramaratonas e triatlo Ironman, a intensidade de esforço situa-se entre 30 e 70% do consumo máximo de oxigênio e, além da reposição hídrica e do substrato energético, há necessidade do fornecimento de eletrólitos ao atleta, principalmente o sódio. (CARVALHO; MARA, 2010)

Estudos científicos realizados pelo Orange County Fire Authority (OCFA) monitoraram o estado de hidratação de 101 bombeiros após 30 min de trabalho de combate a incêndio simulado numa torre de exercícios. Ao final do exercício os resultados apontavam que todos os bombeiros perderam ao menos 1% de seu peso corporal em líquidos e 59% perderam mais de 2%. (ESPINOZA; CONTRERAS, 2007).


5. Conclusão

A presente pesquisa teve como objetivo definir que o uso do equipamento de proteção individual para os bombeiros durante o atendimento das ocorrências de incêndio visando medidas que possam atenuar os efeitos do calor e do desgaste físico em busca da proteção e recuperação.

Os efeitos do calor sobre os bombeiros é um risco, dentre os diversos a que estão expostos durante as emergências, que causam efeitos severos sobre o organismo, comprometendo-os fisiologicamente, chegando a limites da depleção das reservas energéticas e hídrica, deixando-os em condição de risco de morte.

Outra questão bastante relevante é que os bombeiros atuam nas ocorrências de combate a incêndio com sobrecarga de aproximadamente 27 kg, por conta do EPI e do EPR, isso fora os esforços para transportar diversos materiais: mangueiras pressurizadas, ferramentas para arrombamentos, moto-geradores e outros. Soma-se a todo esse cenário as ações durante o atendimento da ocorrência: deslocamentos, subida de escadas, transporte de vitimas, remoção de escombros e as ações de rescaldo, são alguns exemplos.

Segundo a ciência da Fisiologia Esportiva um bom nível de condicionamento físico aliado a um processo de aclimatação rigoroso são medidas que amenizam os efeitos deletérios da exposição e realização de esforços em ambiente quente.

Considerando os altos índices de desgaste físico, da depleção dos níveis de glicogênio muscular, a intensa perda hídrica e de eletrólitos, decorrente das atividades de combate a incêndio. Ações de reposição de fluidos e nutrientes são medidas bastante eficazes para a recuperação dos bombeiros.

Durante o dia os bombeiros devem se manter bem nutridos e hidratados, pois as emergências podem acontecer a qualquer momento.

Durante o atendimento das ocorrências de incêndio nas pausas para a troca de cilindros de ar do EPR deve-se oferecer aos bombeiros água, soluções glicoeletrolíticas para reposição hídrica e de sais. Tal medida visa reidratar e repor os eletrólitos depletados durante o esforço. O cilindro de ar do EPR pode ser consumido pelo bombeiro com tempo médio de 30 minutos e para a troca o bombeiro deve ter um tempo para descanso, reidratação e reposição de sais de aproximadamente 10 minutos, seria aconselhável nesse momento afrouxar o EPI visando o resfriamento auxiliando na termorregulação.

A hidratação é uma medida que é essencial para a manutenção do equilíbrio hídrico e da temperatura corporal em todas as circunstâncias. Manter os bombeiros hidratados antes, durante e após o atendimento das ocorrências de incêndio faz com que se mantenham em condições ótimas para o bom desempenho de suas missões. Estudos relatam que indivíduos bem treinados em atividades intensas e bombeiros em treinamentos chegam a perder de 2 (dois) a 3 (três) litros de suor por hora.

Sobre a autora
Nilson Kuratomi da Silva

Engenheiro Civil, graduado pela Universidade Guarulhos-UnG em 2011. Aluno do Curso de Especialização em Engenharia de Segurança e medicina do Trabalho pela Universidade Guarulhos-UnG-2015.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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