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Organização sindical brasileira

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01/03/2003 às 00:00
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5. Autonomia Sindical perante o Estado – Alterações decorrentes da Constituição Brasileira de 1988 [20]

Desde 1931 a organização sindical brasileira sofreu o forte impacto do dirigismo estatal. Esses aspectos vinculavam e subordinavam o sindicalismo ao Estado, como discutido no item 1. Neste período, havia necessidade para a criação de sindicatos de reconhecimento do Ministério do Trabalho, as categorias profissionais e econômicas foram organizadas pelo Estado por meio do "enquadramento sindical", as entidades sindicais sujeitaram-se à intervenção em sua adminsitração, incluídoo afastamento dos dirigentes da entidade, as confederações expunham-se à cassação por decreto do Presidente da República, os órgãos internos e as eleições sindicais submeteram-se a minuciosa legislação, as funções dos sindicatos, por princípio constitucional, foram as delegadas pelo Poder Público, e assim por diante. Esses dados são suficientes para resumir o grau de dependência das organizações sindicais ao Estado e as características do modelo, nada tendo de autônomo ou de espontâneo.

Com a Constiituição de 1988 avanços se fizeram notar no sentido da garantia de direitos sindicais coletivos aproximados dos padrões de liberdade sindical estabelecidos no âmbito internacional e no direito comparado, mas não deizando de significar uma abertura que favoreceu o movimento sindical e que modificou o sentido da legislação brasileira, até 1988 repressiva, daí por diante autorizante da liberdade sindical.

5.1. Princípios Constitucionais (1988) que consagram a autonomia sindical brasileira

Há cinco princípios constitucionais que consubstanciam o modelo autônomo estabelecido pela Constituição de 1988, no seu art. 8º.

1º) A Constituição ao declarar que "é livre a associação profissional ou sindical" a faz sem restrições, contrário ao que vinha disposto nas Constituições anteriores. As restrições foram substituídas por regras de autonomia.

2º) Ao proclamar (art. 8º, I) que é "vedada ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical", fica rejeitada a possibilidade de ação direta do Ministério do Trabalho sobre a gestão dos sindicatos. O Estado também não poderá interferir nos atos internos do sindicato, como as eleições sindicais, os órgãos do sindicato, a representação sindical, vedados os recursos para o Ministério do Trabalho contra decisões das assembléias sindicais. As deliberações dos órgãos do sindicato, não sendo mais passíveis de interferência estatal, estendendo-se como tal ao Poder Executivo, prestam-se apenas a discussão na via judicial. As atividades da Comissão de Enquadramento Sindical do Ministério do Trabalho ficaram bastante afetadas, sabendo-se que, mediante resoluções, essa comissão delibera sobre assuntos inerentes ao enquadramento sindical oficial.

3º) Ao dispor que "a lei não poderá exigira autorização do Estado para a fundação de sindicatos, ressalvando o registro no órgão competente" (art. 8º, I), vislumbrou-se o Princípio da auto-organização sindical. Atinge a carta de reconhecimento, documento concessivo da personalidade jurídica dos sindicatos, concedidos pelo Ministério do Trabalho. A criação dos sindicatos é um ato que não depende de aprovação do governo. O registro não tem natureza atributiva, mas simplesmente declaratória da existência do sindicato, é meramente para fins cadastrais e não para fins constitutivos. Nasce o sindicato com a aprovação dos estatutos, pela assembléia que o constituiu, seguida do seu depósito.

4º) Ao declarar que "é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da sua candidatura a cargo de direção ou representação sindical, e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato salvo se cometer falta grave nos termos da lei" (art. 8º, VIII). É a tutela da atividade sindical com a proteção dos dirigentes sindicais sob a forma de estabilidade no emprego.

5º) Ao estabelecer que não cabe mais ao Ministério do Trabalho fixar a base territorial do sindicato. Esta "será definida pelos trabalhadores ou empregados interessados, não podendo ser inferior à área de um município". (art. 8º, II). Como se vê, trata-se de modificação destinada a produzir amplos reflexos, ainda não perfeitamente identificados em toda a sua extensão, sabendo-se que suas implicações são diretas sobre o problema da ampliação ou restrição das bases territoriais, fonte de inesgotáveis conflitos de interesses, já no sistema corporativo.

Tal regra, proclamando que o município é a menor unidade ou base territorial, excluiu a possibilidade de sindicatos que atuem em áreas menores, como os de distrito ou de empresa. A menor base territorial permitida pela Constituição é a municipal.


6. Autonomia Administrativa dos Sindicatos

6.1. Administração desvinculada do Estado

A Constituição de 1988, no art. 8º, I, dispõe que é vedada ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical, acolhendo o princípio da liberdade de administração sindical, coerente com as diretrizes da Convenção n. 87, da OIT.

A lei constitucional proíbe a interferência do Estado na organização sindical como um todo, com o que a mesma atitude deve prevalecer em relação a cada uma das partes do todo. Com isso, há impactos sobre diversos aspectos, a saber:

1º) Houve a transferência da lei para os estatutos das organizações sindicais de diversas matérias que recebiam tratamento legal. É o caso do órgãos dos sindicatos, pela Consolidação das Leis do Trabalho (art. 522), diretoria, assembléia e conselho fiscal. Se ao Estado é vedado interferir na organização sindical, não cabe mais a ele (a lei) indicar os órgãos integrantes da estrutura administrativa do sindicato. Cada sindicato deve estruturar-se de acordo com as regras fixadas pelo respectivo estatuto, aprovadas pela assembléia sindical, com a criação do organograma administrativo interno aptos ao atendimento das suas necessidades, como ocorre com uma entidade privada.

2º) O número de membros da diretoria pela CLT (art. 522, § 1º) de, no máximo, sete e, no mínimo, três membros, será não mais aquele que a lei estabelecer, mas o que os estatutos dispuserem permanecendo no entanto esse número até que venha a ser modificado por lei, uma vez que se reflete sobre a estabilidade no emprego.

3º) O quorum para as assembléias sindicais deve ser também o indicado pelos estatutos, salvo nos assuntos em que estiver em jogo não apenas o interesse da categoria, mas o da sociedade também. As decisões das assembléias sindicais, no regime anterior passíveis de recurso administrativo para o Ministério do Trabalho, não mais estarão submetidas a esse tipo de controle. Submetem-se apenas à apreciação judicial.

4º) As eleições sindicais, assegurado o voto dos aposentados, são regidas pelas normas internas aprovadas pelo sindicato e não mais por meio de leis ou de portarias do Ministério do Trabalho, abrangendo inelegibilidades, quorum para votação, atos preparatórios, inscrição de chapas, editais, mesas coletoras e receptoras, votação e apuração, etc. Não mais se justifica a presença do membro da procuradoria da Justiça do Trabalho nas eleições sindicais. A mesma autonomia entende-se às federações e confederações, uma vez que a proibição de interferência prevista pela Constituição, exerce-se não apenas sobre os sindicatos, mas sobre toda a organização sindical. Se medidas tiverem que ser tomadas pelo Poder Público ou por terceiros contra as entidades sindicais diante de irregularidades ou abusos, a via adequada é a judicial.

O exercício de atividades econômicas pelos sindicatos não pode mais sofrer a proibição que resulta do art. 564 da CLT. A necessidade de autorização do Presidente da República (CLT, art. 565) para filiação a entidades sindicais também contraria a nova Constituição.

6.2. Funções do sindicato

A primeira função, a negocial, caracteriza-se pelo poder conferido aos sindicatos para ajustar convenções coletivas de trabalho nas quais serão fixadas regras a serem aplicáveis nos contratos individuais de trabalho dos empregados pertencentes à esfera de representação do sindicato pactuante. Torna-se assim um direito do trabalho paralegal para complementar as normas fundamentais fixadas pelo Estado através das leis e para cobrir as lacunas ou dispor de forma favorável ao trabalhador, acima das vantagens que o Estado fixa como mínimas. No Brasil, a Constituição Federal (art. 7º, XXVI) reconhece as convenções coletivas de trabalho, e a CLT (art. 611) as define e obriga a negociação (art. 616).

A segunda função, a assistencial, é a contribuição conferida pela lei ou pelos estatutos aos sindicatos para prestar serviços aos seus representados, contribuindo para o desenvolvimento integral do ser humano. Há quem sustenta ser desvirtuamento das funções principais do sindicato o alargamento dessas contribuições. A CLT determina ao sindicato diversas atividades assistenciais, como educação (art. 514, parágrafo único), saúde (art. 592), lazer (art.592), fundação de cooperativas (art. 514, parágrafo único), etc.

Enoque Ribeiro dos Santos afirma com propriedade: "nunca devemos esquecer que cabe aos sindicatos uma função assistencial, vital a desempenhar na sociedade multifacetária nos dias de hoje, com todas as suas contradições e antagonismos, ou seja, dar uma contribuição decisiva para a justiça social e na medida do possível, servir como um instrumento de equalização de oportunidades para os trabalhadores, através de uma participação junto ao Estado na formulação de suas políticas macroeconômicas". [21] O autor não só salienta a importância da função assistencial do sindicato, como apresenta a terceira função: de colaboração com o Estado. Segundo esta, o sindicato deve cooperar para a solução de problemas que se relacionem com a categoria (CLT, art, 513, d), e no desenvolvimento da solidariedade social (CLT, art. 514, a). Essa função se mantém e não é incompatível com a autonomia sindical assegurada pela CF de 1988, art. 8º, I.

A quarta, a função de arrecadação, consiste na imposição de contribuições a serem pagas aos sindicatos, que devem ser aprovadas pela assembléia e fixadas por lei (CF, art. 8º, IV). São as mensalidades sindicais e descontos assistenciais, fixados nos estatutos, em convenções coletivas ou sentenças normativas. Delas resultam a receita sindical.

A última função, de representação, perante as autoridades administrativas e judiciais dos interesses coletivos da categoria ou individuais de seus integrantes, o que leva à atuação do sindicato como parte dos processos judicias e dissídios coletivos destinados a resolver os conflitos jurídicos ou de interesses, e nos individuais de pessoas que fazem parte da categoria, exercendo substituição processual, caso em que agirá em nome próprio em defesa de direito alheio, ou representante processual, caso em que agirá em nome do representado e na defesa do interesse deste.

6.3. Receita do sindicato

6.3.1. Contribuição sindical

A contribuição sindical é a principal receita do sindicato no Brasil. É compulsória e possui natureza parafiscal. Na doutrina, predomina, atualmente, o entendimento que, a contribuição sindical imposta compulsoriamente fere a liberdade sindical, que é um tributo de característica corporativista e que sobrevive em pouquíssimos países. Ressalta a doutrina que o suporte financeiro dos sindicatos deve ser sempre voluntário. A contribuição sindical destina-se ao custeio do sistema confederativo conforme o art. 8º, IV, da CF.

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O art. 592 da CLT aponta a contribuição sindical como fonte de receita com características e destinação próprias, sublinhando-se dentre as finalidades, a aplicação em atividades assistenciais e administrativas, sob supervisão do Ministério do Trabalho. A contribuição sindical está sujeita a minuciosa disciplina legal (CLT, arts. 578 a 610), que compreende as pessoas que estão obrigadas ao pagamento; a base de incidência; os critérios fixados para o recolhimento; a distribuição dos percentuais correspondentes às confederações, federações, sindicatos e Ministério do Trabalho, repassada para o custeio do seguro-desemprego, etc.

Compete ao sindicato promover diretamente as medidas necessárias para a cobrança, indicadas claramente pelo art. 606 da CLT.

6.3.2. Mensalidade dos sócios

A segunda fonte de receita dos sindicatos é a mensalidade paga pelos sócios, conforme disposições do estatuto de cada entidade.

Tornou-se costumeira a cobrança de mensalidade dos associados. Desse modo, o sócio desse sindicato, além de contribuir como membro da categoria, paga também a quantia que o sindicato estipular a título de contribuição estatutária.

6.3.3. Desconto ou taxa assistencial

A terceira fonte de receita dos sindicatos é o desconto ou taxa assistencial. Trata-se de uma quantia que é fixada por ocasião da vigência de uma convenção coletiva de trabalho ou sentença normativa da categoria, em decorrência das vantagens, especialmente salariais, obtidas pelo sindicato por meio destes instrumentos. Não há fundamento legal expresso para esse pagamento. Portanto, baseia-se nas referidas normas coletivas, cujos efeitos são normativos.

Como medida de segurança, garantia jurídica fundamental do salário dos trabalhadores, a lei consagra, como princípio geral, sujeito apenas às exceções que a própria legislação estabelece, a integralidade dos salários, que é a impossibilidade dos descontos.

Com efeito, declara o caput do art. 42 da CLT: "ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo". As garantias salariais são as mais relevantes do direito do trabalho, diante da natureza alimentar da remuneração, mas justificáveis na medida em que a inflação vier a atingir.

6.4. Assembléias sindicais e estatutos

As assembléias sindicais são dentre as manifestações do sindicato, a que maior importância têm, como fonte maior do poder de decisão do sindicato na representação da categoria.

Há necessidade de assembléias ordinárias e de outras para fins específicos, os mais variados, como para convenções coletivas de trabalho, declaração de greve, instauração de dissídio coletivo, etc.

Observe-se que não há uniformidade de critérios da lei quanto às pessoas com capacidade para votar nas assembléias sindicais. A regra geral é a da capacidade de votar atribuída apenas aos associados do sindicato. Assim, não são os membros da categoria, mas somente os sócios do sindicato, dentre os membros da categoria, que podem votar.

Todavia, a regra acima comporta exceções. Nas assembléias para votar acordos coletivos, que são ajustes entre o sindicato e uma ou mais empresas, os votantes serão os interessados (CLT, art. 162, in fine). Não esclarece a lei o que quer dizer com a palavra interessado, mas como o acordo coletivo só interessa aos empregados da empresa com a qual será pactuado, e não a todos os membros da categoria, é possível interpretar que interessados serão exatamente esses trabalhadores, associados ou não do sindicato. Somente para deliberar sobre convenções coletivas, que são acordos intersindicais, que têm eficácia sobre toda a categoria, é que a CLT exige a qualidade de sócio do sindicato como condição de capacidade eleitoral para votar.

A capacidade de votar, como também de ser votado, é a grande diferença entre o sócio e o não sócio do sindicato, atribuída àquele e não deferida a este. A autonomia de administração não impede que, por disposição estatutária, o sindicato fixe parâmetros próprios sobre as votações para as suas deliberações. Assim também para as eleições sindicais.

Nas assembléias para autorizar a diretoria a propor dissídio coletivo na justiça do trabalho, votarão os associados interessados (CLT, art. 859). A lei não esclarece o que quer dizer com essa expressão. Se usa três expressões diferentes para cada tipo de assembléia, associados, interessados e associados interessados, é claro que não terão o mesmo sentido.

Assim, "associado é o sócio do sindicato, interessado é o não sócio, mas que tem interesse jurídico no acordo a ser ajustado, porque é empregado da empresa com a qual o acordo será feito, e associado interessado é, para assembléias que autorizem dissídios coletivos intercategoriais, isto é, entre sindicato de empregados e sindicato de empregadores, somente o sócio do sindicato e para dissídios coletivos contra empresas é o associado empregado da empresa contra a qual o dissídio coletivo será instaurado". [22]

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Sobre o autor
Rodrigo Alves da Silva

mestre e doutor em Direito. É pesquisador e parecerista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Advogado,regularmente inscrito na OAB/SP (204.358), docente da Escola Superior de Advocacia (ESA) e Professor Universitário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Rodrigo Alves. Organização sindical brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3829. Acesso em: 24 abr. 2024.

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