A sociedade muda a cada dia um pouco, em todas as relações cotidianas, os contratos se tornam cada vez mais informais, as relações familiares se desfazem cada vez mais cedo, e em meio a isso tudo, encontramos crianças envolvidas em conflitos que nada tem a ver efetivamente com elas.
Deparamos-nos com relações que não possuem base para a constituição familiar, mas acaba por se tornar uma entidade familiar, pela geração de um filho, na maior parte das vezes uma gravidez “inesperada”.
Mas não é apenas nestas relações de certa forma passageiras que nos deparamos com esse problema, em casais que há anos dividem um lar, projetaram a constituição de uma entidade familiar, programaram filhos, chega um momento em que não se entendem mais, até aí, o direito entra apenas com a parte de divórcio, partilha de bens, regulamentação de guarda dos filhos e pensão alimentícia.
Ocorre que, quando temos o desfazimento do enlace matrimonial ou do simples relacionamento, em diversos casos, o problema não se encerra com o fim do relacionamento. Os problemas se propagam no tempo, e afetam o que os une, os filhos.
A extinção da relação entre os pais da(s) criança(s) traz sentimentos de abandono, de rejeição, e de traição, e gera em um dos parceiros o desejo de afastar o outro genitor dos filhos.
Com isso, temos nos deparado com um fenômeno denominado a Síndrome da Alienação Parental, que leciona Caroline de Cássia Francisco Buosi:
“A partir do momento que um dos pais, por um problema pessoal com o ex-cônjuge, utiliza-se de seu filho como uma forma para causar-lhe sofrimento e afastar da criança um dos genitores que também o ama, causa consequências gravíssimas no desenvolvimento desta e do ex-parceiro afastado. O Estatuto da Criança e do Adolescente, mediante os arts. 3º, 4º e 130, determina que o menor não pode ser submetido a qualquer tipo de tortura, seja física ou psicológica, por quem quer que seja, mormente por aqueles que tem o dever de protegê-lo.
Não raro, porém, inicia-se um jogo de manipulações e retaliações capazes de implantar falsas memórias nas crianças, a ponto de o ex-cônjuge ser acusado de várias formas de abuso, inclusive sexual, e deter da criança raiva e hostilidade aparente, até mesmo se negando a vê-lo.
Nesse processo de manipulação das crianças, a imagem do ex-parceiro passa a ser destruída e desmoralizada perante o filho, que é utilizado como instrumento da raiva e agressividade para com o pai. A criança passa a odiá-lo e acreditar que ele lhe faz mal e não o ama, querendo ao longo do tempo cada vez mais afastar-se do genitor.”[1]
Diante do acontecimento dos fatos expostos acima, a criança passa a ter atitudes agressivas com relação ao genitor alienado, lembra de coisas que não ocorreram, e passa a reproduzir falas que não pertencem a ela, e sim ao cônjuge alienador.
É neste ponto que o direito precisa agir, ou melhor, precisa impedir que isso ocorra.
Não basta aqui, falarmos da crise do Poder Judiciário, posto que na sala de audiência ou nas folhas dos autos, se resolve uma lide, mas não se resolve o conflito puramente dito.
O conflito nunca é verdadeiramente exposto no âmbito processual, na lide revelam-se apenas os aspectos materiais e processuais que podem ser julgados e decididos por um terceiro, imparcial e estranho à relação.
Nesse âmbito, trazemos a proposta da mediação familiar, vez que a mediação, vem sendo tratada pelo Judiciário brasileiro como um meio alternativo de resolução de conflito. O próprio título já diz: resolução de conflitos, pois resolver a lide, não soluciona os problemas quando estamos falando de uma relação que se propagará no tempo, por toda uma vida, que unirá sempre as partes independentemente de suas vontades.
Quando o conflito envolve o direito de família, não podemos nos ater à sentença ou ao acórdão. Sim, eles definem a pensão, determinam a guarda, partilham os bens e decretam o divórcio, mas e as brigas que permanecem por um cônjuge não querer que outro reestabeleça sua vida amorosa, e leve o filho para passear ou conviver com seu novo(a) parceiro(a). E quando começa o fenômeno da Síndrome da Alienação Parental? Não há dúvidas de que o Poder Judiciário age com as “armas” que tem, que o juiz proíba o alienador de manter aquelas condutas, mas isso não é garantia do bem-estar do menor, o que deve sempre estar em primeiro lugar na vida dos genitores, e não a disputa para decidir quem é o genitor preferido da criança.
Pensemos então, e se a mediação familiar ocorresse no momento em que os pais estão se separando, em que decidem que o relacionamento não tem mais futuro como casal, mas que devem permanecer para sempre unidos pelo bem estar de um ser humano que depende deles, que o enlace sempre existirá, que seja portanto, da forma mais saudável possível, ou da menos prejudicial à criança.
A mediação em si, é um meio que deveria ser conhecido como meio adequado de conflitos, posto que há um terceiro imparcial, como o juiz, mas que não impõe nenhuma decisão às partes, de forma neutra ele tenta auxiliar às partes a concluir qual a melhor solução para todos aqueles conflitos.
O mediador poderá falar com as partes de forma conjunta ou até mesmo separadamente no intuito de identificar as questões a serem debatidas para uma melhor solução.
O Poder Judiciário vem reconhecendo a necessidade da inclusão de novas formas de resolução dos conflitos, e o Poder Legislativo dá alguns passos nesta mesma direção. No novo Código de Processo Civil há previsão no que tange a necessidade de tentativa de conciliação nos casos por profissionais treinados para isto, há no Congresso Nacional um projeto de lei em votação (PL 7169/2014), e como estes outros avanços, inclusive por parte da sociedade, para solução mais rápida e mais eficaz dos problemas cotidianos.
Por último, trago como exemplo o Instituto Português de Mediação Familiar[2], trata-se de uma organização voltada especificamente para o assunto abordado neste artigo, tamanha a importância de cuidarmos das nossas crianças, e este órgão alerta para as consequências trazidas pela Síndrome da Alienação Parental:
“Os efeitos nas crianças vitimas da Síndrome de Alienação Parental podem ser vários, desde depressão crónica, incapacidade de adaptação a ambientes psico-sociais normais, transtornos de identidade e de imagem, sentimento incontrolável de culpa, isolamento, desespero, insucesso escolar, falta de organização, gravidez precoce, comportamento anti-social, dupla personalidade, até suicídio em casos extremos.”
Devemos, portanto, estar atentos aos pais e aos filhos, suas reações e atitudes em um processo de separação, pois tudo isso, pode afetar o seu desenvolvimento como cidadão, e como ser humano.
[1] BUOSI, Caroline de Cássia Francisco. Alienação parental: uma interface do direito e da psicologia. Curitiba: Juruá, 2012.
[2] http://www.ipmediacaofamiliar.org/MEDIACAO.html
[3] SERPA, Maria de Nazareth. Mediação de Família. Belo Horizonte: Del Rey. 1998.