Intimidade e privacidade sob a ótica do Direito Brasileiro

20/04/2015 às 14:59
Leia nesta página:

A obra faz um estudo sobre o direito à privacidade e à intimidade no Brasil, abordando a forma adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro e os seus significados, além de fazer um estudo histórico sobre o tema.

A Privacidade é um direito fundamental dos cidadãos e, portanto, deve ter um grande respaldo do governo para que ela não seja violada a todo instante. Isso é possível, porém, desde o advento da internet e das chamadas redes sociais, a privacidade de cada um tem ficado cada vez mais exposta e há cada vez mais meios de divulgar informações sobre a vida privada de cada um sem que haja qualquer consequência. Antes de criarmos mecanismos para conter as violações da privacidade, é necessário sabermos o real conceito para o legislador brasileiro e de onde veio esse conceito.


A Privacidade no Brasil

O conceito de privacidade divide opiniões ao longo do tempo e é confundido por muitos autores com o conceito de intimidade, onde alguns, inclusive, conceituam ambos como se abordassem o mesmo assunto.

Ambos os conceitos se misturam e, mesmo que possam se confundir, em alguns casos fica clara a diferença que existe entre um e outro, principalmente em relação ao fato da intimidade pertencer ao círculo mais íntimo do cidadão do que a privacidade.

A Constituição Federal de 1988, em seu principal capítulo, refere-se à privacidade e à intimidade com as seguintes palavras: “ são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”... (art. 5º, item X). Da mesma forma, o artigo 21 do Código Civil qualifica como inviolável a vida privada da pessoa natural.1

Deste modo, percebemos que a nossa própria constituição separa os dois direitos como sendo distintos, não podendo, assim, serem confundidos e sim compreendidos de formas diferentes.

Apesar disso, nenhum diploma legal define exatamente o que é intimidade e o que é privacidade, sendo necessário analisar mais a fundo a questão.

Para começar essa diferenciação, faz-se necessário analisar o sentido etimológico das palavras intimidade e privacidade.

Intimidade, derivada do latim, intimus, um superlativo de in, “em, dentro”. Tem o sentido de interior, íntimo, do que está nas entranhas. Pode-se expor, desta forma, que intimidade tem um sentido subjetivo, pois traz consigo a ideia de confidencial. Já o conceito de privacidade é mais amplo que o de intimidade e acaba por significar aquilo que nos pertence e que decidimos compartilhar ou não. Do latim, privatus, significa privado, particular, próprio.2

Corrobora assim Felix Ruiz Alonso, para quem a intimidade refere-se ao âmbito interior da pessoa, aos seus pensamentos e desejos, sendo assim inacessível a terceiros. Para ele, a pessoa baseia sua vida relacionada à sua intimidade3.

Ainda sobre essa diferenciação entre as matérias, Plácido e Silva entende a intimidade como estando ligada ao íntimo da pessoa, como o caráter, as qualidades da pessoa. Está ligada ao que fica no interior da pessoa. Enquanto isso, a privacidade surge como um direito mais visível, sendo definido como o momento posterior a intimidade, tratando-se de atos exteriores à pessoa e não mais interiores, conforme na intimidade.4

Assim, entende-se que o direito à intimidade visa proteger o mais íntimo da pessoa, aquilo que não tem contato com o mundo exterior ou então não tem uma publicidade, ou seja, não é de conhecimento de ninguém além do próprio cidadão.

Por outro lado, a privacidade é classificada como sendo, em uma primeira ideia, “tudo o que não pertença ao âmbito da intimidade, mas que, por sua vez, não transparece à esfera pública.5

O direito à intimidade e à privacidade apresentam-se, assim, como o direito que gozam as pessoas a preservar o íntimo de suas vidas, seja na parte mais exclusiva dela, no caso a intimidade, como no âmbito de fatos que ocorrem com o conhecimento de pessoas íntimas (privacidade), dando para o próprio cidadão a decisão de quem pode ou não ter acesso a essa parte de suas vidas.

Os conceitos constitucionais de intimidade e vida privada apresentam grande interligação, podendo, porém, ser diferenciados por meio da menor amplitude do primeiro, que se encontra no âmbito de incidência do segundo.

Assim, intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo, etc.

Portanto, por mais que ambos os direitos estejam conexos, eles apresentam uma considerável diferença, definindo, inclusive, a área de atuação de cada um, como a intimidade no íntimo da pessoa e a vida privada nos demais campos de relacionamentos pessoais.


A Privacidade no mundo

O conceito de direito a privacidade decorre também de entendimentos internacionais, como nos Estados Unidos, que classificou o direito a privacidade como o direito de ser deixado em paz, conforme sustentou o juiz americano Cooly. “O right of privacy compreende, decidiu a Corte Suprema dos Estados Unidos, o direito de toda pessoa tomar sozinha as decisões na esfera de sua vida privada”.6

O chamado direito à privacidade no Brasil, tem como base doutrinas internacionais, que se pode perceber através desta pesquisa, onde diversos autores classificaram tal direito de formas diferentes, como no marco inicial da discussão à privacidade, constante na famosa obra de Samuel Warren e Louis Brandeis, The right of privacy 7 , quando privacy classificava-se apenas como um direito de defesa contra intromissões por parte dos meios de comunicação.

Ainda, no âmbito internacional, o direito à privacidade, conforme Garrido Gómez, consiste em: “(...) libertad de ejercer un derecho de control sobre los datos referidos a la persona, que hayan salido ya de la esfera própria para convertirse en elemento de un archivo electrónicoï”.8

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Historicamente, o direito à privacidade era tido como um direito do cidadão de não ter comunicação com os demais. Essa ideia era a muito presente nos anos de 1890, quando foi escrito o artigo right of privacy. Este foi o marco inicial da privacidade, que evoluiu até chegar ao conceito que temos hoje, de que é um direito fundamental para a realização da pessoa e do desenvolvimento de sua personalidade.

Essa evolução, conforme Ilton Norberto Robl Filho, fica evidenciada com a inclusão da privacidade em várias declarações internacionais de direito, como por exemplo, em 1948, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, passando pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, a qual dispõe, notadamente em seu artigo 12, que: “Ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Todo homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.9

Após isso, foi aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, além da Convenção Européia de Direitos do Homem, de 1950, e da Convenção Americana dos Direitos do Homem, conhecida também como “Carta de San José”, de 1969. Recentemente, foi contemplada na Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, em 2000, além, claro, de constar na Contituição Federal Brasileira de 1988, onde passou a ser vista como um conjunto de direitos fundamentais do homem, como intimidade, vida privada, honra, conforme se pode ver no Artigo 5º, inciso X.10

Portanto, conclui-se que privacidade é o modo como cada indivíduo escolhe viver sua vida. Consiste ainda na faculdade que cada pessoa tem de obstar a intromissão de estranhos na sua vida privada e familiar, assim como de decidir quem terá acesso as informações sobre a privacidade de cada um, e também quais dessas informações serão de conhecimento público e quais delas permanecerão no seu íntimo, ou seja, para si.


Notas

1 Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

2 https://www.diritto.it/archivio/1/21084.pdf

3 ALONSO, Felix Ruiz. Direito à privacidade. Porto Alegre: Síntese, 2004. p. 457

4 DE PLÁCIDO E SILVA, apud VIEIRA, 2002, op. cit. p. 25

5 ALONSO, Felix Ruiz. Direito à privacidade. Porto Alegre: Síntese, 2004. p. 457.

6 Disponível em: <https://www.dhnet.org.br/dados/cursos/dh/br/sc/scdh/parte2/xxx/12.html>

7 Disponível em: <https://groups.csail.mit.edu/mac/classes/6.805/articles/privacy/Privacy_brand_warr2.html >

8 GARRIDO GÓMEZ, María Isabel. Art. Cit., p. 82. “Liberdade de exercer um direito de controle sobre os dados pessoais de alguém, que já deixaram a esfera pessoal para se transformer em parte de um arquivo eletronico

9 ROBL FILHO, Ilton Norberto. Direito, Intimidade e Vida Privada - Paradoxos Jurídicos e Sociais na Sociedade Pós-Moralista e Hipermoderna. Curitiba – PR. Juruá. 2013

10 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado,1988.

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Sobre o autor
Raul Boaz

Graduado em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (2013). Pós-graduando lato sensu em Direito Penal e Política Criminal: sistema constitucional e direitos humanos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS; Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal. Membro da Associação dos Criminalistas do Estado do Rio Grande do Sul - ACRIERGS; Membro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas - ABRACRIM

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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