CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não basta criar leis que, na prática, tornam-se ociosas. É preciso fazer com que o comando insculpido na norma seja efetivado. As políticas públicas, calcadas em discursos políticos de pura retórica, não estão sendo capazes de fazer com que o direito fundamental à educação seja efetivamente implementado. Muito se fala, muito se escreve, mas pouco se faz. Seja com relação à falta de valorização dos profissionais da educação, seja na falta de eficácia das normas cogentes em relação ao poder público, aos educandos e aos responsáveis, que, escondendo-se atrás de inúmeras desculpas (ou que sejam até verdades) não participam efetivamente da vida escolar dos filhos e tudo fica por isso mesmo. É preciso que toda a sociedade, além dos órgãos governamentais de execução das políticas públicas, ponha em prática aquilo que Içame Tiba chama de “Educação a seis mãos” (TIBA, 2006, p. 151).
Não se trata aqui, quando se fala em punir o responsável, obviamente, de defesa da ideia de punição apenas pelo ato de punir, mas punir com o objetivo de educar. Os diplomas legais que cuidam do tema trazem em seu bojo algumas formas de punição para aqueles que destoam daquilo que deles se espera e deles se exige. Mas até mesmo aquela que seria a ultima ratio não tem força coercitiva suficiente para fazer com que se cumpram as obrigações. Nem mesmo as penas administrativas impostas pelo ECA, que são mais pesadas, dado seu caráter de efetivação, têm conseguido fazer com que os responsáveis cumpram sua obrigação.
Parece, grosso modo, que falar em pena de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês de detenção, ou multa, é uma afronta à inteligência da sociedade, pois é sabido que pena não superior a 2 (dois) anos não é aplicada, nos termos do artigo 77, do mesmo diploma legal – Código Penal brasileiro. Assim sendo, e em sendo somente esta a situação fática, ninguém será detido por abandono intelectual. Decorre daí – da certeza da impunidade – e até mesmo da falta de esclarecimento que permeia nossa sociedade, o desinteresse por parte da família em participar da vida escolar do filho. Na maioria das vezes nem sabe o nome do professor ou dos professores, não conhecem os gestores da escola etc.
O direito à educação, desde as primeiras constituições brasileiras, vem alicerçado, com maior ou menor força, dependendo do texto constitucional a que se refira, historicamente falando, na obrigatoriedade do oferecimento e na obrigatoriedade do exercício. Tal direito ganhou força com a entrada em vigor da Constituição de 1988 – Constituição Cidadã, por Ulysses Guimarães. Contudo, sem a efetiva participação da família na vida escolar do educando a efetivação desse direito está fadada à precariedade e ao insucesso. Neste sentido:
É antiga e indiscutível a imbricação das duas instituições na produção dos resultados escolares. Desde os famosos surveys dos anos 1960 e 1970 (INED/França, Coleman/EUA e Plowden/Inglaterra, entre outros), o reconhecimento das raízes sociais das desigualdades escolares levou os pesquisadores da educação a focalizarem o protagonismo das famílias nos processos de escolarização (...). (BRANDÃO, CANEDO e XAVIER, 2012, p. 199)
Segundo reportagem da revista Nova Escola Gestão Escolar
Um estudo realizado pelo Convênio Andrés Bello – acordo internacional que reúne 12 países das Américas – chamado A Eficácia Escolar Ibero-Americana, de 2006, estimou que o "efeito família" é responsável por 70% do sucesso escolar. "O envolvimento dos adultos com a Educação dá às crianças um suporte emocional e afetivo que se reflete no desempenho5.
Ainda, segundo a mesma Revista, há 13 ações que, implementadas, têm o condão de trazer a família para a escola. São elas: 1) Apresentar a escola e funcionários para a família; 2) Entrevistar os pais e os alunos; 3) Expor o currículo e os projetos; 4) Fazer uma reunião de pais focada no ensino; 5) Marcar encontros em horários convenientes aos pais; 6) Expor a produção dos alunos; 7) Informar a comunidade sobre o desempenho da escola; 8) Abrir uma Associação de Pais e Mestres; 9) Incentivar a participação no conselho escolar; 10) Emprestar o espaço para eventos da comunidade; 11) Criar uma escola de pais com palestras e debates; 12) Visitar as famílias em casa e; 13) Promover festas e comemorações.
Educação é direito de todos e obrigação do Estado e da Família. Todavia, em que pesem todos os textos legais sobre direitos e deveres, a sociedade hodierna não está conseguindo efetivar este direito conforme se preconiza. Hoje se impõe à família a obrigação de todos lutarem para o sustento de todos. Conforme já tido, isto tem trazido consequências maléficas à vida escolar de seus filhos. Mas esta é a realidade; não se pode ignorar: “A família constitui a unidade social cooperativa mais básica, em que mães e pais precisam trabalhar em conjunto para criar, socializar e educar os filhos” (FUKUYAMA, 2000, p.. 47).
Quanto aos entes públicos, percebe-se que os mandos e desmandos na esfera público-administrativa tem subjugado a educação a um plano qualquer. Muito se fala, muito pouco se faz. Na maioria das vezes, os recursos públicos mal chegam às escolas e, quando chegam, já não são mais suficientes a suprir a necessidade daqueles que lá estão, pois a maior parte se perdeu nos descaminhos de uma política nefasta. Mas há meios de solução, além daqueles indicados acima, cumpre à própria sociedade mudar esta realidade, começando por ir à escola e lá permanecer. É preciso, portanto, não ignorar o problema, mas desenvolver ações para resolvê-los e ativar, de forma solidária, a parceria sociedade-família-escola, iniciando-se, no âmbito da escola, pela elaboração de um Projeto Político Pedagógico democraticamente: “a seis mãos” (TIBA, 2006, p. 151); e, tendo como base de tudo, o diálogo constante entre a família e a escola, pois “Família e escola compartilham a responsabilidade pela educação das crianças, porém nem sempre se percebem como parceiras nessa relação (...)” (BRANDÃO, CANEDO e XAVIER, 2012, p. 210). Ouso, portanto, dizer que o processo deve ser construído a oito mãos: estado-sociedade-família-escola.
REFERÊNCIAS
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CURY, Carlos Roberto Jamil, FERREIRA, Luiz Antônio Miguel. Obrigatoriedade da Educação das crianças e adolescentes: uma questão de oferta ou efetivo atendimento? Nuances: estudos sobre Educação. Ano XVII, v. 17, n. 18, p. 124-145, jan./dez. 2010
CORDEIRO, Carlos, GALINDO, Paulo. Direito Constitucional – Manual Objetivo para Concursos Públicos. 1ª. edição, Recife, Editora AudioJus, 2007.
DUARTE, Clarice Seixas. Direito Público Subjetivo e Políticas Educacionais, 182, 113-118, Revista São Paulo em perspectiva, Fundação Sead, 2004.
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GOMES, Luiz Flávio. Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação penal e processual penal e Constituição Federal. Organização Luiz Flávio Gomes. 11ª. ed., São Paulo, LTR, 2009.
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SARAIVA, Lisiane Alvim, WAGNER, Adriana. A relação família-escola sob a ótica de professores e pais de crianças que frequentam o ensino fundamental. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.21, n. 81, p. 739-772, out./dez. 2013.
SARMENTO, George. Direitos Humanos. Liberdades Públicas, Ações Constitucionais e Recepção dos Tratados Internacionais. 1ª. ed., São Paulo, Ed. Saraiva, 2012.
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TIBA, Içami. Ensinar aprendendo: novos paradigmas na educação. 18º. Ed., São Paulo, Integrare Editora, 2006.
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Notas
1 “Direitos Humanos = Conjunto de poderes ou pretensões pertinentes a uma pessoa ou a um grupo de pessoas pelo simples fato de sua humanidade” (BECHARA, 2011, p. 528)
2 “Subjetivo = que se refere ao sujeito; adj. 1: que pertence à mente e não às experiências externas; adj. 2: Que é inteiramente pessoal, particular. (BECHARA, 2011, p.1.064)
3 Conceito disponível em https://www.jurisway.org.br/v2/pergunta.asp?idmodelo=6334. Acesso 14 fev. 2015.
4 Conceito disponível em https://www.infoescola.com/direito/direito-subjetivo/. Acesso 14 fev. 2015.
5 Reportagem de Gustavo Heidrich. Disponível em <https://gestaoescolar.abril.com.br/comunidade/escola-familia-493363.shtml>. Acesso 6 fev. 2015.