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Direito Constitucional Militar

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01/03/2003 às 00:00
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VIII - Princípios constitucionais.

Um "princípio" nada mais é do que uma diretiva que se põe acima de qualquer outra consideração, até mesmo de ordem legal, como norma de procedimento para que se chegue a um fim útil.

O princípio é assim e em certa medida a "lex legum" [10], posto que acima de tudo e, antes mesmo do que tenha sido normatizado, em perfeita harmonia com o que natural e lógico, indica o caminho a seguir-se.

Podemos tomar como "princípio constitucional" toda aquela regra expressa na Constituição ou que decorre implicitamente da natureza do regime por ela adotado.


IX - Princípios constitucionais militares.

Tendo o legislador constituinte versado de forma caudalosa da matéria militar, como já demonstrado, resulta que inscreveu no texto da Constituição princípios constitucionais de índole militar, como segue:

9.1 Princípio da hierarquia e da disciplina

A hierarquia e a disciplina não são princípios exclusivos das forças militares, mas por certo é nesta seara que tais princípios são petencializados numa acepção muito peculiar.

Tais princípios constitucionais militares são referidos nos artigos 42 e 142 da Constituição Federal, estando a demonstrar que os valores da hierarquia e disciplina são a base institucional das forças militares.

A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos ou graduações; dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela antigüidade no posto ou na graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à seqüência de autoridade. [11]

Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo. [12]

Segundo Maurice de Saxe [13]: "Après avoir rassemblé des troupes, la première des préoccupations qui surgit est la discipline. Elle est l´âme des armées. Si elle n´est pas implantée avec sagesse et maintenue avec la plus ferme rigueur, vous n´obtiendrez pas des soldats. Les régiments et les armées ne constitueront seulement qu´une vile masse d´individus armés, plus dangereux pour leur propre pays que l´ennemi lui-même..."

A disciplina e o respeito à hierarquia devem ser mantidos em todas as circunstâncias da vida entre militares da ativa, da reserva remunerada e reformados. [14]

9.2 Princípio da desconcentração das Forças.

O caput do art. 142 da Constituição da República estabelece que as Forças Armadas são constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica.

Verifica-se que o legislador constituinte, empregando o critério de desconcentração por matéria, e, também atento à tradição militar do país, tendo em consideração a defesa marinha, terrestre e aérea, desconcentrou as Forças Armadas em três órgãos despersonalizados, centros de competência administrativa cuja missão é a defesa defesa da Pátria, a garantia dos poderes constitucionais e da lei e da ordem.

Assim, resta acertada a afirmação de que o princípio de organização administrativa militar de ordem constitucional, impõe a desconcentração da forças, solução adequada do ponto de vista de defesa e de proteção da Estado democrático de direito em face da hipertrofia dos meios militares à disposição de uma única Força, solução não desejada em face da necessidade de freios e comtrapesos no âmbito da defesa militar, mormente em tempo de paz.

9.3 Princípio da permanência e da regularidade das Forças

Mais do que centros de competência despersonalizados as Forças Armadas são "instituições nacionais", como expressa o caput do art. 142 da Constituição Federal.

Enquanto "instituições nacionais" as Forças Armadas se destacam do universo dos entes e órgãos públicos "transitórios", ou com possibilidade de desaparecimento pelo modo pelo qual se extingüem os entes e os órgão públicos da Administração direta ou indireta.

Ao afirmar que as Forças Armadas são "...instituições nacionais permanentes e regulares..." o legislador constituinte jungiu a sorte das Forças à própria sorte do Estado brasileiro, enquanto este subsistir, existirão as Forças Armadas, sem solução de continuidade em suas missões institucionais.

Embora não esteja expresso no parágrafo 4o do art. 60 da Constituição da República, entendemos ser insusceptível de apreciação proposta de emenda constitucional tendente a abolir as Forças Armadas, posto que o seu desaparecimento pode comprometer a um só tempo os institutos, instituições e valores ali prestigiados (a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais).

9.4 Princípio da subordinação das Forças

Segundo comando contido no caput do Art. 142 da Constituição da República, as Forças Armadas submetem-se à autoridade suprema do Presidente da República.

Como já dissertado, ao cuidar das atribuições do Presidente da República, o inciso XIII do art. 84 estabelece competir privativamente àquela autoridade exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos.

9.5 Princípio da destinação estrita

As Forças Armadas têm destinação traçada pelo legislador constituinte originário, nos termos do art. 142 da Constituição Federal, as Força se destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes (Executivo, Legislativo e Judiciário), da lei e da ordem.

Como instituições nacionais permanentes e regulares que são às Forças Armadas — nada obstante esteja submetidas ao princípio da subordinação já mencionado — não se pode impor destinação diversa daquela explicitada pela Lei Maior.

O princípio em comento funciona como garantia de que as Forças Armadas não serao empregadas para fins cincunstanciais, político-partidários ou pelas paixões de uma dado momento histórico-político.

9.6 Princípio da obrigatoriedade do serviço militar

O serviço militar é obrigatório nos termos do disposto no art. 143 da Constiuição da República.

Verifica-se pelo parágrafo primeiro do dispositivo mencionado que o legislador constituinte optou por um modelo de "obrigatoriedade temperada", posto que se prestigiou serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar.

Do mesmo modo, moderou-se a obrigatoriedade para as mulheres e os eclesiásticos que ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir.

9.7 Princípio da derrogação parcial das liberdades políticas e dos direitos fundamentais.

Mercê da índole das atribuições conferidas às Forças Militares no país, alguns direitos políticos e fundamentais foram negados aos servidores públicos militares.

Em verdade os servidores públicos militares experimentam em determinadas liberdades e direitos, verdadeira capitis diminutio, ora justificáveis pela natureza de sua destinação constitucional, ora absolutamente injustificáveis.

Neste termos o inciso LXI do art. 5º da Constituição da República permite a prisão dos militares fora do contexto do flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, gerando para os militares de carreira, mormente em período de paz contexto de insegurança jurídica absolutamente injustifiçavel.

No campo dos direitos políticos o parágrafo segundo do art. 14 da Constituição cuida da vedação do alistamento no período de serviço militar obrigatório.

O parágrafo segundo do art. 142 da Constituição da República veda a concessão de habeas-corpus em relação a punições disciplinares militares. Trata-se de mais uma capitis diminutio odiosa, posto que a hierarquia e disciplina militares não se confundem com fascismo.

Nada obsta que a hierarquia e a disciplina militares sejam preservadas dentro de um quadro de garantias. Despicienda, odiosa, e inócua é a vedação do habeas-corpus em sede de punições disciplinares militares.

O inciso IV do parágrafo terceiro do art. 142 da Constituição da República veda aos militares a sindicalização e a greve. Tais coarctações de liberdades justificam-se pela necessidade de manter-se as Forças Armadas imunes à captação de vontade classista, setorizada, politizada, deletéria da defesa dos valores maiores entregues à proteção dos militares.

Pelas mesmas razões expostas no parágrafo anterior, o inciso V do do parágrafo terceiro do art. 142 da Constituição estabelece que o militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos – justificável a vedação.


X – O caráter analítico da Constituição de 1988 como fator de desenvolvimento do "direito constitucional militar".

A Constituição da República em vigor é daquelas que podem ser classificadas como analíticas, em oposição às sintéticas. Analítica porque foi além do quadro de disposições típicas à matéria constitucional, quais sejam: regular as relações entre governantes e governados, traçar os limites dos poderes do Estado e declarar os direitos e garantias individuais. A Constituição de 1998 foi muito além, posto que disciplinou em seu bojo disposições que estariam melhor postas no plano infraconstitucional.

Ao fazer a opção pelo caráter analítico, o legislador constituinte originário deu ensanchas a um escalonamento de status das disposições contidas no texto constitucional, efeito não desejado e deletério ao princípio da supremacia da Constituição. Assim é que, no plano da realidade, há disposições do texto constitucional claramente "inconstitucionais" e, pior ainda, disposições do texto maior que — em linguagem coloquial — "não pegaram".

Ora, ao fugir do quadro mínimo desejável (regular as relações entre governantes e governados, traçar os limites dos poderes do Estado e declar os direitos e garantias individuais) a Constituição de 1998 impôs à doutrina o estudo das disciplinas jurídica incidentes sob direitos consagrados na Constituição, qualquer que seja a sua natureza do ponto de vista de classificação doutrinária, daí porque não ser impróprio o estudo do "direito constitucional militar".


XI – Conclusões

A matéria militar desde sempre esteve inscrita nas Constituições e Cartas políticas promulgadas ou outorgadas em nosso país.

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A Constituição da República em vigor em nosso país, editada em 1988, analítica que é, prestigiou em seu cerne vários sistemas de direito, alguns inclusive, exaustivamente detalhados, a exemplo do sistema tributário nacional, o sistema de segurança pública, o sistema administrativo, etc.

Ora, cada um destes sistemas nos permite dissertar sobre suas peculiaridades, donde falar-mos sobre um direito constitucional tributário, de um direito constitucional administrativo, de um direito constitucional penal e assim por diante.

Sendo assim, resulta acertada a solução de tratar-se de um "direito constitucional militar", posto que no bojo da Constituição da República em vigor existe um sistema de normas constitucionais cujo objeto é a disciplina militar em seus aspectos orgânico, funcional, institucional, etc.

A superabundância da matéria militar na Constituição em vigor está a indicar a necessidade de sistematização do tema dentro do quadro de princípios de hermenêutica constitucional, daí mais um fator de conveniência do estudo do "direito constitucional militar".

Tendo o legislador constituinte versado de forma caudalosa da matéria militar, como já demonstrado, resulta que inscreveu no texto da Constituição princípios constitucionais de índole militar.

Ora, ao fugir do quadro mínimo desejável (regular as relações entre governantes e governados, traçar os limites dos poderes do Estado e declarar os direitos e garantias individuais) a Constituição de 1998 impôs à doutrina o estudo das disciplinas jurídica incidentes sob direitos consagrados na Constituição, qualquer que seja a sua natureza do ponto de vista de classificação doutrinária, daí porque não ser impróprio o estudo do "direito constitucional militar".

Abre-se assim um novo enfoque para a exegese e aplicação do direito castrense.


Notas

01. FARHAT, Saïd. Dicionário parlamentar e político. São Paulo. Fundação Peirópolis.

02. FOILLARD, Philippe. Droit constitutionnel et institutions politiques. Paris: Centre de publications universitaires, 1999. p. 39.

03. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 11

04. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1993. p. 65.

05. Lei que tenha obedecido ao processo legislativo, sendo promulgada e sancionada ou editada por processo equivalente na hierarquia das normas.

06. Norma que prescinde do processo legislativo, sendo editada de modo unilateral por autoridade administrativa.

07. Vernáculo da época.

08. Art. 76.

09. Art. 77.

10. Lei das leis (Latim).

11. § 1º do art. 14 da Lei nº 6.880, de 09 de Dezembro de 1980 (Estatuto dos Militares).

12. § 2º do art. 14 da Lei nº 6.880, de 09 de Dezembro de 1980 (Estatuto dos Militares).

13. Mês Reveries, 1732.

14. § 3º do art. 14 da Lei nº 6.880, de 09 de Dezembro de 1980 (Estatuto dos Militares).

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Sobre o autor
Eliezer Pereira Martins

sócio-gerente da Pereira Martins Advogados Associados, professor universitário, mestre em Direito pela UNESP, especialista em Direito Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Eliezer Pereira. Direito Constitucional Militar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3854. Acesso em: 25 abr. 2024.

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