Sumário: 1. Da constitucionalização da matéria militar; 2. Noção jurídica de Constituição; 3. Direito constitucional; 4. Direito militar; 5. Direito constitucional militar comparado; 6. Evolução do perfil constitucional da matéria militar no direito brasileiro; 7. A matéria militar na Constituição de 1988; 8. Princípios constitucionais; 9. Princípios constitucionais militares; 10. O caráter analítico da Constituição de 1988 como fator de desenvolvimento do "direito constitucional militar"; 11. Conclusões.
1. Da constitucionalização da matéria militar.
A matéria militar desde sempre esteve inscrita nas Constituições e Cartas políticas promulgadas ou outorgadas em nosso país.
Além de princípios e regras de administração militar, as Constituições também consignaram, e consignam, como demonstraremos no decorrer deste estudo, princípios e regras de direito militar.
Muito mais atentos às regras de Administração militar, os exegetas dos textos políticos e — mesmo os especialistas em direito militar — pouca ou nenhuma atenção deram ao desenvolvimento do direito constitucional militar.
Há um sistema de regras de Administração e de princípios e normas de direito sobre matéria militar inscritos na Constituição a reclamarem estudo mais aprofundado, desafio ao qual nos propomos neste estudo, ainda que em caráter introdutório e superficial, apenas para entremostrarmos o universo de considerações que o instigante campo de investigação do direito constitucional militar oferece.
É corrente a afirmação de que em nosso país o Direito Militar cinge-se apenas à matéria penal, teríamos assim o Direito Penal Militar. Esta é a posição ortodoxa.
Como é evidente, falar-se num Direito Penal Militar remete imediatamente à disciplina do Direito Processual Penal Militar.
Estas noções em nosso sistema são reforçadas pelo fato de que no plano legislativo dispomos de dois diplomas legais dedicados ao Direito Penal Militar e ao processo que lhe é correlato, quais sejam o Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de Outubro de 1969) e o Código de Processo Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de Outubro de 1969).
Mais recentemente tem despontado como disciplina autônoma o Direito Administrativo Militar e o processo que o segue, estes ganhando contornos mais bem definidos cientificamente em matéria disciplinar.
Pouco ou quase nada se disse ainda em nossa literatura jurídica acerca do Direito constitucional militar.
Ora, a Constituição da República em vigor em nosso país, editada em 1988, analítica que é, prestigiou em seu cerne vários sistemas de direito, alguns inclusive, exaustivamente detalhados, a exemplo do sistema tributário nacional, o sistema de segurança pública, o sistema administrativo, etc.
Ora, cada um destes sistemas nos permite dissertar sobre suas peculiaridades, donde falarmos sobre um Direito Constitucional Tributário, de um Direito Constitucional Administrativo, de um Direito Constitucional Penal e assim por diante.
Sendo assim, resulta acertada a solução de tratar-se de um "Direito constitucional militar", posto que no bojo da Constituição da República em vigor existe um sistema de normas constitucionais cujo objeto é a disciplina militar em seus aspectos orgânico, funcional, institucional, etc.
Assim, pretendemos com este estudo indicar as linhas principais do sistema militar contido na Constituição da República e do regime jurídico constitucional a ele aplicável, para inferir-se daí o "Direito constitucional militar".
2. Noção jurídica de Constituição.
A necessidade de reger-se o Estado por uma constituição política está expressa já na primeira carta constitucional: a Magna Carta. Imposta ao rei da Inglaterra (João-sem-Terra) pelos seus barões, em junho de 1215, a "mãe de todas as constituições" se propunha limitar o poder absoluto do monarca, estabelecer os direitos da cidadania e criar processos de controle das finanças públicas por quem as provia de recursos. 1
Juridicamente Constituição é a lei fundamental que regula as relações entre governantes e governados, traçando os limites dos poderes do Estado e declarando os direitos e garantias individuais.
Na lição de Philippe Foillard 2:
"La Constitution est l’ensemble des règles qui définissent le statut des governants (désignation et compétences) et les rapports des gouvernants et des gouvernés."
Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho:
"aplicado ao Estado , o termo constituição em sua acepção geral pode designar a sua organização fundamental total, quer social, quer política, quer jurídica, quer econômica. E, na verdade tem ele sido empregado — às vezes — para nomear a integração a todos esses aspectos — a Constituição total ou integral" 3
Na acepção ideal a Constituição pode ser definida, como leciona Canotillho, como
"os postulados políticos-liberais, considerando-os como elementos materiais caracterizadores e distintivos os aeguintes: (a) a constituição deve consagrar um sistema de garantias da liberdade (esta essencialmente concebida no sentido do reconhecimento de direitos individuais e da participação dos cidadãos nos actos do poder legislativo através do parlamento); (b) a constituição contém o princípio da divisão dos poderes, no sentido de garantia orgânica contra os abusos dos poderes estaduais; (c) a constituição deve ser escrita (documento escrito)". 4
3. Direito Constitucional
A expressão direito constitucional pode ser tomada em duas acepções: disciplina jurídica ou direito de índole constitucional.
Assim, na primeira acepção (disciplina jurídica), direito constitucional é Estudo das normas jurídicas que derivam da Constituição, ou mais exatamente o estudo da Constituição.
Na segunda acepção (direito de índole constitucional), a expressão direito constitucional se refere a todo e qualquer direito consagrado numa constituição, qualquer que seja a sua natureza do ponto de vista de classificação doutrinária: privado, público, civil, político, administrativo, penal, comercial, internacional, processual, militar, etc.
Ora, como já externamos no início deste estudo, da conjugação dos dois sentidos da expressão "direito constitucional" resulta a possibilidade de considerar-se uma disciplina jurídica incidente sob direitos consagrados na Constituição, qualquer que seja a sua natureza do ponto de vista de classificação doutrinária, donde derivar a idéia de "direito constitucional tributário", "direito constitucional penal", "direito constitucional administrativo", "direito constitucional militar" (objeto de nossa breve análise), dentre outros.
4. Direito Militar
O direito militar pode ser definido como o conjunto harmônico de princípios e normas jurídicas que regulam matéria de natureza militar, podendo ser de caráter constitucional, penal ou administrativo.
Este direito tem como fonte principal a lei, mais exatamente a lei militar, qual seja aquela promulgada sobre matéria militar.
Tomando-se a lei stricto sensu 5, a primeira e principal lei militar no Brasil é a Constituição da República, seguida pelas seguintes leis: Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de Outubro de 1969), Código de Processo Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de Outubro de 1969), Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880, de 09 de Dezembro de 1980), e as diversas leis que versam sobre direitos e vantagens dos servidores públicos militares.
Considerando-se a lei lato sensu 6, há um sem número de normas (mormente administrativas) que exteriorizam o direito militar, a exemplo dos regulamentos disciplinares das forças militares, de atos normativos reguladores do funcionamento do aparato burocrático militar, etc.
Importa-nos aqui, entretanto, por ser este o objeto de nossa análise, a afirmação da existência de disposições da Constituição da República que versam sobre matéria militar, para daí inferirmos epistemologicamente uma disciplina jurídica mais ampla de índole constitucional: o "direito constitucional militar".
5. Direito Constitucional Militar comparado.
As Constituições alienígenas, sobretudo as sintéticas (como não poderia deixar de ser), tratam a matéria militar de maneira bem genérica e assaz restrita em comparação à Carta Magna Brasileira. Na maioria das vezes tratam superficialmente sobre a organização e comando das Forças Armadas e de direitos referentes a promoção e patentes e bem assim sobre a isonomia entre civis e militares.
Em países de tradição democrática, berço dos ideais liberais-burgueses ou legatários destes valores, a exemplo os EUA, da França, da Itália entre outros, não encontramos distinção de direitos, garantias e deveres entre civis e militares. Todos são amparados pelo Império da Lei e dos princípios Cívicos. O que se encontra é a determinação da criação de uma espécie de estatuto próprio para a organização do contingente, com direitos e deveres interna corporis.
Cabe darmos alguns exemplos sobre a exposição em epígrafe:
A Constituição Francesa (1958), lacônica sobre a matéria militar, estabelece no artigo 15:
"...Le Président de la République est le chef des armées. Il préside les conseils et les comités supérieurs de la Défense Nationale..."
De resto, no regime constitucional francês a matéria militar é reservada para o plano infraconstitucional nos seguintes termos:
Article 34:
La loi est votée par le Parlement.
La loi fixe les règles concernant:
- les droits civiques et les garanties fondamentales accordées aux citoyens pour l´exercice des libertés publiques; les sujétions imposées par la Défense Nationale aux citoyens en leur personne et en leurs biens;
La loi fixe également les règles concernant:
- les garanties fondamentales accordées aux fonctionnaires civils et militaires de l´Etat
La loi détermine les principes fondamentaux:
- de l´organisation générale de la Défense Nationale;
A Constituição da República Argentina ao cuida da organização e administração (art. 75, inc. 27) interna da forças armadas, atribuindo ao Congresso Nacional o estabelecimento das Forças Armadas em tempo de guerra e paz e os ditames por meio de norma própria sobre estas forças.
A Carta Argentina imbuiu ao Presidente da República (art. 99) o comando das Forças Armadas (inc. 12). Cabe ao Chefe do Executivo, portanto, o provimento dos cargos militares (inc. 13). Salienta-se que em tempo de paz, a responsabilidade sobre a concessão de cargos e graduações de oficiais superiores é compartilhado com o Senado, e em guerra é exclusiva do Presidente.
A Constituição de Cuba, em seu artigo 42 consagra igualdade a todos os cidadãos dando livre direito de ascensão a todas as hierarquias das Forças armadas Revolucionárias e da segurança e ordem interior, segundo os méritos e capacidades.
A mesma Carta expressa claramente que todos os membros das Forças Armadas cubanas e demais instituições armadas tem direito de eleger e serem eleitos, do mesmo modo que os demais cidadãos.
A Constituição dos EUA em sua seção oitava atribui ao Congresso o recrutamento e o sustento de Forças Armadas, porém o Comandante das forças Armadas Norte-Americanas (segunda seção).
O que fica claro na Constituição Norte-americana é que os direitos entre civis e militares são iguais, não havendo qualquer distinção.
A Constituição da Itália em um único momento trata expressamente sobre as Forças Armadas nos seguintes termos:
Art. 52. – O serviço militar é obrigatório dentro dos limites e normas fixados pela Lei. O seu cumprimento não prejudica a posição de trabalho do cidadão, nem o exercício dos direitos políticos.
O ordenamento das Forças Armadas amolda-se com o espírito democrático da República.
As mesmas considerações estão expressas na Carta Magna Portuguesa, nos artigos 275 e 276, que determinam as suas funções e os limites, além de determinar a obrigatoriedade do serviço militar.
6. Evolução do perfil constitucional da matéria militar no direito brasileiro.
A alusão aos militares na Constituição de 1824 está disposta no Título 5o, Capítulo VIII, mais exatamente nos artigos 145 usque 150, sob denominação "Da Força Armada".
Consignou-se então que todos os brasileiros eram obrigados a pegar em armas, para sustentar a independência, e integridade do Império, e defendê-lo dos seus inimigos externos ou internos.
A Constituição da época prescreveu a permanência da Força militar de mar e terra até então vigorante - sistema organizacional militar colônial - enquanto não fosse designada nova Força Militar pela Assembléia Geral.
Impôs-se à Força Militar a obediência de não se reunir enquanto não fosse ordenado pela Autoridade legítima, e determinou-se a competência privativa do poder executivo de empregar em sua conveniência a Força Armada de Mar e Terra à segurança e defesa do império.
Já na Constituição do Império afirmou-se que a possibilidade da privação da Patente, somente se admitiria após sentença proferida em Juízo competente.
Por fim, a Constituição de 1824, determinou a regulamentação do Exército do Brasil por uma ordenança especial, organizando as promoções, soldos e disciplina, assim como da força Naval.
Já a Constituição de 24 de Fevereiro de 1891, concentrou as disposições relativas aos militares no Título V (Disposições geraes) 7.
O art.14 da primeira Constituição da República cuidava que
"...As forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes, destinadas à defesa da Pátria no exterior e à manutenção das leis no interior..." aduzindo ainda que "...A força armada é essencialmente obediente, dentro dos limites da lei, aos seus superiores hierárquicos e obrigada a sustentar as instituições constitucionais...".
A Constituição da República de 1891 inovou ao estabelecer que os oficiais do Exército e da Armada só perderiam suas patentes por condenação em mais de dois anos de prisão passada em julgado nos Tribunais competentes 8.
Merece destaque na Constituição de 1891 a previsão de que os militares de terra e mar teriam foro especial nos delitos militares, sendo certo que este foro compor-se-ia de um Supremo Tribunal Militar, cujos membros seriam vitalícios, e dos conselhos necessários para a formação da culpa e julgamento dos crimes. 9
No título V, das disposições gerais, a Constituição de 1891, concentrou regras constitucionais incidentes sobre matéria militar nos seguintes termos:
Art.85 - Os oficiais do quadro e das classes anexas da Armada terão as mesmas patentes e vantagens que os do exército nos cargos de categoria correspondente.
Art.86 - Todo brasileiro é obrigado ao serviço militar, em defesa da Pátria e da Constituição, na forma das leis federais.
Art.87 - O Exército federal compor-se-á de contingentes que os Estados e o Distrito Federal são obrigados a fornecer, constituídos de conformidade com a lei anual de fixação de forças.
§ 1º - Uma lei federal determinará a organização geral do Exército, de acordo com o nº XVIII do art. 34.
§ 2º - A União se encarregará da instrução militar dos corpos e armas e instrução militar superior.
§ 3º - Fica abolido o recrutamento militar forçado.
§ 4º - O Exército e a Armada compor-se-ão pelo voluntariado, sem prêmio e na falta deste, pelo sorteio, previamente organizado.
Concorrem para o pessoal da Armada a Escola Naval, as de Aprendizes de Marinheiros e a Marinha Mercante mediante sorteio.
Art.88 - Os Estados Unidos do Brasil, em caso algum, se empenharão em guerra de conquista, direta ou indiretamente, por si ou em aliança com outra nação.
Na Constituição de 1934, a matéria militar ficou concentrada no Título VI (Da segurança nacional).
Merece destaque no texto maior de 1934 a inserção das polícias militares como reservas do Exército, e reservou-se às mesmas vantagens a este atribuídas, quando mobilizadas ou a serviço da União.
A Constituição de 1937 (Polaca), como consabido, prestigiou dispositivos autoritários concentrando os poderes nas mãos do Presidente cujo governo se fazia através dos decretos-leis.
Inovando, a Carta de 1937 reservou um tópico (Art. 160) para os "Militares de terra e mar", determinando ao legislador infraconstitucional a edição de um "Estatuto dos Militares".
Porém, as principais disposições relativas à matéria militar foram disciplinadas nos tópicos da segurança nacional (artigos 161 e seguintes) e da defesa do Estado (art. 166. e seguintes).
A Constituição de 1946 inova em matéria constitucional militar ao reservar, pela primeira vez na história constitucional pátria, um Título de seu texto, o VII, para as Forças Armadas.
Nesta Constituição — também pela primeira vez — se fez alusão à Aeronáutica a integrar as Forças Armadas.
Pode-se afirmar que a Constituição de 1946 superou em muito, mormente no aspecto de sistematização da matéria militar, as Constituições e Cartas que a antecederam.
A Constituição de 1967 adotando a técnica da Constituição que a antecedeu, também reservou um Título de seu texto para as Forças Armadas (Título VI - artigos 92 e seguintes).
De substanciamente novo em matéria militar a Constituição de 1967 pouco ou nada acrescentou, repetiu em sua maioria as disposições constitucionais militares que se consolidaram antes de sua outorga.
7. A matéria militar na Constituição de 1988.
A primeira referência à matéria militar encontrada no texto da Constituição em vigor ocorre no campo dos direitos e garantias fundamentais, mais exatamente no inciso VII do art. 5º que assegura a prestação de assistência religiosa em entidades militares de internação coletiva.
O mesmo art. 5º , no inciso XLIV, afirma constituir crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
O inciso LXI do art. 5o, quando se cuida das formalidades necessárias à prisão, disciplina matéria militar ao legitimar exclusão odiosa à liberdade de locomoção nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.
O inciso VI do parágrafo terceiro do art. 12. da Constituição estabelece que são privativos de brasileiros natos, dentre outros os cargos de oficial das Forças Armadas.
No campo dos direitos políticos o parágrafo segundo do art. 14. da Constituição cuida da vedação do alistamento no período de serviço militar obrigatório.
O artigo 20 da Constituição da República inclui entre os bens da União as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares.
Ao disciplinar a competência da União o inciso XIV do art. 21. da Constituição, por sua vez, estabelece, dentre outras disposições de organizar e manter a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal.
Ao definir a competência legislativa privativa da União o art. 22. da Constituição estabelece que compete privativamente à União legislar sobre: requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra (inciso III) e normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares (inciso XXI) e defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima, defesa civil e mobilização nacional (inciso XXVIII).
Ao reger o Distrito Federal, o parágrafo quarto do art. 32. da Constituição remete ao legislador infraconstitucional a edição de lei que disponha, dentre outros sobre a utilização pelo governo do Distrito Federal da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiro Militar.
No campo da organização do Estado, mais exatamente da Administração Pública, a Constituição reservou capítulo para os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (art. 42).
O inciso III do art. 48. da Constituição da República estabelece caber ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre fixação e modificação do efetivo das Forças Armadas.
O parágrafo sétimo do art. 53. da Constituição, por sua vez, prevê regra para incorporação de Deputados e Senadores nas Forças Armadas.
O inciso I do parágrafo 1º do art. 61. da Constituição estabelece ser da iniciativa privativa do Presidente da República as leis que fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas. Do mesmo modo a alínea "f" do parágrafo 1o do art. 61. da Constituição Federal estabelece, ao disciplinar o processo legislativo, que são da iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.
Ao cuidar das atribuições do Presidente da República, o inciso XIII do art. 84. estabelece competir privativamente àquela autoridade exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos.
O art. 92. da Constituição da República cuida que são, dentre outros, órgãos do Poder Judiciários os Tribunais e Juízes Militares.
Embora não seja matéria propriamente militar, mas sim de organização judiciária e de repartição da "jurisdição", quando cuida da organização dos Poderes, mais exatamente do Poder Judiciário, a Constituição dispõe acerca da competência para julgar matéria militar, estabelecendo uma disciplina harmônica na matéria, mercendo relevo os comandos dos artigos 122 a 124 que cuidam dos Tribunais e Juízes Militares.
Os parágrafos terceiro e quarto do art. 125. da Constituição traçam os parâmetros para instituição da Justiça Militar nos Estados e sua competência.
No art. 128. da Constituição da República vê-se, dentre os ramos do Ministério Público o Militar.
Adotando critério orgânico ou subjetivista o legislador constituinte no art. 142. cuidou no âmbito da defesa do Estado e das organizações democráticas das "Forças Armadas".
Embora o legislador constituinte originário tenha sido feliz no atinente ao locus onde topograficamente cuidou de disciplinar de forma concentrada a matéria militar (da defesa do Estado e das organizações democráticas), foi infeliz na denominação do capítulo que estaria melhor posto como "dos princípios militares".
Note-se que no art. 142. contém regras que definem o caráter mesmo da matéria militar em nosso país, regras e princípios estes que não se cingem apenas às forças armadas enquanto órgãos, mas à noção mesma que seja "militar" e "militarismos" no Estado de direito posto.
Note-se que no capítulo das "Forças Armadas" o legislador traçou os princípios constitucionais militares, o perfil orgânico das Forças Armadas e o quadro básico de direitos, deveres e sujeições dos militares.
O art. 143. da Constituição, por seu turno disciplinou o serviço militar obrigatório.
Por fim, o art. 144. da Constituição, ocupado com a segurança pública, relacionou entre os órgão incumbidos da preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio as polícias militares e corpos de bombeiros militares, definindo-lhes a competência (parágrafo quinto) e suas vinculações às Forças Armadas (parágrafo sexto).
Vê-se, embora em sede de análise procedida a "vôo de pássaro", que o legislador constituinte originário — do que não escapa o derivado — versou sobre matéria militar no texto da Constituição da República em profusão.
Note-se entretanto, que a prodigalidade do legislador constituinte em versar sobre matéria militar por certo não é uma virtude, posto que o disciplinamento da matéria militar no texto da Constituição acaba por revestir o tema militar disposto no texto da Constituição, de um caráter inelástico não desejável, sobretudo em face da dinâmica política, social e institucional que reclama mudanças freqüentes e rápidas.
Ora, a superabundância da matéria militar na Constituição já está a indicar a necessidade de sistematização do tema dentro do quadro de princípios de hermenêutica constitucional, daí mais um fator de conveniência do estudo do "direito constitucional militar".