Registro civil de nascimento do indígena

Resumo:


  • O Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (RANI) é expedido pela FUNAI e serve como documento para solicitação do assento perante o Registro Civil das Pessoas Naturais.

  • A legislação brasileira reconhece aos indígenas o direito de organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, além dos direitos sobre as terras que ocupam, competindo à União a defesa desses bens.

  • A certidão de nascimento dos indígenas permite acesso a outros documentos como Carteira de Identidade (RG), Cadastro de Pessoa Física (CPF), Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) e direitos trabalhistas e políticos, como o Título de Eleitor.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente artigo analisa a formalização do nascimento de indígena em documento público no Registro Civil, porém retrata a exceção do registro administrativo emitido pela Funai.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Quem é considerado indígena no Brasil 3 O registro administrativo de nascimento de indígena 4 Assento de Nascimento de Indígena no Registro Civil das Pessoas Naturais 4.1 A legislação aplicável 4.2 A obrigatoriedade ou não do assento de nascimento de indígena no RCPN 4.3 A competência para a lavratura do assento de nascimento 4.4 O prazo legal para a lavratura do assento de nascimento 4.5 A legitimidade para declarar o assento de nascimento 4.6 Os requisitos do assento de nascimento 4.7 A suscitação de dúvida 4.8 O registro tardio de nascimento 4.8.1 As formas de requerimento do registro tardio de nascimento 4.8.2 O local do registro tardio 4.8.3 A suspeita da falsidade da declaração 4.9 A retificação do assento de nascimento civil 4.10 As comunicações de estilo 4.11 A penalidade imposta ao registrador pela recusa  ou demora na lavratura do assento de nascimento 5 Os benefícios da certidão civil para o indígena 6 Conclusão 7 Referências Bibliográficas

 

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo parte da premissa da importância do assento de nascimento para comprovar a existência da pessoa natural, porém, essa formalização em documento público no Registro Civil pode sofrer exceção em relação ao indígena, em decorrência do Registro Administrativo de Nascimento expedido pela FUNAI, órgão federal destinado à sua proteção.

Na busca de colocar em prática as políticas públicas voltadas para os povos indígenas, o Poder Público vem fortalecendo parcerias entre a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a Fundação Nacional do Índio, os Estados e o Distrito Federal, com a finalidade de garantir a emissão da documentação básica, em especial, da mãe de todas, ou seja, da certidão de nascimento, fornecida pelo Registro Civil das Pessoas Naturais, ao mesmo tempo em que é lavrado pelo Oficial do Registro ou preposto autorizado o assento em livro específico. Mas não se deve olvidar de que o Registro Administrativo de Nascimento do Indígena presume a veracidade do ato.

O assento de nascimento do índio no Registro Civil das Pessoas  Naturais preserva os direitos e garantias estampados no caput do art. 5º da Constituição Federal Brasileira, de 1988. Aliás, a Carta Magna vigente, por meio dos arts. 231 e 232 dá uma interpretação mais atualizada e segura da Lei n.º 6.001, de 1973, denominada Estatuto do Índio, responsável pela normatização da tutela dos povos indígenas. Aliada a essa normatização, editou-se a Resolução Conjunta do Conselho Nacional da Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público de n.º 3, datada de 2012, fixando regras específicas para o assento de nascimento de indígena perante o Registro Civil das Pessoas Naturais.

Para atingir os objetivos de erradicação do sub-registro, com destaque aqui para o indígena, o Estado tem utilizado meios que desburocratizam o procedimento de assento de nascimento, tornando-o cada vez mais desjudicializado, cujos mecanismos são, entre outros, o Termo de Indicação do Suposto Pai, o Termo de Reconhecimento de Paternidade, a legitimidade em igualdade de condição do pai e da mãe para declarar o assento, o registro de nascimento tardio, todos preenchidos diretamente no serviço extrajudicial. As mudanças estão ocorrendo no Registro Civil das Pessoas Naturais, tendo como escopo maior o pleno atendimento do Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.

2 QUEM É CONSIDERADO INDÍGENA NO BRASIL

A Lei n.º 6.001 (Estatuto do Índio), de 19 de dezembro de 1973, traz a definição de índio, também denominado por silvícola, sendo o indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e vem a ser identificado como membro de um grupo étnico de características culturais diferentes da sociedade [1], cuja comunidade tribal representa um conjunto de famílias ou comunidades índias, isoladas, ou ainda com contatos esporádicos ou permanentes com outros segmentos [2].

Hoje, percebe-se uma diminuição em relação aos índios considerados isolados, tratando-se de grupos desconhecidos ou de pouco contato com o restante da população brasileira. Também temos os índios ou comunidades em via de integração, conservando, em parte, as condições de sua cultura e estilo de vida nativo. Outro grupo representa os índios ou grupos de índios considerados integrados ao restante da sociedade, inclusive exercendo os direitos civis, entre eles, a lavratura do assento de nascimento no RCPN [3]

A classificação dos indígenas em isolados, em via de integração ou integrados, prevista no art. 4º da Lei n.º 6.001̸1973, perdeu força com a entrada em vigor da atua Lei Maior.

A Constituição Federal Brasileira, em seu art. 231, reconhece aos índios o direito de organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, bem como os direitos sobre as terras que originalmente ocupam, competindo à União a defesa de tais bens. Nesse contexto de ampliação de direitos, os índios, ou mesmo suas comunidades, têm legitimidade para atuar perante o Poder Judiciário na defesa de seus direitos, sempre com a intervenção do Ministério Público [4].

Souza Filho [5] destaca a preocupação constitucional na proteção e garantia dos direitos das comunidades indígenas, afirmando que:

[...] Coerente com esse novo entendimento, fundamento de uma nova ordem na relação entre Estado e povos indígenas, a Constituição de 1988 dá um comando ao Estado brasileiro, no sentido que deverá proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Esse é o novo parâmetro maior que deve pautar a futura legislação indigenista brasileira.

Segundo dados do último Censo, o qual foi realizado em 2010, os povos indígenas, apesar do aumento, ainda estão distante do acesso ao Registro Civil das Pessoas Naturais, pois somente 67,8% buscam a emissão da certidão de nascimento, restringindo-se, quando muito, ao Registro Administrativo de nascimento de Indígena, conhecido como RANI.

A Fundação Nacional do Índio (FUNAI), criada pela Lei n.º 5.371, de 5 de dezembro de 1967,  é o órgão público federal responsável pela promoção dos direitos da população indígena, desenvolvendo política de sustentabilidade e pesquisa de dados estatísticos, sem descuidar da preservação da língua, culturas, crenças e tradições, além de atuar perante o RCPN competente em cada Estado e Distrito Federal do nosso país.

[...]

3. Ocorre que, embora conste no instrumento prova de que a pretendente à adoção tenha origem indígena, inexiste qualquer documento hábil a demonstrar que a criança tem origem e ascendência pré-colombiana, que se identifica e que seja identificada como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais a distinguem da sociedade nacional, o que seria de rigor para reconhecê-la como índio ou silvícola, consoante o Estatuto do Índio (Lei n.º 6.001/73), e autorizar a intervenção da FUNAI no feito. [6]

Assim, compete ao Estado assegurar o direito à vida saudável da população silvícola, inclusive os direitos civis, especialmente o assento de nascimento, quando solicitado, em conformidade à peculiar condição dos destinatários, a toda comunidade indígena, esteja ou não em aldeia, sob a responsabilidade do descumprimento do dever que exsurge da Lei Maior  Brasileira, combinada com a Lei n.º 6.001̸1973, Lei n.º 8.080̸1990; Lei n.º 6.001̸ 1973, Lei n.º 6.015̸ 1973 e Resolução Conjunta do Conselho Nacional da Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público, de n.º 3̸ 2012 [7].

 

3 O REGISTRO ADMINISTRATIVO DE NASCIMENTO DE INDÍGENA

O Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (RANI), instituído pelo Estatuto do Índio, representa a certidão de nascimento administrativa do índio, cuja titularidade de emissão pertence ao servidor público federal lotado no quadro funcional da FUNAI. O RANI serve como documento para a solicitação do assento perante o RCPN, contudo, apesar de ser meio de prova, não é o único, uma vez que a Declaração de Nascidos vivos (DNV), como veremos adiante, também tem esse propósito. O RANI tem registro em livro próprio, onde cada registro diz respeito a uma certidão assinada e autenticada [8].

Por outro lado, o RANI é de nível administrativo, portanto, independe e não substitui o assento de nascimento lavrado perante o RCPN. Na FUNAI também existe livros destinados ao casamento e óbito de indígenas. Seguindo essa linha de pensamento, a Procuradoria Geraldo Estado do Rio Grand do Sul manifestou-se da seguinte forma [9]:

 [...]

O art. 50, § 2e, da Lei n e 6.015/73, reforça a inexistência de equiparação entre o registro civil e o registro administrativo procedido pela FUNAI, na medida em que não obriga a inscrição de nascimento do índio, permitindo apenas que este seja feito em livro próprio do órgão federal de assistência ao índio.

Aliás, o registro civil de nascimento é informado por uma série de princípios, os quais não embasam, necessariamente, o Registro Administrativo de Nascimento de indígena.

[...]

Interessante o raciocínio da Procuradoria Regional da República da Terceira Região, desenvolvido em parecer, onde aborda a validade do registro administrativo, em interpretação ao art. 13 do Estatuto do Índio, expondo que [10]:

 Não se pode dar à norma em análise interpretação que diminua ou limite direitos dos cidadãos indígenas a que se destina, cidadãos que não podem ser obrigados a efetuar o registro civil nos moldes da sociedade envolvente mas, querendo, poderão fazê-lo no sentido de acrescer e garantir outros direitos, servindo, então, os registros administrativos como prova plena dos atos e fatos ocorridos no seio das respectivas comunidades indígenas, vivenciados de acordo com os seus costumes e tradições. Ou seja, a existência dos registros administrativos, dispensa a prova daqueles feitos por outros meios em direito permitidos, abreviando o gozo de direitos deles decorrentes, acessíveis ao restante da população brasileira, tais como são os direitos previdenciários.

4 ASSENTO DE NASCIMENTO E INDÍGENA NO REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS

4.1 A LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

A matéria legislativa voltada para o assento civil de nascimento de indígena envolve a Lei n.º 6.015̸1973, chamada Lei de Registros Públicos e, mais recentemente, a Resolução Conjunta do Conselho Nacional da Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), de n.º 3̸2012, além das Normas da Corregedoria-Geral da Justiça de cada Estado e do Distrito Federal, referente ao Serviço Extrajudicial, p. ex., a Consolidação das Normas Gerais da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Mato Grosso (CNGCEMT) e das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo (NSCGJSP), e Provimentos do Conselho Nacional da Justiça.  

 

4.2 A OBRIGATORIEDADE OU NÃO DO ASSENTO DE NASCIMENTO DO INDÍGENA NO RCPN

No Brasil, a regra consiste em que todo nascimento deve ser levado a registro [11], sendo ato gratuito, porém há exceção quanto ao nascimento de indígena, enquanto não integrado, visto ser facultativo [12], uma vez que tem registro em livro próprio pertencente à FUNAI.

Agora, sendo solicitado o assento de nascimento do índio no RCPN, o mesmo deverá lavrado no Livro “A”, próprio de nascimento. Mas isso no caso de nascimento com vida, pois se nascer morto, o assento deve ser lavrado no Livro “C-Auxiliar”, referente ao registro de natimorto [13], ou ainda, caso nasça vivo e em seguida venha a falecer, o assento de nascimento será lavrado no Livro “A”, para então proceder ao registro do óbito no Livro “C”, destinado ao óbito [14].          

Sobre o registro e publicidade do estado de pessoas no RCPN, inclusive envolvendo o assento de nascimento, assegurando direitos, Diniz [15]  ressalta que, in verbis:

Com o escopo de assegurar direitos de terceiro, o legislador, a fim de

obter  a  publicidade  do  estado  das  pessoas,  exige  inscrição em

registro público de determinados atos, e a certidão extraída dos livros

cartorários fará prova plena e segura do estado das pessoas físicas.

 

4.3 A COMPETÊNCIA PARA A LAVRATURA DO ASSENTO DE NASCIMENTO

A competência para lavrar o assento de nascimento do índio, bem como a emissão da certidão, vem a ser no Registro Civil da localidade de nascimento do registrando ou do lugar de residência dos pais. O local de nascimento, normalmente, representa a aldeia ou o hospital. O nascimento em hospital, onde já tenha sido implantada a Unidade Interligada diretamente ao RCPN, tem emissão da certidão digital por intermédio da rede mundial de computadores [16]. Ainda podemos citar os nascimentos lavrados em virtude de mutirão.

 

4.4 O PRAZO LEGAL PARA A LAVRATURA DO ASSENTO DE NASCIMENTO

O registro de nascimento do índio, assim como de qualquer outra pessoa, deverá ser lavrado dentro do prazo de 15(quinze) dias, mas prolongado em até 3(três) meses para as localidades distantes mais de 30(trinta) quilômetros da sede da Serventia Extrajudicial responsável pelo RCPN. Após tal prazo, o trâmite normal será o de registro tardio de nascimento, analisado em tópico separado.

 

4.5 A LEGITIMIDADE PARA DECLARAR O ASSENTO DE NASCIMENTO

Para o registro civil de nascimento do indígena, sendo os pais casados, basta à presença de um deles na serventia, o que está em conformidade com o art. 52 da Lei n.º 6.015̸1973, pois nesse caso, isoladamente ou em conjunto, o pai ou a mãe portam a legitimidade da declaração, para tanto, munido da DNV ou do RANI, de um documento de identificação pessoal, bem como da certidão de casamento. Na ausência de um deles, o outro tem o prazo estendido por 45(quarenta e cinco) dias [17]

Não sendo casados os pais do registrando, a legitimidade para fazer o registro compete ao pai ou a mãe, acompanhado do outro ou não, munido da DNV ou do RANI, bem como do documento pessoal de identificação. Na falta do registro de nascimento dos pais, procede-se primeiramente a lavratura desses assentos, para então promover a lavratura do registro de nascimento do filho indígena.

Ainda que o pai não compareça ou não faça uma declaração de reconhecimento, o Oficial do Registro deve lavrar o assento de nascimento somente com o nome da genitora e avós maternos, mas preenche o Termo de Indicação de Paternidade, onde se relata o máximo de dados do pai, tendo por escopo a investigação por parte do Poder Judiciário. Portanto, não ficando determinada a paternidade do registrando, a mãe aponta ao Oficial do Registro Civil, tanto no momento da confecção do assento, quanto em momento posterior, os elementos de identificação do suposto pai [18]. O mesmo direito cabe ao registrando, ao atingir a maioridade.  O Termo de Indicação da Paternidade, o qual pode ser confeccionado em Serviço de Registro Civil das Pessoas Naturais diverso daquele do registro de nascimento, busca reunir o maior número de dados que caracterizem o suposto pai, inclusive constando a assinatura da genitora ou do registrando maior de idade, e quando registrado no próprio serviço registral, acompanhado da segunda via da certidão de nascimento, ou, tendo o registro em outro local, de sua fotocópia [19]. O destinatário do procedimento de investigação do suposto pai vem a ser o Juiz Corregedor Permanente, que nada mais é do que o Juiz Diretor do Foro Judicial da comarca, onde, além de ouvir a genitora do registrando e o suposto pai, pode determinar diligências para a resolução do feito, ressaltando-se que o processo pode ser em segredo de justiça e há isenção das custas processuais. Se o pai investigado ratifica a paternidade, o Juiz expede o mandado ao RCPN competente para a averbação à margem do assento de nascimento. Caso contrário, o suposto pai não atendendo a determinação judicial de comparecimento, o Ministério Público ajuíza a Ação de Investigação de Paternidade. Do mesmo modo age a Defensoria Pública, se acionada. Um detalhe importante impõe destacar que, na hipótese de ter sido promovida a Ação de Investigação de Paternidade, o uso do procedimento de Termo de Indicação do Suposto Pai está vedado. Contudo, pode o pai, inclusive o relativamente incapaz, independente de assistência, comparecer posteriormente e reconhecer espontaneamente o filho registrando, por meio do Termo de Reconhecimento de Paternidade, ou mesmo por escrito particular, aliado à concordância da mãe, quando o filho for menor de idade, ou do consentimento deste, quando na maioridade civil, resultando-se na averbação à margem do assento de nascimento e na emissão da certidão, isentos de emolumentos para o comprovadamente pobre, em respeito ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana [20].

No Estado de Mato Grosso tem sido comum o requerimento do registro civil de nascimento por parte do representante legal da FUNAI, sempre munido da certidão do RANI, porém, em pequeno número acompanhado da DNV. As outras pessoas enumeradas no art. 52 da LRP, na ausência dos pais, detêm legitimada para fazer a declaração do nascimento do indígena, entre elas o parente mais próximo e o diretor do hospital.

Quando o assento de nascimento for determinado por ordem judicial, o mandado judicial deverá conter todos os dados necessários, em atenção ao artigo 54 da Lei n.º 6.015/73, inclusive o número do processo, o juízo e a comarca da expedição do respectivo mandado. O assento lavrado por meio de ordem judicial dispensa a assinatura do declarante ou outra parte interessada, sendo suficiente a do Oficial Registrador ou substituto ao final do termo.

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4.6 OS REQUISITOS DO ASSENTO DE NASCIMENTO

O assento de nascimento de indígena, mesmo que saiba ler e escrever a língua portuguesa, a qual é oficial em nosso país, em virtude dos costumes diferenciados de cada etnia, apresenta algumas peculiaridades em relação ao assento civil normal.  Além dos requisitos assinalados no art. 54 da Lei n.º 6.015̸1973, o Oficial do Registro Civil precisa estar atento às regras expostas na Resolução Conjunta do CNJ e do CNMP, de n.º 3̸2012.

Quanto aos documentos necessários à lavratura do registro de nascimento do indígena, tem destaque a Declaração de Nascido Vivo (DNV), sendo o documento emitido pelo hospital̸maternidade em 3(três) vias, representando os nascimentos ocorridos no país, tanto em estabelecimento de saúde, quanto em domicílio, representando o documento de identificação do nascimento com vida até o momento da lavratura do assento no RCPN, este obrigatório e gratuito [21]. A via da DNV de cor amarela é utilizada para o registro civil almejado, onde fica arquivada na serventia. A DNV necessita estar devidamente preenchida pelo responsável técnico do hospital, geralmente médico, este quando estrangeiro deve ter o diploma revalidado e com inscrição que se inicia por RMS (Registro do Ministério da Saúde) ou PMM (Programa Mais Médicos), não servindo a inscrição que se inicia por EME (Estudante Médio Estrangeiro). Todavia, não constitui óbice ao registro de nascimento os equívocos ou divergências que não prejudiquem a identificação da genitora, ou ainda a falta do nome ou a divergência entre o nome da criança relatado na DNV e o desejado no momento de sua lavratura, assim como a falta ou divergência entre o nome do pai constante da DNV para o documento pessoal apresentado no RCPN [22]. As demais informações equivocadas ou contraditórias, desde que não sejam relevantes, não interferem na lavratura do assento de nascimento. Mas muitos nascimentos de silvícolas não são acompanhados da DNV, utilizando-se nesses casos o Registro Administrativo Nacional de Indígena.

 Primeiramente, todo assento de nascimento tem uma matrícula [23], a qual identifica o código nacional da serventia, bem como o ano, o livro, as folhas e o termo em que foi lavrado o ato.

O Código Civil Brasileiro, ao abordar os direitos da personalidade,  estabelece em seu art. 16 que “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”, o que evidentemente é extensivo ao indígena. No registro, a pedido do declarante, dever ser informado o nome indígena do registrando, sendo de livre arbítrio. Muitos nomes de origem indígena são comuns em nossa sociedade, entre eles “Araci”, “Araripe”, “Cauã”, “Iara” ou “Yara”, “Iracema”, “Irani”, “Ivair”, “Jaciara”, “Janaína”, “Jandir”, “Jandira”, “Jatobá”, “Juçara” ou “Jussara”, “Nina”, “Maiara”, “Moacir”, “Murici’, “Pitangui”, “Tainá”, “Ubirajara”, “Ubiratã”, em sua maioria de origem Tupi ou Guarani. Ao nome indígena, dificilmente o Oficial de Registro aplica a regra da negativa de assento do prenome suscetível de exposição ao ridículo, mas caso haja recusa, pode ser suscitada dúvida ao Juiz Corregedor Permanente da Comarca [24]. A praxe na composição do nome do registrando estabelece que, na hipótese do declarante não apontar o nome completo, o Registrador Civil lança na sequência do prenome escolhido o nome do pai, ou, na ausência o da mãe, mas em assento do nascimento de indígena, desde que seja requerido, permite-se o lançamento da etnia como sobrenome [25].

O Oficial lança por extenso e em numérico o dia, mês e ano do nascimento. O local de nascimento, onde é comum o nascimento em aldeia, mas pode acontecer em hospital. O interessado no registro pode requerer que seja indicado, como referência à naturalidade, juntamente com o Município de nascimento, a designação da aldeia de origem do registrando e a de seus pais. Quando possível, a hora certa, ou mesmo aproximada, tem menção em numeral e por extenso. O sexo do registrando também é declarado. No caso de registrandos gêmeos, tal situação deve ser especificada em campo próprio, colocando o nome do outro irmão e a posição em que nasceu, portanto, quem nasceu em primeiro.  

 Outros dados são citados, como o Município de registro e a Unidade da Federação (UF), devendo ser do local do parto ou do Registro Civil que tenha competência territorial em relação ao domicílio dos pais. Porém, tendo os pais diversos domicílios, e o pai como declarante prevalece o seu domicílio.

A declaração de que o registrando nasceu morto, ou mesmo de que faleceu no ato ou depois do parto, mas que não chegou a respirar, o assento deve ser lavrado no Livro “C-Auxiliar”, próprio de natimorto [26].

Na hipótese de outros irmãos com o mesmo prenome, inclusive daquele já falecido, o Oficial tem a cautela de estabelecer a ordem de filiação. A paternidade e a maternidade, sem esquecer a qualificação, são obrigatoriamente descritos no assento de nascimento. Do mesmo modo precisa ser descrito os nomes e prenomes dos avós paternos e maternos.

Uma informação importante envolve o número da Declaração de Nascidos Vivos ou, em sua falta, a indicação da Certidão do Registro Administrativa de Nascimento do Índio, emitida pela FUNAI. Na ausência desses dois documentos, o assento de nascimento precisa ter o trâmite da modalidade de registro tardio, como veremos em tópico apropriado.

Nas observações podem constar dados próprios ao índio, p. ex., a declaração do registrando como indígena. Outro exemplo do que pode figurar na observação diz respeito à especificação da etnia [27].

A regra da qualificação no registro de duas testemunhas que tenham conhecimento do nascimento em domicílio sem assistência médica fica relativizada em relação ao indígena, pois a legislação [28] permite a utilização do RANI e a presença do servidor representante da FUNAI. Por outro lado, a testemunha que participa de ato no RCPN precisa preencher os requisitos estabelecidos na legislação civil, inclusive sendo maior de 18(dezoito) anos,  admitindo-se parente, independentemente do grau.

Nos assentos da competência desse registro, nos atos em que for obrigatório, podem ser testemunhas as pessoas que satisfaçam às exigências da lei, inclusive sendo admitido parente em qualquer grau. Mas há determinado grupo de pessoas que não preenchem os requisitos necessários para ser testemunha do ato registral, sendo elas: a pessoa enferma ou retardada mentalmente, sem o necessário discernimento para os atos da vida civil; os cegos e surdos, quando exigido para fazer prova de um fato; os menores de dezesseis anos [...].[29]

Na impossibilidade de algum dado na lavratura do assento de nascimento do indígena, por desconhecimento, deve constar que o declarante ignora tal informação.

4.7 A SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA

O Oficial de Registro Civil pode ter dúvida em relação à autenticidade das declarações do interessado e, visando maior segurança ao ato, solicita a presença do servidor representante da FUNAI, assim como o RANI e a certidão negativa de assento de nascimento dos RCPNs que tenham competência territorial sobre as localidades de nascimento do interessado, da aldeia indígena e do serviço de saúde responsável pelo parto [30]. O Oficial tem o mesmo cuidado na hipótese de suspeita de duplicidade de assento, uma vez ser comum o indígena buscar lavrar o assento em mais de uma serventia.

Na persistência da dúvida, inclusive por outra exigência a ser satisfeita, e em virtude do inconformismo do interessado no registro, o melhor procedimento é o da remessa da documentação e da exposição dos motivos da recusa por meio de suscitação de dúvida diretamente para o Juiz Corregedor Permanente do Foro Judicial da comarca, responsável pela fiscalização dos atos de registro na serventia. O mesmo procedimento vem a ser adotado pelo titular da serventia nas hipóteses de suspeita de fraude ou falsidade nas declarações ou em documentos apresentados [31]. Decorrido o prazo de 15(quinze) dias para o interessado impugnar a suscitação de dúvida, com ou sem impugnação, após a manifestação do representante do Ministério Público, o Juiz Corregedor profere a sentença, da qual cabe apelação com efeito devolutivo e suspensivo, interposta pelo interessado, pelo MP ou por terceiro prejudicado. Na procedência da dúvida, o registro fica afastado, mas se improcedente, o Oficial tem a obrigação de efetuar a sua lavratura, sob a pena de responsabilidade.

 

4.8 O REGISTRO TARDIO DE NASCIMENTO

4.8.1 AS FORMAS DE REQUERIMENTO  DO REGISTRO TARDIO DE NASCIMENTO

Com o decurso do prazo legal para o assento de nascimento, o requerimento tem que seguir as formalidades do registro tardio, consoante mandamento da Resolução Conjunta do CNJ e CNMP, de n.º 3̸2012 [32]. Dessa forma, o procedimento de registro tardio de nascimento, além da via judicial, pode ser efetuado diretamente no RCPN.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana tem forte influência sobre o Registro Civil das Pessoas Naturais, inclusive em sede de registro tardio de nascimento, pois permite a procedência do pedido na esfera judicial, com a identificação do nome do pai, mesmo que este já tenha falecido.

O requerimento do registro tardio de nascimento pode ser por intermédio do Registro Administrativo do Indígena, como já mencionado, emitido pela FUNAI. Outra forma prevista envolve o fornecimento de informações, mediante requerimento por ofício do representante da FUNAI, este assinando o assento de nascimento como declarante. Existe ainda a possibilidade de adoção do procedimento especificado no art. 46 da Lei n.º 6.015̸ 1973, devendo ser acompanhado da presença de duas testemunhas, maiores de 18(dezoito) anos e devidamente qualificadas, podendo ser parente em qualquer grau.     

 

4.8.2 O LOCAL DO REGISTRO TARDIO 

Após decorrer o prazo legal para o assento de nascimento de indígena, a competência para o registro será do RCPN do lugar da residência dos pais [33].

 

4.8.3 A SUSPEITA DA FALSIDADE DA DECLARAÇÃO

Na lavratura do assento de nascimento de indígena, sob a forma de registro tardio, sendo levantada a suspeita de falsidade da declaração, o Registrador Civil deve ter a cautela de exigir outras provas que propiciem a segurança e a eficiência do ato e, permanecendo o questionamento da legalidade, a dúvida deve ser suscitada ao Juiz Corregedor Permanente da comarca. O Ministério Público também se manifesta. Saneada a dúvida, o assento é lavrado, ou, demonstrada a falsidade da declaração, o pedido fica cancelado.      

 

4.9 A RETIFICAÇÃO DO ASSENTO DE NASCIMENTO CIVIL

Quando o assento de nascimento é válido, porém tem equívoco em seu dado, o meio adotado para enquadrá-lo à realidade dos fatos é a retificação, cujos procedimentos podem ser judicial ou administrativamente, consoante maior ou menor indagação apresentada. Nos dois procedimentos têm manifestação do representante do Ministério Público. A competência para a retificação será a do local do registro ou do domicílio do interessado.

Entre as retificações almejadas do assento de nascimento, a maior incidência diz respeito à grafia do prenome e nomes patronímicos, tanto do registrando, quanto dos pais e avós, ou da data do nascimento. Uma forma de omissão no assento, onde se busca o acréscimo, já tratada esse artigo, pois envolve o acréscimo do nome do pai e, consequentemente, sendo conhecidos, dos avós paternos.

O assento de nascimento lavrado no RCPN pode sofrer retificação em suas informações, por meio do próprio registrando, de seu representante legal, ou de quem tenha interesse, cuja retificação é submetida à apreciação do Poder Judiciário [34]. Com a sentença favorável, após o transito em julgado, o mandado de retificação de registro é encaminhado para o RCPN responsável pelo assento de nascimento, procedendo-se a averbação à sua margem.

O respeito da gratuidade do serviço, conforme exposto na Lei n.º 1.060̸1950, prevalece nos atos judiciais e extrajudiciais de retificação ou de alteração do assento de nascimento do índio, em atendimento à legislação pátria de proteção e promoção dos povos indígenas.

Os equívocos cometidos na confecção do assento de nascimento de indígena, não importando maior questionamento para a sua verificação, permitem que o Oficial de Registro promova a retificação extrajudicialmente, mediante parecer favorável do represente do Ministério Público, responsável pela competência territorial do RCPN [35]. O mesmo procedimento de retificação pela via extrajudicial pode ser utilizado nas hipóteses de erro de grafia. Da negatória da retificação extrajudicial do assento de nascimento, como exemplo, o parecer desfavorável do MP, o procedimento tem encaminhamento para o Poder Judiciário competente na comarca.

A retificação do assento em decorrência de mudança na composição do nome de indígena, por motivo de cultura ou costume, tem que constar nas certidões de inteiro teor emitidas posteriormente, preservando-se, dessa fora, a segurança jurídica do ato.  

 

4.10 AS COMUNICAÇÕES DE ESTILO

O Oficial, obrigatoriamente, comunica à FUNAI o assento de nascimento do indígena, ainda que lavrado sob a forma de registro tardio, tendo por escopo a promoção do registro administrativo [36].

 

4.11 A PENALIDADE IMPOSTA AO REGISTRADOR PELA RECUSA OU DEMORA NA LAVRATURA DO ASSENTO DE NASCIMENTO

Além da penalidade a que está sujeito o titular do serviço extrajudicial por ato seu ou de preposto, em decorrência de erro ou de dolo, também pode ensejar responsabilidade na configuração da recusa ou do atraso na confecção do assento de nascimento de indígena, assim como na emissão da respectiva certidão, podendo resultar em multa e até mesmo em prisão, bem como, é claro, da repreensão, da suspensão ou da perda da delegação [37], sempre garantido a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal. Apenas lembrando que na comarca, o Poder Judiciário, por meio do Juiz Corregedor Permanente, detém o poder de fiscalização em relação ao Serviço de Registro Civil das Pessoas Naturais [38] sem afastar a fiscalização da Corregedoria-Geral da Justiça de cada Estado e do Distrito Federal.

       Portanto, os Oficiais do Registro Civil das Pessoas Naturais respondem por danos na prática de atos próprios, causados ao interessado no assento de nascimento, ressalvando que a responsabilidade civil pode se caracterizar, ainda que não demonstrada à responsabilidade penal [39].

 

5 OS BENEFÍCIOSVDA CERTIDÃO CIVIL PARA O INDÍGENA

Através da certidão de nascimento, o indígena tem direito de obter outros documentos, garantidores de direitos e deveres, bem como o pleno atendimento ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, entre eles, a matrícula em escola pública ou particular, assim como a diplomação em universidade, específica ou não para o ensino da língua e cultura indígenas, a Carteira de Identidade (RG), a inscrição no Cadastro da Pessoa Física (CPF), essencial para a abertura de conta bancária, empréstimo e outras operações bancárias, a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), culminando em direitos trabalhistas, p. ex., o recolhimento do FGTS e a contribuição do INSS, o recebimento do décimo terceiro, o seguro desemprego, e no exercício dos direitos políticos, o Título de Eleitor, o que lhe assegura o direito de votar e ser votado, apesar de ser facultativo o alistamento eleitoral ao indígena enquadrado como isolado e em vias de integração, nos termos do Estatuo do Índio, e obrigatório ao índio integrado, além do que, na hipótese de não ter o registro civil de nascimento, nada obsta apresentar o registro administrativo. O passaporte também pode ser requisitado junto ao Departamento da Polícia Federal.

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. INDIGENA INTEGRADO. CTPS E CPF. INÉPCIA DA INICIAL NÃO VERIFICADA. PRESCRIÇÃO.

I - Da leitura dos autos observa-se que a demandante logrou comprovar sua condição de integrada, uma vez que trouxe aos autos cópia de seu Registro Geral (fl. 12); Cadastro de Pessoas Físicas (fl. 12), de sua Carteira de Trabalho e Previdência Social (fl. 14). II - Aplicação do parágrafo único do artigo 8º do Estatuto do Índio (Lei n. 6.001̸73).  III - Ante a inexistência de requerimento administrativo e tendo transcorrido mais de 05 anos entre a data dos nascimentos e a da propositura da ação, as prestações eventualmente devidas a título de salário maternidade encontram-se acobertadas pelo manto da prescrição. IV - Parecer do MPF acolhido para reconhecimento da prescrição. Apelação da parte autora prejudicada.[40]

                                                                                                                                                                      

[...] Da leitura dos arts. 12 e 13 do Estatuto do índio, fica evidente a distinção de tratamento conferida aos atos levados a registro civil e aqueles submetidos a registro administrativo (dentre os quais se insere o RANI) perante o órgão competente de assistência (atualmente FUNAI).

De fato, tem-se que os nascimentos de indígenas poderão ser levados a Registro Civil. Para tanto, deverá ser observada a legislação comum, atendidas as peculiaridades no que concerne à qualificação do nome, prenome e filiação, como meio de proteção e valorização da cultura indígena.

Por outro lado, no que tange ao registro administrativo de nascimento de indígena (RANI), o art. 13, parágrafo único, da Lei n. 6.001/73 é expresso ao afirmar que tal documento é hábil para proceder ao registro civil, de maneira que, na falta deste, o registro administrativo é apenas meio subsidiário de prova.

Portanto, não se pode afirmar que o registro civil e o registro administrativo são documentos equiparados, haja vista a diversidade de tratamento conferida pelo Estatuto do índio aos dois procedimentos.

[...]

Assim sendo, em função das peculiaridades dos índios, o RANI pode ser utilizado para fins de escrituração do nascimento perante o registro civil das pessoas naturais (a partir da qual possuirá certidão de nascimento). Entretanto, o RANI não é documento hábil para proceder diretamente à confecção da carteira da identidade, já que, para tanto, é imprescindível a apresentação de certidão de nascimento.[41]

 

O indígena, já detentor do RANI, tem direito de inscrição no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo, mas outros documentos pessoais podem ser exigidos,  cuja inscrição garante a participação em programas sociais como o Bolsa Família, Fomento às Atividades Produtivas Rurais, Programas Habitacionais, o recebimento do Benefício de Prestação Continuada (BPC) para ter acesso à Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE), etc.

Nessa seara, a atuação do indígena registrado no Registro Civil das Pessoas Naturais tem relevância, independente da assistência de representante da Funai, perante os Serviços de Notas e Registros, solicitando procurações, escrituras públicas, atas notariais, testamento, reconhecimento de firmas, abertura de cartão de autógrafo,  inscrição de pessoa jurídica, habilitação de casamento, etc., e, em sendo analfabeto, com exceção do cartão de autógrafo e do reconhecimento de firma,  bastando colocar a impressão digital e que alguém o assista e assine a rogo. Mas esses atos podem ser requisitados pelo índio não integrado, devidamente assistido pelo representado da FUNAI.

O posicionamento diverso, favorável à utilização do RANI como documento suficiente para a emissão de outros documentos públicos, como o título de eleitor, teve o STJ no julgamento da AC n.º 180681:

[...] Alistamento. Voto. Indígena. Categorização estabelecida em lei especial. 'Isolado'. 'Em vias de integração'. Inexistência. Óbice legal. Caráter facultativo. Possibilidade. Exibição. Documento. Registro Civil de Nascimento ou administrativo da FUNAI.1. A atual ordem constitucional, ao ampliar o direito à participação política dos cidadãos, restringindo o alistamento somente aos estrangeiros e aos conscritos, enquanto no serviço militar obrigatório, e o exercício do voto àqueles que tenham suspensos seus direitos políticos, assegurou-os, em caráter facultativo, a todos os indígenas, independentemente da categorização estabelecida na legislação especial infraconstitucional anterior, observadas as exigências de natureza constitucional e eleitoral pertinentes à matéria, como a nacionalidade brasileira e a idade mínima. 2. Os índios que venham a se alfabetizar, devem se inscrever como eleitores, não estando sujeitos ao pagamento de multa pelo alistamento extemporâneo, de acordo com a orientação prevista no art. 16, parágrafo único, da Res.-TSE 21.538, de 2003. 3. Para o ato de alistamento, faculta-se aos indígenas que não disponham do documento de registro civil de nascimento a apresentação do congênere administrativo expedido pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI).[42]

MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS E TÍTULOS DA CARREIRA DE POLÍCIA CIVIL – RESERVA DE VAGAS DESTINADAS A ÍNDIOS – EMISSÃO DE PARECER DESFAVORÁVEL A CANDIDATO OPTANTE DAS COTAS – ABUSIVIDADE NA EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE CÉDULA OFICIAL DE IDENTIDADE COM REGISTRO DA ETNIA INDÍGENA OU REGISTRO ADMINISTRATIVO DE NASCIMENTO INDÍGENA – POSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO POR OUTROS DOCUMENTOS – CANDIDATO QUE JÁ FOI BENEFICIÁRIO DA COTA E DECLARAÇÃO EXPEDIDA PELA FUNAI RECONHECENDO SER O IMPETRANTE INDÍGENA DA COMUNIDADE GUAJAJARA DA TERRA INDÍGENA ARARIBÓIA – SEGURANÇA CONCEDIDA.[43]

 

6 CONCLUSÃO

Do exposto, verifica-se que a legislação voltada às comunidades indígenas busca não somente preservar, mas também ampliar as garantias e direitos, em especial, o direito de requerer a lavratura do assento de nascimento perante o Registro Civil das Pessoas Naturais.

Nesse sentido, destaca-se a edição da Resolução Conjunta n.º 3̸2012, elaborada em conjunto pelo CNJ e CNMP, voltada para a disciplina e os requisitos necessários para o assento de nascimento do indígena junto ao Registro Civil das Pessoas Naturais, atendendo as peculiaridades existentes dos usos, costumes e tradições, como a composição do nome, a faculdade do estabelecimento da etnia e da aldeia de origem, bem como o trâmite do registro tardio, facultando-se, quanto ao indígena considerado não integrado, a autonomia do registro administrativo confeccionado pela FUNAI. Dessa forma, solidifica-se a atuação do Registro Civil das Pessoas Naturais como meio de assegurar, entre outros direitos, o pleno atendimento ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previsto constitucionalmente.

NOTAS

1. L. 6.001̸1973, art. 3º, inc. I.

2. L. 6.001̸1973, art. 3º, inc. II.

3. L. 6.001.1973. Art. 4º - “Os índios são considerados: I - Isolados - Quando vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos e vagos informes através de contatos eventuais com elementos da comunhão nacional; II - Em vias de integração - Quando, em contato intermitente ou permanente com grupos estranhos, conservam menor ou maior parte das condições de sua vida nativa, mas aceitam algumas práticas e modos de existência comuns aos demais setores da comunhão nacional, da qual vão necessitando cada vez mais para o próprio sustento; III - Integrados - Quando incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem usos, costumes e tradições característicos da sua cultura”. 

4. CFB, art. 232.

5. SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Renascer dos povos indígenas para o direito. Curitiba : Juruá, 1999, p. 107.

6. RIO GRANDE DO SUL. TJRS. AI 70047982954- Comarca de Ronda Alta. 8ͣ Câmara Cível. Rel. Des. Ricardo Moreira Lins Pastel. Julgado em 12̸05̸2012. Data da publicação não disponível. Disponível em: http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21829939/agravo-de-instrumento-ai-70047982954-rs-tjrs/inteiro-teor-21829940. Acesso em: 18 de abril de 2015.

7. BRASIL. Superior Tribunal Justiça, DJ-e, 27.03.2015, p. 2.127. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/diarios/88785542/stj-27-03-2015-pg-2127?ref=topic_feed. Acesso em: 6 de abril de 2015.

8. L. 6.001̸ 1973, art. 13, caput.

9. RIO GRANDE DO SUL. PROCURADORIA GERAL DO ESTADO. Parecer n.º 16.251̸2014 da Procuradora Cristiane da Silveira Bayne. Porto Alegre, 5̸12̸2012. Disponível em:  http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=23&ved=0CCcQFjACOBQ&url=http%3A%2F%2Fwww2.pge.rs.gov.br%2Fpareceres%2Fpa16251.pdf&ei=S406VYK9L4jFggSc94H4BQ&usg=AFQjCNHSGoobTtz7MpYY8mBNS7RCpReNQw&sig2=mbpIVJxACBoMn4unipw0NQ&bvm=bv.91665533,d.eXY. Acesso em  15 de abril de 2015.

10. SÃO PAULO. Ministério Público Federal. Procuradoria Regional da República da Terceira Região. Parecer Ministerial na AC n.º 0000004-34.2012.4.03.6002, de 24.01.2013.  Data da publicação não disponível. Disponível em: http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=10&ved=0CE4QFjAJ&url=http%3A%2F%2Fwww.prr3.mpf.mp.br%2Fpareceres%2Fdownload.php%3Fdata%3D2013%2F01%2F28%26id%3D1041167%26titulo%3DAMS-2012.60.02.000004-3&ei=cVo2VaggxdSwBavsgfAH&usg=AFQjCNELWe9L7yB5Im-02HJOaTSRtlS_5A&sig2=-mB3IJlz-9qOpvubMddTqQ. Acesso em: 10 de abril de 2015.

11. LRP, art. 29, inc. I e art. 50, caput. CCB, art. 9º, inc. 1º.

12. BRASIL. Resolução conjunta CNJ̸CNMP, n.º 3̸ 2012, art. 1º.  MATO GROSSO. CNGCEMT. Cap. 8, Seção 12, Item  . SÃO PAULO. NSCGSP. Cap. XVII, n. 44.

13. LRP, art. 53,§1º.

14. LRP, art. 53, §2º.

15.       DINIZ, Maria Helena (TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz (coord.)). Código Civil comentado. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 15.

16.   BRASIL. CNJ. Prov. 13̸2010, art. 1º.

17. LRP, art. 52. “São obrigados a fazer declaração de nascimento: 1o) o pai ou a mãe, isoladamente ou em conjunto, observado o disposto no § 2o do art. 54; 2º) no caso de falta ou de impedimento de um dos indicados no item 1o, outro indicado, que terá o prazo para declaração prorrogado por 45 (quarenta e cinco) dias;  3º) no impedimento de ambos, o parente mais próximo, sendo maior achando-se presente; 4º) em falta ou impedimento do parente referido no número anterior os administradores de hospitais ou os médicos e parteiras, que tiverem assistido o parto; 5º) pessoa idônea da casa em que ocorrer, sendo fora da residência da mãe”.

18. BRASIL. CNJ. Prov. 16̸2012, art. 1º.

19. BRASIL. CNJ. Prov. 16̸2012, art. 3º, §§2º e 3º.

20. BRASIL. CFB, art. 1º, inc. III. BRASIL. CNJ. Prov. 16̸2012, art. 3º, §§2º e 3º. BRASIL. CNJ. Prov. 19̸2012, art. 1º.

21. L. nº 12.662/2012, art. 3º.

22. LRP, art. 52, §1º, incs I, II, III e IV.

23. BRASIL. CNJ. Prov. nº 3/2009, art. 7º.

24. LRP, art. 55, p.u.

25. BRASIL. Resolução Conjunta CNJCNMP n.º 3̸ 2012, art. 2º, §1º. MATO GROSSO. CNGCEMT, Cap. 8, Seção12, item 8.12.2.1.SÃO PAULO. NSCGJSP. Cap. XVII, n.º 44.1.

26. LRP, art. 33, inc. V c.c. art. 53, §1º.

27. Resolução conjunta CNJ̸CNMP, n.º 3̸2012, art. 2º, §3º. MATO GROSSO. CNGCEMT, Cap. 8, Seção 12, item 8.12.2.3. SÃO PAULO. NSCGJSP. Cap. XVII, n. 44.3.

28. Resolução conjunta CNJ̸CNMP, n.º 3̸2012, art. 2º, itens I e II.

29. CAMOLESI, Marcos Roberto Haddad. Notas e registros públicos. Porto Alegre: Núria Fabris Ed., 2013, pp. 77-78.

30. BRASIL. Resolução Conjunta CNJCNMP, n.º 3̸ 2012, art. 2º, §4º. MATO GROSSO. CNGCEMT, Cap. 8, Seção 12, item  8.12.2.4 e 8.12.4.1. SÃO PAULO. NSCGJSP. Cap. XVII, n. 44.4.

31. LRP, art. 198 e ss. LNR, art. 30, inc. XIII. BRASIL. Resolução Conjunta CNJCNMP, n.º 3̸ 2012, art. 2º, §5º. MATO GROSSO. CNGCEMT, Cap. 8, Seção 12, item 8.12.2.5. SÃO PAULO. NSCGSP. Cap. XVII, n. 44.5.

32. Resolução conjunta CNJ̸CNMP, n.º 3̸2012, art. 4º, incisos I, II e III.

33. LRP, art. 46.

34. BRASIL. Resolução Conjunta CNJ̸CNMP, n.º 3̸ 2012, art. 3º. LRP, art. 57.  A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei. MATO GROSSO. CNGCEMT. Cap. 8, Seção 12, item 8.12.3. SÃO PAULO. NSCGSP. Cap. XVII, n. 45.

35. BRASIL. Resolução Conjunta CNJCNMP, n.º 3̸ 2012, art. 3º, §1º. LRP, art. 110. MATO GROSSO. CNGCEMT. Cap. 8, Seção 12, item 8.12.3.1. SÃO PAULO. NSCGSP. Cap. XVII, n. 45.

36. BRASIL. Resolução Conjunta CNJCNMP, n.º 3̸2012, art. 2º, §6º. MATO GROSSO. CNGCEMT, Cap. 8, Seção 12, item 8.12.2.6.

37. LRP, art. 47. LNR, art. 32, incs. I, II, III e IV.

38. LNR, art. 37.

39. LNR, art. 22 c.c. art. 23.

40. SÃO PAULO. TRF 3º. AC 7620 MS 2005.03.99.007620-5. Rel. Juiz Sergio Nascimento. Julgado em 26̸̸06̸2007. Data da publicação não disponível. Disponível em: http://trf-3.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2169716/apelacao-civel-1008374-ac-7620. Acesso em: 17 de abril de 2015.

41. RIO GRANDE DO SUL. PROCURADORIA GERAL DO ESTADO. Parecer n.º 16.251̸2014 da Procuradora Cristiane da Silveira Bayne. Porto Alegre, 5̸12̸2012. Disponível em:  http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=23&ved=0CCcQFjACOBQ&url=http%3A%2F%2Fwww2.pge.rs.gov.br%2Fpareceres%2Fpa16251.pdf&ei=S406VYK9L4jFggSc94H4BQ&usg=AFQjCNHSGoobTtz7MpYY8mBNS7RCpReNQw&sig2=mbpIVJxACBoMn4unipw0NQ&bvm=bv.91665533,d.eXY. Acesso em 15 de abril de 2015.

42. BRASIL. STJ. AC. nº 1681. DJ-e, Brasília, de 6̸12̸2011. Rel. Min. Nancy Andrighi) Disponível em: http://temasselecionados.tse.jus.br/temas-selecionados/eleitor-do-alistamento-ao-voto/alistamento-eleitoral/indigenas. Acesso em: 10 de abril de 2015.

43. MATO GROSSO DO SUL. TJMS. MS nº 4013110-37.2013.8.12.0000- Comarca de Campo Grande. 2ͣ Seção Cível. Rel. Des. Atapoã da Costa Feliz. Julgado em 12̸04̸2014. Data da publicação não disponível. Disponível em: http://tj-ms.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/127531337/mandado-de-seguranca-ms-40131103720138120000-ms-4013110-3720138120000/inteiro-teor-127531347. Acesso em: 18 de abril de 2015.

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SÃO PAULO. Ministério Público Federal. Procuradoria Regional da República da Terceira Região. Parecer Ministerial na Apelação Cível n.º 0000004-34.2012.4.03.6002, de 24̸1̸2013.  Data da publicação não disponível. Disponível em: http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=10&ved=0CE4QFjAJ&url=http%3A%2F%2Fwww.prr3.mpf.mp.br%2Fpareceres%2Fdownload.php%3Fdata%3D2013%2F01%2F28%26id%3D1041167%26titulo%3DAMS-2012.60.02.000004-3&ei=cVo2VaggxdSwBavsgfAH&usg=AFQjCNELWe9L7yB5Im-02HJOaTSRtlS_5A&sig2=-mB3IJlz-9qOpvubMddTqQ. Acesso em: 10 de abril de 2015.

_______. Tribunal Regional Federal da 3º Região. Apelação Civel 7620 MS 2005.03.99.007620-5. Rel. Juiz Sergio Nascimento. Julgado em 26̸̸6̸2007. Data da publicação não disponível. Disponível em: http://trf-3.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2169716/apelacao-civel-1008374-ac-7620. Acesso em: 17 de abril de 2015.

________. Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, destinadas aos Cartórios Extrajudiciais. Provimento n.º 58̸1989 – CGJ, atualizado até 2014. São Paulo, 1989.

SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Renascer dos povos indígenas para o direito. Curitiba : Juruá, 1999.

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Sobre o autor
Marcos Roberto Haddad Camolesi

Formado em Direito pela Universidade de Cuiabá, Estado de Mato Grosso, com conclusão do curso em primeiro lugar. Como Advogado atuou nas áreas civil, processual civil, constitucional, administrativo e penal, cuja profissão exerceu no período de 2000 até 2003, inclusive como Curador e Defensor Dativo da Justiça Federal do Estado de Mato Grosso. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade de Cuiabá-MT e em Direto Notarial e Registral pelo Instituto Brasileiro de Estudos (IBEST) de Londrina-PR. Foi aprovado em 2003 no concurso público de ingresso na função Registral e Notarial o Estado de Mato Grosso, a qual exerce até hoje como Registrador e Notário do Segundo Ofício Extrajudicial da Comarca de Nova Xavantina, com outorga das competências de Registro Civil da Pessoa Natural, Registro Civil da Pessoa Jurídica, Tabelionato de Notas e Tabelionato de Protestos. Autor do livro "Notas e Registros Públicos", publicado pela Núria Fabris Editora.

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